Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:163/05.9 BELLE-A
Secção:CA
Data do Acordão:03/03/2022
Relator:DORA LUCAS NETO
Descritores:EXECUÇÃO DE SENTENÇA
CAUSA LEGITIMA INEXECUÇÃO
INDEMNIZAÇÃO PELO FACTO DA INEXECUÇÃO
EQUIDADE
ART. 566.º CC
Sumário:I - A indemnização por inexecução da sentença deverá ser acordada entre as partes, num procedimento expedito;
II - Ainda que arbitrada pelo tribunal, caso as partes não cheguem a acordo, sê-lo-á com base num juízo equitativo, nos termos do n.º 3 do art. 566.º do CC, sempre que surja dificuldade, ou impossibilidade, em quantificar com exatidão o valor monetário correspondente à perda motivada pela inexecução do julgado;
III - O cálculo do valor monetário correspondente àquela perda poderá orientar-se por alguns elementos referenciais, tais como, as condições de êxito da ação executiva intentada pelo autor, caso não se verificasse a causa legítima de inexecução de sentença; a vantagem económica final que a oportunidade poderia proporcionar e o tempo entretanto decorrido;
IV - No pressuposto de que a indemnização em apreço dispensa o apuramento do montante indemnizatório correspondente à efetiva perda sofrida pelo exequente em resultado da prática do ato anulado, a indemnização por inexecução de sentença deverá assumir a natureza de uma compensação simbólica;
V - A vantagem económica final que a oportunidade perdida pelo Recorrente, em concorrer novamente ao concurso em apreço, avaliada esta em cerca de 30% de probabilidade de êxito, não podem desconsiderar, como referencial da decisão a proferir, o valor das diferenças salariais aplicáveis e respetivas progressões de escalão até à aposentação do exequente, tomando como acertados os valores salariais e de progressão na carreira, como base de cálculo razoável, entre os anos de 2005 e 2019;
VI - Não será se desconsiderar, também, os cerca de 17 anos de pendência do litígio, sendo que, só por si, a ação executiva esteve pendente por mais de 9 anos;
VII - Entende este tribunal de recurso não ser de manter o julgado pelo tribunal a quo, na parte em que fixou em 5.000€ (cinco mil euros) o montante a atribuir pelo facto da inexecução, por se reputar que o juízo de equidade que suportou o seu arbitramento se revela desadequado e injusto, no caso concreto, razão pela qual se justifica a intervenção corretiva deste tribunal de recurso.
VIII - Assim, e julgando em substituição, ponderadas adequadamente as circunstâncias do caso concreto supra elencadas, segundo critérios de equidade, por via do disposto no art. 566.º, do CC, e tendo em conta o que resultou provado nos autos, será de atribuir o montante de 20.000€ (vinte mil euros), ao Recorrente, pelo facto da inexecução da sua sentença.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

A…, intentou no TAF de Loulé, contra a UNIVERSIDADE DO ALGARVE, processo de execução da sentença que havia anulado a deliberação de 25.11.2004 do júri do concurso documental que havia sido aberto para provimento de dois lugares de professor associado do grupo de Engenharia Eletrónica e Computação, do quadro de pessoal da Executada, no qual ficou posicionado em sexto lugar na respetiva lista classificativa final.

Por sentença do TAF de Loulé, de 20.02.2014, foi a ação executiva julgada improcedente.

Não se conformando, veio o exequente interpor recurso jurisdicional para este tribunal de recurso que, por acórdão de 26.11.2020, lhe concedeu provimento, revogou parcialmente a sentença recorrida e, conhecendo em substituição, ordenou a baixa dos autos ao TAF de Loulé, para tramitação subsequente dos autos, cumprindo o disposto no art. 166.º CPTA.

Na sequência do que, o TAF de Loulé, ordenou a notificação das partes nos termos e para os efeitos previstos no art. 166.°, n.° 1, do CPTA, tendo as mesmas informado que não lograram chegar a acordo quanto aos termos e montante da indemnização devida, mais requerendo o cumprimento do previsto no n° 2 do art. 166° do referido diploma - cfr. fls. 304 e 310, ref. SITAF.

Por sentença de 18.04.2021, o tribunal a quo atribuiu ao A. uma indemnização de 5.000,00 €, pelo facto da inexecução.

Não se conformando, veio o exequente interpor recurso jurisdicional para este tribunal de recurso, tendo aqui concluído como se segue – cfr. fls. 373 e ss., ref. SITAF:

«(…)
I Após Acórdão desse Venerando Tribunal ad quem de 26 de Novembro de 2020, que ordenou a baixa dos Autos à primeira instância para seguir a tramitação do artigo 166° do CPTA, em sede de arbitramento de indemnização por inexecução de sentença, foi seguido o respectivo processo, tendo as partes trocado entre si propostas de indemnização muito diferentes: O Recorrente apresentou o cálculo da indemnização que julga ser-lhe devida, e que aponta para 594.899,98€, fruto de uma cuidadosa contabilidade de todos os diferenciais de rendimento perdidos ao longo dos anos até à reforma, que ocorreu em 2019, bem como do cálculo dos rendimentos perdidos em termos de pensão de reforma, considerando a expectativa média de vida estatística de 81 anos, para além de uma computação dos danos morais sofridos com a frustração da possibilidade de ter ascendido a professor catedrático; A Recorrida Universidade do Algarve contrapropôs o valor de 16.545, 32 €, que partiram do pressuposto seguinte: um valor de diferenças salariais de 82.276,61 €, considerando cerca de 4.000 € de juros (ao longo de 16 anos...) e uma taxa de probabilidade de chance de 20%.

II Não tendo as partes logrado obter acordo, o processo retornou ao Tribunal, que proferiu sentença pela qual atribui uma indemnização de 5.000,00 € (cinco mil euros) ao ora Recorrente, «Considerando tudo o quanto se deixou exposto, concretamente, o facto de terem decorrido 18 (dezoito) anos sobre o procedimento concursal em causa, bem como, as expectativas do próprio Exequente e, por fim, atendendo a juízos de razoabilidade, e de equidade na sua fixação, tudo visto e sopesado, fixa-se a indemnização a pagar pela Executada ao Exequente, pela perda de oportunidade, no valor de €5.000,00 (cinco mil euros)».

III O pressuposto inicial do pedido de execução de sentença deduzido pelo Recorrente era o de que a anulação de um acto administrativo, constitui a Administração - neste caso, a Executada - no dever de proceder aos actos jurídicos e operações materiais necessários à reintegração efectiva da ordem jurídica violada, mediante a reconstituição da situação que existiria se o acto ilegal - deliberação do júri do concurso - não tivesse sido praticado.

