Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:594/22.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/30/2025
Relator:TERESA COSTA ALEMÃO
Descritores:IMPOSTO DO SELO
PRÉMIOS NÃO RECLAMADOS
Sumário:I - “(N)o momento da atribuição”, expresso no art. 5.º (n.º 1) alínea (al.) t) do Código do Imposto do Selo (CIS), é o dia/data da realização do, concreto, privativo, oficializado, sorteio/concurso, atribuinte do prémio, individualmente, sujeito a imposto do selo (IS).
II - A Santa Casa da Misericórdia ... (SCM...) não tem direito a reaver/recuperar o Imposto do Selo, por si autoliquidado e pago, referente a um prémio, do jogo titulado “totosorteio (milhão)”, não reclamado, pelo, anónimo, apostador/jogador.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

O Representante da Fazenda Pública (RFP), veio interpor recurso jurisdicional da sentença, proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa - Departamento de Jogos, na sequência do indeferimento do recurso hierárquico, interposto contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n° 3085202104007700, contra a autoliquidação de Imposto do Selo, no montante de € 199.000,00, do período de Março do ano de 2019.

O Recorrente apresentou as suas alegações de recurso nas quais formulou as seguintes conclusões:

A. Vem o presente recurso interposto contra a sentença proferida em 1.ª instância, nos autos à margem melhor referenciados, que julgou procedente a impugnação judicial.

B. Ora, com base nos fundamentos de facto e de direito em que o Tribunal a quo baseou a sua decisão, não pode, a ora recorrente, conformar-se com a sentença recorrida.
C. Adiante-se, salvo o devido respeito, que a apreciação que a sentença recorrida faz, quanto aos factos provados, assenta em errados pressupostos.
D. Assim, a recorrente não pode concordar que a Recorrida tenha logrado alcançar a prova de todos os factos, indicados no segmento “factos provados” na sentença.
E. Isto é: entende a Fazenda Pública que os meios probatórios constantes do processo não suportam os pontos da matéria dada como provada.
Recorde-se que,
F. Constitui objeto dos presentes autos, o pedido de anulação da retenção na fonte referente ao montante de Imposto do Selo (IS), verba 11.4 da TGIS, rubrica 311 - Jogo/Continente.
G. Está em causa o reconhecimento do direito à restituição da importância de € 199.000,00, devida pelo sorteio do jogo social do Estado - “TOTOSORTEIO” com o n.° 045/2019, de 08.03.2019, que a AT tributou em termos de Imposto do Selo, nos termos previstos nos artigos 23.°, 41.° e 44.° do CIS, autoliquidado pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
H. Para fundamentar o pedido de anulação, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, alega que, em virtude de o prémio não ter sido reclamado no prazo de 90 dias, a mesma logrou ser a beneficiária final do mesmo.
I. E atenta a qualidade de pessoa coletiva de utilidade pública administrativa que detém, ao abrigo do disposto no artigo 6.°, alínea c) do CIS, nessas circunstâncias, encontra-se isenta do pagamento de Imposto de Selo referente ao pagamento do prémio.
J. Por seu lado a RFP entende que (tem a certeza), no caso dos autos, o nascimento da obrigação ocorreu no momento do sorteio, ou seja, a 15 de Novembro de 2019, constituindo de imediato a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa como sujeito passivo de imposto, ao qual incumbe a competência para a liquidação e entrega do imposto do selo, nos termos previstos nos artigos 23.°, 41.° e 44.° do CIS, independentemente da ocorrência superveniente da não reclamação do prémio e posterior repercussão a entidades isentas de imposto.

K. Está assim em causa saber se, no caso de ter ocorrido a caducidade do direito a receber o prémio e revertendo este a favor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, e sendo esta entidade isenta de Imposto do Selo, art°. 6.°, alínea c) do CIS, se encontra isenta do pagamento de Imposto de Selo, que autoliquidou, referente ao pagamento do prémio.
L. Salvo melhor opinião, para que a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa pudesse ser beneficiária do prémio, e se locupleta-se [sic] com o mesmo, teria de ocorrer em primeiro lugar, a caducidade do prazo de pagamento do mesmo, pelo que a isenção que pretende ser-lhe aplicável não resulta diretamente da lei, mas sim do facto de beneficiar desta caducidade, sendo que, o nascimento da obrigação parece ocorrer no momento do sorteio, constituindo de imediato a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa como sujeito passivo de imposto, com o dever de liquidação e pagamento do mesmo, mas não, pelo menos imediatamente, titular do interesse económico sobre o qual recai o encargo do imposto, sendo que o artigo 6° do CIS, (corpo do artigo), estabelece a isenção deste imposto, para este tipo de pessoas coletivas, “quando este constitua seu encargo”.
M. Aliás, este entendimento supra elencado em sede de “conclusões”, é sufragado e bem suportado em orientações administrativas emitidas pela Autoridade Tributária, das quais se destacam as fichas doutrinárias - IVE 9527, de 09 de Dezembro de 2015 e IVE 1492, de 20 de Janeiro de 2011, ambas com despacho concordante da Directora de Serviços do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, do Imposto do Selo, do Imposto Único de Circulação e das Contribuições Especiais (DSIMT).
Neste sentido,
N. E com base em toda a argumentação aduzida neste Recurso, afigura-se-nos dever ser a sentença proferida nos presentes autos revogada, por padecer de erro de julgamento de facto e de direito, e mantidos na ordem jurídica os atos tributários impugnados.


DO PEDIDO:
Requer-se a este Venerando Tribunal que dê provimento ao presente recurso, revogando a Sentença recorrida e substituindo-a por Acórdão que decida nos termos supra expostos.


A Recorrida apresentou contra-alegações, nas concluiu do seguinte modo:

a. No presente recurso, demanda o Recorrente pela revogação da sentença por erro de julgamento, em matéria de direito pela incorreta subsunção da factualidade exposta na petição inicial ao direito aplicável.

b. Ora, da análise da Decisão recorrida e na medida do exposto, entende-se que a douta sentença não padece de qualquer vício, não fazendo um incorreto enquadramento jurídico da matéria de facto, termos em que sempre se deverá concluir que a razão não assiste à Recorrente, devendo o presente recurso ser rejeitado.

c. Determina o CIS, concretamente quanto aos jogos sociais do Estado explorados, em nome do Estado, pela Recorrida, e quanto ao nascimento da obrigação tributária, que a mesma se considera constituída no momento da atribuição do prémio (alínea t) do artigo 5° do CIS).

d. Recaindo o encargo do imposto sobre o titular do interesse económico, o qual é «Nos prémios do bingo, das rifas, do jogo do loto e dos jogos sociais do Estado, bem como em quaisquer prémios de sorteios ou concurso, o beneficiário.» (cf. alínea t) do n.° 1 do artigo 3.° do CIS).

e. Nos presentes autos, atenta a ausência de pagamento efetivo ou de colocação do prémio à disposição do apostador premiado - que, de resto, não o reclamou no prazo legal devido de 90 dias -, não se verificou o nascimento da obrigação tributária, uma vez que não ocorreu uma efetiva atribuição de um prémio do jogo social do Estado MlLHÃO n.° 9/2019, de 8 de março de 2019; conforme previsto na citada alínea t) do n.° 1 do artigo 5.° do CIS.

f. E, deste modo, não tendo havido atribuição efetiva do prémio, por ter decorrido o prazo para o seu exercício, não se configura o facto gerador da obrigação tributária, i.e., não se verificou o evento necessário ao nascimento da obrigação tributária, pois para que exista tributação tem de existir um rendimento efetivo e não um mero rendimento potencial.

