Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 480/20.8BEALM |
| Secção: | CA |
| Data do Acordão: | 11/23/2023 |
| Relator: | PAULA FERREIRINHA LOUREIRO |
| Descritores: | PRÉ-CONTRATUAL CONTRATO SUBSEQUENTE A ACORDO QUADRO REPETIÇÃO DO CONVITE PARA APRESENTAÇÃO DE PROPOSTA ESTABILIDADE SUBJETIVA CONSÓRCIO E ACE IMPARCIALIDADE |
| Sumário: | I - Não pode confundir-se o consórcio com o ACE, ainda que estejam em causa as mesmas empresas e sejam usados, na toca de correspondência, e-mails idênticos ou iguais. II - A principal diferença entre o agrupamento complementar de empresas (ACE) e o consórcio reside na circunstância de este não deter personalidade jurídica (nem sequer rudimentar), não sendo, portanto, uma entidade autónoma face aos sujeitos de direito, pessoas singulares ou coletivas, que o criaram. Em contrapartida, o ACE goza de personalidade jurídica- está sujeito a registo comercial e deve ser inscrita no Registo Nacional de Pessoas Coletivas-, consubstanciando uma pessoa coletiva, distinta e autónoma face aos sujeitos que são os respetivos membros [“agrupados” ou “sócios”], e tem aptidão para ser titular, em nome próprio, de direitos e obrigações. III - Refira-se, ainda, que o ACE não pode ter por fim principal a realização e distribuição de lucros, sendo que, o fim principal dos agrupamentos complementares de empresas é o de gerar vantagens económicas de qualquer tipo (melhorar as condições de exercício ou de resultado) ou realizar economias (eliminação ou redução de despesas), produzíveis diretamente no património dos respetivos agrupados. Ou seja, o agrupamento complementar de empresas destina-se a permitir que os respetivos membros ou sócios obtenham um desempenho económico superior àquele que provavelmente obteriam caso atuassem isoladamente. IV - Disto decorre, portanto, que não é confundível o consórcio com o ACE, até porque enquanto este é uma pessoa jurídica, já o outro não é. O que quer dizer que, enquanto num consórcio os consorciados são os contraentes no caso da celebração de um contrato, num ACE o contraente é, precisamente este e não os “agrupados”. V - Por conseguinte, o convite que foi dirigido ao ACE, em vez de ao consórcio constituído pelas duas empresas em causa, realizou uma solicitação a uma pessoa jurídica que não celebrou o Acordo Quadro ao abrigo do qual foi lançado o procedimento de consulta prévia. O que quer também dizer que, duas das contraentes desse mesmo Acordo Quadro não foram, efetivamente, convidadas a apresentar proposta no procedimento de consulta prévia. VI - Sendo assim, não pode deixar de interpretar-se o primeiro convite do Recorrido como tendo sido dirigido a uma pessoa coletiva diversa das sociedades em causa, muito embora o ACE possa ter sido fundado por estas. O que quer significar, do mesmo passo, que não só foi realizado um convite no procedimento de consulta prévia a uma pessoa jurídica que não participava do Acordo Quadro, como também não foram convidadas todas as partes que celebraram o dito Acordo Quadro. VII - A consequência desta constatação é evidente: a materialização da violação do disposto no art.º 257.º, n.º 1 do CCP, pois que, por princípio, não é admissível que os contratos subsequentes sejam celebrados com pessoas jurídicas diversas das que celebraram o Acordo Quadro. VIII - Por conseguinte, não pode entender-se que o primeiro convite expedido no procedimento de consulta prévia pelo Recorrido contém um mero erro de escrita, nos termos do estabelecido no art.º 249.º do Código Civil, quando formula convite ao ACE em vez de o formular ao consórcio, ainda que as empresas agrupadas e consorciadas sejam as mesmas. IX - E, pelas mesmas razões, também que não se verifica a condição descrita no art.º 163.º, n.º 5, al. b) do CPA, não sendo, por isso, de afastar o efeito anulatório produzido pelo ato impugnado, uma vez que, a consideração da retificação nos termos do art.º 249.º do Código Civil não tem, no caso versado, o efeito correspondente ao da formulação do convite às consorciadas para apresentar proposta ao procedimento de consulta prévia. X - A repetição do convite à apresentação de proposta era o único modo de sanar uma omissão ilegal- a ausência de convite dirigido ao consórcio-, parificando, no vertente procedimento de consulta prévia, o tratamento concedido a todos os contraentes do Acordo Quadro, pois que todos os contraentes deste foram destinatários da repetição do convite, e podiam apresentar a proposta que tinham apresentado na sequência do primitivo convite ou, querendo, apresentar proposta diferente. XI - O que quer dizer que, este novo convite não introduz qualquer nota de vantagem relativamente a nenhum dos concorrentes, até porque, as sociedades consorciadas, porque não remeteram proposta na sequência do primeiro convite, não tiveram acesso ao conteúdo das propostas concorrentes que ali foram apresentadas. |
| Votação: | UNANIMIDADE |
| Indicações Eventuais: | Subsecção de CONTRATOS PÚBLICOS |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | I. RELATÓRIO E… Portugal- SOCIEDADE EUROPEIA DE R..., Ld.ª (Recorrente) vem, na presente ação urgente de contencioso pré-contratual proposta contra o Município do Montijo (Recorrido), interpor recurso jurisdicional da sentença proferida em 03/03/2021 pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, nos termos da qual foi julgada totalmente improcedente a vertente ação e absolvido o Recorrido dos pedidos. Inconformada, a Recorrente veio interpôr recurso jurisdicional, que culmina com as seguintes conclusões: «I. O presente recurso tem por objeto a douta decisão recorrida do TAC de Lisboa – Juízo de Contratos Públicos, que deve ser revogada, considerando-se totalmente procedente a ação administrativa. II. Todo o procedimento pré-contratual corre em plataforma eletrónica, sendo que o procedimento em análise nos autos revestiu a forma de consulta prévia, nos termos do disposto nos artigos 259.º, n.º 1 e 252.º, n.º 1, al. b), ambos do Código dos Contratos Públicos (CCP), aberto ao abrigo do Acordo Quadro n.º 001/CP/2017 – Lote 4, celebrado pela AML. III. Por conseguinte, todos os convidados, independentemente do endereço de email, sabiam que estavam a ser convidados para apresentar propostas abrigo do Acordo Quadro n.