IV Este pressuposto foi inteiramente subvertido pelo Acórdão desse Venerado Tribunal de Novembro de 2020, que entendeu que tinha ocorrido causa de inexecução de sentença e que a única forma de execução possível teria sido a de abrir novo concurso que remediasse as ilegalidades do anterior, o que seria patentemente impossível por todas as razões e mais algumas, designadamente o facto de o Recorrente se ter reformado em 2019, pelo que a «composição» da sua carreira docente estaria definitivamente fixada e adquirida.

V Assim, os pedidos do recorrente respeitantes à reconstituição da sua carreira caíram in totum, pelo que apenas subsiste o dever objectivo de a Administração indemnizar o Recorrente, pelo que o âmbito da presente acção passou do artigo 173° do CPTA para o artigo 166° do mesmo código. É pois neste âmbito que deve ser estabelecida a indemnização a pagar ao Recorrente. O Tribunal a quo, sem fixar qualquer critério, salvo o da comparação com outros casos cuja factualidade se desconhece, entendeu por bem, justo, equitativo e razoável, fixar tal indemnização em 5.000,00 €.

VI Será pois neste âmbito e de acordo com as baias jurisprudenciais estabelecidas pelo STA que o caso se deverá pautar, sendo que «nenhuma dúvida há de que, em relação aos danos ressarcíveis no âmbito da acção executiva, não é aplicável, neste caso de indemnização por inexecução da sentença, o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas por actos ilícitos (Vd. acórdão de 25.02.09, Proc. n.° 047472A). Basta atentar na circunstância de que o que se está a considerar é uma situação em que se verifica uma causa lícita de incumprimento do julgado, ou seja, em que a inexecução não pode ser considerada um acto ilícito.

Ainda assim, tratando-se de um caso de responsabilidade civil do Estado, não poderá a indemnização ser atribuída sem que se verifiquem alguns dos seus pressupostos, a saber, a existência de danos e a verificação do nexo de causalidade. O carácter sui generis da indemnização por inexecução de sentença reflecte-se em ambos, mas é em relação ao nexo de causalidade que poderão surgir algumas dificuldades que se repercutirão, sobretudo, na avaliação dos danos e na consequente fixação do quantum reparatório. Basicamente, este nexo de causalidade tem que ser relativizado, devendo a avaliação dos danos fazer-se com base numa ideia de maior ou menor grau de probabilidade (ou de maior ou menor “margem de incerteza”) - sendo certo que a sua quantificação também não se afigura fácil (Vd. acórdão de 20.11.12, Proc. n.° 0949/12.)» - ACÓRDÃO do Supremo Tribunal Administrativo de 12-07-2017 - Processo: 0817/14.

VII «I -Numa ação executiva de julgado anulatório em que ocorra situação de causa legítima de inexecução apenas pode ser peticionada e arbitrada indemnização dos danos “pelo facto da inexecução” e não dos danos advenientes do acto administrativo ilegal, sendo que a reparação destes deverá ser realizada na acção administrativa comum enquanto forma processual idónea e adequada para tal efeito. (Acórdão do STA de 7 de Maio de 2015, da 1a Secção, processo 47207a)»

VIII «Da conjugação dos arts. 166.°, 173.° e 178.° todos do CPTA deriva a existência dum mecanismo indemnizatório que visa compensar o exequente pelo facto de se haverem frustrado os fins prosseguidos com a dedução do processo executivo, sendo que tal compensação destina-se a ressarcir o exequente apenas dos danos decorrentes dessa impossibilidade ou da “expropriação” do direito à execução, à reconstituição da situação atual hipotética» (idem) ; «Tal impossibilidade ou “expropriação” daquele direito constitui, de per se, um dano real, autónomo e diferenciado, que importa ser reparado por via indemnizatória e que é uma consequência directa e automática do reconhecimento da existência de causa legítima de inexecução, operando ope legis, enquanto assente numa responsabilidade objectiva» (idem) 

IX «Os prejuízos a ressarcir serão, tão-só, os prejuízos que derivem da causa legítima de inexecução, neles se podendo integrar:

(i) os custos associados à litigância no tribunal administrativo no quadro dos meios contenciosos accionados pelos demandantes/exequentes para fazerem valer os seus direitos e interesses;

(ii) os danos [patrimoniais / não patrimoniais] que sejam advenientes da estrita perda da posição decorrente do juízo anulatório, da frustração quanto ao uso inglório ou inútil do recurso à tutela jurisdicional, sendo que nestes será de considerar no seu âmbito a existência, enquanto consequência normal ainda que não automática, dum dano que se presume como existente, sem necessidade de dele fazer prova, sempre que a violação tenha sido objectivamente constatada;

(iii) os danos advindos da prática do acto de adjudicação ilegal quando, no quadro da tutela jurisdicional, mormente, em sede de execução, se lograria obter uma efectiva repristinação da situação actual hipotética, com recuperação da posição que havia sido perdida.

X Analisada a sentença recorrida, verifica-se que nenhum destes critérios foi tomado em qualquer consideração: O tempo empregue no uso dos mecanismos de tutela jurisdicional por parte dos exequentes e os custos associados à litigância no tribunal administrativo no quadro dos meios contenciosos accionados pelos demandantes/exequentes para fazerem valer os seus direitos e interesses, eram factores de muito fácil e objectiva avaliação, tendo a própria sentença feito notar que o tempo de litigância ia nos 18 anos e - se tivesse feito a instrução processual que expressamente recusou - teria facilmente concluído que os custos associados à litigância excederam os vinte mil euros;

XI Os valores económicos envolvidos no quadro do objecto de litígio, estavam expressos nas posições das partes, entre o pedido do Recorrente a o valor aceite e proposto pela Recorrida, como se alegou acima em 29 e 30, 32 e 33;

XII Quanto aos termos da pronúncia que se mostram vertidos na decisão judicial anulatória exequenda e, aquilo que daí poderiam ser as expectativas a obter quanto ao restabelecimento da posição jurídica subjectiva, eles são inequívocos no sentido de que a ilegalidade de que o acto padecia era substancial e muito desfavorável ao recorrente: «merece acolhimento o evocado pelo Autor de que não foram previamente definidos os métodos e critérios da avaliação curricular dos candidatos; ao não ter sido acautelado previamente à apreciação pelo júri dos currículos e demais documentos dos candidatos, a definição dos critérios para a respectiva avaliação, vinga o vício [alegado]; centra- se o referido vício no facto de todo o conjunto de regras por que foi sendo delineada a valoração concedida ao acervo documental de cada candidato, plasmada nas actas, ter sido definida em momento posterior ao conhecimento dos currículos».