Por outro lado,

g. Na presente relação jurídico-tributária, por força do específico quadro legal aplicável e da factualidade existente, verifica-se uma equivalência entre o sujeito passivo e o titular da capacidade contributiva, i.e., não temos dois sujeitos jurídicos, em que o beneficiário do prémio estaria obrigado a reembolsar o sujeito passivo da obrigação tributária (por ser ele o titular da capacidade contributiva), temos sim uma simultaneidade de posições na mesma entidade (a Recorrida SCML).

h. O que significa que, atenta essa dupla qualidade, o fenómeno da repercussão tributária não se pode verificar, uma vez que o encargo económico do imposto não pode ser transferido para um terceiro, isto é, para uma pessoa distinta do sujeito passivo.

i. Ora, a repercussão é um pressuposto essencial dos impostos indiretos, como é o caso do IS, o que significa que, também por este facto, não estaria a situação em análise sujeita a tributação por não se encontrar preenchido um requisito obrigatório à aplicação do Imposto do Selo.

Por fim,

j. O artigo 6.° do CIS enuncia as entidades que se encontram subjetivamente isentas de IS, prevendo a alínea c) deste preceito que as pessoas coletivas com estatuto de utilidade pública beneficiam de uma isenção subjetiva, decorrente da proteção conferida pelo legislador em função das finalidades de ordem social que a elas se encontram associadas, que impede que sejam tributadas em sede de IS, quando sobre elas recai o encargo económico do imposto.

k. Sendo a Recorrida uma pessoa coletiva de direito privado e utilidade pública administrativa quando, como acontece na situação vertente, a entidade com interesse económico na realidade tributária coincide com o sujeito passivo - atendendo a que os prémios dos jogos sociais do Estado não reclamados revertem para a Recorrida -nunca deveria ocorrer tributação em sede de IS, uma vez que esta entidade beneficia da isenção subjetiva supramencionada.

l. Pelo que, a isenção constante na referida alínea d) do artigo 6.° do CIS deve ser plenamente aplicada à Recorrida, como bem entendeu o Tribunal a quo.

m. Ademais, diga-se que, se assim não fosse, a Recorrida só teria forma de repercutir o IS junto dos apostadores premiados quando estes reclamassem os respetivos prémios, dado que, nas demais situações, tal não se revelaria viável estando sempre, e na realidade, obrigada a suportar o pagamento de um tributo, do qual se encontra isenta!

n. Termos em que, em face da prova produzida nos autos e do quadro normativo aplicável ao caso sob análise resulta evidente que bem andou o Tribunal a quo pelo que deverá ser, integralmente, mantida a Decisão recorrida.

Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o recurso interposto pela Recorrente ser julgado integralmente improcedente, mantendo-se a douta sentença, e, em consequência, ser proferido Acórdão que confirme a Decisão recorrida,

Pois, assim, se fará JUSTIÇA!


***

A Digna Magistrada do M.º Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, por entender que “os fundamentos do recurso não permitem abalar os fundamentos de facto e de direito que sustentam a douta sentença recorrida, a qual se mostra correta e bem fundamentada, tendo interpretado adequadamente os factos e efetuado acertada subsunção dos mesmos ao direito, devendo ser confirmada na ordem jurídica”.

***

Questões a decidir no recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, tal como decorre do disposto nos arts. 635.º nºs 4 e 5 e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), disposições aplicáveis ex vi art. 281.º do CPPT.

Assim sendo, no caso em apreço, atendendo às conclusões de recurso, há que apurar se a sentença sob recurso padece de erro de julgamento, de facto, por “os meios probatórios constantes do processo não suportarem os pontos da matéria dada como provada”, e de direito - se a sentença recorrida errou ao decidir que, no caso de ter ocorrido a caducidade do direito a receber o prémio e revertendo este a favor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, e sendo esta entidade isenta de Imposto do Selo, art°. 6.°, alínea c) do CIS, se encontra isenta do pagamento de Imposto de Selo, que autoliquidou, referente ao pagamento do prémio.

II. Fundamentação

II.1. Fundamentação de facto

O Tribunal a quo julgou provados os seguintes factos:
A) A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa é uma pessoa colectiva de direito privado e utilidade pública administrativa (cf. Decreto-Lei n° 235/2008, de 3 de Dezembro, publicado no DR n° 234, 1a Série);
B) No âmbito da sua actividade, a Impugnante assegura a exploração dos jogos sociais do Estado, em regime de exclusividade para todo o território nacional, nomeadamente o TOTOSORTEIO, comercialmente designado "Milhão”, criado e regulamentado pelo Decreto-Lei n° 43/2016, de 16.08 e pela Portaria n° 227/2016, de 25.08 (facto não controvertido);
C) Em 18-04-2019, a Impugnante procedeu, no Serviço de Finanças de Lisboa-3, através da guia n° 80526278609, à liquidação e pagamento, a título de Imposto do Selo e retenções na fonte/IRS, referente ao período de Março de 2019, o montante total global de € 14.563.746,04, do qual € 199.000,00 corresponde ao sorteio do jogo social do Estado TOTOSORTEIO, com o n.° 09/2019, de 8 de Março de 2019.» (cfr. docs. 1 e 2 juntos com a petição inicial);
D) O prémio do TOTOSORTEIO, com o n° 09/2019, não foi reclamado no prazo de 90 dias subsequentes à data do sorteio (facto não controvertido);
E) A Impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação de Imposto do Selo do TOTOSORTEIO com o n° 09/2019, de 03-03-2019, no valor de € 199.000,00€, a qual foi instaurada no Serviço de Finanças de Lisboa 3, sob o n° 3085202104007700 (cf. PAT apenso aos autos - págs, 125, 131 e 221/SITAF);

