Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 13103/25.0BELSB |
| Secção: | CA |
| Data do Acordão: | 09/25/2025 |
| Relator: | MARCELO MENDONÇA |
| Descritores: | PROTECÇÃO INTERNACIONAL; ÓNUS DE ALEGAÇÃO |
| Sumário: | I - É sobre o requerente de protecção internacional que impende o ónus de alegação e prova dos motivos concretos, eivados de verosimilhança, pertinência, coerência e credibilidade, que minimamente indiciem, relativamente ao seu país de origem, o ambiente de perseguição traçado pelo artigo 3.º da Lei do Asilo (asilo) ou uma situação de violação sistemática de direitos humanos ou de ameaças, ofensas ou violência, tal como gizadas pelo artigo 7.º da mesmo Lei (protecção subsidiária). II - No caso dos autos, o Recorrente, porém, não cumpriu sob qualquer forma tal ónus, sendo que, para tal desiderato, não bastam vagas referências a ameaças, perseguição ou receio de regressar ao país de origem, sem que lhe venha acoplado a devida descrição factual minimamente circunstanciada, que, por serem de tal modo imprecisas, não consubstanciam, com certeza, razões suficientemente fortes para que possamos conceder ao ora Recorrente o direito de asilo ou de protecção subsidiária. |
| Votação: | UNANIMIDADE |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Administrativa Comum |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | I - Relatório. S…, cidadão da República do Líbano, doravante Recorrente, que no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TACL) deduziu impugnação judicial contra a AGÊNCIA PARA A INTEGRAÇÃO, MIGRAÇÕES E ASILO, I.P. (AIMA), doravante Recorrida, com vista à impugnação do despacho proferido pelo Presidente do Conselho Directivo da AIMA, datado de 29/01/2025, que considerou infundado o pedido de protecção internacional apresentado pelo ora Recorrente, inconformado que se mostra com a sentença do TACL, de 05/05/2025, que julgou improcedente a impugnação, contra a mesma veio interpor recurso ordinário de apelação, apresentando alegações, nas quais formula as seguintes conclusões: “Como muito bem refere o tribunal a quo o Recorrente ao dar entrada em território nacional prestou declarações junto da AIMA, sem estar representado por advogado, e também não lhe foi permitido juntar todos os meios de prova que pretendia juntar. Porém, o tribunal a quo absteve-se de se pronunciar acerca, da alegação da ausência de advogado na audição do Recorrente. Independentemente da pretensão material deste ser a concreta posição jurídica que invoca, a audição na ausência de advogado – de que a AIMA é useira e vezeira - implica a nulidade do ato, o que desde já se invoca, nos termos do disposto no artº 615º, nº. 1, al d) do CPC, o que implica que o processo volte ao princípio. É que a tolerância dos Tribunais na aceitação da preterição dessas formalidades é o que faz com que os advogados de escala sejam chamados recorrentemente após a tomada de declarações dos interessados. Porquanto, essa tolerância tem feito – e não pode ser- letra morta de uma disposição legal conferida no interesse da parte mais desprotegida. Ao desconsiderar pronunciar-se sobre este facto o douto Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento. A sentença recorrida viola os artigos 5º e 7º da Lei 27/2008 de 30 de junho ao desconsiderar que a situação do Recorrente configura risco iminente de vida, no caso de o Recorrente entrar em território Líbano. Os seja, sujeito a tratamentos desumanos ou degradantes e sofre perseguição por motivos de pertença a determinado grupo político e religioso. Ou seja, sujeito a tratamentos desumanos ou degradantes e sofre perseguição por motivos de pertença a determinado grupo político e religioso. Foi ainda desconsiderado o risco individualizado do Recorrente ser expulso para um país onde a sua segurança não está garantida, contrariando o Princípio do non-refoulement (Convenção de Genebra, artigo 33º. e CEDH, artigo 3º). Também o tribunal a quo retirou credibilidade às declarações do recorrente