XIII As expectativas a obter quanto ao restabelecimento da posição jurídica subjectiva em termos de estabelecimento de um cálculo probabilístico da chance do Recorrente eram não extremamente fáceis mas grosso modo possíveis de avaliar: é inteiramente verdade que a repetição de um concurso não asseguraria automaticamente o vencimento da candidatura do ora Recorrente, mas o contra-factual também não pode ser estabelecido, uma vez que se o concurso tivesse acautelado - como devia - que os métodos e critérios da avaliação curricular dos candidatos fossem previamente definidos e que a valoração concedida ao acervo documental de cada candidato, plasmada nas actas, tivesse sido definida em momento anterior ao conhecimento dos currículos, seria muito natural e provável que a candidatura do ora Recorrente tivesse tido uma muito melhor classificação uma vez que era o único candidato que no seu currículo podia exibir as provas de agregação já prestadas.

XIV Face aos termos substantivos da sentença anulatória é possível concluir que a probabilidade de o recorrente ter logrado obter sucesso na execução de tal sentença era bem maior do que a possibilidade de não lograr obter tal sucesso.

XV Ora, ignorando totalmente a jurisprudência do Supremo, o Tribunal a quo entendeu expressamente que «Não se mostrando possível aferir o grau de probabilidade que o ora Exequente tinha em ser provido no lugar a concurso (frisando-se que, a este respeito, mais do que qualquer probabilidade matemática por reporte ao n.° de vagas e de candidatos, está em causa uma avaliação com base em métodos e critérios objetivos de avaliação curricular, a qual pressupõe naturalmente um pendor subjetivo acometido à Administração), a indemnização a que o mesmo tem direito pela não execução e os danos que para este advieram, nomeadamente por ter perdido a oportunidade de concorrer ao concurso em causa no estrito cumprimento da lei, que se impõe por critérios de justiça, haverá de ser calculada com recurso à equidade nos termos do artigo 566.°, n.°3 do Código Civil, nos termos do qual “Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.”; tendo daqui extraído a conclusão de que,

XVI «Impõe-se, por isso, a seguinte questão: quais são os danos que resultam provados para o Exequente? Compaginada a factualidade provada temos que outros não existem, para além daqueles que decorrem do prejuízo que teve por não ver a sentença anulatória cumprida com o reinício do procedimento e a possibilidade de vir a ser graduado num dos 2 (dois) lugares a concurso [cfr. Factos Provados EE), FF) e KK)]. Com efeito, o que está em causa é uma mera compensação moral pela não reposição da legalidade violada.» Cfr. Pág 25 da sentença.

XVII Conforme bem diz o Supremo Tribunal de Justiça (ver por todos Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n° 6/2002, de 28.05.2002), «A perda de chance relaciona-se com a circunstância de alguém ser afectado num seu direito de conseguir uma vantagem futura, ou de impedir um dano por facto de terceiro.», num quadro jurídico em que «se acentua que a responsabilidade civil deve ter uma função sancionatória e tuteladora das expectativas e esperanças dos cidadãos na sua vida de relação».

XVIII Sendo requisito da existência da perda de chance que «se possa afirmar que o lesado tinha uma chance [uma probabilidade, séria, real, de não fora a actuação que lesou essa chance], de obter uma vantagem que probabilisticamente era razoável supor que almejasse e/ou que a actuação omitida, se o não tivesse sido, poderia ter minorado a chance de ter tido um resultado não tão danoso como o que ocorreu». (idem).

XIX A indemnização de que estamos a falar no presente processo é esta: não se visa indemnizar a perda do resultado querido, mas antes a da oportunidade perdida, como um direito em si mesmo violado. Essa foi a decisão desse Venerando Tribunal ad quem no seu anterior Acórdão e essa decisão foi violada pelo Tribunal a quo, como acima se expôs.

XX O Tribunal a quo ignorou olimpicamente todo este acervo jurisprudencial dos Supremos e decidiu que a única causa de pedir do Recorrente era «uma mera compensação moral pela não reposição da legalidade violada.» (Cfr. Pág 25 da sentença) que avaliou por comparação com outros casos cuja factualidade nem analisou nem se conhece, em cinco mil euros.

XXI Teríamos assim que o Recorrente, decorridos 18 anos sobre o início desta sua via sacra nem um quarto dos custos de litigância do presente processo conseguiria recuperar, que a Recorrida teria podido prosseguir sem custo algum nem outra indemnização que não simbólica uma via de ilegalidade e discriminação de candidatos e que, em suma, o crime compensa.

XXII Como é evidente, esta conclusão penosa é inaceitável e a sentença recorrida não pode subsistir.

Pelo que se pede a esse Venerando tribunal ad quem que faça finalmente Justiça e dentro dos parâmetros legais estabeleça e arbitre uma indemnização justa, equitativa e razoável.

(…)».

A Recorrida contra-alegou, pugnando pelo não provimento ao recurso – cfr. fls. 408 e ss., ref. SITAF.

Neste tribunal, o DMMP não emitiu pronúncia.

Com dispensa de vistos, mas com entrega prévia do texto do acórdão aos Mmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.

I.1. Questões a apreciar e decidir

As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respetivas conclusões, traduzem-se em conhecer do erro de julgamento em que terá incorrido a sentença recorrida ao ter arbitrado a quantia de 5.000€ (cinco mil euros) pelo facto da inexecução da sentença de anulação do concurso a que o Recorrente havia sido oponente e no qual ficou graduado em sexto lugar, para duas vagas a preencher.

II. Fundamentação

II.1. De Facto

A matéria de facto constante da sentença recorrida, cfr. fls. 337 e ss., do SITAF, embora não impugnada, é aqui transcrita na parte relevante:
«(…)
A. Por edital, foi publicado no Diário da República, II Série, n° 155, de 08.07.2002, retificado pelo Diário da República, II Série, n° 185, de 12.08.2002, o aviso de abertura do concurso documental para 2 (duas) vagas de professor associado do grupo de Engenharia Eletrónica e Computação, áreas científicas de Ciências da Computação, Arquitetura dos Sistemas Informáticos, Sistemas de Informação e Bases de Dados, Sistemas de Controlo, Eletrónica e Telecomunicações da Universidade do Algarve, cfr. fls. 371 a 374 do processo administrativo junto ao Processo n° 163/05.9BELLE.
(…)
DD. Por despacho de 16.02.2005, do Reitor da Universidade do Algarve, exarado na Informação de 11.02.2005, da Diretora de Serviços de Recursos Humanos, na qualidade de secretária da reunião do júri, foram nomeados como Professores Associados, os Professores Doutores J… e H…, cfr. fls. 400 do processo administrativo junto ao Processo n° 163/05.9BELLE.