º 001/CP/2017 – Lote 4, celebrado pela AML. IV. A sentença recorrida explana sabiamente o enquadramento do procedimento e as regras dos acordos-quadro, nas suas páginas 12 a 14, mas depois não retira daí, com o máximo respeito e s.m.o., as respetivas ilações. V. É precisamente pela doutrina aí explanada, que a decisão deveria, se se permite a ousadia, com o máximo respeito, ser inversa. VI. O procedimento de consulta prévia em questão visava a celebração de um contrato ao abrigo do Acordo Quadro n.º 001/CP/2017 – Lote 4, celebrado pela AML, pelo que, todos os concorrentes sabiam, até pela vasta experiência de contratação pública, que o convite recebido era para apresentar proposta ao abrigo desse AcordoQuadro , conforme expressamente dele constava (e do Caderno de Encargos que com ele foi notificado). VII. A empresa I… foi convidada, pois é inegável que o endereço de email é dessa empresa (domínio ...@i....pt), pelo que, estando no Acordo Quadro, legalmente só poderia estar a receber tal convite, como nele expressamente constava, em nome e como líder do consórcio que constituiu com a N... e que integrava o Acordo Quadro. VIII. Ao enviar o convite para a I…, embora mencionando o ACE (do qual fez parte com a N... e que foi, até então, o fornecedor do Município) em vez do Consórcio (com a mesma N... e que é, então, o adjudicatário no Acordo Quadro n.º 001/CP/2017), é absolutamente evidente o lapso, pois o convite foi endereçado à ICA ao abrigo do Acordo Quadro n.º 001/CP/2017 – Lote 4, celebrado pela AML, pelo que sabia que o rececionava como líder do consórcio. IX. Não é o “email” (endereço eletrónico) que constitui a personalidade jurídica ou identidade da entidade para onde foi remetido o convite: por um email ou por outro, a entidade em causa era a I… (parceira da N... no Acordo Quadro n.º 001/CP/2017 – Lote 4, celebrado pela AML), e foi esta ICA que foi notificada. X. A explanação da douta sentença, na página 19, não pode colher, sob pena de um endereço eletrónico se substituir à entidade em causa, que recebeu o convite (o email é a forma de envio; a entidade é a ICA; e esta foi convidada como integrante do Acordo-Quadro). XI. Razão evidente do desacerto da douta sentença, que não atendeu à total identidade e semelhança existente entre as entidades que compõem o Consórcio e ACE (mesma sede, mesma administração, mesmo domínio de correio eletrónico e mesma pessoa indicada como utilizador autorizado na plataforma eletrónica de contratação pública), que faz obviamente cair o véu da “personalidade” daqueles, sendo evidente que a I…, ao receber o convite ao abrigo do Acordo Quadro n.º 001/CP/2017 – Lote 4, teria de saber, obviamente, que o rececionava enquanto líder desse consórcio, entidade que está dentro (adjudicatária) do Acordo Quadro. XII. Não é seguramente um NIF errado que altera esta evidência, e muito menos um endereço de email que se torna decisivo, desde logo face ao disposto no artigo 249.º do Código Civil. XIII. A ICA dispõe de larga experiência como agente económico na área do fornecimento de refeições escolares a entidades públicas (só no BASE GOV, é identificada como adjudicatária em 375 contratos), pelo que, muito mais do que qualquer destinatário normal, percebeu que o convite recebido era para apresentar proposta ao abrigo do Acordo Quadro n.º 001/CP/2017 – Lote 4. XIV. Por outro lado, e sem prescindir, sempre terá de admitir-se, uma vez mais ao invés do decidido na sentença recorrida, que o efeito anulatório administrativo (produzido pelo ato impugnado) não deveria verificar-se, nos termos e para os efeitos do disposto na n.º 5, al. b) do artigo 163.º do CPA, pois é inegável que a I… recebeu o convite para apresentar proposta no procedimento aqui em causa, ao abrigo do Acordo Quadro n.º 001/CP/2017 – Lote 4, celebrado pela AML, o que só poderia acontecer através do Consórcio com a N.... XV. Forçoso é concluir que a I… sabia que estava a rececionar o convite enquanto líder do consórcio adjudicatário do Acordo Quadro. XVI. Resulta, assim, manifesto que, uma vez mais ao invés do referido na douta sentença recorrida, o fim visado com o envio do convite foi alcançado. XVII. Para além do mais, o Município e, em particular, o despacho impugnado, viola o princípio da boa administração e eficiência da Administração, bem como o princípio da imparcialidade, favorecendo um dos participantes – o consórcio constituído pelas contrainteressadas. XVIII. O facto de as contrainteressadas (precisamente sob a forma, então, de ACE) serem as anteriores habituais fornecedoras do Réu, exigia outra atuação por parte do Município, que, com esta “confusão anulatória”, não deixa de por em causa o princípio da imparcialidade. XIX. Por fim, é evidente também que há violação do princípio da participação e da audiência prévia, pois a dispensa de audiência dos interessados tem de ser fundamentada na decisão final, conforme imposição expressa do n.º 2 do artigo 124.º do CPA, o que não acontece in casu. XX. Deve a sentença ser revogada, por errada interpretação dos factos e aplicação do Direito. Nestes termos e nos demais de Direito, que certamente os Venerandos Senhores Desembargadores suprirão mui doutamente, deve ser dado provimento ao presente recurso, por provado, revogando-se a douta decisão recorrida e, em consequência, considerar-se a ação totalmente procedente, fazendo, dessa forma, a tão acostumada Justiça.». O Recorrido contra-alegou, impugnado o aduzido pela Recorrente no seu recurso. * O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, notificado para tanto, não emitiu parecer.* Foram dispensados os vistos dos Venerandos Adjuntos, atenta a natureza urgente dos presentes autos.II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respetivas conclusões, bem como pelas contra-alegações do Recorrido Município, atento o disposto no n.º 4 do art.º 635.º e nos n.ºs 1 a 3 do art.º 639.º, do CPC ex vi n.º 3 do art.º 140.º do CPTA, consistem, no essencial, em saber se a sentença padece de erros de julgamento no tocante a ter considerado que o despacho impugnado- proferido em 28/07/2020, e nos termos do qual o Recorrido anulou administrativamente «todos os atos praticados até então no procedimento concursal após o envio do convite à apresentação da proposta, bem como determinou proceder ao envio de novo convite a todos os adjudicatários do Acordo-Quadro com fixação de um novo prazo para a apresentação de propostas»- não padece de ilegalidade por (i) a repetição do convite ser legalmente devida em virtude da insusceptibilidade da aplicação do art.