F) Pelo despacho de 20-07-2021 do Chefe de Divisão da Unidade dos Grandes Contribuintes, foi a reclamação graciosa indeferida com base no teor da Informação n° 140-ISCPS1/2021, da Divisão de Justiça Tributária, com o seguinte teor:
«V. DA ANÁLISE DA MATÉRIA DE FACTO E DO PEDIDO
(...)
§ V.3 Do enquadramento em sede de Imposto do Selo
34. De acordo com o CIS, este imposto incide sobre todos os atos, contratos, documentos, papéis e outros factos previstos na Tabela Geral de IS, ocorridos em território nacional, não estando porém, a ele sujeitas as operações sujeitas a IVA e dele não isentas (artigo 1.°, n.° 1 e 2 e artigo 4.°, n.° 1 do CIS).
35. O artigo 7.° do CIS isenta o jogo do bingo e os jogos organizados por instituições de solidariedade social, pessoas coletivas legalmente equiparadas ou de utilidade pública, que desempenhem predominantemente fins de caridade, de assistência ou de beneficência, quando a receita se destine aos seus fins estatutários ou, nos termos da lei, reverta obrigatoriamente a favor de outras entidades, com exceção dos jogos sociais do Estado, nos termos da alínea p) do n.° 1 do artigo 7.°do CIS. Acresce o n.°4 do mesmo artigo e diploma que esta isenção não se aplica, porém, quando se trate de imposto devido nos termos das verbas 11.2, 11.3 e 11.4 da TGIS.
36. Desta forma encontram-se sujeitos a IS, quer as apostas de jogos não sujeitas ao Imposto Especial sobre o Jogo (bilhete, boletins, cartões, matrizes, rifas ou tômbolas), quer as apostas dos chamados jogos sociais do Estado (Euromilhões, Lotaria Nacional, Lotaria Instantânea, Totobola, Totogolo, Totoloto, Totosorteio (conhecido por M1LHÃO) e Joker), embora sujeitos a taxas distintas, mas em ambos os casos sobre o preço de venda do título de habilitação. No que aos jogos sociais do Estado diz respeito, por via da verba 11.3 da TGIS, aplica-se a taxa de 4,5% incluída no preço de venda da aposta.
37. Adicionalmente, por via da Lei do Orçamento de Estado para 2013 (Lei n.° 66- B/2012, de 31 de dezembro) que aditou a verba 11.4 da TGIS, no que toca aos jogos sociais do Estado, passam também a estar sujeitos a IS, para além da aposta (verba 11.3 da TGIS), os respetivos prémios, à taxa de 20%, sobre o montante que exceda € 5.000,00.

38. De acordo com o disposto na alínea t) do artigo 5.° do CIS, a obrigação tributária considera-se constituída no momento da atribuição dos prémios.
39. Caberá aos sujeitos passivos a liquidação e entrega do imposto (artigos 23.° n.° 1 e 41.° do CIS), ou seja, no caso dos jogos sociais do Estado, designadamente o "M1LHÃO", caberá à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa essas incumbências, nos termos da alínea o) do n.° 1 do artigo 2.°do CIS.
40. Deste modo, caberá à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, na qualidade de sujeito passivo de imposto, proceder à entrega do imposto liquidado até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que se verificou o facto gerador de imposto (artigos 43. ° e 44.° do CIS), através da guia de retenção na fonte de IRS/IRC e IS (de acordo com o regime vigente até dezembro de 2020), e que no caso em concreto se dá por verificado.
41. Todavia, embora ao sujeito passivo do imposto caiba a liquidação do imposto e a correspondente entrega do mesmo junto dos cofres do Estado, não é sobre este que recai o encargo do imposto. Este recai sobre os "titulares do interesse económico", ou seja, sobre os beneficiários dos rendimentos ou os adquirentes dos títulos de habilitação, considerando-se como tal nas apostas, o apostador, bem como em quaisquer prémios (incluindo in casu o "M1LHÃO") o respetivo beneficiário, de acordo com o estipulado nas alíneas c) e t) do n.°3 do artigo 3.°do CIS, respetivamente.
42. Caso seja uma das entidades enunciadas no artigo 6.° do CIS o beneficiário imediato do prémio, e consequentemente veja recair sobre si o encargo do imposto respetivo, o prémio atribuído estará isento de imposto do selo, desde que faça prova da sua natureza jurídica de entidade que goza de isenção subjetiva de imposto ao abrigo do disposto no artigo 6.° do CIS, bem como da inexistência de dívidas à AT e à Segurança Social, nos termos previstos no n.° 6 do artigo 14.° do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
43. Sem prejuízo de também ser dado cumprimento ao disposto no artigo 8.° do CIS, que estabelece a obrigação de ser averbado no documento ou título a disposição legal que prevê a isenção.

44. No caso dos prémios não reclamados estatui o Regulamento do "M1LHÃO", no n.° 8 do seu artigo 14.°, que o direito a receber os prémios caduca decorridos 90 dias sobre a data do respetivo sorteio.
45. E o montante dos prémios caducados, no que toca ao jogo "M1LHÃO" reverte a favor da "SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE LISBOA ", de acordo com o estatuído pelo artigo 10.° do Decreto-Lei n.° 210/2004, de 20 de agosto.
46. Mais concretamente, no que respeita ao sorteio n.° 09/2019, de 8 de março de 2019, verificou-se a caducidade do direito ao prémio a 30 de maio de 2019.
47. Efetivamente, o nascimento da obrigação tributária verifica-se no momento em que a entidade promotora reconheça a existência de uma obrigação/encargo decorrente de ter de conceder um determinado prémio e, por consequência, tornar o beneficiário detentor de um direito/crédito, independentemente de este estar identificado ou vir reclamar o prémio.
48. No entanto, ainda que ocorra a reversão dos prémios a instituições com fins assistenciais ou humanitários, nos quais se inclua a ora Reclamante, entidades estas, isentas por via do artigo 6.° do CIS, este beneficiário "mediato" não vê recair sobre si o encargo do imposto, na medida em que independentemente do beneficiário reclamar ou não o prémio, o sujeito passivo do imposto constituiu-se com o nascimento da obrigação tributária no momento da atribuição do prémio, nos termos da alínea t), do artigo 5.° do CIS.
49. No caso do jogo do "M1LHÃO", em análise, o nascimento da obrigação ocorreu no momento do sorteio, ou seja, a 6 de setembro de 2019, constituindo de imediato a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa como sujeito passivo de imposto, ao qual incumbe a competência para a liquidação e entrega do imposto do selo, nos termos previstos nos artigos 23.°, 41.°e 44.°do CIS, independentemente da ocorrência superveniente da não reclamação do prémio e posterior repercussão a entidades isentas de imposto.
50. No caso em análise, alega a Reclamante ser a beneficiária do prémio não reclamado em apreço correspondente ao montante de 1.000.000,00 (um milhão de euros), referente ao sorteio n.° 09/2019, de 8 de março de 2019, dado o prémio não ter sido reclamado no prazo legal consagrado para o efeito, ou seja, 90 dias após a data do respetivo concurso (até 30.05.2019), nos termos previstos no n.° 8 do artigo 14.° do Regulamento do "M1LHÃO".
51. No entanto, tratando-se a ora Reclamante de um beneficiário "mediato" não vê recair sobre si o encargo do imposto, nos termos expostos.
52. Face a todo o exposto, entendemos que a retenção de imposto do selo no valor de 199.000,00 (cento e noventa e nove mil euros), prevista na verba 11.4 da TGIS, não padece de qualquer vício de violação da lei por errónea interpretação, nem de qualquer outra ilegalidade, sendo de manter na ordem jurídica, pelos motivos expostos.

VII. DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE A UDICÃO PRÉVIA
53. Analisado o mérito do peticionado, procedeu-se à elaboração do "Projeto de Decisão" junto dos autos, consubstanciado na nossa anterior Informação n.° 111- ISCP1/2021, disso se notificando o Contribuinte, ora Reclamante, para, no prazo de 15 (quinze) dias, exercer, querendo o seu direito de participação, na modalidade de audição prévia, sob a forma escrita, nos termos e efeitos do preceituado na alínea b) do n.° 1 e dos n°s 4 a 6 todos do artigo 60.° da LGT, por sua vez conjugado com o preceituado no artigo 100.° do Código do Procedimento Administrativo (CPA).
54. No prazo estabelecido, o Reclamante, devidamente notificado do "Projeto de Decisão" da Reclamação Graciosa e no decurso do prazo para o exercício do direito de audição, nos termos do artigo 40.° do CPPT, constata-se que exerceu o respetivo direito, alegando em suma, não se poder conformar com o conteúdo e sentido da decisão de indeferimento proposta, pelo facto de a mesma encerrar, uma errónea interpretação e aplicação da lei ao caso concreto, dado tratar-se a Reclamante de instituição não lucrativa e como tal, abrangida pela isenção subjetiva prevista na alínea c), do n.° 1, artigo 6.°do CIS.
55. Mais acrescenta discordar de que a repercussão do imposto para o beneficiário do prémio só se verifica em relação aos beneficiários imediatos do prémio e que caso não sejam reclamados, no prazo legalmente estipulado, os beneficiários mediatos não veem recair sobre si o encargo do imposto, cfr. se entende no projeto de decisão proposto.