EE. Por sentença proferida em 14.05.2008 no Processo n° 163/05.9BELLE, foi anulada a deliberação do júri de 25.11.2004 que havia posicionado o Exequente no sexto lugar da lista classificativa final do concurso documental para provimento de dois lugares de professor associado do grupo de Engenharia Eletrónica e Computação do quadro de pessoal da Universidade do Algarve, cfr. fls. 69 a 93 dos autos físicos do Processo n° 163/05.9BELLE.

FF. Pelo douto Acórdão de 09.02.2012, o Venerando Tribunal Central Administrativo Sul confirmou a sentença referida em EE) e transitou em julgado, cfr. fls. 155 a 164 dos autos físicos do Processo n° 163/05.9BELLE.

GG. A Executada dirigiu ao Exequente, ofício n° R…../12, datado de 22.05.2012, sob o assunto “Execução de sentença - Processo n° 163/05.9BELLE”, do qual consta designadamente, o seguinte:
Considerando a decisão tomada no processo supra mencionado, cumpre-me esclarecer V.Exa do seguinte:
Com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, confirmada pelo Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 9/2/2012, tinha a Universidade do Algarve que, espontaneamente, dar execução à mesma, salvo ocorrência de causa legítima de inexecução, tal como estabelecido no n°l do artigo 162.° e artigo 173°, ambos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).
Como é conhecimento de V.Exa foi recentemente interposta ação no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, onde V.Exa peticiona, como consequência do não cumprimento de decisão anterior (…)Proc.n. 1…/96 da 2a secção da 6ª Unidade Orgânica do Tribunal Administrativo do Circulo de Lisboa),indemnização e reestruturação da sua carreira académica com a eventual nomeação na categoria de professor catedrático. Essa ação de reconhecimento de direitos corre termos sob o processo n° 3…/12…..E e não foi, ainda, decidida.
Esta situação e o seu conhecimento são supervenientes à decisão que não é possível executar.
A execução da decisão implicaria que as pessoas que foram providas no concurso deixassem de ter progressão nas carreiras e de poder obter a categoria idêntica ou superior à que o concurso de 2002 se destinava.
Passados cerca de dez anos, seria absolutamente redundante, porventura impossível, reabrir o concurso, com a mesma composição do júri. Eventualmente, alguns dos seus elementos, já se encontram desligados do serviço, além de que um dos candidatos já presta serviço noutro local, desde outubro de 2010.
Mas, ainda que admitida essa possibilidade, com a repetição do ato, nos termos legalmente previstos, a mesma colidiria sempre com o (e dependeria do) sucesso ou insucesso da ação agora intentada por V.Exa para restruturação da sua carreira e progressão a professor catedrático.
A executar a sentença, a Universidade do Algarve teria de reconstituir toda a situação (e posteriores situações que dela já decorreram e se firmaram, de facto e de direito) que existiria não fora a declaração de nulidade do ato, implicando que os efeitos e os provimentos reportados ao momento do ato sindicado se alterassem substancialmente, quer em questões de antiguidade dos interessados, quer quanto aos regimes de dotações para vencimentos de pessoal docente desde os anos de 2004 a 2012, quer quanto ao refazer das provas académicas e carreiras dos candidatos, quer, sobretudo, quanto à consequente determinação de que todos os lugares entretanto ocupados, por posteriores concursos, fossem considerados vagos, com uma nova e interminável cadeia de repetições de concursos para preenchimento de tais lugares.
A doutrina e a jurisprudência têm pacificamente entendido que as situações de facto constituídas à sombra de acto nulo se transformem em situações de direito, como que por efeito de usucapião Como refere o Prof. Marcelo Caetano (in “Manuel de Direito Administrativo,
Vol. I, págs. 420, 421 e 527; e Vol. II, pág. 646) “não se trata de sanar um acto por natureza insanável, mas sim atribuir efeitos ao tempo decorrido.
Por fim, a ação de reconhecimento de direitos em curso e acima identificada, cuja decisão se aguarda, impede também que se execute a decisão cujos efeitos estão aí a ser apreciados e julgados.
Pelo exposto, entendemos existir causa legítima de inexecução da sentença por impossibilidade absoluta e grave prejuízo para o interesse público, se tal execução tiver de ocorrer.
(...)”, cfr. documento n° 3 junto com a petição inicial.

HH. Em 23.10.2012, o Exequente instaurou a presente ação, cfr. fls. 1 (paginação eletrónica).

II. Em 06.03.2012 foi proferida sentença que julgou a presente ação improcedente, cfr. fls. 88 (paginação eletrónica).

JJ. Em 23.04.2013 o Exequente interpôs recurso da decisão referida na alínea precedente, cfr. fls. 149 (paginação eletrónica).

KK. Em 26.11.2020 foi proferido Acórdão pelo Venerando Tribunal Central Administrativo Sul, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, tendo- se decidido o seguinte:
“Pelo exposto, acordam os juízes da secção do contencioso administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar parcialmente a sentença recorrida e, conhecendo em substituição, ordenar a baixa dos autos ao TAF de Loulé, para tramitação subsequente dos autos, cumprindo o disposto no art. 166 ° CPTA”, cfr. fls.245 (paginação eletrónica).

LL. O Exequente está aposentado, enquanto Professor Auxiliar com Agregação, do mapa de pessoal docente da Executada, cfr. Aviso (extrato) n.° 1097/2020, publicado no DR., 22 Série, de 22.01.2020, com efeitos a 01.12.2019.

MM. O Exequente e a Executada não chegaram a acordo quanto ao montante indemnizatório, cfr. acordo.

Facto não provados
Inexistem factos alegados a dar como não provados com interesse para a decisão.
Motivação
A decisão da matéria de facto provada fundou-se na posição assumida pelas partes nos respetivos articulados e na análise crítica dos documentos juntos aos autos, os quais não foram impugnados, incluindo o processo administrativo e na consulta da tramitação no Sitaf, conforme indicado em cada uma das alíneas do probatório.
(…)».