º 249.º do Código Civil, (ii) não ocorrer violação do princípio da imparcialidade e (iii) não ocorrer violação do direito de audiência prévia. III. MATÉRIA DE FACTO CONSIDERADA PROVADA NA SENTENÇA RECORRIDA A sentença recorrida considerou provados os factos que, ipsis verbis, se enumeram de seguida: «A) Por deliberação aprovada por unanimidade na reunião de 8 de julho de 2020, a Câmara Municipal do Montijo determinou a abertura de um procedimento de consulta prévia, para a celebração do contrato de aquisição do serviço de fornecimento de matérias primas alimentares e não alimentares e prestação de serviços relacionados com o fornecimento de refeições escolares para o concelho do Montijo, ao abrigo do Acordo Quadro n.º 001/CP/2017 – Lote 4, celebrado pela Área Metropolitana de Lisboa – cfr. doc. nº 1, junto com a p.i.. B) Os cocontratantes selecionados no lote 4 do Acordo-Quadro acima referido foram os seguintes: - 1º - U…. – Sociedade de Restaurantes P..., S.A.; - 2º - O agrupamento constituído por I…. Indústria e Comércio Alimentar, S.A. e N... – Indústria de Transformação Alimentar, S.A., representado por I…. – Indústria e Comércio Alimentar, S.A.; - 3º - E… (PORTUGAL) – SOCIEDADE EUROPEIA DE R..., LDA.; - 4º - O agrupamento constituído por I…. – ….., S.A., G…. –, S.A. e S…. –, Lda., representado por I…. –, S.A.– acordo/cfr. doc. nº 4, junto com a p.i.. C) O convite do procedimento de consulta prévia foi remetido em 10 de julho de 2020, via plataforma eletrónica de contratação pública, às seguintes entidades: - Agrupamento Complementar de Empresas I… e N... | 510… - E… (Portugal) Sociedade Eu…, Lda. | 500… - I…, S.A. | 500… - U…. – Sociedade de Restaurantes P….., S.A. | 501…. - cfr. fls. 297-300, do PA. D) O referido Agrupamento Complementar de Empresas I…. e N... tem o NIPC: 510….., o endereço de e-mail de notificações registado na plataforma eletrónica de contratação pública é: secretariado@i.....pt, e apresenta como utilizador responsável na plataforma eletrónica: António C…. e Mónica M…. – cfr. fls. 295, do PA. E) Consta do convite o seguinte: “(…) (…) (…) (…) (…)” – cfr. doc. nº 2, junto com a p.i./fls. 296, do PA. F) Consta do Caderno de Encargos, o seguinte: (…)” – cfr. doc. nº 8, junto com a p.i.. G) Apresentaram proposta a aqui A. E…. PORTUGAL – SOCIEDADE EUROPEIA DE R..., LDA., U…. – Sociedade de Restaurantes P..., S.A. e I…. – I..., S.A., em representação do agrupamento I..., G... e S...- cfr. fls. 399, do PA. H) Em 23 de julho de 2020 reuniu o júri, tendo elaborado o Relatório Preliminar, onde propôs a exclusão das propostas apresentadas pela I... – I..., S.A., em representação do agrupamento I..., G... e S... e da UN... – Sociedade de Restaurantes P..., S.A. e a ordenação da única proposta admitida, apresentada pela A. – cfr. doc. nº 3, junto com a p.i.. I) Em 29 de julho de 2020 foram os concorrentes E…, I... e UN..., notificados do despacho do Presidente da Câmara Municipal do Montijo de 28 de julho de 2020 (ratificado em reunião do órgão executivo realizada em 19/08/2020), onde consta o seguinte: (imagem, original nos autos) (…)” - cfr. doc. nº 4, junto com a p.i./fls. 419, do PA. J) A A. apresentou reclamação daquele despacho – cfr. doc. nº 5, junto com a p.i.. K) Em 29 de julho de 2020 foram enviados novos convites para a apresentação de propostas no procedimento de consulta prévia indicado em A), às seguintes entidades: - I…– Indústria e Comércio Alimentar, S.A. | 501… - E… (Portugal) SOCIEDADE EUROPEIA DE R..., Lda. | 500…. - I... – I..., S.A. | 5001…. - UN... – Sociedade de Restaurantes P…., S.A. | 5013….. - cfr. doc. nº 6, junto com a p.i./fls. 375-379, do PA. L) A I… – Indústria e Comércio Alimentar, S.A. tem sede na Avenida M…., 46-A – 1000-203 Lisboa, o NIPC: 50…., o endereço de e-mail de notificações registado na plataforma eletrónica de contratação pública é: i....@i.....pt, e apresenta como utilizador responsável na plataforma eletrónica: António C… e Magda R….– cfr. fls. 372-373 e 475, do PA. M) Apresentaram proposta a aqui A. E…. PORTUGAL – SOCIEDADE EUROPEIA DE R..., LDA., UN... – Sociedade de Restaurantes P…., S.A. e I... – I..., S.A., em representação do agrupamento I..., G... e S... e as aqui Contrainteressadas, o agrupamento constituído pelas sociedades comerciais I…. – Indústria e Comércio Alimentar, S.A. e N... – Indústria de Transformação Alimentar, S.A., representado pela primeira – cfr. PA/propostas. N) Em 17 de agosto de 2020 reuniu o júri, tendo elaborado o Relatório Preliminar, onde propôs a exclusão das propostas apresentadas pela I... – I..., S.A., em representação do agrupamento I..., G... e S... e da UN... – Sociedade de Restaurantes P…., S.A. e a ordenação em 1º lugar da proposta do agrupamento formado pela I…. – Indústria e Comércio Alimentar, S.A. e N... – Indústria de Transformação Alimentar, S.A., com o preço global proposto de € 2.130.980,85 e em 2º lugar a proposta apresentada pela A., com o preço global proposto de € 2.196.724,30 – cfr. doc. nº 7, junto com a p.i.. O) Em 26 de agosto de 2020 reuniu o júri, tendo deliberado manter o teor e as conclusões do relatório preliminar e propor a adjudicação ao Agrupamento concorrente formado pela I…. – Indústria e Comércio Alimentar, S.A. e N... – Indústria de Transformação Alimentar, S.A. – cfr. fls. 657, do PA. P) Em 11 de setembro de 2020 foram os concorrentes notificados da decisão de adjudicação – cfr. fls. 658, do PA. Q) Em 17 de setembro de 2020 o agrupamento adjudicatário apresentou os documentos de habilitação – cfr. fls. 664, do PA. * II.2. FACTOS NÃO PROVADOSNão existem factos relevantes para a decisão, em face das possíveis soluções de direito, que importe referir como não provados. * II.3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTOA matéria dada como provada resulta da análise dos documentos constantes dos presentes autos e do processo administrativo e das posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados, expressamente indicados em cada um dos pontos do probatório. * Quanto à restante matéria alegada, por se tratar de meros juízos conclusivos, de valor ou considerações de direito não são os mesmos suscetíveis de ser objeto de juízo probatório (pese embora a sua pertinência nos respetivos articulados).»IV. APRECIAÇÃO DO RECURSO O Recorrido, por deliberação de 08/07/2020, procedeu à abertura de procedimento destinado à celebração de «contrato para prestação do serviço de fornecimento de matérias-primas alimentares e não alimentares e prestação de serviços relacionados com o fornecimento de refeições escolares no concelho do Montijo, ao abrigo do Acordo-Quadro n.