Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:872/22.8 BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:11/17/2022
Relator:RUI PEREIRA
Descritores:INTIMAÇÃO DLG
AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA PARA INVESTIMENTO
Sumário: I – Tendo em conta o regime previsto no Decreto Regulamentar nº 84/2007, de 5/11, que veio regulamentar a Lei nº 23/2007, bem como o teor do respectivo Manual de Procedimentos, previsto no artigo 65º-J do aludido decreto regulamentar, o SEF dispõe de um sistema específico de recepção dos requerimentos iniciais relativos aos procedimentos previstos na Lei nº 23/2007 e no decreto que a regulamentou, aplicável aos pedidos de autorização de residência para investimento (ARI), que pressupõe, antes do interessado poder dar início ao seu procedimento e apresentar sua pretensão junto da Administração, um prévio agendamento junto dos serviços para essa finalidade, a ser efectuado através de uma plataforma on-line, a qual vai indicando aos interessados quais os postos de atendimento do SEF e as respectivas disponibilidades (dia/hora).
II – Se, de acordo com a apreciação feita pela sentença recorrida, era aí que estava o constrangimento que impedia o 1º requerente a ver tramitado o seu pedido de ARI, o deferimento do pedido de intimação, com a amplitude constante da sentença, era idóneo a removê-lo, uma vez que sem aquele prévio agendamento, o mesmo não podia apresentar a sua pretensão junto do SEF nem dar início ao procedimento.
III – Pressupondo a autorização de residência para actividade de investimento, nos termos do disposto nos artigos 90º-A da Lei nº 23/2007, e 65º-A e 65º-D do Decreto Regulamentar nº 84/2007, a verificação e a prova de um conjunto de requisitos, que só ao SEF caberia avaliar, bastaria a intimação daquele serviço para, no prazo de 10 dias, confirmar e aprovar o registo do 1º requerente e possibilitar o agendamento necessário para que aquele pudesse efectuar a entrega do pedido de ARI e do pedido de reagrupamento familiar num dos locais de atendimento do SEF, seguindo-se após isso a tramitação subsequente, com a entrega da documentação legalmente exigida, recolha de dados, pagamento das taxas devidas, etc..
IV – Atenta a tramitação legal necessária para a concessão da ARI, não era (ainda) possível a intimação do SEF a emitir as autorizações de residência pretendidas, uma vez que antes haveria que dar início ao procedimento, com o agendamento presencial do 1º requerido para a entrega do pedido de ARI e do pedido de reagrupamento familiar.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO
1. N..., A... e A..., com os sinais dos autos, intentaram no TAC de Lisboa, ao abrigo dos artigos 109º e seguintes do CPTA, um processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias contra o Ministério da Administração Interna, na qual formularam os seguintes pedidos:
a) Se digne a condenar, a título de intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias, o Ministro da Administração Interna e o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras a praticarem todos os actos materiais necessários, bem como a emitir o acto administrativo de concessão de autorização de residência dos autores e constituindo uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso e os actos subsequentes de emissão dos respectivos títulos no prazo máximo de 90 dias da submissão do requerimento inicial apresentado online;
b) Se digne, a título subsidiário, se entender que o pedido principal não procede, a condenar à prática do acto devido o MAI e o SEF para adoptarem todos os actos materiais necessários à emissão da autorização de residência dos autores dentro do prazo que entender cabível, bem como impor sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso;
c) Subsidiariamente, caso se entenda que não são procedentes os pedidos anteriores, requer seja a entidade demandada condenada a conceder sucessivas prorrogações de permanência ou a emitir qualquer outro título habilitante que permitam a regular entrada, permanência e saída dos autores em território nacional e Espaço Schengen até que haja uma decisão sobre os pedidos de concessão de autorização de residência dos autores e a respectiva emissão dos títulos de residência;
d) Ainda, subsidiariamente, seja a entidade requerida condenada a não recusar a entrada dos autores em território nacional e a não constranger os autores a se afastarem do território nacional, enquanto não sejam emitidos os respectivos títulos de residência;
e) Se digne a condenar a entidade requerida, a não solicitar documentos já apresentados ao longo do procedimento administrativo sob o fundamento de caducidade destes decorrente da demora no procedimento administrativo por atrasos imputáveis à entidade requerida.