56. Efetivamente, partilhamos o entendimento de que a Reclamante, dada a sua natureza jurídica de instituição de utilidade pública administrativa encontra-se abrangida pela isenção de imposto do selo, nos termos previstos na alínea c), do n.° 1, do artigo 6.° do CIS.
57. E as entidades enunciadas no artigo 6.°do CIS, caso sejam beneficiários imediatos do prémio, e consequentemente vejam recair sobre si o encargo do imposto respetivo, o prémio atribuído estará isento de imposto do selo, desde que façam prova da sua natureza jurídica de entidade que goza de isenção subjectiva de imposto ao abrigo do disposto no artigo 6.°do CIS, bem como da inexistência de dívidas à AT e à Segurança Social, nos termos previstos no n.° 6 do artigo 14.° do Estatuto dos Benefícios Fiscais. Deve ainda, ser dado cumprimento ao disposto no artigo 8. ° do CIS que estabelece a obrigação de ser averbado no documento ou título a disposição legal que prevê a isenção.
58. No entanto, no caso dos prémios não reclamados, como é o caso, ainda que ocorra a reversão dos prémios a instituições com fins assistenciais ou humanitários, nos quais se inclua a ora Reclamante, entidades estas, isentas por via do artigo 6.° do CIS, este beneficiário "mediato" não vê recair sobre si o encargo do imposto, na medida em que independentemente do beneficiário reclamar ou não o prémio, o sujeito passivo do imposto constituiu-se com o nascimento da obrigação tributária no momento da atribuição do prémio, nos termos da alínea t), do artigo 5.° do CIS.
59. Efetivamente, o nascimento da obrigação tributária verifica-se no momento em que a entidade promotora reconheça a existência de uma obrigação/encargo decorrente de ter de conceder um determinado prémio e, por consequência, tornar o beneficiário detentor de um direito/crédito, independentemente de este estar identificado ou vir reclamar o prémio.
60. No caso do jogo em análise, designadamente, o "M1LHÃO", o nascimento da obrigação ocorreu no momento do respetivo sorteio, ou seja, a 8 de março de 2019 (sorteio n,° 9/2019), constituindo de imediato a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa como sujeito passivo de imposto, ao qual incumbe a competência para a liquidação e entrega do imposto do selo, nos termos previstos nos artigos 23.°, 41.° e 44.° do CIS, independentemente da ocorrência superveniente da não reclamação do prémio e posterior repercussão a entidades isentas de imposto.

61. Aliás, este entendimento é sufragado em orientações administrativas emitidas pela AT, das quais se destacam as fichas doutrinárias — IVE 9527 de 09.12.2015 e IVE 1492 de 20.01.2011, ambas com o despacho concordante da Diretora de Serviços do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, do Imposto do Selo, do Imposto Único de Circulação e das Contribuições Especiais (DSIMT).
62. A Reclamante, evidencia ainda que, em duas reclamações graciosas que interpôs anteriormente, com similitude de pressupostos de facto e de direito, a decisão tenha sido contrária à ora proposta.
63. No entanto, salientamos que a Administração Tributária está, antes de mais, vinculada ao princípio da legalidade, não podendo deixar de atuar de acordo com a interpretação que no momento entenda ser a mais conforme à Lei, independentemente de anteriormente, poder ter atuado deforma distinta.
64. No caso em análise, alega a Reclamante ser a beneficiária do prémio não reclamado em apreço correspondente ao montante de 1.000.000,00 (um milhão de euros), referente ao sorteio n. ° 9/2019, de 8 de março de 2019, dado o prémio não ter sido reclamado no prazo legal consagrado para o efeito, ou seja, 90 dias após a data do respectivo concurso (até 30.05.2019), nos termos previstos no n.°8 do artigo 14.° do Regulamento do "MILHÃO".
65. No entanto, tratando-se a ora Reclamante de um beneficiário "mediato" não vê recair sobre si o encargo do imposto, nos termos expostos.
66. Face a todo o exposto, entendemos que a retenção de imposto do selo no valor de 199.000,00 (cento e noventa e nove mil euros), prevista na verba 11.4 da TGIS, não padece de qualquer vicio de violação da lei por errónea interpretação, nem de qualquer outra ilegalidade, sendo de manter na ordem jurídica, pelos motivos expostos.
Nestes termos,
67.Considerando-se a permanência da validade dos pressupostos que, de facto e de direito, alicerçaram o nosso anterior "Projeto de Decisão", somos então a entender pela definitividade do mesmo, com todas as consequências legais.
VIII. DA CONCLUSÃO E DA DECISÃO
Em conformidade com o anteriormente exposto, porquanto se demonstrar vedado a esta Unidade dos Grandes Contribuintes outro entendimento que não o até aqui referido, somos de propor que o pedido inserto nos autos seja indeferido, em conformidade com o teor do "quadro síntese" desde logo melhor identificado no intróito desta nossa informação, com todas as consequências legais.” (cf. PAT apenso aos autos — págs, 125, 131 e 221/SITAF);

G) Notificada da decisão mencionada na alínea precedente, a Impugnante interpôs em 05-08-2021 recurso hierárquico dirigido ao Ministro das Finanças, o qual foi indeferido (cfr. documento n° 3 junto com a petição inicial e PAT apenso aos autos - págs, 125, 131 e 221/SITAF);
H) A presente impugnação judicial foi apresentada em 31-03-2022 (cf. pág. 1/SITAF);
I) Nos processos de reclamação graciosa n°s 3085201704007980 e 3085201804004167, em que estavam em causa as autoliquidações de Imposto do Selo por prémios não reclamados dos sorteios "MILHÃO” n°s 011/2016, 012/2016, 022/2017, 034/017, 039/2017, 046/2017, a AT reconheceu razão à ora Impugnante, deferindo os pedidos de restituição de imposto (cfr. Documentos n°s 4 e 5 juntos com a petição inicial e PAT apenso aos autos - págs. 125, 131 e 221/SITAF).

*

Da decisão recorrida, no ponto “Factos não Provados” consta, ainda, a seguinte menção:
Não existem factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados.

*


Quanto à motivação da matéria de facto ficou consignado o seguinte:

Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se, na prova documental junta aos autos, no processo administrativo tributário e procedimento de reclamação graciosa e recurso hierárquico em apenso, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.

II.2. Apreciação Jurídica do Recurso

A Fazenda Pública vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação interposta pela Santa Casa de Misericórdia de Lisboa, na sequência do despacho de indeferimento do recurso hierárquico, contra o acto tributário de autoliquidação de Imposto do Selo, referente ao ano de 2019.

