Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1053/22.6BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:01/09/2025
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:PRAZO DE IMPUGNAÇÃO
RECURSO HIERÁRQUICO
INDEFERIMENTO TÁCITO
JUSTO IMPEDIMENTO
Sumário:I. Nos termos do art.º 102.º, n.º 1, al. d), do CPPT, o prazo para impugnar é de três meses contados da presunção de indeferimento tácito, prazo este de natureza substantiva, correndo em férias judiciais.

II.Se o administrado, no cômputo de um prazo, parte de um pressuposto errado, sustentado apenas numa sua interpretação incorreta da informação de que dispunha, é a si imputável a consequência de tal atuação.

III.O justo impedimento abrange as situações em que, por motivo não imputável ao interessado, este não pode cumprir um determinado prazo perentório.

Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: *

Acórdão

I. RELATÓRIO

M………………………..(doravante Recorrente ou Impugnante) veio recorrer da sentença proferida a 29.09.2023, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Leiria, na qual foi julgada verificada a exceção de caducidade do direito de ação.

Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos:

“A- O Tribunal a quo errou na contagem do prazo legal previsto para a dedução da ação, porquanto entrando o pedido de recurso hierárquico a 30/5, a subida do recurso conta-se 15 dias depois, a 15/6, a presunção de indeferimento tácito 60 dias depois, a 15/8, e o prazo de impugnação 3 meses depois, a 15/11 e não dia 2/11, como conclui o Tribunal. Tratando-se de um erro de contagem de prazos é suscetível de retificação, nos termos do art. 614 do CPC, subsidiariamente aplicável ao CPPT.

B- Presumindo a retificação da contagem, presumimos igualmente que a decisão de mérito se mantenha, por ter a impugnação dado entrada no dia 17/11, não se aplicando o prazo de natureza substantiva estabelecido no art. 102º nº 1, do CPPT.

C- O relatório inicial da sentença aceita factos que deveriam constar do probatório, mormente: que a recorrida interpelou a 20/10 o SF onde apresentou o pedido de recurso hierárquico perguntando se existia revogação da decisão ou subida do recurso, obtendo resposta escrita do SF que o referido recurso encontra-se em apreciação nos Serviços Centrais da AT desde 20/06/2022.

D- Pressupondo o início da contagem do prazo de indeferimento tácito a 20/6/2022, para evitar pagar custas e a demora do contencioso, a contribuinte esperou quase até dia à data limite de 20/11 (60+90 dias após 20/6) pela resposta ao recurso.

E- Conjugando a resposta da AT, com o principio da boa fé e da colaboração com os particulares previstos nos art. 10.º e 11.º do CPA, subsidiariamente aplicáveis ao CPPT, a interpretação doutrinal e jurisprudencial sobre o prazo autónomo que se faz no art.º 66.º n. 3 CPPT, deve ceder perante a equilíbrio de interesses em causa da responsabilidade da AT, do interesse do particular e a melhor solução jurídica.

F- A conduta do SF induziu a interessada em erro quanto ao começo da contagem do prazo, devendo o atraso ser considerado desculpável, atendendo à ambiguidade do quadro normativo aplicável e à existência de justo impedimento por força da interpretação subjetiva do começo da contagem do prazo, pressupostos que ao abrigo do art.º 58-A n.º 4 do CPTA, permitem a admissão da impugnação no prazo de 1 ano, para além do prazo de três meses, desde que se demonstre, com respeito pelo princípio do contraditório que, no caso concreto, a tempestiva apresentação da petição não era exigível a um cidadão normalmente diligente que verifique estes pressupostos.

Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, deve ser concedido provimento ao presente recurso, julgando-se o mesmo procedente e revogando-se a sentença recorrida em conformidade, substituindo-se por outro que conceda à recorrente razão nas conclusões apresentadas.

Ao julgardes assim, Venerandos Desembargadores, estareis, uma vez mais, a fazer JUSTIÇA”.