2. O TAC de Lisboa, por sentença datada de 14-7-2022, julgou o pedido de intimação parcialmente procedente e, em consequência, intimou o Ministério da Administração Interna a dar andamento à pretensão despoletada pelo 1º requerente, no prazo de dez dias, ou seja, a adoptar todos os actos materiais necessários à emissão da autorização de residência formulada pelo 1º requerente dentro do aludido prazo, isto por considerar que a pretensão formulada pelas 2ª e 3ª requerentes (cônjuge e filha menor daquele, respectivamente) teria que aguardar pela emissão de autorização de residência do primeiro.
3. Inconformados, os requerentes interpuseram recurso de apelação para este TCA Sul, no qual formularam as seguintes conclusões:
Normas jurídicas violadas: artigos 81º, nº 2 e 4; 82, nº 1; 98º e 99º da Lei nº 23/2007, artigos 2º e 615º, nº 1, alínea c) do CPC.
1. Conforme exposto, a douta sentença recorrida deixou de analisar factos provados e importantes ao correcto julgamento da lide, de modo que deve ser reformada para que tais factos sejam tidos como provados.
2. A nobre sentença recorrida condenou a entidade requerida a praticar alguns dos actos necessários à concessão da autorização de residência do recorrente, de modo que esse Egrégio Tribunal deverá reformar a sentença para que seja a entidade requerida condenada a praticar tais actos quanto às pretensões das recorrentes.
3. Caso assim não se entenda, deve ser reconhecida a nulidade da douta sentença recorrida por oposição dos fundamentos e a decisão, ou por ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, nos termos do artigo 615º do CPC, delimitados aos pedidos formulados pelas recorrentes.
4. Os recorrentes demonstraram as razões pelas quais necessitam que a entidade requerida seja intimada a praticar todos os actos necessários à emissão dos seus títulos de residência, sob pena de não obter o resultado útil necessário à protecção de seus direitos, liberdades e garantias. Deste modo, a douta sentença recorrida deve ser reformada para que a entidade requerida seja intimada a observar os prazos legalmente impostos, nos moldes do acima disposto.
5. A nobre sentença recorrida deve ser reformada para impedir que a entidade requerida exija documentos sem data de validade apresentados no pedido de candidatura de ARI submetido online que precisam ser reapresentados quando do agendamento nos postos do SEF.
6. Por fim, a ilustre sentença recorrida merece ser reformada para que seja imposta sanção pecuniária pelo descumprimento do comando judicial”.
4. A entidade requerida não apresentou contra-alegação.
5. Remetidos os autos a este TCA Sul, foram os mesmos com vista ao Digno Magistrado do Ministério Público para os termos e efeitos do disposto no artigo 146º do CPTA, mas aquele Digno Magistrado não emitiu parecer.
6. O relator, por despacho datado de 14-10-2022, determinou a baixa dos autos ao TAC de Lisboa, a fim do Senhor Juiz “a quo” apreciar, de acordo com o disposto no nº 5 do artigo 617º do CPCivil, se a sentença proferida deve ser reformada, nomeadamente por constarem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida, o que foi cumprido mediante despacho proferido em 28-10-2022.
7. Sem vistos aos Exmºs Juízes Adjuntos, atenta a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência para julgamento.

II. OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
8. Na fase de recurso importa apreciar se a sentença proferida deve ser mantida, alterada ou revogada, circunscrevendo-se as questões a apreciar em sede de recurso, à luz das disposições conjugadas dos artigos 144º, nº 2 do CPTA, e 639º, nº 1 e 635º, ambos do CPCivil, “ex vi” artigos 1º e 140º do CPTA, às que integram o objecto do recurso tal como o mesmo foi delimitado pelos recorrentes na sua alegação, mais concretamente nas respectivas conclusões – isto sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso – e simultaneamente balizadas pelas questões que haviam já sido submetidas ao Tribunal “a quo” (cfr., neste sentido, António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, págs. 119 e 156).
9. Em concreto, as questões a apreciar no presente recurso consistem em apurar se a sentença recorrida padece de nulidade, por oposição entre os respectivos fundamentos e a decisão, ou por ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, nos termos do artigo 615º do CPCivil, e se incorreu em erro de julgamento, por ter deixado de analisar factos provados e importantes ao correcto julgamento da lide, de modo a ser reformada para que tais factos sejam tidos como provados, e por não ter condenado a entidade requerida a praticar os actos necessários ao deferimento das pretensões das 2ª e 3ª recorrentes, tendo para tanto violado o disposto nos artigos 81º, nºs 2 e 4, 82º, nº 1, e 98º e 99º, todos da Lei nº 23/2007, e os artigos 2º e 615º, nº 1, alínea c) do CPCivil.