pelo facto de o mesmo não ter apresentado o pedido de Proteção Internacional logo que entrou em território nacional em 26.05.2024, e só em 16.12.2024 ter apresentado esse pedido sem motivos válidos. Ora, o Regulamento de Dublin III não impõe diretamente um prazo ao recorrente para apresentar o pedido. Refere apenas que o mesmo deve ser apresentado logo que possível, e que, no entanto, o seu atraso pode ser justificado. Consequentemente e pelos fundamentos invocados deverá a sentença recorrida ser declarada nula remetendo-se o processo à AIMA para que faça uma legal apreciação. Se assim não for considerado, subsidiariamente, deve ser concedido ao Requerente Sayed Nasser Fayoumia Proteção Internacional, nos termos do artigo 3º da Lei 27/2008, de 30 de junho.” A Recorrida não contra-alegou. O Ministério Público (MP) junto deste Tribunal, notificado nos termos e para os efeitos do previsto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso. O parecer do MP foi notificado às partes. Sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente (cf. artigo 36.º, n.º 2, do CPTA), mas com apresentação prévia do projecto de acórdão, o processo vem à conferência da Subsecção Administrativa Comum da Secção de Contencioso Administrativo deste TCAS para o competente julgamento. *** II - Delimitação do objecto do recurso.Considerando que são as conclusões de recurso a delimitar o seu objecto, nos termos conjugados dos artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicáveis “ex vi” do artigo 140.º, n.º 3, do CPTA, cumpre apreciar e decidir, resumidamente, se a decisão recorrida, por um lado, é nula, e, por outro lado, ao julgar improcedente a impugnação judicial, se enferma, ou não, de erro de julgamento. *** III - Matéria de facto.Considerando que a fixação da matéria de facto na sentença recorrida não foi impugnada, mormente, segundo o ónus prescrito ao Recorrente pelas alíneas a) a c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, nem há lugar a qualquer alteração dessa mesma factualidade, remetemos para os termos da decisão da 1.ª instância que a decidiu, por ser suficiente a sua consideração para a apreciação do presente recurso, conforme o disposto no n.º 6 do artigo 663.º do CPC, aplicáveis tais comandos legais “ex vi” do artigo 140.º, n.º 3, do CPTA. *** IV - Fundamentação de Direito.a) Das arguidas nulidades da sentença recorrida O Recorrente, em conclusão de recurso, alega que a sentença recorrida é nula porque não se debruçou sobre a questão que levantou na p.i. a propósito de ter prestado declarações nas instalações da AIMA, I.P. na ausência de um advogado. Mais arguiu, compulsada a motivação recursiva no capítulo da nulidade, a questão de não lhe ter sido permitida a junção de todos os meios de prova que pretendia juntar. O Recorrente suscita, deste modo, a nulidade de sentença preconizada na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável “ex vi” do artigo 1.º do CPTA. E com razão, porquanto, apesar da sentença recorrida ter identificado a primeira causa de nulidade na sua página 15, antevendo-se que sobre a mesma iria emitir pronúncia, o certo é que acaba por omitir tal sindicância. Ocorre, por conseguinte, a causa de nulidade da sentença recorrida prevista no comando legal supra citado. Do mesmo modo, a sentença recorrida omitiu qualquer abordagem à temática da alegada não permissão de junção de meios de prova aquando da entrevista, daqui decorrendo nova causa de nulidade. Ainda assim, atentos os poderes deste tribunal de apelação, nos termos do artigo 149.º, n.º 1, do CPTA, vamos, mais adiante, conhecer de tais questões em substituição. *** b) Dos alegados erros de julgamento O Recorrente, no essencial, reitera em conclusões recursivas que tem direito ao asilo ou a protecção subsidiária, nos termos dos artigos 3.º e 7.