A Fazenda Pública (doravante Recorrida ou FP) não contra-alegou.

O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

É a seguinte a questão a decidir:

a) O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, uma vez que deve ser considerada tempestiva a Impugnação, em virtude da ocorrência de justo impedimento ou erro desculpável?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“1) A ora Impugnante apresentou reclamação graciosa no dia 14.03.2022 (data registo CTT), contra a liquidação adicional de IRS n.º …………….775, do ano de 2020, no valor total de € 27.029,75 e data limite de pagamento no dia 28.03.2022 - cfr. processo de reclamação graciosa (PRG), ínsito no processo administrativo (PA) incorporado nos autos digitais, cujo teor aqui se dá por reproduzido;

2) A ora Impugnante, na sequência do indeferimento da reclamação graciosa n.º …………………, que apresentou contra a liquidação adicional de IRS n.º ………………..775, do ano de 2020, no valor total de € 27.029,75 - cfr. processo de reclamação graciosa, ínsito no PA incorporado nos autos digitais a fls.69 a 99, cujo teor aqui se dá por reproduzido;

3) A reclamação graciosa m.i. na alínea 1) deste Probatório foi indeferida, por despacho de 29 de abril de 2022, do Sr. Chefe de Divisão, por subdelegação - cfr. fls. 28 do processo de reclamação graciosa, ínsito no PA incorporado nos autos digitais a fls.69 a 99, cujo teor aqui se dá por reproduzido;

4) No dia 30 de maio de 2022, a ora Impugnante apresentou recurso hierárquico do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, a que foi atribuído o n.º …………..:

«Texto no original»

- cfr. fls. 2 do processo de recurso hierárquico, ínsito no PA incorporado nos autos digitais a fls.100 a 170, cujo teor aqui se dá por reproduzido;

5) O recurso hierárquico m.i. na alínea 4) deste Probatório foi remetido à entidade competente para a sua decisão, a Direção de Serviços do IRS em 14 de junho de 2022 - cfr. fls.1 e 64 do processo de recurso hierárquico, ínsito no PA incorporado nos autos digitais a fls.100 a 170, cujo teor aqui se dá por reproduzido;

6) A Administração Tributária não proferiu decisão no referido recurso hierárquico - facto não controvertido;

7) A presente impugnação judicial deu entrada neste tribunal no dia 17 de novembro de 2022 - cfr. fls.1 da paginação eletrónica, cujo teor aqui se dá por reproduzido”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Não existem outros factos com relevância para a apreciação da exceção em apreço”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A decisão da matéria de facto provada fundou-se na análise crítica de toda a prova produzida, particularmente na análise conjugada das informações e documentos constantes dos autos e do PA, que incorpora a RG e o RH, conforme discriminado a propósito de cada alínea do probatório (cfr. artigo 607.º, n.ºs 3, 4 e 5 do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT)”.

II.D. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda-se aditar a seguinte matéria de facto provada:

8) Foi enviada mensagem de correio eletrónico datada de 30.05.2022, dirigida ao serviço de finanças de Leiria 1 e à direção de finanças de Leiria, através da qual foi remetido o recurso hierárquico mencionado em 4), da qual consta designadamente o seguinte:

«Texto no original»

…” (cfr. fls. 5 e 6 do documento com o n.º de registo no SITAF neste TCAS 005074707 – processo administrativo respeitante ao recurso hierárquico).

9) Foi enviada, pelo mandatário da Recorrente, a 20.10.2022, mensagem de correio eletrónico, dirigida ao serviço de finanças de Leiria 1, com vista a obter informação sobre o estado do recurso hierárquico mencionado em 4) (cfr. documento com o número de registo no SITAF neste TCAS 005074714).

10) Na sequência do referido em 9), foi enviada resposta, ao mandatário da Recorrente, com o seguinte teor:

(cfr. documento com o número de registo no SITAF neste TCAS 005074714).