III. FUNDAMENTAÇÃO
A – DE FACTO
10. A decisão recorrida considerou assente – sem reparo – a seguinte factualidade:
i. Os requerentes são nacionais do Reino Unido – cfr. doc. 1 junto com a PI, para o qual se remete e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
ii. Os requerentes são titulares de autorização de residência em Hong Kong – cfr. doc. 2 junto com a PI, para o qual se remete e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
iii. Em 23 de Dezembro de 2021, o 1º requerente submeteu requerimento inicial visando obter autorização de residência para actividade de investimento, na plataforma online do SEF, disponível no endereço electrónico http://ari.sef.pt, com fundamento em investimento num fundo de investimento no valor de EUR 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros), destinados à aquisição de unidades de participação em fundo de investimento, constituído ao abrigo da legislação portuguesa, cuja maturidade era de, pelo menos, cinco anos e, pelo menos, 60% do valor dos investimentos era concretizado em sociedades comerciais sediadas em território nacional – cfr. docs. 3 e 4 juntos com a PI, para os quais se remete e que aqui se dão por integralmente reproduzidos;
iv. Em Janeiro de 2022, as requerentes submeteram o seu requerimento inicial através da plataforma online do SEF, na qualidade de membros da família do 1º requerente, para fins de reagrupamento familiar – cfr. certidões juntas com a resposta, para os quais se remete e que aqui se dão por integralmente reproduzidos;
v. Até a presente data (14-7-2022), os requerimentos dos requerentes aguardam aprovação, não lhes sendo possível proceder ao agendamento de uma data para se deslocarem ao SEF – facto confessado pela entidade requerida (cfr. artigo 9º da resposta).
11. E, por se afigurar relevante para o julgamento do presente recurso, adita-se ao probatório a seguinte factualidade, suportada por documentos constantes do processo instrutor apenso:
vi. Em 26-7-2022 o SEF informou o 1º e 2ª requerentes que, nessa mesma data, havia sido admitida a sua candidatura de Autorização de Residência de Investimento (ARI), mais informando que a partir daquela data poderiam proceder ao agendamento da sua deslocação a um posto de atendimento do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras – cfr. fls. 222 e 223 do processo electrónico – SITAF.

B – DE DIREITO
12. Comecemos em primeiro lugar por apurar se a sentença recorrida padece de nulidade, seja por oposição entre os respectivos fundamentos e a decisão, seja por ambiguidade ou obscuridade que a torne ininteligível, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea b) do CPCivil.
13. A jurisprudência do STJ tem afirmado de forma consistente e constante que “a nulidade do acórdão por oposição entre os fundamentos de facto e a decisão, prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 615º do CPC, segundo a qual a sentença é nula quando os fundamentos estejam em manifesta oposição com a decisão, sanciona o vício de contradição formal entre os fundamentos de facto ou de direito e o segmento decisório da sentença” (cfr., neste sentido, o acórdão do STJ, de 8-10-2020, proferido no âmbito do processo nº 361/14.4T8VLG.P1.S1).
14. Tal oposição entre os fundamentos e a decisão consubstancia-se num vício lógico do acórdão, podendo ser facilmente detectado se, por exemplo, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, caso em que essa oposição será causa de nulidade da sentença.
15. Estas situações não se reconduzem a simples erro material (em que o julgador, por lapso, escreveu coisa diversa da que pretendia – contradição ou oposição meramente aparente), mas de um erro lógico-discursivo, em que os fundamentos invocados pelo julgador conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto ou, pelo menos, numa direcção diferente (contradição ou oposição real), nem se confundem com o denominado erro de julgamento, ou seja, com a errada subsunção dos factos concretos à correspondente hipótese legal, nem, tão pouco, a uma errada interpretação da norma aplicada, vícios estes apenas sindicáveis em sede de recurso jurisdicional (cfr., neste sentido, o acórdão do STJ, de 17-11-2020, proferido no âmbito do processo nº 6471/17.9T8BRG.G1.S1; e também Lebre de Freitas, em “A Acção Declarativa Comum, À Luz do CPCivil de 2013”, 3ª edição, pág. 333).