º da Lei do Asilo. Veja-se como julgou a sentença recorrida, destacando-se o seguinte excerto: “No caso que ora nos ocupa, o Autor apresentou pedido de proteção internacional ancorando tal pedido em factos passados ocorridos, maioritariamente, entre os seus 12 anos e os 18 anos, relacionados essencialmente com situação política e social do Líbano [cf. alínea E) dos factos provados]. Mais recentemente, o Autor relata a abertura de um escritório do partido político Hezbollah no seu prédio no ano de 2022, tendo o mesmo ido confrontar o responsável do escritório e tendo nesse âmbito recebido ameaças e sido, posteriormente, obrigado a abandonar o prédio [cf. alínea E) dos factos provados]. Ora, conforme flui das declarações prestadas perante a Ré [cf. alínea E) dos factos provados], verifica-se que o Autor não logrou invocar um qualquer fundamento válido para a concessão de asilo. Com efeito, não desconsiderado os motivos invocados pelo Autor e as razões subjacentes à sua saída do Líbano, sempre se dirá que o Autor não invocou quaisquer atos persecutórios ou ameaças de perseguição de que o mesmo tenha sido alvo no seu país de nacionalidade, quer em virtude de uma qualquer atividade exercida favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana, quer em virtude de opiniões políticas e que pudessem legitimamente fundamentar o pedido de asilo, sendo o própria a afirmar que não tinha partido. Em face do exposto, há que concluir que o Autor não apresentou factos essenciais para que seja possível equacionar a concessão de asilo nos termos do artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 da Lei do Asilo. Isto por um lado, Por outro lado, no que concerne à proteção subsidiária, à luz do disposto no artigo 7.º da Lei do Asilo, é concedida autorização de residência aos estrangeiros e apátridas que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, por correrem o risco de sofrer ofensa grave, considerando-se, como tal, a ameaça grave contra a vida ou a integridade física do requerente, decorrente de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violência generalizada e indiscriminada de direitos humanos. Verificando-se que se exige, neste âmbito, um fundando receio, assente em razões objetivas - relacionadas com a realidade que se vive no país de origem - e não um estado de temor meramente subjetivo, cabendo ao requerente demonstrá-lo com base em factos objetivos que permitam concluir pela existência de um receio plausível ou razoável (…). Ora, também no tocante à autorização de residência por proteção subsidiária, verifica-se que das declarações do Autor prestadas perante a Ré não resulta a invocação de factos ou fundamentos dos quais se possa extrair que o Autor se encontra impedido ou se sente impossibilitado de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, quer por correr o risco de sofrer ofensa grave. É certo que, tal como evidenciado na informação dos serviços da Ré, não se desconhece a particular situação social e política no Líbano, porém, tal circunstância isoladamente considerada não permite fundamentar e concluir pela verificação dos pressupostos legais para a concessão autorização de residência por proteção subsidiária [cf. alínea G) dos factos provados], sendo que das declarações do Autor não é possível extrair em termos objetivos e concretos que o Autor está impedido ou se sente impossibilitado de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, quer por correr o risco de sofrer ofensa grave. É, pois, o que basta para se concluir pela não verificação dos requisitos do artigo 7.º da Lei do Asilo, que permitam conceder ao Autor proteção subsidiária.” Nenhum reparo merece o bem julgado pela 1.ª instância. Aliás, bem vistas as conclusões de recurso neste conspecto, o Recorrente não logra, em rigor, apontar qualquer concreto vício de julgamento dirigido contra o teor da sentença recorrida, limitando-se a afirmar de modo genérico que tem direito ao asilo ou a protecção subsidiária. É, pois, de ratificar o entendimento da decisão recorrida no sentido em que a situação tal como foi retratada pelo ora Recorrente no seu articulado inicial em nada se encaixa em actos de perseguição ou de grave ameaça persecutória, em consequência, mormente, de actividade que o mesmo exerça no Líbano em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana, tendo presente o estatuído pelo n.