A Recorrente começa por alegar que “os meios probatórios constantes do processo não suportam os pontos da matéria dada como provada”. Ou seja, parece pôr em causa os factos provados.

Contudo, analisadas as conclusões do recurso, conjugadas com as respectivas alegações, nada de concreto é avançado nesta matéria, ou seja, não é indicado qualquer facto que não esteja concretamente suportado nos meios probatórios do processo.

Ora, a alteração da matéria de facto fixada obedece a regras legais, previstas no art. 640.º do CPC, que não podem deixar de ser cumpridas.

Em tal preceito se dispõe que:

1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.
No que se reporta à reapreciação da matéria de facto, dispõe o artigo 662.º do Código de Processo Civil, que “1-A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem solução diversa.” e desde que do processo constem todos os elementos que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto posta em causa.

Dito isto e, como se viu, analisadas as conclusões do recurso, concatenadas com as alegações, verifica-se que a Recorrente não cumpriu adequadamente as referidas regras, já que é completamente omissa quanto aos factos que, alegadamente, não estariam de acordo com os elementos probatórios constantes dos autos, o que impede por completo que o Tribunal se possa pronunciar sobre tal questão.

Assim sendo, o probatório terá de se manter tal como consta da decisão recorrida.

Passando, agora, à apreciação da questão de saber se a sentença recorrida errou ao decidir que, por ter ocorrido a caducidade do direito a receber o prémio e revertendo este a favor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, e sendo esta entidade isenta de Imposto do Selo, art°. 6.°, alínea c) do CIS, se encontra isenta do pagamento de Imposto de Selo, que autoliquidou, referente ao pagamento do prémio, vejamos, pois.

Em tal sentença, citando outras decisões do mesmo Tribunal, bem como os pareceres jurídicos juntos aos autos e as normas legais consideradas mais relevantes, foi decidido, na sua parte mais relevante, designadamente, o seguinte:

“(…) Convocando a posição expressa no parecer técnico junto aos autos e acima transcrito, que explicita a ratio legis e o espírito da norma, conclui-se que o prémio, ao não ter sido efectivamente pago ou colocado à disposição do apostador premiado, que não o reclamou, não espoletou o nascimento da obrigação tributária, por não ter havido uma verdadeira “atribuição” do prémio, ao abrigo do artigo 5°, n° 1, alínea t) do CIS.

Assim, não existindo verdadeira atribuição do prémio, porquanto tal direito caducou, não existirá, consequentemente, nascimento da obrigação tributária, não podendo nascer, também, a competência para a liquidação e o dever de entrega do imposto na esfera jurídica da Impugnante.

Considera-se, pois, que não está verificado o evento que gera o nascimento da obrigação tributária.

Neste sentido, incorre em erro a AT ao considerar que tal obrigação ocorreu no momento do sorteio, ou seja, a 20 de Setembro de 2019, e independentemente das circunstâncias supervenientes, constituindo-se naquele momento, e de imediato, a Impugnante como sujeito passivo de imposto. No entanto, os argumentos apresentados pela Fazenda Pública mostram-se conclusivos e contrários ao espírito da lei.

Paralelamente, nestes casos em que a Impugnante, por força da caducidade do prémio, assume dupla qualidade de sujeito passivo e de “beneficiária final” do prémio não reclamado, tal compromete e impede que se verifique a repercussão económica do imposto (ou seja, transferência do encargo económico para o titular do interesse económico).

Como decorre de forma clarividente dos artigos 2° e 3° do CIS - acima descritos -, ao “sujeito passivo de imposto” cabe a tarefa de liquidação e pagamento do imposto (“contribuinte de direito”), o que não se confunde com o “titular do interesse económico”, responsável por suportar o encargo económico do imposto (titular da riqueza que se quer ver onerada- “contribuinte de facto”).

Com efeito, e conforme o artigo 2°, n° 1, alínea o) do CIS, no caso dos jogos sociais do Estado, o sujeito passivo de imposto é a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, sendo que o encargo do imposto deve recair sobre o beneficiário do prémio, titular do interesse económico, de acordo com o artigo 3°, n° 3, alínea t) do CIS.

No caso sub judice, “por força desta total identidade no plano subjectivo, o fenómeno da repercussão tributária não se pode verificar, uma vez que o encargo económico do imposto não pode ser transferido para um terceiro, isto é, para uma pessoa distinta do sujeito passivo. Deste modo, a impossibilidade de se verificar a repercussão económica deve obstar a que a situação em análise esteja sujeita a qualquer tributação, uma vez que, tendo em conta a sua estrutura e natureza, não está preenchido um pressuposto obrigatório e completamente imprescindível para a aplicação do Imposto do Selo” (posição sufragada por SÉRGIO VASQUES e CARLOS BATISTA LOBO no parecer técnico junto aos autos, cuja posição acolhemos).

Não se consideram, portanto, preenchidos os pressupostos para sujeição a Imposto do Selo.

Em qualquer caso, mesmo que se considerasse haver sujeição a Imposto do Selo, e que a reversão a favor da Impugnante espoletava a obrigação de imposto, sempre a Impugnante beneficiaria da isenção subjectiva, atenta a sua natureza jurídica, por força da aplicação do disposto no artigo 6°, n° 1, alínea c) do CIS. (…)”

Vejamos, pois, começando por referir que a jurisprudência mais recente do STA – Proc. n.º 01116/24.3BELRS, de 15-10-2025 – acolheu o posicionamento da ora Recorrente, posicionamento com o qual, após aprofundada reflexão, este Tribunal concorda inteiramente e que, por analisar os mesmos fundamentos de facto e de direito, tratando-se de situações similares à dos presentes autos, por economia de meios, visando a interpretação e aplicação uniformes do direito (cf. art. 8.º n.º 3 do Código Civil), acolhemos na íntegra e a seguir transcrevemos:

O desalinho neste processo respeita à questão de saber se a SCM... tem direito a reaver/recuperar o imposto do selo (IS) (Previsto na verba 1.14 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS).

Esta foi aditada pela Lei n.º 66-B/2012 de 31 de dezembro; « 11.4 - Jogos sociais do Estado: Euromilhões, Lotaria Nacional, Lotaria Instantânea, Totobola, Totogolo, Totoloto e Joker - sobre a parcela do prémio que exceder (euro) 5000 - 20 %. », sendo, a partir de 1 de janeiro de 2017 e até ao presente, a sua redação: « 11.4 - Jogos sociais do Estado: sobre a parcela do prémio que exceder (euro) 5.000 - 20 %. ».), que autoliquidou e pagou, referente a um prémio, do jogo titulado “Totosorteio (Milhão)”, não reclamado, pelo, anónimo, apostador/jogador, no prazo, fixado por lei, sob pena de caducidade, dos 90 dias seguintes à data da realização do correspondente concurso/sorteio (Casuisticamente, está provado que a SCM..., em 19 de janeiro de 2022, pagou, mediante transferência bancária, aos cofres do Estado, a quantia de € 15.386.331,56, apurada na Declaração Mensal de IS n.º ...29, de 16 de janeiro p.p, na qual se incluía o valor, do imposto do selo, de € 199.00,00, correspondente ao montante do prémio (de € 1.000.000,00) referente ao sorteio n.º 051/2021 de 17 de dezembro de 2021, do Totosorteio (Milhão); posteriormente, não reclamado, no prazo, de 90 dias, após o identificado sorteio.).