º 001/CP/2017- Lote 4 AML». Ou seja, o procedimento agora em questão foi aberto ao abrigo de um determinado Acordo-Quadro (doravante, apenas AQ) celebrado pela área Metropolitana de Lisboa, e revestiu a forma de consulta prévia, nos termos previstos nos art.ºs 259.º, n.º 1 e 252.º, n.º 1, al. b) do CCP. Sendo assim, as entidades a convidar para efeitos da celebração do dito contrato subsequente eram aquelas com as quais foi celebrado o mencionado AQ, isto é, a UN..., o consórcio constituído por I..., G... e S... (todas representadas pela primeira) e o consórcio constituído por I… e N... (ambas representadas pela primeira). E, nesse seguimento, o Recorrido endereçou os necessários convites. Sucede que, já após a abertura das propostas apresentadas, e depois de excluídas duas das propostas, o Recorrido deparou-se com o facto de não ter sido endereçado convite ao consórcio composto por Ica e N..., mas sim a ACE (Agrupamento Complementar de Empresas) composto pelas mesmas I… e N..., mas que não é parte no AQ em causa. Por isso, entendendo que não foram dirigidos convites a todas as partes no AQ, o Recorrido, por decisão de 28/07/2020, anulou administrativamente todos os atos praticados no procedimento após o envio dos convites, e determinou a repetição dos convites a todos os adjudicatários do AQ, e fixação de novo prazo para apresentação de propostas. Mais determinou o Recorrido que, dada a urgência na conclusão do procedimento, fosse dispensada a audiência prévia, com fundamento no art.º 124.º, n.º 1, al. a) do CPA. Na sequência deste novo convite, apresentaram proposta a agora Recorrente, o consórcio composto por I..., G... e S..., bem como o consórcio constituído por Ica e N..., que não tinha anteriormente apresentado qualquer proposta. A proposta do consórcio liderado por I... foi excluída- à semelhança do que tinha sucedido após o primeiro convite-, e tendo as propostas da Recorrente e do consórcio liderado por Ica sido admitidas, a proposta deste foi graduada em primeiro lugar e a proposta da Recorrente em segundo lugar. Assim, a Recorrente propôs a presente ação de contencioso pré-contratual, impugnando o ato proferido pelo Recorrido em 28/07/2020, que anulou administrativamente os atos praticados até então no procedimento aberto para a celebração do «contrato para prestação do serviço de fornecimento de matérias-primas alimentares e não alimentares e prestação de serviços relacionados com o fornecimento de refeições escolares no concelho do Montijo, ao abrigo do Acordo-Quadro n.º 001/CP/2017- Lote 4 AML», ordenou a repetição do convite a todos os adjudicatários e dispensou a audiência prévia. Peticionou a Recorrente, por isso, a anulação daquele ato proferido pelo Recorrido em 28/07/2020, e a de todos os atos subsequentes, bem como a condenação do Recorrido a retomar o procedimento à data em que foi proferido o ato impugnado e a adjudicar o contrato à proposta apresentada pela Recorrente, por ser a de preço mais baixo. Em 03/03/2021 foi proferida sentença pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que julgou a ação totalmente improcedente e absolveu o Recorrido dos pedidos. Discorda a Recorrente do assim julgado, imputando diversos erros de julgamento à sentença agora sob escrutínio, especificamente, por entender que a repetição do convite não era legalmente devida em virtude da aplicação do art.º 249.º do Código Civil, por tal repetição do convite acarretar a violação do princípio da imparcialidade e por ocorrer violação do direito de audiência prévia. Vejamos, então, se assiste razão à Recorrente. A primeira crítica que a Recorrente tece à sentença recorrida limita-se, em boa verdade, a repetir a argumentação que incluiu na sua petição inicial. Clama a Recorrente, em suma, que o Recorrido não deveria ter anulado o primeiro convite que dirigiu aos adjudicatários do AQ, pois que, apesar de ter sido dirigido convite ao ACE I…- N..., que não é parte no AQ, ao invés de ser convidado o consórcio I…-N..., a verdade é que tal erro era absolutamente patente, identificável e retificável, pois que o consórcio I…-N... não poderia deixar de saber que o convite lhe era dirigido, dado que o ACE não era parte naquele AQ, e a I…, que representava o consórcio I…-N..., foi efetivamente notificada do convite. Sendo assim, apresentava-se evidente que o convite dirigido ao ACE I…-N..., em vez de ao consórcio I…-N..., tratava-se de lapso e, por isso, tal erro apenas deveria ter sido considerado retificado nos termos do preceituado no art.º 249.º do Código Civil. A sentença recorrida não acolheu a tese da Recorrente, e justificou-o do seguinte modo: «(…) Ao procedimento em causa nos autos é aplicável o CCP, na redação anterior às alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31/08 [aplicável apenas aos procedimentos de formação de contratos públicos iniciados após a sua data de entrada em vigor, em 1 de Janeiro de 2018 - cfr. artº 12º e 13º, do Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de Agosto]. Tal procedimento de consulta prévia visa a celebração de um contrato ao abrigo do AQ nº 001/CP/2017 – Lote 4 – celebrado pela Área Metropolitana de Lisboa. O AQ vem definido no artº 251º, do CCP como sendo “o contrato celebrado entre uma ou várias entidades adjudicantes e uma ou mais entidades, com vista a disciplinar relações contratuais futuras a estabelecer ao longo de um determinado período de tempo, mediante a fixação antecipada dos respetivos termos.”. Por seu turno, dispõe o artº 255º, do mesmo código, sob a epígrafe “Obrigação de celebração de contratos ao abrigo de acordo quadro” que, “1 - O cocontratante do acordo quadro obriga-se a celebrar contratos nas condições naquele previstas à medida que a entidade adjudicante parte no acordo-quadro o requeira.”