º 1 do artigo 3.º da Lei do Asilo. E sendo certo que os actos de perseguição, de acordo com o artigo 5.º, n.º 2, alínea a), da Lei do Asilo, podem revestir a forma de violência física ou mental, incluindo de natureza sexual, sendo necessário, porém, que esses actos assumam pela sua natureza ou reiteração, grave violação de direitos fundamentais (cf. o n.º 1 do mesmo preceito legal), e, sobretudo, que sejam cometidos pelo Estado, partidos ou organizações que controlem o Estado ou uma parcela significativa do respetivo território, ou por agentes não estatais, se ficar provado que os agentes mencionados nas alíneas a) e b) são incapazes ou não querem proporcionar proteção contra a perseguição (cf. o artigo 6.º, n.º 1, alíneas a) a c), da Lei do Asilo). Ora, ainda que seja pública e notoriamente conhecida a situação do Hezbollah controlar uma parte do território do Líbano, mormente, em espaços da zona Sul do país, junto à fronteira com o Estado de Israel, o certo é que o Recorrente não alegou estar ligado a qualquer actividade em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana, ou que o seu dissídio com alegados membros do Hezbollah tivesse a ver com tal actividade, mas antes, como declarou, com a sua discordância a conviver no mesmo prédio com um escritório daquele grupo (na cidade de Beirute, e não no Sul do Líbano). Também não resultou das declarações do ora Recorrente que o mesmo residisse na zona territorial ainda controlada pelo Hezbollah ou que lhe fosse impossível ou proibida a deslocação para território do Líbano mais seguro ou sem a influência daquele grupo, ou que as autoridades libanesas fossem, de todo, incapazes de lhe proporcionar protecção. Por outro lado, no que toca à protecção subsidiária, vista a p.i. e, mormente, as conclusões de recurso, nada de concreto foi alegado em relação à situação individual do ora Recorrente, que evidencie, ao regressar ao Líbano, que venha a ser sujeito a pena de morte ou execução; a tortura ou pena ou tratamento desumano ou degradante; ou a ameaça grave contra a sua vida ou a integridade física, resultante de violência indiscriminada em situação de conflito armado internacional ou interno ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos que se viva naquele país, pois que, só em tal cenário de gravidade e total abrangência territorial da violência e desrespeito dos direitos humanos seria admissível a protecção subsidiária do ora Recorrente, atento o disposto no artigo 7.º da Lei do Asilo. Aliás, é mesmo incongruente que o Recorrente alegue agora em conclusão de recurso que, caso regresse ao Líbano, estará sujeito ao risco de tratamentos desumanos ou degradantes e sofrerá perseguição por motivos de pertença a determinado grupo político e religioso, quando, contraditoriamente, como bem afirmou a sentença recorrida, declarou na entrevista não pertencer a qualquer partido político, não se vislumbrando, de igual modo, qualquer descrição de um episódio concreto que estivesse relacionado com a sua crença religiosa e que implicasse a sujeição a tratamento desumano, degradante ou cruel por tal circunstância ao regressar ao Líbano. Em suma, como bem decidiu a 1.ª instância, nem do alegado na p.i., nem agora das conclusões recursivas, se infere que o ora Recorrente tivesse cumprido o mínimo sobre o ónus de alegação e prova (cf. artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil) quanto aos requisitos legais conducentes à concessão do clamado direito de asilo, preconizados no artigo 3.º da Lei do Asilo, ou quanto aos pressupostos legais tendentes ao pretendido direito de protecção subsidiária, estipulado no artigo 7.º da mesma Lei. Neste sentido, entre outros, vai o acórdão deste TCAS, de 13/09/2023, proferido no processo sob o n.