Antes do debruce, especificamente, jurídico-tributário, impõe-se elencar premissas, colaterais, mas, relevantes, indiscutíveis e, por isso, por todos, assumidas/aceites:

- a SCM... é uma pessoa coletiva de direito privado e utilidade pública administrativa, responsável, além do mais, por assegurar, através do seu departamento de jogos, em regime de exclusividade para todo o território nacional, a exploração dos jogos sociais do Estado, bem como, a consequente distribuição, de acordo com o Decreto-Lei n.º 56/2006 de 15 de março, dos respetivos resultados líquidos;

- cada jogo social, organizado e explorado pela SCM..., é criado por Decreto-Lei, sendo que, o Decreto-Lei n.º 43/2016 de 16 de agosto estabeleceu as normas relativas à organização e exploração do “Totosorteio” e, posteriormente, a Portaria n.º 227/2016 de 25 de agosto aprovou, em anexo, o respetivo Regulamento;

- decorre destes diplomas, respetiva e destacadamente, que:

(1) “A receita do «Totosorteio» é constituída pelo montante total das apostas admitidas na participação neste jogo e não anuladas.”, “Da receita apurada nos termos do n.º 1 são deduzidos: a) O montante correspondente ao Imposto do Selo das apostas;” (artigo 5.º n.ºs 1 e 6 alínea (al.) a)); “O montante dos prémios caducados, nos termos do regulamento do jogo, reverte para a SANTA CASA DA MISERICÓRDIA ....” (artigo 7.º).

(2) “Os sorteios do «Totosorteio» realizam-se uma vez por mês, normalmente na última sexta-feira de cada mês, através de aplicação informática, que extrai, de forma aleatória, um ou mais códigos, de acordo com o respetivo plano de prémios.” (artigo 11.º n.º 1); “O escrutínio é o conjunto de operações pelas quais se procede ao apuramento do direito aos prémios.”, “Concluídos os atos do sorteio, tem início o escrutínio de todas as apostas que validamente participaram no mesmo, para determinar o direito a prémio, por coincidência entre o(s) código(s) sorteados e o(s) código(s) que consta(m) das apostas válidas para cada sorteio.” (artigo 12.º n.ºs 1 e 2); “O(s) código(s) premiado(s) em cada sorteio, bem como o valor do(s) correspondente(s) prémio(s) é(são) divulgado(s) publicamente pelo departamento de jogos.”, “Os prémios com os quais foram contempladas as apostas premiadas são divulgados pelo seu valor ilíquido.” (artigo 13.º n.ºs 1 e 2); “Os prémios de valor igual ou superior a (euro) 5.000 são pagos junto do departamento de jogos da SANTA CASA DA MISERICÓRDIA ....”, “O direito a prémios caduca decorridos 90 dias sobre a data do respetivo concurso.”, “O jogador é exclusivamente responsável pela correta e atempada realização dos atos necessários ao recebimento do prémio, responsabilizando-se o departamento de jogos pelo pagamento dos prémios antes do decurso do prazo de caducidade, sem prejuízo do disposto nos artigos 15.º e 16.º” (artigo 14.º n.ºs 2, 7 e 8).

A sentença, sob apelo (Havendo, previamente, registado que “A única questão que cumpre a este Tribunal decidir consiste em saber se a Impugnante está ou não isenta de IS sobre o prémio que recebeu, na sequência do sorteio do jogo social do Estado denominado “Totosorteio”, comercialmente conhecido por “Milhão”, com o n.º 051/2021, de 17 de Dezembro de 2021, por o mesmo não ter sido, oportunamente, reclamado pelo respectivo apostador.”.), em apoio da decisão de julgar totalmente procedente a impugnação, e, em consequência, anular “a liquidação de IS, constante da Declaração Mensal de IS n.º ...29, relativa ao período de tributação de Dezembro de 2021, na parte correspondente ao IS, no valor de € 199.000,00;”, bem como (além do mais), condenar “a Fazenda Pública a restituir à Impugnante o montante de € 199.000,00;”, defendeu, em primeira linha:

«

(…).

Por conseguinte, incumbe à Impugnante, na qualidade de sujeito passivo, liquidar e pagar o IS que se mostre devido em função dos prémios que sejam atribuídos, no âmbito do jogo “Totosorteio”, comercialmente conhecido por “Milhão”, até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que ocorra essa atribuição, em cumprimento do estipulado nos arts. 1.º, n.º 1, 2.º, n.º 1, al. o), 5.º, n.º 1, al. t), 23.º, n.º 1, 41.º e 44.º, n.º 1, do CIS.

Sem prejuízo, o encargo do IS em questão não é suportado pela Impugnante, na qualidade de sujeito passivo, mas, outrossim, pelo titular do interesse económico, o qual é definido pelo próprio legislador como sendo o beneficiário do prémio, geralmente, o apostador, nos termos do art. 3.º, n.ºs 1 e 3, al. t), do CIS.

O que quer dizer que é o património do beneficiário do prémio que deve suportar o IS, muito embora seja a Impugnante que deve entregar esse imposto nos cofres do Estado, o que se justifica, sobretudo, por razões de praticabilidade, atendendo à multiplicidade de prémios que são atribuídos pela Impugnante a diferentes apostadores.

Posto isto, a partir do momento em que o prémio do jogo denominado “Totosorteio”, comercialmente conhecido por “Milhão”, não seja reclamado pelo apostador premiado, no prazo de 90 dias a contar da data do sorteio, o direito a esse prémio caduca, revertendo o mesmo a favor da Impugnante, por força do preceituado no art. 7.º do RJOET e do art. 14.º, n.º 8, do RT.

Deste modo, o legislador procurou dar uma receita adicional à Impugnante, o que bem se compreende.

É que a Impugnante é uma pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, nos termos do art. 1.º, n.º 1, dos respectivos Estatutos, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 235/2008, de 03.12, publicado no Diário da República, 1.ª Série, n.º 234, de 03.12, conforme se deixou consignado no elenco dos factos provados (cfr. ponto n.º 1 do probatório).

E, como tal, a Impugnante prossegue fins de interesse geral, regional ou local cooperando com a administração central, regional ou local, em termos tais que merecem da parte dessa administração a referida declaração de utilidade pública, conforme decorre do disposto no art. 4.º, n.º 1, da Lei-Quadro do Estatuto de Utilidade Pública, aprovada pela Lei n.º 36/2021, de 14.06.

Mais especificamente, no que se refere à Impugnante, a mesma tem como fins a realização da melhoria do bem-estar das pessoas, prioritariamente dos mais desprotegidos, abrangendo as prestações de acção social, saúde, educação e ensino, cultura e promoção da qualidade de vida, de acordo com a tradição cristã e obras de misericórdia do seu compromisso originário e da sua secular actuação em prol da comunidade, bem como a promoção, apoio e realização de actividades que visem a inovação, a qualidade e a segurança na prestação de serviços e, ainda, o desenvolvimento de iniciativas de economia social, para além de desenvolver as actividades de serviço ou interesse público que lhe sejam solicitadas pelo Estado ou outras entidades públicas, no seguimento do que vem previsto no art. 4.º, n.ºs 1 e 2, dos respectivos Estatutos, estando, por isso, em causa uma entidade do designado “Terceiro Sector do Estado”.