. Nos termos do artº 257º, só podem celebrar contratos ao abrigo de um acordo quadro as partes nesse acordo quadro, sendo que, da sua celebração não podem resultar alterações substanciais das condições consagradas naquele (cfr. artº 257º, nº 1 e 2, do CCP). A este propósito, como refere JORGE ANDRADE DA SILVA, em anotação ao artº 257º, do CCP, “3. O disposto neste artigo decorre da própria natureza e do conteúdo do acordoquadro celebrado, bem como dos direitos e obrigações que dele resultam para as partes contratantes: quanto ao aspeto subjetivo, os contratos a celebrar só o podem ser com o ou os adjudicatários do acordo-quadro; quanto ao aspeto objetivo, só o podem ser com o conteúdo resultante dos termos estabelecidos naquele acordo-quadro.”- cfr. JORGE ANDRADE DA SILVA, Código dos Contratos Públicos, 8ª edição revista e atualizada, 2019, Almedina, p. 542. Também como refere PEDRO FERNÁNDEZ SÁNCHEZ, a propósito da estabilidade subjetiva do acordo-quadro, a regra do artº 257º, nº 1, do CCP é “absoluta para os cocontratantes, visto que nenhum operador económico não previamente selecionado pela entidade adjudicante pode vir a ser convidado para apresentar proposta ao abrigo do acordo-quadro.”- cfr. PEDRO FERNÁNDEZ SÁNCHEZ, Direito da Contratação Pública, vol. II, AAFDL, 2020, p. 794. Quanto à tramitação do procedimento de formação dos contratos a celebrar ao abrigo do acordo-quadro, visto que está aqui em causa a celebração de um contrato ao abrigo de acordo quadro cujos termos não abrangem todos os seus aspetos submetidos à concorrência, tem aqui aplicação o disposto no art.º 259º do CCP, nos termos do qual “a entidade adjudicante deve dirigir aos cocontratantes do acordo quadro que reúnam as condições necessárias para a execução das prestações objeto desses contratos um convite à apresentação de propostas” [redação anterior ao DL n.º 111-B/2017, de 31/08]. Conforme resulta dos factos provados, os cocontratantes selecionados no Acordo-Quadro nº 001/CP/2017- Lote 4- celebrado pela Área Metropolitana de Lisboa, foram os seguintes: - 1º - UN... – Sociedade de Restaurantes P…, S.A.; - 2º - O agrupamento constituído por I….– Indústria e Comércio Alimentar, S.A. e N... – Indústria de Transformação Alimentar, S.A., representado por I… – Indústria e Comércio Alimentar, S.A.; - 3º - E… (PORTUGAL) – SOCIEDADE EUROPEIA DE R..., LDA.; - 4º - O agrupamento constituído por I... – I..., S.A., G... – Companhia Geral de Restaurantes e Alimentação, S.A. e S... – Serviços, Indústria e Comércio de Refeições, Lda., representado por I... – I..., S.A.. O convite do procedimento foi remetido em 10 de julho de 2020, via plataforma eletrónica de contratação pública, às seguintes entidades: - Agrupamento Complementar de Empresas I…e N... | 510… - E… (Portugal) SOCIEDADE EUROPEIA DE R..., Lda. | 500… - I... – I..., S.A. | 5001… - UN... – Sociedade de Restaurantes P…, S.A. | 5013…. Consta do mencionado convite que está em causa a celebração de contrato de aquisição do serviço de fornecimento de matérias-primas alimentares e não alimentares e prestação de serviços relacionados com o fornecimento de refeições escolares no concelho do Montijo, ao abrigo do acordo quadro nº 001/CP/2017 – Lote 4, celebrado pela Área Metropolitana de Lisboa; a proposta a apresentar deve ser constituída pelo documento “Preços unitários”, aí se estabelecendo que “os concorrentes não podem apresentar preços unitários superiores aos que foram apresentados no Acordo Quadro”; sendo o critério de adjudicação “o do mais baixo preço”. Apresentaram proposta a aqui A. E… PORTUGAL – SOCIEDADE EUROPEIA DE R..., LDA., a UN... – Sociedade de Restaurantes P..., S.A. e I... – I..., S.A., em representação do agrupamento I..., G... e S.... Em 23 de julho de 2020 reuniu o júri, tendo elaborado o Relatório Preliminar, onde propôs a exclusão das propostas apresentadas pela I... – I..., S.A., em representação do agrupamento I..., G... e S... e da UN... – Sociedade de Restaurantes P…, S.A., e a ordenação da única proposta admitida apresentada pela A.. Em 29 de julho de 2020 foram os concorrentes E..., I... e UN..., notificados do despacho do Presidente da Câmara Municipal do Montijo, de 28 de julho de 2020 (ratificado em reunião do órgão executivo realizada em 19/08/2020), onde vem referido o seguinte: “Após a notificação do relatório preliminar verificou-se que uma das entidades convidada foi uma ACE, com o contribuinte 510…, que, apesar de ser constituído pela ICA e pela N..., não é parte no Acordo Quadro; Quem celebrou o acordo quadro foi a ICA e a N..., a título singular, depois de terem celebrado um contrato de consórcio; O Convite deveria ter sido endereçado à ICA como representante do agrupamento constituído pela I… e N... e não ao mencionado ACE, que não é parte no acordo quadro nº 001/CP/2017; Atendendo ao referido lapso, não foram convidados todos os adjudicatários do acordo quadro; Este procedimento tem por objeto o fornecimento de refeições às escolas do concelho, pelo que a adjudicação deste serviço é muito urgente e de interesse público. (…) DETERMINO: 1. Para restabelecer a legalidade do procedimento, proceder à anulação administrativa de todos os atos praticados no procedimento após o envio do convite à apresentação de proposta, com fundamento no disposto nos artigos 165º e segs. do CPA, bem como proceder ao envio de novo convite a todos os adjudicatários do acordo quadro com a fixação de um novo prazo para a apresentação de propostas; 2. Que se dê conhecimento do meu despacho aos concorrentes que já apresentaram proposta, não se procedendo à audiência prévia dos mesmos, com fundamento no disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 124º do CPA, devido à urgência da presente decisão; 3. A apresentação do presente ato a ratificação da Câmara Municipal, na primeira reunião após a data do presente despacho, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 35º do anexo I da Lei 75/2013, 12 de setembro.”