16. Ora, na fundamentação da sentença recorrida escreveu-se o seguinte:
Descendo ao caso sob apreciação, e compulsada a matéria de facto provada, verifica-se que o 1º requerente apresentou um registo online junto do SEF, em 23 de Dezembro de 2021, com vista a que lhe fosse concedida autorização de residência em Portugal.
Fê-lo ao abrigo do postulado no artigo 90º-A da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 14/2021, de 12 de Fevereiro (bem como dos artigos 3º, nº 1, alínea d), subalínea vii) deste mesmo diploma, 65º-A e seguintes do Decreto Regulamentar nº 84/2007, de 5 de Novembro, e respectivo manual de procedimentos) – cfr. pontos 3 e 4 da matéria de facto provada.
Por seu turno, e nessa sequência, as requerentes solicitaram reagrupamento familiar, à luz do disposto nos artigos 98º e 99º deste mesmíssimo compêndio legal.
Por aplicação do disposto no artigo 65º-D, nº 16 do Decreto Regulamentar nº 84/2007, de 5 de Novembro, a formalização do pedido de concessão de autorização de residência para actividade de investimento, como aquela a que o 1º requerente almeja, é precedido de registo electrónico em plataforma para o efeito.
(…)
Até ao momento, a entidade requerida não deu qualquer seguimento ao registo electrónico prévio do 1º requerente e, por conseguinte, este ainda não logrou completar a referida tramitação prévia nem formalizar o seu pedido de autorização de residência; o reagrupamento familiar das requerentes depende, naturalmente, da resolução da situação do 1º requerente (tal pedido pode ser formulado em simultâneo com o de concessão ARI do familiar mas, logicamente, fica condicionado ao respectivo deferimento deste pedido).
Aqui chegados, importa ter presente que, no entendimento dos requerentes, e uma vez que não foi consagrado qualquer prazo específico para o procedimento de concessão deste tipo de autorização de residência, deve ser aplicado o prazo previsto no artigo 82º, nº 1 da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho, ou, caso assim não se entenda, o prazo contido no artigo 86º, nº 1 do CPA.
Por seu turno, a entidade requerida sustenta que, nesta fase, não está sujeita a qualquer prazo.
Conforme decorre do disposto no artigo 65º-D, nº 16 do Decreto Regulamentar nº 84/2007, de 5 de Novembro, bem como do Manual de Procedimentos acima referido, deve entender-se que o 1º requerente ainda não formalizou o seu pedido de autorização de residência – mas, apenas, o registo electrónico prévio para o efeito.
Neste sentido, ainda não é aplicável ao caso sub judicio o prazo previsto no artigo 82º, nº 1 da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho.
E, por conseguinte, será de julgar improcedentes os pedidos formulados sob as alíneas 1) e 5) do petitório – para além de estar apenas em causa o registo prévio, e não o pedido de autorização de residência, atento o procedimento legalmente previsto (que implica a deslocação do 1º requerente ao SEF em data futura e incerta), nunca seria possível intimar a entidade requerida a emitir a autorização de residência, nem tampouco a aceitar a documentação já apresentada e que, entretanto, venha a caducar; sublinha-se, ainda, a respeito de tal documentação, que até à data em que o pedido de autorização de residência venha a ser formalizado, a mesma pode vir a sofrer modificações relevantes do ponto de vista dos requisitos necessários para a concessão de autorização de residência e que, em caso de verificação dos respectivos pressupostos, os requerentes mantêm a possibilidade de serem indemnizados pelos danos em que incorram, nos termos gerais de direito.
Contudo, também não se afigura correcto o entendimento de que à tramitação prévia (incluindo o registo prévio a que alude o artigo 65º-D, nº 16 do Decreto Regulamentar nº 84/2007, de 5 de Novembro), não seja aplicável qualquer prazo – como bem defendem os requerentes, um tal entendimento colidiria frontalmente com o disposto nos artigos 5º, nº 1, 6º, 7º e 59º do CPA, obstando ao controlo do exercício de um direito legalmente previsto, bem como violaria os artigos 13º e 53º do CPA.
(…)
Neste sentido, não estando em causa o prazo para a decisão do procedimento (cfr. o disposto no artigo 128º, nº 1 do CPA), conclui-se que ao registo prévio para efeitos de autorização de residência para actividade de investimento é aplicável o prazo geral, previsto para a prática dos actos dos órgãos administrativos, consagrado no artigo 86º, nº 1 do CPA, de dez dias.