Aditam-se à matéria de facto os seguintes factos, ao abrigo do disposto no art. 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art. 140.º, do CPTA:

NN) No decurso do presente processo, o Recorrente candidatou-se em novo concurso, do qual foi igualmente excluído, tendo a respetiva deliberação sido igualmente impugnada, com ganho de causa por falta de fundamentação do ato de graduação dos candidatos e. que, pendente de recurso, integra os autos que correm termos neste tribunal, sob o número 3…/1….E, igualmente provenientes do TAF de Loulé – cfr. documento junto aos autos pelo recorrente a fls. 232 e ss., ref. SITAF;

OO) Na pendência destes dois processos terá sido aberto novo concurso, em 2011, pela Universidade do Algarve para a mesma área a que diziam respeito os dois concursos impugnados - cfr. documento junto aos autos pelo recorrente a fls. 232, ref. SITAF;

PP) O Recorrente não se candidatou ao concurso identificado na alínea que antecede - cfr. documento junto aos autos pelo recorrente a fls. 232, ref. SITAF.

De Direito
Do erro de julgamento em que terá incorrido a sentença recorrida ao ter arbitrado a quantia de 5.000€ (cinco mil euros) pelo facto da inexecução da sentença de anulação do concurso a que o Recorrente havia sido oponente e no qual ficou graduado em sexto lugar, para duas vagas a preencher.

Insurge-se o Recorrente contra o assim decidido, alegando, em suma, que:

O tribunal a quo, sem fixar qualquer critério, salvo o da comparação com outros casos cuja factualidade desconhece, entendeu por bem, justo, equitativo e razoável, fixar tal indemnização em 5.000,00 € - cfr. alínea V) das conclusões de recurso.

E que, sendo «Os prejuízos a ressarcir serão, tão-só, os prejuízos que derivem da causa legítima de inexecução, neles se podendo integrar:

(i) os custos associados à litigância no tribunal administrativo no quadro dos meios contenciosos accionados pelos demandantes/exequentes para fazerem valer os seus direitos e interesses;

(ii) os danos [patrimoniais / não patrimoniais] que sejam advenientes da estrita perda da posição decorrente do juízo anulatório, da frustração quanto ao uso inglório ou inútil do recurso à tutela jurisdicional, sendo que nestes será de considerar no seu âmbito a existência, enquanto consequência normal ainda que não automática, dum dano que se presume como existente, sem necessidade de dele fazer prova, sempre que a violação tenha sido objectivamente constatada;

(iii) os danos advindos da prática do acto de adjudicação ilegal quando, no quadro da tutela jurisdicional, mormente, em sede de execução, se lograria obter uma efectiva repristinação da situação actual hipotética, com recuperação da posição que havia sido perdida.

Analisada a sentença recorrida, verifica-se que nenhum destes critérios foi tomado em qualquer consideração:

O tempo empregue no uso dos mecanismos de tutela jurisdicional por parte dos exequentes e os custos associados à litigância no tribunal administrativo no quadro dos meios contenciosos accionados pelos demandantes/exequentes para fazerem valer os seus direitos e interesses, eram factores de muito fácil e objectiva avaliação, tendo a própria sentença feito notar que o tempo de litigância ia nos 18 anos e - se tivesse feito a instrução processual que expressamente recusou - teria facilmente concluído que os custos associados à litigância excederam os vinte mil euros» - cfr. alíneas IX a X das conclusões de recurso.

Aduzindo ainda que «Os valores económicos envolvidos no quadro do objecto de litígio, estavam expressos nas posições das partes, entre o pedido do Recorrente a o valor aceite e proposto pela Recorrida, como se alegou acima em 29 e 30, 32 e 33».

Tem interesse atentarmos no que foi alegado nos citados artigos 29 a 30 e 32 e 33 das alegações de recurso apresentadas pelo Recorrente:

«29 O Recorrente calculou cada um destes factores, num total de diferenciais com juros, de 219.700,98€, a que acresce o total de compensação de reforma- 95.199,00€, ou seja, TOTAL DE VENCIMENTOS- 314.899,98€, conforme os cálculos juntos no Anexo II, que se juntou ao pedido de liquidação da indemnização.

30. Por outro lado, o Recorrente considerou, porque é inteiramente justo e adequado fazê-lo, os danos [patrimoniais / não patrimoniais] que sejam advenientes da estrita perda da posição decorrente do juízo anulatório, da frustração quanto ao uso inglório ou inútil do recurso à tutela jurisdicional, sendo que nestes será de considerar no seu âmbito a existência, enquanto consequência normal ainda que não automática, dum dano que se presume como existente, sem necessidade de dele fazer prova, sempre que a violação tenha sido objectivamente constatada, no valor de 280.000,00 €, que representam a perda patrimonial e não patrimonial da ruína da sua carreira docente que o acto anulado e a sua não execução representam.

(…)

32 A Recorrida por seu turno, limitou o seu cálculo ao valor dos diferenciais de salário sem entrar em linha de conta com o facto de que a impossibilidade de ascender a professor associado (com agregação de que o Recorrente já dispunha à época do concurso) era condição necessária e suficiente para o habilitar a concurso para professor catedrático. Quer isto dizer que a impossibilidade de prosseguir na sua carreira para professor convidado, implicava necessariamente a impossibilidade de, no tempo próprio aceder a professor catedrático.

33 Ainda assim, e apesar de ter feito um cálculo de juros incompreensível, que reduz em 17 anos os juros a cerca de 4.000,00 €, a Recorrida apurou um valor de diferencial salarial de 82.726,61 €.»

Atentemos por fim, à fundamentação relevante da sentença recorrida, para ter chegado à quantia de 5 000€ (cinco mil euros) como devida ao Recorrente, ali exequente, pelo facto da inexecução.

«(…) o facto de ser o único dos candidatos habilitado com o grau de Agregação possa ser relevante para aferir, com segurança, que o Exequente seria provido num dos 2 (dois) lugares a concurso.

Determina o artigo 38.°, n.°1 do Estatuto da Carreira de Docente Universitário (EDCU), aprovado pelo Decreto-Lei n.° 448/79, de 13 de novembro, que a(o)s concursos para professores catedráticos, associados e auxiliares destinam-se a averiguar a capacidade e o desempenho dos candidatos nos diferentes aspectos que, nos termos do artigo 4.°, integram o conjunto das funções a desempenhar”, para o que são apreciados, nomeadamente, “o desempenho científico, a capacidade pedagógica e o desempenho noutras actividades relevantes para a missão da instituição de ensino superior” (cfr. n.° 2 do mesmo artigo).