III. FUNDAMENTAÇÃO

III.A. Do erro de julgamento

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que, em seu entender, o mesmo deveria ter decidido no sentido de a impugnação ter sido apresentada tempestivamente.

Vejamos, então.

In casu, o Recorrente veio impugnar, face à formação de indeferimento tácito do recurso hierárquico apresentado de reclamação graciosa que versou sobre a liquidação adicional de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), atinente ao ano de 2020.

Nos termos do art.º 66.º do CPPT:

“1 - Sem prejuízo do princípio do duplo grau de decisão, as decisões dos órgãos da administração tributária são suscetíveis de recurso hierárquico.

2 - Os recursos hierárquicos são dirigidos ao mais elevado superior hierárquico do autor do ato e interpostos, no prazo de 30 dias a contar da notificação do ato respetivo, perante o autor do ato recorrido.

3 - Os recursos hierárquicos devem, salvo no caso de revogação total do ato previsto no número seguinte, subir no prazo de 15 dias, acompanhados do processo a que respeite o ato ou, quando tiverem efeitos meramente devolutivos, com um seu extrato.

4 - No prazo referido no número anterior pode o autor do ato recorrido revogá-lo total ou parcialmente.

5 - Os recursos hierárquicos serão decididos no prazo máximo de 60 dias”.

Existindo norma própria em termos de definição de prazo de decisão, não é aplicável o regime geral previsto no art.º 57.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT), de 4 meses, mas sim o prazo especial de 60 dias, consagrado no n.º 5 do mencionado art.º 66.º do CPPT [neste sentido, v., v.g., os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 30.04.2013 (Processo: 0122/13) e de 27.11.2013 (Processo: 0962/13)].

O prazo de 60 dias em causa conta-se do momento em que se completa o prazo de 15 dias para o autor do ato recorrido o revogar ou o fazer subir ou da sua remessa ao órgão competente para dele conhecer (cfr. o art.º 66.º, n.º 3, do CPPT), se esta ocorrer anteriormente e se tal circunstância for notificada ao administrado recorrente [v. a este respeito o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 10.03.2021 (Processo: 0118/13.0BEPRT)]. Ou seja, caso essa remessa ocorra depois de ultrapassados os referidos 15 dias, o prazo para formação do indeferimento tácito conta-se do momento em que tais 15 dias se completaram.

In casu, como decorre da matéria de facto assente não impugnada, esta remessa deu-se a 14.06.2022, data em que precisamente se completariam os 15 dias contados da apresentação do recurso hierárquico. Aliás, mesmo que a remessa ocorresse em momento ulterior, era a partir do momento em que se completa o prazo de 15 dias que se conta o prazo para formação de indeferimento tácito, caso contrário a administração poderia protelar ad eternum essa remessa e, dessa forma, protelar igualmente tal formação de ato silente.

É, pois, a partir desta data que é contado o mencionado prazo de 60 dias [cfr., v.g., os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 06.10.2021 (Processo: 0878/13.8BEAVR) e de 28.04.2021 (Processo: 0478/13.2BELLE 0676/16)].

Atento o disposto no art.º 57.º, n.º 3, da LGT e no art.º 20.º, n.º 1, do CPPT, os prazos no procedimento tributário são contínuos e contam-se nos termos do disposto no art.º 279.º do Código Civil.

Contando-se o prazo de 60 dias para formação do indeferimento tácito desta data, tal formação ocorreu a 13.08.2022. Tendo este dia sido um sábado, o seu termo transita para o primeiro dia útil seguinte, ou seja, 16.08.2022 [cfr. art.º 279.º, al. e), do Código Civil].

Nos termos do art.º 102.º, n.º 1, al. d), do CPPT, o prazo para impugnar é de três meses contados da presunção de indeferimento tácito, prazo este de natureza substantiva e, como tal, correndo em férias judiciais.

Logo, o mesmo completou-se a 16.11.2022 (e não a 02.11.2022, como refere o Tribunal a quo). Com efeito, nos termos do art.º 279.º, al. c), do Código Civil, “[o] prazo fixado em semanas, meses ou anos, a contar de certa data, termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro da última semana, mês ou ano, a essa data”.