No caso concreto, tendo o 1º requerente submetido o aludido registo prévio em 23 de Dezembro de 2021, conclui-se que o prazo para ulterior tramitação do procedimento se mostra inexoravelmente ultrapassado.
Em face do exposto, e sem a necessidade de adicionais considerações, será de intimar a entidade requerida a prosseguir com a tramitação prévia relativa ao pedido de concessão de autorização de residência do requerente – cfr. o pedido formulado sob a alínea 2) do petitório.
Os actos a praticar pela entidade requerida consistem, por ora, no seguinte:
· Confirmação e aprovação do registo do 1º requerente, se a tal nada obstar;
· Possibilidade de agendamento para entrega do pedido de ARI no local de atendimento do SEF e para tramitação subsequente (v.g., entrega da documentação legalmente exigida, recolha de dados, pagamento das taxas requeridas).
*
Em razão da sua subsidiariedade, dá-se por prejudicado o conhecimento dos pedidos formulados sob as alíneas 3) e 4) do petitório – sendo que, na lógica dos requerentes (cfr. artigos 45º e segs. da PI), tais pedidos sempre se teriam tornado inúteis atendendo a que, já na pendência da presente acção, o artigo 16º, nºs 8 e 9 do Decreto-Lei nº 10-A/2020, de 13 de Março, foi modificado no sentido de serem aceites os documentos e vistos relativos à permanência em território nacional que expirem a partir da data de entrada em vigor do referido Decreto-Lei (ou nos 15 dias imediatamente anteriores), até 31 de Dezembro de 2022 (cfr. o artigo 4º do Decreto-Lei nº 42-A/2022, de 30 de Junho)”.
17. Face ao exposto, uma vez que da fundamentação da sentença recorrida é manifesta a inexistência de qualquer incongruência, sendo a mesma coerente entre os fundamentos e o decidido e isenta de contradição – embora possa existir um eventual erro de julgamento, a analisar mais à frente –, não se verifica a apontada nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão.
18. Sustentam ainda os recorrentes que a sentença recorrida padece de ambiguidade e/ou obscuridade, a justificar a respectiva anulação. Vejamos se com razão.
19. De acordo com a mencionada alínea c), 2ª parte, do nº 1 do artigo 615º do CPCivil, a sentença é nula se ocorrer alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, ou seja, quando não seja perceptível qualquer sentido da parte decisória (obscuridade) ou ela encerre um duplo sentido (ambiguidade), sendo ininteligível para um declaratário normal, por carecer de ser esclarecida (cfr. Lebre de Freitas, ob. cit., a págs. 333/334).
20. Ora, o aludido 1º segmento decisório é total e claramente entendível e isento de qualquer ambiguidade e/ou obscuridade, ao “julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência, de intimar o MAI a dar andamento à pretensão do 1º requerente, nos moldes acima referidos” (posto que, em razão da respectiva subsidiariedade, o Senhor Juiz “a quo” considerou prejudicado o conhecimento dos pedidos formulados sob as alíneas 3) e 4) do petitório), encadeando-se em coerência lógica com o 2º segmento decisório, no qual se decidiu que, atento todo o lapso temporal decorrido desde a data em que foi efectuado o registo, o cumprimento do determinado no 1º segmento decisório deveria ocorrer num prazo não superior a 10 dias.
21. Consequentemente, a sentença recorrida é perfeitamente inteligível, não padecendo da apontada nulidade por ambiguidade ou obscuridade.
* * * * * *
22. Resta apenas apreciar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, por ter deixado de analisar factos provados e importantes ao correcto julgamento da lide, de modo a ser reformada para que tais factos sejam tidos como provados, e por não ter condenado a entidade requerida a praticar os actos necessários ao deferimento das pretensões das 2º e 3ª recorrentes, tendo para tanto violado o disposto nos artigos 81º, nºs 2 e 4, 82º, nº 1, e 98º e 99º, todos da Lei nº 23/2007, e os artigos 2º e 615º, nº 1, alínea c) do CPCivil.