. Nessa sequência foram enviados novos convites para a apresentação de propostas, às seguintes entidades: - I…– Indústria e Comércio Alimentar, S.A. | 501… - E... (Portugal) SOCIEDADE EUROPEIA DE R..., Lda. | 500… - I... – I..., S.A. | 500… - UN... – Sociedade de Restaurantes P..., S.A. | 501… Apresentaram proposta a aqui A. E... PORTUGAL – SOCIEDADE EUROPEIA DE R..., LDA., a UN... – Sociedade de Restaurantes P..., S.A. e I... – I..., S.A., em representação do agrupamento I..., G... e S... e as aqui Contrainteressadas, o agrupamento constituído pelas sociedades comerciais I… – Indústria e Comércio Alimentar, S.A. e N... – Indústria de Transformação Alimentar, S.A., representado pela primeira. Em 17 de agosto de 2020 reuniu o júri, tendo elaborado o Relatório Preliminar, onde propôs a exclusão das propostas apresentadas pela I... – I..., S.A., em representação do agrupamento I..., G... e S... e da UN... – Sociedade de Restaurantes P..., S.A. e a ordenação em 1º lugar da proposta do agrupamento formado pela ICA – Indústria e Comércio Alimentar, S.A. e N... – Indústria de Transformação Alimentar, S.A., com o preço global proposto de € 2.130.980,85 e em 2º lugar a proposta apresentada pela A., com o preço global proposto de € 2.196.724,30. Em 26 de agosto de 2020 reuniu o júri, tendo deliberado manter o teor e as conclusões do relatório preliminar e propor a adjudicação ao Agrupamento concorrente formado pela I…– Indústria e Comércio Alimentar, S.A. e N... – Indústria de Transformação Alimentar, S.A.. Em 11 de setembro de 2020 foram os concorrentes notificados da decisão de adjudicação, tendo em 17 de setembro de 2020 o agrupamento adjudicatário apresentado os documentos de habilitação. Conforme resulta dos factos provados, a entidade primeiramente convidada foi o ACE I…e N..., com o NIPC: 510….. Ora, essa entidade jurídica não é parte no Acordo-Quadro nº 001/CP/2017 – Lote 4 – da Área Metropolitana de Lisboa. Não se pode concluir, como pretende a A., que o convite endereçado pelos serviços do R. foi recebido pela mesma pessoa que o seria caso o convite tivesse sido endereçado ao consórcio composto pelas Contrainteressadas, representado pela 1ª Contrainteressada I…– Indústria e Comércio Alimentar, S.A., e que o fim visado com o envio do convite foi alcançado. É que, o endereço de e-mail de notificações registado na plataforma eletrónica de contratação pública do ACE é secretariado@i....pt. E a I… – Indústria e Comércio Alimentar, S.A. tem como endereço de e-mail de notificações registado na plataforma eletrónica de contratação pública o e-mail i...@i....pt. Como refere o R., que aqui se acompanha, ainda que o domínio de e-mail seja o mesmo, os endereços de correio eletrónico são diferentes, constituem caixas postais diferentes, sendo que a entidade adjudicante não sabe, nem tem obrigação de saber, que correspondência é recebida em cada uma delas. Portanto, no procedimento de consulta prévia sub judice, até ao despacho do Presidente da Câmara Municipal do Montijo, de 28 de julho de 2020, nenhum convite/notificação foi enviado ao agrupamento formado pela I… – Indústria e Comércio Alimentar, S.A. e N... – Indústria de Transformação Alimentar, S.A. [cocontratante selecionada no Acordo-Quadro nº 001/CP/2017 – Lote 4 – celebrado pela Área Metropolitana de Lisboa]. Que também não apresentou proposta no âmbito do referido convite. Assim, tal como se entende, não merece censura o ato impugnado, que, com vista ao restabelecimento da legalidade do procedimento, procedeu à anulação administrativa de todos os atos praticados no procedimento após o envio do convite à apresentação de proposta, com fundamento no disposto nos artigos 165º e segs. do CPA, e determinou que se procedesse ao envio de novo convite a todos os adjudicatários do acordo quadro com a fixação de um novo prazo para a apresentação de propostas. Estamos perante um regime legal vinculado, disciplinado e regulamentado que não confere margem de discricionariedade administrativa ou de ponderação de quaisquer outros critérios. O convite à apresentação de proposta ao abrigo do Acordo Quadro foi remetido a uma entidade que não era cocontratante, e não foi remetido a uma das entidades cocontratantes naquele, em violação do que resulta dos artº 257º e 259º, do CCP. Assim, não se mostrando comprovado que tenham sido atingidos os fins, interesses e valores específicos que a imposição legal da formalidade visavam tutelar, que é a de permitir ao cocontratante a apresentação de proposta, é de recusar a aplicação do princípio da degradação das formalidades essenciais em não essenciais. Em relação à alegada violação do princípio da imparcialidade, da concorrência e da igualdade de tratamento dos concorrentes, “favorecendo um dos participantes – o consórcio constituído pelas contrainteressadas, novamente chamado a participar numa situação em que já havia adquirido conhecimento do teor das demais propostas”; e “favorecedora de um “player habitual” em detrimento dos demais concorrentes e da concorrência desejada pelo legislador comunitário e nacional da contratação pública” (artº 89º e 99º, da p.i.), não se pode concluir que tal tenha ocorrido no caso vertente. Com efeito, não constando o ACE na lista dos concorrentes/por nenhuma proposta ter sido por si apresentada, não lhe é facultada a consulta das propostas apresentadas no procedimento. Isso mesmo se extrai do PA, onde não se encontra qualquer notificação ao ACE depois da entrega das propostas pelos cocontratantes convidados.» Ora, analisando detalhadamente o caso posto, especialmente a factualidade provada, e enquadrando-a devidamente no horizonte normativo adequado, não podemos deixar de acompanhar o julgado pelo Tribunal a quo quanto à vertente problemática. Com efeito, não se confunde, nem pode confundir-se o consórcio I…-N... com o ACE I…-N..., e não por razões atinentes à diferenciação de e-mails, ou de registo de pessoas coletivas. É que, como se sabe, a principal diferença entre o agrupamento complementar de empresas (ACE) e o consórcio reside na circunstância de este não deter personalidade jurídica (nem sequer rudimentar), não sendo, portanto, uma entidade autónoma face aos sujeitos de direito, pessoas singulares ou coletivas, que o criaram. Em contrapartida, o agrupamento complementar de empresas (ACE) goza de personalidade jurídica- está sujeito a registo comercial e deve ser inscrita no Registo Nacional de Pessoas Coletivas-, consubstanciando uma pessoa coletiva, distinta e autónoma face aos sujeitos que são os respetivos membros [“agrupados” ou “sócios”], e