O artigo 50.° do ECDU, com a epígrafe “Funcionamento dos júris”, estabelece no seu n.° 6, que: “O júri deve proceder à apreciação fundamentada, por escrito, em documentos por ele elaborados e aprovados e integrados nas suas actas: a) Do desempenho científico do candidato com base na análise dos trabalhos constantes do currículo, designadamente dos que hajam sido seleccionados pelo candidato como mais representativos, nomeadamente no que respeita à sua contribuição para o desenvolvimento e evolução da área disciplinar; b) Da capacidade pedagógica do candidato, tendo designadamente em consideração, quando aplicável, a análise da sua prática pedagógica anterior; c) De outras actividades relevantes para a missão da instituição de ensino superior que hajam sido desenvolvidas pelo candidato.”

Feito este enquadramento, em primeiro lugar, entende-se que, desde logo face ao decidido no âmbito do processo principal e dada a procedência da alegação do ali Autor e aqui Exequente, no sentido de que júri do concurso não estabeleceu previamente os métodos e os critérios objetivos de avaliação curricular dos candidatos, a execução da anulação da deliberação do júri de 25.11.2004 iria implicar o reinicio do procedimento, procedendo-se à constituição de novo júri, fixando-se, previamente e tal como decidido, os métodos e os critérios objetivos de avaliação curricular dos candidatos, submetendo- se a concurso os mesmos candidatos, ao que sempre se seguiria a avaliação da candidatura de acordo com os critérios de avaliação fixados (neste mesmo sentido consta do douto aresto do TCAS “(...) Estar a executar uma sentença que obriga, como vimos, constituição de um novo júri, à submissão a concurso dos mesmos candidatos que se opuseram ao mesmo em 2002/2003 e à sua graduação”). Ora, tal tarefa de avaliação encontra-se acometida ao júri do procedimento, não podendo o Tribunal substituir-se a este nessa mesma tarefa. Caberia assim ao júri do procedimento, no âmbito da sua discricionariedade técnica apreciar os méritos da candidatura, de acordo com os critérios ainda a fixar.

Em segundo lugar, há que sopesar o facto, já referido acima, de terem sido admitidas 6 (seis) candidaturas (ali se incluindo a do Exequente) [cfr. Facto Provado T)], sendo que estão em causa 2 (duas) vagas [cfr. Facto Provado A)]. Afigura-se que não poderá o Tribunal concluir qual o sentido da avaliação que o júri do procedimento levaria a cabo, sendo certo que se o Exequente alega que seria o único com professor com agregação, a verdade é que não sabemos (nem nunca se irá saber) quais seriam os métodos e os critérios objetivos de avaliação curricular dos candidatos que, face à procedência da ação, o júri do procedimento deveria previamente estabelecer, reiniciando o procedimento. E neste ponto, não se afigura que o n.° 6 do artigo 50.° do ECDU densifique, pelo menos de forma suficiente, tais métodos e critérios.

Daqui decorre que, não será possível afirmar que, no caso de ser reiniciado o procedimento concursal, com a fixação prévia dos os métodos e os critérios objetivos de avaliação curricular dos candidatos e trâmites seguintes, o Exequente seria necessariamente provido no lugar a concurso [ou melhor, num dos 2 (dois) lugares a concurso] e, dessa forma, teria direito às remunerações correspondentes à função de Professor Associado.

Não se mostrando possível aferir o grau de probabilidade que o ora Exequente tinha em ser provido no lugar a concurso (frisando-se que, a este respeito, mais do que qualquer probabilidade matemática por reporte ao n.° de vagas e de candidatos, está em causa uma avaliação com base em métodos e critérios objetivos de avaliação curricular, a qual pressupõe naturalmente um pendor subjetivo acometido à Administração), a indemnização a que o mesmo tem direito pela não execução e os danos que para este advieram, nomeadamente por ter perdido a oportunidade de concorrer ao concurso em causa no estrito cumprimento da lei, que se impõe por critérios de justiça, haverá de ser calculada com recurso à equidade nos termos do artigo 566.°, n.°3 do Código Civil, nos termos do qual “Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.”(sublinhados e negritos nossos).

Vejamos por partes.

Pese embora o percurso normal na carreira universitária seja esperado e desejado por quem nela está integrado, até ao acesso final à categoria de professor catedrático, categoria cimeira da carreira universitária, não pode concluir-se, como faz o Recorrente, que, em virtude da invalidade que viciou o concurso aqui em causa - cfr. alínea A) da matéria de facto - cuja sentença de anulação cabe dar execução nos presentes autos de recurso, ficou «privado da chance de algum dia poder vir a concorrer para essa categoria», pois que, depois destes dois novos concursos foram abertos para a mesma categoria, sendo que no primeiro o Recorrente não ficou graduado em lugar elegível e, no segundo, optou por não concorrer – cfr. alíneas NN) a PP) da matéria de facto.

Pelos mesmos motivos, também não pode concluir-se que a invalidade que inquinou o concurso aqui em apreço, foi a causa de o Recorrente ter ficado «travado na evolução normal da sua carreira universitária».

Pelo que, os prejuízos que decorrem do facto da inexecução da sentença declarativa proferida no P. 1…/05….E, verificada que está a existência de causa legitima inexecução, se reconduzirão, na verdade, aos danos que decorram de a sentença não poder ser executada e do exequente, aqui Recorrente, não poder ser colocado na situação que teria não fora a ilegalidade que determinou a anulação do ato, o que desde logo exclui os danos emergentes e os lucros cessantes em razão do ato administrativo apreciado no recurso contencioso (1).

Neste domínio Carlos Cadilha aduz cristalinamente que «a indemnização que vier a ser fixada, nessa circunstância, corresponde ao valor pecuniário que for devido pelo facto da inexecução e destina-se a ressarcir o exequente pela impossibilidade ou inconveniência de se efetuar a reparação em espécie mediante a reconstituição da situação jurídica violada; tal significa que não está aí em causa uma indemnização por responsabilidade civil pré-contratual, nem tão pouco uma indemnização que se destine a cobrir todos os danos que possam ter resultado da atuação ilegítima da Administração, mas apenas uma indemnização pelo facto da inexecução, e que não obsta a que o interessado possa lançar mão de uma ação autónoma de responsabilidade para obter o ressarcimento de outros danos ainda subsistentes. (…) Quando se nos depare um pedido indemnizatório por inexecução de sentença, não pode falar-se, por conseguinte, numa indemnização correspondente ao interesse contratual negativo ou ao interesse contratual positivo, mas antes - e, designadamente, em situações de afastamento ilegal ou preterição num concurso - numa indemnização pela perda de oportunidade de nele poder obter um resultado favorável, e que terá de ser fixada segundo critérios de equidade (…)»(2).