23. Naquilo que subsumem ao erro nos pressupostos fácticos da sentença recorrida, sustentam os recorrentes que requereram a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias contra o Ministério da Administração Interna, e que por meio dessa intimação demonstraram a demora reiterada da entidade requerida em analisar, decidir, oferecer vagas para agendamento para entrega do pedido de ARI nos locais de atendimento do SEF, bem como em proferir decisões sobre este tipo de pedido e a emissão dos títulos de residência no prazo legal. Inclusive, foi juntada farta documentação comprovando tais factos, os quais não foram considerados pela douta sentença recorrida, carecendo a mesma de reforma quanto a este ponto. No mais, os recorrentes claramente demonstraram a urgência que têm para a emissão dos seus títulos de residência, sendo que tal demora viola os seus direitos, liberdades e garantias, mas a sentença recorrida não considerou tais factos como provados ou não entendeu que tais factos eram relevantes para o julgamento da presente acção administrativa, requerendo os recorrentes em consequência a reforma da sentença recorrida, por forma a que tais factos sejam igualmente considerados como provados.
Vejamos o que dizer.
24. Analisando todo o teor da sentença recorrida, nela se antevê que a pretensão do 1º recorrente obteve deferimento, pois se entendeu que efectivamente o SEF estava a violar o direito do mesmo a obter a ARI, ao não diligenciar pelo rápido e tempestivo registo prévio do pedido formulado, ao qual considerou aplicável o prazo geral de dez dias, previsto para a prática dos actos dos órgãos administrativos, consagrado no artigo 86º, nº 1 do CPA, que se encontrava largamente ultrapassado, intimando dessa forma o SEF a prosseguir com a tramitação prévia relativa ao pedido de concessão de autorização de residência do requerente (cfr. o pedido formulado sob a alínea 2) do petitório), sendo os actos a praticar pelo SEF, no prazo de dez dias, os seguintes: (i) a confirmação e aprovação do registo do 1º requerente, se a tal nada obstar; (ii) e a possibilidade de agendamento para entrega do pedido de ARI no local de atendimento do SEF e para tramitação subsequente (v.g., entrega da documentação legalmente exigida, recolha de dados, pagamento das taxas requeridas).
25. Para fundamentar essa decisão, considerou a sentença recorrida que, de acordo com o disposto no artigo 65º-D, nº 16 do Decreto Regulamentar nº 84/2007, de 5/11, que veio regulamentar a Lei nº 23/2007, bem como do Manual de Procedimentos previsto no artigo 65º-J daquele decreto regulamentar, resultava que o 1º requerente ainda não havia formalizado o pedido de autorização de residência, mas apenas o registo electrónico prévio necessário para o efeito, concluindo por isso ser inaplicável ao caso o prazo previsto no artigo 82º, nº 1 da Lei nº 23/2007, de 4/7, que dispõe que o pedido de concessão de autorização de residência deve ser decidido no prazo de 90 dias.
26. Considerou, por isso, que o único obstáculo a remover através do presente meio processual consistiria na intimação do SEF a confirmar e aprovar o registo prévio do 1º requerente, de forma a permitir o agendamento para entrega do pedido de ARI no local de atendimento do SEF e para tramitação subsequente (v.g., entrega da documentação legalmente exigida, recolha de dados, pagamento das taxas requeridas).
27. E, por conseguinte, julgou improcedentes os pedidos formulados nas alíneas 1) (condenação do SEF a praticar todos os actos materiais necessários, bem como a emitir o acto administrativo de concessão de autorização de residência dos autores e a aplicação de uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso e os actos subsequentes de emissão dos respectivos títulos no prazo máximo de 90 dias da submissão do requerimento inicial apresentado online) e 5) do petitório (condenação do SEF a não solicitar documentos já apresentados ao longo do procedimento administrativo sob o fundamento de caducidade destes decorrente da demora no procedimento administrativo por atrasos imputáveis à entidade requerida), por ter entendido que, estando apenas em causa o registo prévio, e não o pedido de autorização de residência, atento o procedimento legalmente previsto (que implicaria a deslocação do 1º requerente aos serviços do SEF em data futura e incerta), nunca seria possível intimar o SEF a emitir a autorização de residência, nem tampouco a aceitar a documentação já apresentada e que, entretanto, viesse a caducar.