º 676/23.0BELSB, “in” www.dgsi.pt, destacando-se os pontos II e III do seu sumário, como segue: “II - O ónus da prova está, como princípio geral, do lado daquele que submete o pedido, cabendo a este alegar os factos concretos que consubstanciam uma das situações previstas no artigo 3º da Lei do Asilo, não sendo suficientes alegações genéricas ou meras percepções de que é perseguido ou alvo de ameaça grave. III - O mesmo entendimento extrai-se do Manual de Procedimentos e Critérios para a Determinação da Condição de Refugiado, do ACNUR, no qual é entendimento pacífico que cabe ao requerente de protecção internacional o ónus da prova dos factos que alega.” De igual modo, seguimos aqui o entendimento já sufragado no acórdão deste TCAS, de 20/09/2024, proferido no processo sob o n.º 2107/24.0BELSB, disponível em www.dgsi.pt, do qual enfatizamos o ponto I do seu sumário, nos seguintes moldes: “I - É sobre o requerente de protecção internacional que impende o ónus de alegação e prova dos motivos concretos, eivados de verosimilhança, pertinência, coerência e credibilidade, que minimamente indiciem, relativamente ao seu país de origem, o ambiente de perseguição traçado pelo artigo 3.º da Lei do Asilo ou uma situação de violação sistemática de direitos humanos ou de ameaças, ofensas ou violência, tal como gizadas pelo artigo 7.º da mesmo Lei. (…)” Prosseguindo, o Recorrente dissente da sentença recorrida por entender que o Tribunal a quo retirou credibilidade às declarações do recorrente pelo facto de o mesmo não ter apresentado o pedido de Proteção Internacional logo que entrou em território nacional em 26.05.2024, e só em 16.12.2024 ter apresentado esse pedido sem motivos válidos. Mais assevera que Regulamento de Dublin III não impõe diretamente um prazo ao recorrente para apresentar o pedido. Refere apenas que o mesmo deve ser apresentado logo que possível, e que, no entanto, o seu atraso pode ser justificado. Mas sem razão, adianta-se. Vejamos como a sentença recorrida enfrentou a presente questão, transcrevendo-se o seguinte trecho: “Acresce que, conforme acime referido, a decisão ora em crise considerou infundado o pedido de proteção internacional apresentado pelo Autor, nos termos do artigo 19.º, n.º 1, alínea d), da Lei do Asilo, isto é, «[o] requerente entrou ou permaneceu ilegalmente em território nacional e não tenha apresentado o pedido de proteção internacional logo que possível, sem motivos válidos». Com efeito, verifica-se que o Autor saiu do Líbano em abril / maio de 2024, tendo chegado à Suíça onde obteve um visto. Posteriormente, em 26-05-2025, entrou em território nacional, sendo que apenas em 16-12-2024 apresentou o pedido de proteção internacional [cf. alíneas B), E) e G) dos factos provados]. Verificando-se que não logrou o Autora apresentar um motivo válido e fundamento atendível para justificar o hiato temporal decorrido entre o momento da sua entrada em território nacional e a apresentação do pedido de proteção internacional. Ora, o facto de o Autor não ter apresentado pedido de asilo na Suíça, país onde chegou após a sua saída do Líbano, bem como a circunstância de apenas ter apresentado o pedido de proteção internacional em Portugal em 16-12-2024, ou seja, mais de seis meses após a sua entrada em território nacional, permite-nos duvidar da invocada necessidade de proteção. Assim, em face das declarações prestadas pelo Autor e considerando a factualidade provadas nos presentes autos, não poderemos deixar de concordar com a Entidade Demandada quando considerou infundado o pedido de proteção internacional, nos termos do artigo 19.º, n.º 1, alínea d), da Lei do Asilo, pelo que a presente ação deve improceder, mantendo-se a decisão que recusou a admissão do pedido de proteção internacional formulado pelo Autor.” A sentença recorrida é acertada nesta temática. Vejamos. O artigo 13.º, n.º 1, da Lei do Asilo, é lapidar ao estipular no seu n.