Afastados ficam, assim, quaisquer outros danos que advenham da prática do ato ilegal decorrendo estes, aliás, de uma outra conclusão por si tirada e que já afastamos, qual seja, a de que «o Recorrente sofreu um dano de grande violência porque se viu frustrado de qualquer possibilidade de poder ter uma carreira universitária «normal», a cujo topo pretendia e tinha inteira legitimidade de pretender, ascender, e que essa privação da possibilidade de o fazer tem um valor intrínseco provavelmente igual ou superior até ao valor das diferenças salariais incorridas.» - cfr. alegação de recurso n.º 31 e conclusão XI.
Afastados ficam também os invocados prejuízos advenientes da litigância em tribunal, que o Recorrente elenca como sendo «Para além das custas judiciais despendidas pelo ora Recorrente e que ascendem a alguns milhares de euros, o Recorrente despendeu em honorários de Advogados (e apenas no que respeita ao Advogado subscritor da presente peça processual) o valor, até ao presente, de 15.546,56 €, conforme folha de conta corrente que se anexa ao presente recurso como Anexo I. (necessário ter presente que a sentença recorrida omitiu expressamente fazer a instrução processual da liquidação da indemnização, razão pela qual apenas agora se junta este discriminativo). Temos assim que em 17 anos de litigância inteiramente desperdiçada, o Recorrente despendeu pelo menos 20.000,00 € (vinte mil euros) em custas judiciais e honorários» - cfr. n.º 24 e 25 das alegações de recurso e conclusão X -, isto, sem prejuízo, das quantias que possam vir a ser devidas ao abrigo do regime do pagamento das custas de parte (3).

Resta-nos então validar o juízo formulado pelo tribunal a quo, efetuado que foi com recurso a critérios de equidade, nos termos do art. 566.°, n.° 3, do CC, verificada que deu a impossibilidade em se averiguar o valor exato dos danos, face à indeterminação da probabilidade de ganho do concurso em causa pelo Recorrente, repetido que tivesse sido este.

O que nos leva para o segundo segmento deste mesmo erro de julgamento, imputado que foi à sentença recorrida, sobre os pressupostos do arbitramento da quantia de 5.000€ (cinco mil euros) a este título.

Vejamos.

O tribunal a quo, socorreu-se, para o efeito, «da jurisprudência produzida pelos tribunais superiores, nomeadamente em casos em que se verificou a existência de causa legítima de inexecução, bem como os valores aí fixados (cfr., entre outros, o Acórdão do Venerando TCAN de 08.04.2016, Processo n.° 01214/06.5BEBRG-A, o já citado Acórdão de 26.05.2017, processo n.° 00845/04.27BEBRG-B, e ainda o Acórdão de 09.10.2015, Processo n.° 00814/2000-Coimbra, nos quais se fixaram indemnizações, respetivamente de €4.000,00, €7.500,00 e €5.000,00, com recurso à equidade em face da existência de causa legítima de inexecução).»

Perscrutados os citados arestos, evidencia.se que no acórdão do TCA Norte, de 08.04.2016, P. 01214/16.5BEBRG-A, no qual se manteve a decisão recorrida, que havia arbitrado uma indemnização pelo facto de inexecução de 4.000€ (quatro mil euros), na situação em causa considerou-se também que se a ali A., tendo «alcançado a sua nomeação como catedrática da mesma Escola e ramo de saber, pouco mais de um ano volvido do final do procedimento concursal parcialmente anulado, o interesse da Autora na reconstituição in natura do procedimento de concurso resulta, senão prejudicado, pelo menos, em grande medida, mitigado pela nomeação entretanto ocorrida.», juízo que, face a todo o exposto, se revela inaplicável ao caso em apreço.

Por seu turno, no invocado acórdão do TCA Norte, de 26.05.2017, P. 00845/04.27BEBRG-B, manteve-se também o decidido pelo tribunal a quo, sendo que, aqui, se arbitrou o «valor correspondente 7.500€, montante que se mostra equitativo e coerente com a configuração do dano que se pretende ressarcir, face à insusceptibilidade de retomar o procedimento e a incerteza no preenchimento da referida vaga.».

Por último, no acórdão do TCA Norte, de 09.10.2015, P. 00814/2000-Coimbra, foi concedido parcial provimento ao recurso e fixada a indemnização devida pelo facto da inexecução em €5 000,00, sendo que a sentença recorrida havia fixado em 10.000€ (dez mil euros).

Do exposto decorre que a fundamentação do tribunal a quo para chegar ao valor de 5.000€ (cinco mil euros), recorrendo à equidade por via do disposto no art. 566.º do CC, embora se encontre balizada pelas decisões jurisdicionais que citou, revela-se insuficiente e, a final, incorreta, razão pela qual não se poderá manter.

Vejamos porquê.

Desde logo porque a fixação do valor da indemnização devida com recurso à equidade não prescinde que a mesma se atenha «dentro dos limites que tiver por provados» - cfr. art. 566.º do CC.

E, no caso dos autos, notificados que foram exequente e executada, aqui Recorrente e Recorrida, nos termos e para os efeitos do art. 166.º, nº 1, do CPTA, vieram, cada uma por si, fazer juntar aos autos o que, para cada uma, seria a indemnização devida pelo facto da inexecução.

Diferenças inconciliáveis resultavam à evidência de cada uma das propostas.

O Recorrente considera ser-lhe devido o pagamento do montante de 594.899,98€, invocando, em suma, o seguinte - cfr. documento junto aos autos a fls. 296 e ss., ref. SITAF:

«(…)

6. TOTAIS DE VENCIMENTOS

Diferenciais com juros- 219.700,98€ - cfr. discriminação constante dos pontos 1 a 4 do mesmo documento.

Total de compensação de reforma- 95.199,00€ - cfr. discriminação constante do ponto 5 do mesmo documento.

TOTAL DE VENCIMENTOS- 314.899,98€

7. INDEMNIZAÇÃO POR DANOS

Nunca inferior a 280.000,00€

8. INDEMNIZAÇÃO FINAL = 594.899,98€

Total de vencimentos + Indemnização por danos INDEMNIZAÇÃO FINAL: 314.899,98€+280.000,00€ = 594.899,98€

A Recorrida, por seu turno, considera que o exequente, a título de indemnização pelo facto da inexecução não poderá receber mais do que a quantia de 16.545,32€, considerados os valores/diferenciais decorrente das promoções na carreira por antiguidade que devessem ter ocorrido, mas já não as promoções que dependessem de concurso ou escolha, assim contemplando as diferenças salariais ocorridas, a progressão de escalão e o grau de probabilidade de obter provimento nos concursos (20%, tendo em conta se terem apresentado cinco candidatos) - cfr. documento junto aos autos a fls. 304 e ss., ref. SITAF.