28. Finalmente, considerou ainda a sentença recorrida que, em razão da sua subsidiariedade, estava prejudicado o conhecimento dos pedidos formulados sob as alíneas 3) (condenação do SEF a conceder sucessivas prorrogações de permanência ou a emitir qualquer outro título habilitante que permitam a regular entrada, permanência e saída dos autores em território nacional e Espaço Schengen até que haja uma decisão sobre os pedidos de concessão de autorização de residência dos mesmos e a respectiva emissão dos títulos de residência) e 4) do petitório (condenação do SEF a não recusar a entrada dos autores em território nacional e a não constranger os autores a se afastarem do território nacional, enquanto não sejam emitidos os respectivos títulos de residência), porquanto na lógica dos requerentes (cfr. artigos 45º e segs. da PI), tais pedidos sempre se teriam tornado inúteis, atendendo a que, já na pendência da acção, o artigo 16º, nºs 8 e 9 do DL nº 10-A/2020, de 13/3, foi modificado no sentido de serem aceites os documentos e vistos relativos à permanência em território nacional que expirem a partir da data de entrada em vigor do referido Decreto-Lei (ou nos 15 dias imediatamente anteriores), até 31 de Dezembro de 2022 (cfr. o artigo 4º do DL nº 42-A/2022, de 30/6).
Adiante-se desde já que o assim decidido é para manter.
30. Com efeito, tendo em conta o regime previsto no Decreto Regulamentar nº 84/2007, de 5/11, que veio regulamentar a Lei nº 23/2007, bem como o teor do respectivo Manual de Procedimentos, previsto no artigo 65º-J do aludido decreto regulamentar, o SEF dispõe de um sistema específico de recepção dos requerimentos iniciais relativos aos procedimentos previstos na Lei nº 23/2007 e no decreto que a regulamentou, aplicável, no que ora interessa, aos pedidos de autorização de residência para investimento (ARI), que pressupõe, antes do interessado poder dar início ao seu procedimento e apresentar sua pretensão junto da Administração, um prévio agendamento junto dos serviços para essa finalidade, a ser efectuado através de uma plataforma on-line, a qual vai indicando aos interessados quais os postos de atendimento do SEF e as respectivas disponibilidades (dia/hora).
31. Ora, de acordo com a apreciação feita pela sentença recorrida, era aí que estava o constrangimento que impedia o 1º requerente a ver tramitado o seu pedido de ARI, e que o deferimento do pedido de intimação, com a amplitude constante da sentença, era idóneo a remover, uma vez que sem aquele prévio agendamento, o mesmo não podia apresentar a sua pretensão junto do SEF nem dar início ao procedimento. Esta conclusão, obviamente, não contraria o determinado no artigo 81º, nºs 2 (que prevê que o pedido pode ser extensivo aos menores a cargo do requerente) e 4 da Lei nº 23/2007 (que prevê a possibilidade do requerente de uma autorização de residência poder solicitar simultaneamente o reagrupamento familiar), pois que o aí previsto só poderia ser apreciado após o início do procedimento, com a entrega dos pertinentes requerimentos.
32. Por outro lado, pressupondo a autorização de residência para actividade de investimento, nos termos do disposto nos artigos 90º-A da Lei nº 23/2007, e 65º-A e 65º-D do Decreto Regulamentar nº 84/2007, a verificação e a prova de um conjunto de requisitos, que só ao SEF caberia avaliar, entendeu a decisão recorrida – e bem, adiantamos nós – que bastaria a intimação daquele serviço para, no prazo de 10 dias, confirmar e aprovar o registo do 1º requerente e possibilitar o agendamento necessário para que aquele pudesse efectuar a entrega do pedido de ARI e do pedido de reagrupamento familiar num dos locais de atendimento do SEF, seguindo-se após isso a tramitação subsequente, com a entrega da documentação legalmente exigida, recolha de dados, pagamento das taxas devidas, etc..
33. Ou seja, atenta a tramitação legal necessária para a concessão da ARI, não era (ainda) possível a intimação do SEF a emitir as autorizações de residência pretendidas, uma vez que antes haveria que dar início ao procedimento, com o agendamento presencial do 1º requerido para a entrega do pedido de ARI e do pedido de reagrupamento familiar.
34. Donde, e em conclusão, a sentença recorrida não violou o disposto nos artigos 81º, nºs 2 e 4, 82º, nº 1, e 98º e 99º, todos da Lei nº 23/2007, pelo que merece ser confirmada.

IV. DECISÃO
35. Nestes termos, e pelo exposto, acordam em conferência os juízes da secção de contencioso administrativo do TCA Sul em negar provimento ao recurso interposto e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
36. Sem custas – artigo 4º, nº 2, alínea b) do Regulamento das Custas Processuais.
Lisboa, 17 de Novembro de 2022
(Rui Fernando Belfo Pereira – relator)
(Dora Lucas Neto – 1ª adjunta)
(Pedro Figueiredo – 2º adjunto)