º 1 que “O estrangeiro ou apátrida que entre em território nacional a fim de obter proteção internacional deve apresentar sem demora o seu pedido à AIMA, I. P., ou a qualquer outra autoridade policial, podendo fazê-lo por escrito ou oralmente, sendo neste caso lavrado auto.” (destaques nossos). Isto é, “sem demora”, significa de modo acelerado, sem atraso ou retardamento. E bem se percebe que assim seja, porquanto, o estrangeiro ou apátrida verdadeiramente carecido de asilo ou protecção subsidiária almeja, ele próprio, requerer tal estatuto o mais rapidamente possível, por forma a beneficiar com rapidez das prerrogativas inerentes a tal protecção. O ora Recorrente, ao invés, desde a data que entrou em Portugal, deixou decorrer aproximadamente sete meses até que se decidiu a pedir a protecção internacional, não logrando aludir a outras justificações em motivação recursiva que não fosse a de um alegado mau aconselhamento por advogado, no sentido de, primeiro, deixar caducar o visto e só depois requerer a protecção internacional, ou até mesmo a desculpa apontada de não conhecer a lei portuguesa. Não são justificações que colham para o efeito, pois, a ignorância ou a má interpretação da lei, ainda que esta última seja perpetrada por advogado, não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas, conforme prescreve o artigo 6.º do Código Civil, o que significa, no caso vertente, que não está justificada a delonga do ora Recorrente em pedir a protecção internacional, cujo dispositivo legal impõe que seja sem demora, ou seja, no caso do alegado pelo Recorrente, que bem podia ter sido deduzida tal protecção logo à chegada a Portugal, pois, nesse momento, estava já consciente do que alegou quanto à sua situação no Líbano, sendo-lhe possível requerer tal protecção de imediato. E, por isto, não pode, por conseguinte, o Recorrente escapar à aplicação da consequência legal adveniente de tal retardamento injustificado na apresentação do pedido de protecção internacional, que é a de tal pedido ter que ser considerado infundado, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 19.º da Lei do Asilo, pois que, sem visto válido, o ora Recorrente permaneceu ilegalmente em território nacional e não apresentou o pedido de protecção internacional logo que possível, sem motivos válidos, tal como decidiu o acto administrativo impugnado. Assim tendo julgado a sentença recorrida, como afirmámos, nenhum reparo merece. O Recorrente apela ainda nas conclusões de recurso ao princípio do “Non-refoulement”, limitando-se a dizer de modo conclusivo que corre o risco de ser expulso para um país onde a sua segurança não está garantida. Ora, para além da conclusividade da alegação recursiva, sem substanciação, o que impede o Tribunal de apelação de abordar tal temática de modo mais preciso, sempre se diz que, na senda do atrás expendido, o Recorrente, no seu caso concreto, não logrou alegar e provar que as autoridades de segurança, policiais ou militares do Líbano sejam totalmente incapazes de o proteger em qualquer parte que se encontre do território de tal país. É tempo agora de, finalmente, conhecer em substituição, como atrás explicitado. Apreciemos a primeira questão. O n.º 7 do artigo do artigo 49.º da Lei n.º 27/2008, de 30/06, que estabelece as condições e procedimentos de concessão de asilo ou protecção subsidiária e os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de protecção subsidiária (doravante, apenas a Lei do Asilo), preceitua o seguinte: “7 - Na prestação de declarações a que se refere o artigo 16.º, os requerentes de asilo ou de proteção subsidiária podem fazer-se acompanhar de advogado, sem prejuízo de a respetiva ausência não obstar à realização desse ato processual.” (destaques nossos). Do aduzido preceito legal extrai-se, por um lado, que o acompanhamento do requerente de asilo por advogado aquando da prestação de declarações é uma faculdade legal, mas não uma imposição absoluta, e, por outro lado, ainda que sem a presença de advogado, tal não impede que a diligência possa concretizar-se. Assim se vê que, tal como colocada a questão em conclusões de recurso, ou seja, no aspecto do ora Recorrente ter prestado declarações nas instalações da AIMA, I.P. na ausência de um advogado, nenhum vício se descortina da circunstância dessa diligência assim ter sido realizada, pois que, como decorre do referido preceito legal, o acompanhamento de advogado é uma mera faculdade. Mais. No caso dos autos, fazendo uso da factualidade inscrita na alínea E) do probatório da sentença recorrida (não impugnada), retira-se logo da 1.