Com vista a que seja possível à Impugnante alcançar os citados fins, compete então ao Estado assegurar que a mesma dispõe de receitas suficientes para o efeito, nomeadamente, o valor dos prémios que não tenham sido, oportunamente, reclamados pelos apostadores premiados, o que é também confirmado pelo art. 43.º, n.º 1, al. g), dos respectivos Estatutos. »

Sem prejuízo da centralidade deste fundamento, compulsado o conteúdo dos seus demais contributos “B) De Direito”, constatamos haver, ainda, sido assumido, pelo julgador, em 1.ª instância, que:

«

A isto acresce que, estando em causa razões extrafiscais preponderantes, que se sobrepõem ao interesse público subjacente à cobrança dos impostos, o legislador assegurou-se, igualmente, que a Impugnante, e demais pessoas colectivas com o estatuto de utilidade pública, estão isentas de IS, sempre que o mesmo constitua o seu encargo, ao abrigo do disposto no art. 6.º, al. c), do CIS, evitando, assim, a erosão das respectivas receitas.

Uma vez que se trata de uma isenção subjectiva, de natureza pessoal, dúvidas não podem existir de que a mesma abrange todas as situações em que o encargo do IS seja susceptível de se reflectir na esfera patrimonial da Impugnante, à luz do disposto no art. 3.º, n.ºs 1 e 3, al. t), do CIS.

Ademais, é de salientar que, não tendo o legislador feito ali qualquer ressalva ou distinção, não cabe ao intérprete e aplicador da lei fazer qualquer ressalva ou distinção, sob pena de incorrer em vício de violação de lei.

(…). »

Ponderados e cruzados, estes, com os argumentos esgrimidos pela rte, julgamos ser determinante, decisivo, na elaboração e construção, da resposta à questão, acima, identificada como decidenda, considerar/interpretar o disposto, pelo artigo (art.) 5.º (n.º 1) alínea (al.) t) do CIS, com a epígrafe (desde o início), sugestiva, de “Nascimento da obrigação tributária”, no sentido de que a obrigação tributária (do IS) se considera constituída “Nos prémios do bingo, das rifas, do jogo do loto e dos jogos sociais do Estado, bem como em quaisquer prémios de sorteios ou de concursos, no momento da atribuição;” (Na redação, aqui aplicável, da Lei n.º 42/2016 de 28 de dezembro; igual à vigente, na atualidade.). Obviamente, esta operação tem subjacente que, na relação jurídico-tributária em apreço, o sujeito passivo do imposto (do IS) é a SCM... “relativamente aos contratos de jogo celebrados no âmbito dos jogos sociais do Estado, cuja organização e exploração se lhe encontre atribuída em regime de direito exclusivo, bem como relativamente aos prémios provenientes dos jogos sociais do Estado;” (cf. art. 2.º n.º 1 al. o) do CIS) (Idem.

Atente-se que esta incidência subjetiva teve início em 1 de setembro de 2009 (redação do Decreto-Lei n.º 175/2009 de 4 de agosto) e só, em 1 de janeiro de 2013 (redação da Lei n.º 66-B/2012 de 31 de dezembro), se estendeu “aos prémios provenientes dos jogos sociais do Estado”.), bem como, que o encargo do tributo (do IS) recai sobre o “titular do interesse económico”, colocando-se, nessa qualidade/condição, “o beneficiário”, nas situações, como a versada, “(d)os prémios do bingo, das rifas, do jogo do loto e dos jogos sociais do Estado, bem como em quaisquer prémios de sorteios ou de concursos” - art. 3.º n.º 3 al. t) do CIS (Desde a redação da Lei n.º 66-B/2012 de 31 de dezembro; mas, com origem, no aditamento produzido pela Lei n.º 3-B/2010 de 28 de abril.).

Pelas razões sequentes, entendemos que a expressão “no momento da atribuição”, marcante, para o legislador, da génese da discutida obrigação, de cumprir com a entrega do tributo (IS) devido, corresponde ao elemento temporal de ocorrência do sorteio/concurso, em que esteja envolvido cada um dos prémios a tributar.

Primeiro, se tivesse sido pretendido que o momento do nascimento da obrigação fosse o do pagamento do prémio, ao beneficiário, este seria o vocábulo utilizado em vez de atribuição, por menos específico e rigoroso, porquanto, sendo correspondente ao “ato ou efeito de atribuir (de dar, conferir, outorgar, imputar)”, é suscetível de abranger outras realidades que não só o ato de pagar, v.g., de entrega de uma certa e determinada quantia monetária a outrem.

Aliás, manifestação (para nós), de que o legislador não utilizou o termo “atribuição” (presente desde o aditamento, da al. t) do art. 5.º do CIS, pela Lei n.º 3-B/2010 de 28 de abril) com o sentido de pagamento, está na circunstância de, a partir de 1 de janeiro de 2013 (Redação da Lei n.º 66-B/2012 de 31 de dezembro.), ter tido a necessidade de aditar o n.º 2 do art. 5.º do CIS, prevendo a constituição da obrigação tributária “no momento do pagamento”, quanto aos prémios, referidos na al. t) (do n.º 1), nos casos de terem de ser pagos de forma fracionada. Ou seja, se o momento da atribuição fosse o do pagamento, não haveria, objetivamente, necessidade do acrescento deste segmento normativo.

Em segundo lugar, julgamos imperioso, na determinação do sentido/alcance da expressão versada, conjugar tal previsão normativa com o estatuído nos arts. 23.º n.º 1, 41.º e 44.º n.º 1 do CIS

(« Artigo 23º

Competência para a liquidação

1 - A liquidação do imposto compete aos sujeitos passivos referidos nos n.ºs 1 e 3 do artigo 2.º.

Artigo 41º

Dever de pagamento

O pagamento do imposto é efetuado pelas pessoas ou entidades referidas no artigo 23.º, com exceção do imposto referente à verba 2 da tabela geral, que é pago pelo locador ou sublocador.

Artigo 44º

Prazo e local de pagamento

1 - O imposto é pago nas tesourarias de finanças, ou em qualquer outro local autorizado nos termos da lei, até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que a obrigação tributária se tenha constituído. »). Dessa combinação decorre, na nossa perspetiva, sem prejuízo da transversalidade destes, mas, lidos no ambiente, restrito, da tributação (em selo) dos prémios de jogos (e, especificamente, dos jogos sociais do Estado), ser percetível a irrelevância, para efeitos de dinamizar/provocar os momentos/fases da liquidação e do pagamento de imposto (IS), do facto de ser necessário que o prémio, a tributar, portanto, o objeto da tributação, já, tenha sido pago ao respetivo apostador/jogador/beneficiário. Sobretudo, apresenta-se-nos decisivo que o imposto tenha de ser entregue (ao Estado) “até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que a obrigação tributária se tenha constituído” – cf. art. 44.º n.º 1 CIS, não tendo (nem teve, no caso presente (O prémio, aqui, em causa, diz respeito ao sorteio n.º 051/2021, do Totosorteio (Milhão), acontecido no dia 17 de dezembro de 2021, tendo a SCM... autoliquidado o IS a ele respeitante no mês de janeiro de 2022 e entregue/pago o quantitativo correspondente no dia 19 de janeiro de 2022.)), a SCM..., reservas, quanto à obrigatoriedade de cumprir este ónus, enquanto sujeito passivo, com respeito pelo dia 20 do mês ulterior, ao da data da realização do competente sorteio/extração do prémio a tributar. Aliás, o legislador, neste normativo, ao eleger a data da constituição da obrigação tributária, denota uma abordagem, literal, capaz de se furtar, na hipótese dos prémios de jogos, por regra, sujeitos a reclamação para serem pagos, à imprevisibilidade do momento da ocorrência desse, imprescindível, ato constitutivo; por outra via (para melhor perceção), mesmo nos casos (muito mais frequentes, com certeza) em que os prémios são reclamados e pagos, não é contestável que a entrega (do IS), ao Estado, tem de ocorrer até ao dia 20 do mês seguinte ao do sorteio/extração (equivalente ao da constituição do encargo tributário) e nunca do mês posterior à data/mês da reclamação e/ou do pagamento do prémio visado (sendo que, até, estes dois momentos podem não coincidir).