No caso, a impugnação foi apresentada no dia 17.11.2022, momento em que já fora ultrapassado integralmente o prazo.

Veja-se que, em bom rigor, a Recorrente, ainda que aponte os erros na contagem feitos pelo Tribunal a quo, que configura como um erro suscetível de retificação, não põe em causa que apresentou intempestivamente a Impugnação, como decorre das respetivas alegações.

Apenas sublinha que pressupôs que o prazo de indeferimento tácito era contado a partir de 20.06.2022, dada a resposta que a administração lhe deu, e que esperou quase até ao limite que computou (20.11.2022) pela resposta ao recurso hierárquico.

Antes de mais, refira-se que, no requerimento que acompanha o recurso hierárquico, apresentado através de mandatário, a Recorrente refere perentoriamente que, “[s]alvo no caso de revogação total do ato recorrido, o recurso deve subir no prazo de 15 dias”.

Já vimos que, de facto, assim é e que se, por acaso, o recurso subir depois de tal prazo, tal circunstância é irrelevante para efeitos do cômputo do prazo para formação do indeferimento tácito.

Ademais, o prazo para formação do indeferimento tácito conta-se da data da remessa do recurso hierárquico (como vimos, a 15.06.2022), independentemente de o mesmo ter chegado a 20.06.2022 ou noutro momento aos serviços competentes para a sua apreciação.

Como tal, a informação fornecida à Recorrente não a poderia induzir em erro, dado que, como sabia e até o expressou aquando da apresentação do recurso hierárquico, o prazo para remessa ao órgão competente é de 15 dias e é a partir daqui que se conta o prazo para decisão do recurso hierárquico – e, logo, para formação do indeferimento tácito.

Por outro lado, essa informação não faz qualquer referência ao momento da remessa, mas sim a momento a partir do qual entrou nos serviços para apreciação, o que são duas coisas distintas. Carece, pois, de sustentação o alegado pela Recorrente, quanto à violação do princípio da boa-fé e da colaboração, dado que nenhuma informação que a pudesse induzir em erro lhe foi transmitida.

Ademais, não há qualquer ambiguidade do quadro normativo aplicável, claramente explanado no art.º 66.º, n.ºs 3 e 5, do CPPT.

Ou seja, a Recorrente, ao ter pressuposto a contagem do prazo a partir de 20.06.2022, partiu de um pressuposto errado, que não configura qualquer justo impedimento, mas tão-só uma incorreção na contagem, quando bem sabia (e até o expressou) da existência do mencionado prazo de 15 dias. Com efeito, o justo impedimento abrange as situações em que, por motivo não imputável ao interessado, este não pode cumprir um determinado prazo perentório, sendo que nada do alegado configura tal situação, mas tão-só uma incorreta contagem do prazo.

Como tal, os pressupostos previstos no n.º 3 do art.º 58.º do CPTA (e não n.º 4 do art.º 58.º-A, como, por lapso, a Recorrente refere – que não existe), não estão preenchidos. Com efeito, esta disposição legal admite a apresentação da impugnação para além do prazo regra, quando haja justo impedimento ou quando haja uma conduta por parte da administração que tenha induzido em erro o administrado. Como vimos, nada do alegado configura justo impedimento e considera-se que a conduta da administração não foi de molde a induzir em erro a Recorrente.

Logo, não assiste razão à Recorrente.

No entanto, refira-se que, se, entretanto, vier a ser proferido o ato expresso no recurso hierárquico apresentado, deste ato poderá a Recorrente impugnar judicialmente, atento o disposto do art.º 102.º, n.º 1, al. e), do CPPT.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso;

b) Custas pela Recorrente;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 09 de janeiro de 2025

(Tânia Meireles da Cunha)

(Patrícia Manuel Pires)

(Ângela Cerdeira)