ª página do auto de declarações que ao ora Recorrente foi perguntado se “tem advogado constituído”, ao que o mesmo respondeu “não ter advogado constituído”. Disto decorre que o Recorrente, segundo um critério de mediana experiência da vida e mútua compreensibilidade da dinâmica entre a pergunta e a resposta, esteve em condições de perceber que podia solicitar o acompanhamento/presença de advogado, o que, ainda assim, não requereu em momento algum da entrevista. Por seu turno, no final das declarações, o ora Recorrente deu o seu consentimento para que as mesmas fossem comunicadas ao Conselho Português para os Refugiados (CPR) e, quando notificado da transcrição das declarações prestadas (no mesmo dia da entrevista – 16/01/2025 – cf. alínea F) do probatório da sentença recorrida – não impugnado), foi também informado que, caso pretendesse, podia entrar em contacto com o CPR, “organização não governamental que presta apoio jurídico”. Portanto, do alegado pelo Recorrente quanto à ausência de advogado aquando da prestação de declarações não emerge, no caso concreto, qualquer diminuição de garantias de defesa, nem ao nível do acesso ao Direito, protecção jurídica ou tutela jurisdicional efectiva. Em sentido similar, veja-se, entre outros, o acórdão do STA, de 27/01/2022, proferido no processo sob o n.º 02144/20.3BELSB, consultável em www.dgsi.pt, destacando-se o seu sumário: “I – A Lei do Asilo assegura pleno acesso ao direito e aos tribunais aos requerentes de proteção internacional, assegurando, nomeadamente, aconselhamento jurídico gratuito em todas as fases do procedimento, a prestar pelo Conselho Português dos Refugiados (CPR). II – Não se justifica uma interpretação do número 7 do artigo 49.º da Lei do Asilo em conformidade com os n.ºs 1 e 2 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), no sentido de que o mesmo impõe ao SEF que preste ao requerente a informação de que, além do aconselhamento pelo CPR, pode também requerer a nomeação, oficiosa e gratuita, de um advogado que o acompanhe na entrevista prevista no artigo 16.º da mesma lei.” Em suma, por conta de tal argumento nenhum vício se reconhece ao acto administrativo impugnado. Indaguemos, agora, a segunda questão. Compulsados os artigos 13.º a 15.º da p.i., o ora Recorrente aduz, em síntese, que a AIMA, I.P. não o autorizou a juntar no momento da tomada de declarações uma queixa-crime que apresentara no Ministério Público de Beirute, Líbano, no dia 12 de Abril de 2024, bem como, várias gravações telefónicas que o Recorrente dispõe no seu telemóvel, onde são proferidas ameaças de morte e vários apelos de pessoas amigas para que o mesmo fugisse do Líbano. Ora bem, em primeiro lugar, compulsada novamente a factualidade inscrita na alínea E) do probatório da sentença recorrida (não impugnada), ao analisarmos o teor do auto das declarações prestadas pelo ora Recorrente, em parte alguma se constata que o então declarante (ora Recorrente) tivesse requerido de forma expressa a junção de tais meios de prova. Do mesmo modo, não se detecta que o agente que tomou tais declarações alguma vez tivesse recusado (ou não autorizado) a apresentação desses mesmos meios probatórios. Aliás, o que se verifica das declarações prestadas (cf. alínea E) do probatório), diversamente da ideia propugnada pelo Recorrente, é que da resposta à pergunta 15 (“Procurou ajuda das autoridades do seu país de origem?”), o ora Recorrente respondeu “Sim fiz uma queixa…”, mas não requereu ao agente da AIMA, I.P., nem