tem aptidão para ser titular, em nome próprio, de direitos e obrigações. Refira-se, ainda, que o agrupamento complementar de empresas não pode ter por fim principal a realização e distribuição de lucros, sendo que, o fim principal dos agrupamentos complementares de empresas é o de gerar vantagens económicas de qualquer tipo (melhorar as condições de exercício ou de resultado) ou realizar economias (eliminação ou redução de despesas), produzíveis diretamente no património dos respetivos agrupados. Ou seja, o agrupamento complementar de empresas destina-se a permitir que os respetivos membros ou sócios obtenham um desempenho económico superior àquele que provavelmente obteriam caso atuassem isoladamente (sem constituir um ACE) (veja-se, a este propósito, o Acórdão prolatado pelo Supremo Tribunal Administrativo em 13/05/2021, no processo 325/20.9BESNT). Do que vem de se explanar decorre, portanto, que não é confundível o consórcio com o ACE, até porque enquanto este é uma pessoa jurídica, já o outro não é. O que quer dizer que, enquanto num consórcio os consorciados são os contraentes no caso da celebração de um contrato, num ACE o contraente é, precisamente este e não os “agrupados”. Quer tudo isto dizer- revertendo ao caso posto-, que o convite que foi dirigido ao ACE realizou uma solicitação a uma pessoa jurídica que não celebrou o AQ ao abrigo do qual foi lançado o procedimento de consulta prévia. E quer também dizer que, duas das contraentes do AQ em causa não foram, efetivamente, convidadas a apresentar proposta no procedimento de consulta prévia. Ora, como se referiu antecedentemente, não pode confundir-se as entidades consorciadas com o ACE, até porque, para efeitos do presente procedimento, tal implicaria que, caso fosse o ACE o celebrante do AQ, seria este a apresentar proposta e não as sociedades I… e N..., como sucede no caso de um consórcio. Sendo assim, não pode deixar de interpretar-se o primeiro convite do Recorrido como tendo sido dirigido a uma pessoa coletiva diversa das sociedades I… e N..., muito embora o ACE possa ter sido fundado por estas. O que quer significar, do mesmo passo, que não só foi realizado um convite no procedimento de consulta prévia a uma pessoa jurídica que não participava do AQ, como também não foram convidadas todas as partes que celebraram o AQ. A consequência desta constatação é evidente: a materialização da violação do disposto no art.º 257.º, n.º 1 do CCP, pois que, por princípio, não é admissível que os contratos subsequentes sejam celebrados com pessoas jurídicas diversas das que celebraram o AQ (sobre este ponto, MARCO CALDEIRA, “O âmbito subjectivo da centralização das compras públicas em Portugal”, in Centralização e Agregação de Comprar Públicas, coordenação de Miguel Assis Raimundo, ICJP-CIDP, maio de 2019, Almedina, pp. 142 a 144; ANA GOUVEIA MARTINS, “Os acordos quadro e os contratos celebrados ao seu abrigo: em especial, o regime da sua modificação”, in Centralização e Agregação de Comprar Públicas, coordenação de Miguel Assis Raimundo, ICJP-CIDP, maio de 2019, Almedina, pp. 226 a 229 e 237 a 273; MIGUEL LUCAS PIRES, “Acordos quadro”, in Comentários ao Código dos Contratos Públicos, Volume II, coord. Carla Amado Gomes e outros, 4.ª edição, agosto de 2021, Almedina, pp. 344 a 346; MIGUEL LORENA BRITO, “Modificação subjectiva do contrato no CCP”, in Comentários ao Código dos Contratos Públicos, Volume II, coord. Carla Amado Gomes e outros, 4.ª edição, agosto de 2021, Almedina, pp. 491 a 530). Ressalte-se que não obsta à constatação vinda de enunciar a circunstância das sociedades “agrupadas” serem as mesmas do consórcio, pois que, juridicamente, não se confunde a personalidade e a capacidade jurídica de cada uma delas. E, por isso, não se pode misturar o exercício do direito de cada uma daquelas entidades a apresentar proposta na sequência do convite realizado em sede do procedimento de consulta prévia. Quer tudo isto significar, por conseguinte, que não pode entender-se que o primeiro convite expedido no procedimento de consulta prévia pelo Recorrido contém um mero erro de escrita quando formula convite ao ACE I…-N... em vez de o formular ao consórcio I…-N.... É certo que este panorama poderia, eventualmente, ser diferente, acaso o consórcio I…-N... tivesse, espontaneamente, apresentado a sua proposta. Mas não o tendo feito, a conclusão que impera assumir é a de que não o fez porque não lhe foi dirigido qualquer convite para tanto. E ainda que se intentasse aplicar o regime da retificação decorrente do disposto no art.º 249.º do Código Civil, a verdade é que tal retificação imporia que o consórcio se tivesse por notificado do convite quando, na verdade, o convite foi, efetivamente, dirigido a uma pessoa jurídica distinta das sociedades consorciadas. Por conseguinte, entendemos forçosa a conclusão de que não se reúnem os pressupostos de que depende a operatividade do preceituado no art.º 249.º do Código Civil, desde logo, porque tal retificação não é apta a produzir os efeitos correspondentes aos da formulação de convite ao consórcio I…-N..., a apresentar proposta naquele procedimento de consulta prévia, aberto ao abrigo do AQ em causa. E, pelas mesmas razões, entendemos também que não se verifica a condição descrita no art.º 163.º, n.º 5, al. b) do CPA, não sendo, por isso, de afastar o efeito anulatório produzido pelo ato impugnado, uma vez que, como já se explicou, a consideração da retificação nos termos do art.º 249.º do Código Civil não tem, no caso versado, o efeito correspondente ao da formulação do convite às consorciadas I… e N... para apresentar proposta ao procedimento de consulta prévia. Deste modo, é mister concluir que a Recorrente não possui qualquer razão no que se refere à imputação, no presente aspeto, de erro de julgamento à sentença recorrida, razão pela qual improcede o aduzido nas conclusões III a XVI do seu recurso. A Recorrente imputa à sentença recorrida, também, a violação do princípio da imparcialidade. Mas a sua tese, claramente, não merece qualquer acolhimento. Realmente, a repetição do convite à apresentação de proposta era o único modo de sanar uma omissão ilegal- a ausência de convite dirigido ao consórcio I…-N...