Vejamos.

Face ao tempo entretanto decorrido, e perante a incerteza sobre como se teria desenvolvido a carreira do Recorrente, dúvidas não há que estava, possível que fosse a execução da sentença que lhe foi favorável, inequivocamente, em situação de obter um ganho, existindo, assim, um dever objetivo de indemnizar nos termos previstos nos art.s 176.º, n.º 7, e 166.º, n.º 1, ambos do CPTA.

Tem particular interesse para o quid em apreço, a doutrina que dimana do acórdão do STA, de 25.09.2014, P. 01710/13, que, numa linha de paulatina consolidação de jurisprudência, afirma que a impossibilidade de dar cumprimento à sentença anulatória – legitimadora da declaração da existência de uma causa legítima de inexecução – implica genericamente a perda da possibilidade da reconstituição natural, o que constitui, por si só, um dano real que importará indemnizar.

E que, qualquer que seja a perspetiva adotada, a indemnização em apreço tem como objetivo ressarcir aquilo que vem sendo chamado de expropriação do direito à execução ou de perda de uma oportunidade de reconstituição natural, e que a mesma encontra fundamento legal no art. 178.º do CPTA.

Concretizando, diz que a frustração causada pela expropriação do direito à execução é o único dano que cabe ressarcir por meio da indemnização por inexecução de sentença anulatória.

A respeito do cálculo da indemnização por inexecução da sentença, o STA avança com duas afirmações: a primeira, a de que esta indemnização não corresponde a um valor fixo, desde logo, porque do facto de a indemnização por inexecução de sentença dever ser acordada entre as partes e que, ainda que arbitrada pelo tribunal (caso aquelas não cheguem a acordo), sê-lo-á com base num juízo equitativo, nos termos do n.º 3 do art. 566.º do CC, sempre que surja dificuldade em quantificar com exatidão o valor monetário correspondente à perda motivada pela inexecução do julgado, que admite que seja a maioria dos casos (4).

Mais acrescentando que o cálculo do valor monetário correspondente àquela perda poderá orientar-se por alguns elementos referenciais, tais como:

i) condições de êxito da ação executiva intentada pelo autor, caso não se verificasse a causa legítima de inexecução de sentença;

ii) a vantagem económica final que a oportunidade poderia proporcionar, e

iii) o tempo entretanto decorrido.

E, por fim, partindo do pressuposto de que a indemnização em apreço dispensa o apuramento do montante indemnizatório correspondente à efetiva perda sofrida pelo exequente em resultado da prática do ato anulado, conclui que a indemnização por inexecução de sentença deverá assumir a natureza de uma compensação simbólica.

Retomando o caso em apreço, e como baliza do juízo da proferir sobre quanto vale a sentença que o Recorrente perdeu, socorrer-nos-emos dos critérios supra enunciados, aptos a alcançar a justiça do caso concreto, por via do disposto no art. 566.º, n.º 3 do CC, designadamente, que:

As condições de êxito da ação executiva intentada pelo Recorrente, caso não se verificasse a causa legítima de inexecução de sentença, tendo presente que, num concurso com seis candidatos – cfr. alínea W) da matéria de facto supra -, para preenchimento de duas vagas – cfr. alínea A) da matéria de facto supra -a probalidade de ganho do exequente, seria, em abstrato, de cerca de 33,333%.

A vantagem económica final que a oportunidade perdida em concorrer novamente a este concurso, avaliada esta nos termos que decorrem do supra exposto, não podem desconsiderar, como referencial da decisão a proferir, o valor das diferenças salariais aplicáveis e respetivas progressões de escalão até à aposentação do exequente, tomando como acertados os valores salariais e de progressão constantes da proposta da executada supra transcrita, como base de cálculo razoável, o que perfaz cerca de 83.000€ (oitenta e três mil euros) entre os anos de 2005 e 2019.

E, por fim, os cerca de 17 anos de pendência do litígio, sendo que, só por si, a ação executiva se encontra pendente há mais de 9 anos.

Assim, e face a todo o exposto, entende este tribunal de recurso não ser de manter o julgado pelo tribunal a quo, na parte em que fixou em 5.000€ (cinco mil euros) o montante a atribuir pelo facto da inexecução, por se reputar que o juízo de equidade que suportou o seu arbitramento se revela desadequado e injusto, no caso concreto, razão pela qual se justifica a intervenção corretiva deste tribunal de recurso.

Assim, e julgando em substituição, ponderadas adequadamente as circunstâncias do caso concreto supra elencadas, segundo critérios de equidade, por via do disposto no art. 566.º, do CC e tendo em conta o que resultou provado nos autos, será de atribuir o montante de 20.000€ (vinte mil euros), ao Recorrente, pelo facto da inexecução da sentença.

Sendo a indemnização fixada por equidade, é a mesma atualizada ao momento da sua fixação, razão pela qual a contagem dos juros de mora se faz a partir da data da decisão atualizadora da indemnização e não a partir da citação – cfr. disposições conjugadas dos art.s 566.º, n.º 2 e 806.º, n.º 1, ambos do CC.

III. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da secção do contencioso administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder parcial provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, decidindo em substituição, fixar a indemnização devida pelo facto da inexecução ao abrigo do disposto no art. 178.º e art. 166.º, ambos do CPTA, e art. 566.º, n.º 3, do CC, no montante de 20.000€ (vinte mil euros), a pagar no prazo de 30 (trinta) dias.

Custas pelo Recorrente e pela Recorrida, em partes iguais.

Lisboa, 03.03.2022

Dora Lucas Neto (Relatora)

Pedro Nuno Figueiredo

Ana Cristina Lameira

_______________________

(1) Neste sentido v., a título de exemplo, ac.s do STA de 20.11.2012, P. 0949/12 e de 12.07.2017, P. 0817/14, ambos disponíveis em www.dgsi.pt
(2) in: «Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas – Anotado», 2.ª Edição, 2011, pgs. 107-108.
(3) Cfr. ac. STA, de 05.03.2020, P. 0284/17.5BELSB, proferido em revista ampliada, ao abrigo do art. 148.º, n.º 1, do CPTA, assim como, mais recentemente, também os ac.s de 29.10.2020, P. 02582/09.2BELSB, e de 13.05.2021, P. 01045/16.4BEALM, ambos do STA, todos disponíveis em www.dgsi.pt
(4) Neste sentido, v. também, a título de exemplo, os ac.s STA, de 02.12.2010, P. 45579-A, de 26.09.2012, P. 0429A/03 e o ac. de 05.07.2015, P. 047307A, todos disponíveis também em www.dgsi.pt