sequer a tal sugeriu, que pretendia fazer juntar prova nesse sentido. E, de novo, na resposta à pergunta 27 (“Dispõe de elementos de prova que confirmem as presentes declarações?”), respondeu que “Sim”, e perguntado para indicar “quais”, respondeu “Gravações das ameaças, a queixa que apresentei…”, nada se inferindo, como atrás dissemos, que, depois, tivesse pretendido juntar tais meios de prova e que tal tivesse sido recusado. Ademais, o que se verifica da página 3 do auto de declarações é que ao ora Recorrente até foi consentida em plena diligência a audição em voz alta do áudio referente a tais gravações, cujas afirmações no mesmo contidas foram, inclusive, traduzidas pela tradutora interveniente na diligência. Por seu turno, quando notificado da transcrição das declarações prestadas (no mesmo dia da entrevista – 16/01/2025 – cf. alínea F) do probatório da sentença recorrida – não impugnado), o Recorrente foi também informado que a tais declarações podia “pronunciar-se ou juntar prova documental no prazo de 3 (três) dias”, para o que foi indicado endereço de email para o efeito. Isto é, o agente de instrução do procedimento administrativo não só não recusou no momento da tomada das declarações a junção de qualquer elemento de prova, como ainda concedeu ao Recorrente a oportunidade de, querendo, poder apresentar prova documental em prazo que fixou expressamente. Deste modo, não se consente que ao ora Recorrente tivesse sido colocado em crise o seu direito de defesa ou de contraditório, nomeadamente, na modalidade de apresentação de meios de prova, o que nos leva, de igual modo, a julgar improcedente o assacado vício contra o acto administrativo impugnado. Em suma, vistas as conclusões de recurso, nenhum erro de julgamento se pode apontar à sentença recorrida, que, assim, merece inteira confirmação, mais se impondo negar provimento ao recurso. *** Sem custas, por ser gratuito o processo, nos termos do artigo 84.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho. *** Em conclusão, é elaborado sumário, nos termos e para os efeitos do estipulado no artigo 663.º, n.º 7, do CPC, aplicável “ex vi” do artigo 140.º, n.º 3, do CPTA, nos seguintes moldes:I - É sobre o requerente de protecção internacional que impende o ónus de alegação e prova dos motivos concretos, eivados de verosimilhança, pertinência, coerência e credibilidade, que minimamente indiciem, relativamente ao seu país de origem, o ambiente de perseguição traçado pelo artigo 3.º da Lei do Asilo (asilo) ou uma situação de violação sistemática de direitos humanos ou de ameaças, ofensas ou violência, tal como gizadas pelo artigo 7.º da mesmo Lei (protecção subsidiária). II - No caso dos autos, o Recorrente, porém, não cumpriu sob qualquer forma tal ónus, sendo que, para tal desiderato, não bastam vagas referências a ameaças, perseguição ou receio de regressar ao país de origem, sem que lhe venha acoplado a devida descrição factual minimamente circunstanciada, que, por serem de tal modo imprecisas, não consubstanciam, com certeza, razões suficientemente fortes para que possamos conceder ao ora Recorrente o direito de asilo ou de protecção subsidiária. *** V - Decisão.Ante o exposto, acordam, em conferência, os Juízes-Desembargadores que compõem a Subsecção Administrativa Comum da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder parcial provimento ao recurso jurisdicional, e, em consequência: 1.º Declarar a nulidade da sentença recorrida na parte em que omitiu o julgamento das questões de prestação de declarações pelo ora Recorrente nas instalações da AIMA, I.P. na ausência de um advogado e de não lhe ter sido permitida a junção de todos os meios de prova que pretendia juntar; 2.º - E, em substituição, julgar improcedentes tais vícios; 3.º - Confirmando a sentença recorrida no demais decidido. Sem custas. Registe e notifique. Lisboa, 25 de Setembro de 2025. Marcelo Mendonça – (Relator) Ricardo Ferreira Leite – (1.º Adjunto) Ana Lameira – (2.ª Adjunta) |