Portanto, “no momento da atribuição”, expresso no art. 5.º (n.º 1) al. t) do CIS, é o dia/data da realização do concreto, privativo, oficializado, sorteio/concurso, atribuinte do prémio, individualmente, sujeito a IS.

Firmada esta conclusão, temos consequências/implicações incontornáveis:

- a relação jurídico-tributária, disputada/em análise, surge-nos delimitada, num extremo, pelo nascimento, de uma obrigação tributária, correspondente ao dever de prestação pecuniária, da responsabilidade do sujeito passivo (a SCM...), quando se verifica o facto da ocorrência de um sorteio/concurso de certo e determinado prémio (de jogo), encontrando-se, na ponta oposta da linha, a extinção dessa mesma obrigação tributária, por efeito do seu cumprimento voluntário, ou seja, pela liquidação e pagamento (ao Estado/credor/sujeito ativo) do montante de imposto devido, até ao dia 20 do mês seguinte ao da efetivação do sorteio/extração;

- identificados estes princípio e fim, é forçoso entender que a reclamação (ou não) do prémio, pelo respetivo beneficiário, enquanto condição, imprescindível, da sua entrega/recebimento, constitui um elemento estranho, não constituinte, da mesma relação jurídico-tributária, porque, além do mais, temporalmente (no momento fixado, por lei, como limite para reclamar), esta, já, se encontra terminada/encerrada; extinta, tal como a obrigação tributária que a despoletou e alimentou;

- em conformidade, quando reclama, o beneficiário recebe o valor do prémio sorteado, com a retirada (previamente, acontecida) do montante do IS, casuisticamente, devido, isto é, percebe uma quantia líquida, no sentido de não sujeita a IS (por pago, em momento anterior);

- neste cenário, a situação da volta, por atribuição, a título de receita, dos prémios, à SCM..., nos casos de não reclamação dentro do prazo de caducidade (“90 dias a contar da realização do concurso”), previsto, v.g., no art. 13.º do Decreto-Lei n.º 84/85 de 28 de março, consubstancia, apenas, uma opção, legislativa (Que podia ter uma configuração diferente, sobretudo, com a entrega (para repartição) a uma outra entidade, em vez da SCM....), para possibilitar a utilização, futura, devida e especificamente, distribuída, duma importância sem titular efetivo (Não se olvide que os prémios (dos jogos sociais do Estado) são constituídos com parte das quantias recebidas, sob a forma de apostas, anónimas e em número da ordem dos milhões, decorrendo, daí, entre o mais, a impossibilidade prática da sua devolução aos apostadores.), à qual não subjaz qualquer, identificável, interesse/elemento de cariz tributário, pelo que, tal operação se nos apresenta incapaz de reunir os pressupostos constituintes de uma relação jurídico-tributária, capaz de encerrar alguma eficácia, extensão, sobre um imposto (IS) há muito liquidado e pago;

- acresce, por esta última razão, só ser viável e compatível assumir que o montante de qualquer prémio, não reclamado, devolvido à SCM..., equivale, corresponde, à quantia que iria ser entregue ao beneficiário, no caso de ter reclamado, atempadamente, o prémio, a qual, não se disputa, traduziria a diferença entre o montante, inicial, sorteado, (do prémio) e o devido, sem inclusão do IS respetivo.

Neste momento, podemos, também, assumir não acompanhar o entendido, na sentença, quando se defende, na situação em causa nos autos, que “…, o encargo do IS em questão não é suportado pela Impugnante, na qualidade de sujeito passivo, mas, outrossim, pelo titular do interesse económico, …”, porquanto, como decorre do antes expendido, a sua qualidade de beneficiária não corresponde à de titular do interesse económico em causa nos prémios (dos jogos), previsto e regulado no art. 3.º n.ºs 1 e 3 al. t) do CIS; na relação jurídico-tributária em apreço, ela é sujeito passivo e beneficiário é o premiado não reclamante, sucedendo que, por causa da não reclamação do prémio, a SCM... acaba por beneficiar do recebimento de parte do mesmo, mas, por efeito de uma opção do legislador e não da operação de qualquer mecanismo, previsão, jurídico-tributário/a.

De igual modo, nesta lógica e sequência, tem de soçobrar a defesa da ilegalidade do ato tributário impugnado, com fundamento em atentado contra a isenção positivada no art. 6.º n.º 1 al. c) do CIS. Efetivamente, esta, para poder operar, como o normativo coligido, expressamente, prescreve, exigia que o tributo (IS) constituísse encargo seu, isto é, incidisse sobre a SCM..., na qualidade de “pessoa coletiva de direito privado e utilidade pública administrativa”, condição, de funcionamento, que, como vimos, não está preenchida, in casu, porque, embora a SCM... seja o sujeito passivo do IS (incidência subjetiva), este é posto, por lei, a cargo (é encargo) do beneficiário (reclamante e/ou não reclamante) do prémio (dos jogos). Por outras palavras, a discutida relação jurídico-tributária de IS apresenta uma conformação/estruturação específica, em que, por efeito de substituição tributária (Cf., art. 20.º da Lei Geral Tributária (LGT).), uma entidade (SCM...) liquida e paga o imposto que é encargo, final, definitivo, de outrem, sendo que, só em relação a este último se pode questionar do funcionamento ou não de isenções (privativas) do tributo em causa.

Em conformidade, a SCM... não tem direito a reaver/recuperar o imposto do selo, por si, autoliquidado e pago, referente a um prémio, do jogo titulado “Totosorteio (Milhão)”, não reclamado, pelo, anónimo, apostador/jogador, pelo que, a decisão sob apelo, ao não entender dessa forma, é insustentável.

Tendo em conta todo o exposto, com o qual, como dissemos, concordamos, tal vale por concluir que o recurso procede e que a sentença recorrida, por padecer do erro de julgamento que lhe foi imputado, não se pode manter.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao presente recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a impugnação, com a consequente manutenção do acto tributário impugnado.

Sem custas, em ambas as instâncias, por isenção da SCM (a cargo de quem devia ficar o respectivo pagamento, na condição de parte vencida - art. 4.º n.º 1 al. f) do Regulamento das Custas Processuais).

Lisboa, 30-10-2025

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(Teresa Costa Alemão)

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(Ana Cristina Carvalho)

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(Sara Diegas)