-, parificando, no vertente procedimento de consulta prévia, o tratamento concedido a todos os contraentes do AQ. Admitir o prosseguimento do procedimento sem a sanação daquela omissão desembocaria sim, para além do cometimento de uma ilegalidade, na concessão de um tratamento desfavorecedor ao consórcio em questão. E, ademais, todos os contraentes do AQ foram destinatários da repetição do convite, pelo que, podiam apresentar a proposta que tinham apresentado na sequência do primitivo convite ou, querendo, apresentar proposta diferente. O que quer dizer que, este novo convite não introduz qualquer nota de vantagem relativamente a nenhum dos concorrentes, até porque, as sociedades consorciadas, porque não remeteram proposta na sequência do primeiro convite, não tiveram acesso ao conteúdo das propostas concorrentes que ali foram apresentadas. O que significa, que o ato impugnado não fere o princípio da imparcialidade e, por isso, a sentença recorrida também não afronta este valor principiológico. Improcede, assim, o alegado pela Recorrente nas conclusões XVII e XVIII do recurso. Em derradeiro lugar, a Recorrente sustenta que a sentença também errou ao julgar não verificada a violação do direito de audiência prévia. Estriba o seu entendimento na circunstância de o ato não fundamentar satisfatoriamente as razões da urgência e de a mesma ser inexistente. Ora, neste conspecto importa dizer que, mais uma vez, a Recorrente limita-se a repetir a argumentação que foi trazida ao seu articulado inicial, e que foi ponderada na sentença agora sob escrutínio. Vejamos a fundamentação consignada na sentença recorrida a propósito desta temática: «(…) Vejamos agora a alegada violação do princípio da participação e da audiência prévia. O direito de audiência prévia é comummente identificado na doutrina e jurisprudência como um postulado da democracia representativa e um corolário dos princípios do contraditório, da colaboração da Administração com os particulares e da participação dos particulares no procedimento administrativo (cf. artigo 267.º, n.º 5, da CRP e artigos 11.º e 12.º do CPA). Estatui o n.º 1 do artigo 121.º do CPA que “sem prejuízo do disposto no artigo 124.º, os interessados têm o direito a ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta”. E acrescenta o n.º 2 da mesma disposição legal que “no exercício do direito de audiência prévia, os interessados podem pronunciar-se sobre todas as questões com interesse para a decisão, em matéria de facto e de direito, bem como requerer diligências complementares e juntar documentos”. De acordo com o artº 124º, do CPA, não há lugar a audiência prévia dos interessados quando a decisão seja urgente (artº 124º, nº 1, al. a), do CPA). A urgência da decisão é “aferida em relação à situação objectiva, real, que a decisão procedimental se destina a regular, não em relação à urgência procedimental, que esta (em regra, pelo menos) não justifica a preterição de formalidades essenciais do procedimento.” – cfr. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES e J. PACHECO DE AMORIM, Código do Procedimento Administrativo comentado, 2ª edição, Almedina, p. 464. No caso, sustentou o órgão decisor não haver lugar a audiência prévia face à urgência da adjudicação, por o procedimento ter por objeto o fornecimento de refeições às escolas do concelho. Como se entende, tal argumento, por se referir a uma situação de comprometimento da utilidade da decisão, preenche a previsão do art 103º, nº 1, al a), do CPA. Em todo o caso, mesmo concluindo-se pela violação do direito de audiência prévia, sempre se imporia aferir se tal vício tinha ou não carácter invalidante. Ora, no caso concreto, a audiência dos interessados não teria qualquer efeito prático, porque o sentido da decisão teria que ser sempre o que foi adotado, dado estarmos perante um ato praticado no exercício de poderes estritamente vinculados, pelo que, em obediência ao princípio do aproveitamento do ato administrativo, sempre seria de reconhecer a degradação em não essencial da omissão dessa formalidade (neste sentido, vide o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo - Pleno – de 23.05.2006, recurso n.º 1618/02). Por tudo o exposto, terá de improceder a presente ação.» A decisão transcrita mostra-se correta e inatacável. E por três razões. A primeira, porque, em bom rigor, o que a Recorrente ataca é a fundamentação do ato na parte que dispensou a audiência prévia e não, propriamente, o motivo convocado pelo Recorrido para ilustrar a existência de urgência. A segunda razão, porque o Recorrido enunciou expressamente a motivação da urgência: «Este procedimento tem por objeto o fornecimento de refeições às escolas do concelho, pelo que a adjudicação deste serviço é muito urgente e de interesse público» (cfr. ponto I do probatório). E a terceira, porque a razão de tal urgência é evidente, dada a proximidade do início do novo ano escolar e do início efetivo das aulas- em 1 de setembro e nos primeiros dias de setembro, respetivamente- e a circunstância de a próxima reunião camarária estar agendada apenas para 19 de agosto, o que implicaria uma delonga no procedimento que, inevitavelmente, conduziria a que, pelo menos durante o mês de setembro, pudesse não haver fornecimento de refeições escolares. Por conseguinte, não ocorre violação do previsto no art.º 124.º, n.ºs 1, al. a) e 2 do CPA. Assim sendo, não há qualquer erro ou desacerto a apontar ao iter percorrido pelo Tribunal recorrido no tocante à apreciação e julgamento da imputada violação do direito de audiência prévia. Pelo que, o recurso da Recorrente falece também neste aspeto. Destarte, ponderando todo o expendido, é mister concluir que a sentença recorrida apresenta-se correta, não merecendo, por isso, a censura que lhe vem assacada. Consequentemente, impera negar-se provimento ao presente recurso jurisdicional. V. DECISÃO Pelo exposto, acordam, em Conferência, os Juízes da Subsecção de Contratos Públicos deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida. Custas pelo recurso a cargo da Recorrente, nos termos do disposto no art.º 527.º do CPC. Registe e Notifique. *** *** Lisboa, 23 de novembro de 2023, ____________________________ Paula Cristina Oliveira Lopes de Ferreirinha Loureiro- Relatora ____________________________ Jorge Martins Pelicano ____________________________ Ana Cristina Lameira |