Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:16/25.4BEBJA
Secção:CA
Data do Acordão:09/25/2025
Relator:HELENA TELO AFONSO
Descritores:PRÉ-CONTRATUAL
ALTERAÇÃO DE ASPETOS FUNDAMENTAIS DAS PEÇAS DO PROCEDIMENTO - ARTIGO 79.º, N.º 1, ALÍNEA C) E N.º 3, DO CCP
NÃO ADJUDICAÇÃO -REVOGAÇÃO DA DECISÃO DE CONTRATAR
ABERTURA DE NOVO PROCEDIMENTO
Sumário:
Indicações Eventuais:Subsecção de Contratos Públicos
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Subseção de Contratos Públicos, da 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – Relatório:
C…, UNIPESSOAL, LDA., instaurou a presente ação urgente de contencioso pré-contratual contra o Município de Viana do Alentejo, na qual formulou os seguintes pedidos:
“a) Ser anulada a decisão de extinção do procedimento ao abrigo do disposto no artigo 163.º, n.º 1 do CPA;
b) Ser a Entidade Demandada condenada à prática de ato de adjudicação a favor da proposta apresentada pela AUTORA, por ser o legalmente devido e, em consequência, a celebrar com esta o contrato objeto do procedimento em causa.”.

Indicou como contrainteressadas: J…, Lda., e P…, Lda..

A fls. 329 a 365 dos autos, a autora requereu a “ampliação do objeto do processo”, nos seguintes termos:
“deve
A) Ser admitida a ampliação do objeto do processo à impugnação do ato administrativo vertido na decisão de contratar tomada pela entidade demanda no âmbito do novo procedimento de Consulta Prévia com convite a três entidades para “Aluguer e assistência técnica e fornecimento de consumíveis para equipamentos multifunções para cópias e impressão” por invalidade derivada;
E
B) Ser admitida a ampliação do objeto do processo à impugnação das peças no âmbito do novo procedimento de Consulta Prévia com convite a três entidades para “Aluguer e assistência técnica e fornecimento de consumíveis para equipamentos multifunções para cópias e impressão” por invalidade própria”, a qual foi admitida por despacho de fls. 620-640 dos autos.

Por sentença proferida a 23 de junho de 2025 foi julgada totalmente improcedente a presente ação.

Vencida na ação, a Autora interpôs recurso da referida sentença, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:

A) A douta decisão de que se recorre é a que consta da sentença proferida no dia 23 de junho de 2025, com a referência SITAF n.° 004432681, nos autos de Contencioso Pré-Contratual com o n.° 16/25.4BEBJA, que correm termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, a qual julgou totalmente improcedentes todos os pedidos efetuados pela Autora em PI e em sede de ampliação do objeto do processo.

B) Em termos muito resumidos, o que está em discussão é saber se a decisão de extinção do procedimento é ou não ilegal, em função da interpretação daquela que é a forma de cumprimento das características técnicas do equipamento que resulta do Caderno de Encargos.

C) Está igualmente em discussão saber se a decisão de aprovação das peças do novo procedimento é ou não, também ela, ilegal, por existir nas mesmas uma violação injustificada da concorrência.

i) Quanto à decisão de extinção do procedimento e pedidos subsequentes

D) Estando esta questão inteiramente dependente daquela que é a correta interpretação do Caderno de Encargos, é precisamente esse o ponto de partida da exposição que se seguirá.

E) Atendendo à interpretação que pode resultar da leitura de um Caderno de Encargos no que se refere a especificações dos bens a fornecer, podem destacar-se duas questões distintas, a saber:
• Quais as características técnicas que os bens devem possuir;

• De que forma devem as referidas características técnicas operar/ser cumpridas.

F) Pois bem, quanto à primeira questão, o Caderno de Encargos do procedimento fixou de forma clara qual o elenco de características técnicas obrigatórias dos bens a fornecer.

G) Assim, nunca a Autora, ora Recorrente, pôs em causa que os bens a fornecer devam, obrigatoriamente, conter todas as características referidas no Caderno de Encargos.

H) Questão diferente é a de saber se todas as referidas características têm de ser cumpridas em simultâneo, quando em uso.

I) Por exemplo, num procedimento para aquisição de um carro, é evidente que são obrigatórias determinadas características, designadamente a existência de um volante, de pneus e de uma bagageira.

J) Ora, ninguém dúvida que o carro tenha bagageira, não sendo, no entanto, necessário frizar que a bagageira vai fechada em andamento.

K) Ou seja, o carro tem de ter todas as características obrigatórias elencadas, mas não são para ser utilizadas em simultâneo, como é evidente.

L) Concretamente quanto ao procedimento in casu, a questão não é saber quais as características obrigatórias da impressora, mas sim se tais características devem todas ser cumpridas quando a impressora estiver em funcionamento, designadamente, a velocidade, a resolução e a gramagem.

M) Quanto a esta segunda questão nada se disse nas peças do procedimento.

N) Posto isto, a única interpretação lógica e possível é a de que o facto de as exigências do procedimento serem cumulativas não determina que o seu cumprimento deva ser, ele mesmo, concomitante.

O) Sendo, assim, admitindo um equipamento A3 que reúna todas as características exigidas nas peças do procedimento quanto a velocidade, resolução e gramagem, ainda que as mesmas não operem em simultâneo.

P) E a referida interpretação baseia-se em dois indícios relevantes:
• Uma interpretação contrária a essa levaria a Entidade Adjudicante a exigir propostas impossíveis, por não existirem no mercado equipamentos capazes de reunir cumulativamente e concomitantemente tais características;
• Uma interpretação contrária a essa iria colidir com aquela que tem sido a prática das demais Entidades Adjudicantes em procedimentos de idêntico objeto, nos quais são fixadas as características técnicas obrigatórias dos equipamentos no que concerne a velocidade, resolução e gramagem, não determinando, no entanto, a obrigatoriedade da sua coexistência.

Q) Ou seja, atendendo aos elementos que se encontravam à disposição da Autora, ora Recorrente, e dos demais concorrentes, é óbvia a única interpretação possível do Caderno de Encargos: apesar de serem fixadas todas as características técnicas obrigatórias dos bens a fornecer, não foi exigido que o seu cumprimento fosse concomitante, caso contrário nem sequer teriam os concorrentes apresentado proposta, por a mesma ser impossível.

R) Só pode ter sido também com base nesta interpretação que o júri do procedimento inicialmente proferiu o Relatório Preliminar admitindo as propostas.


S) Em momento algum estabeleceu que todas as características técnicas, devessem, obrigatoriamente, coexistir ou operar em simultâneo.

T) Não é essa a interpretação que resulta da leitura do Caderno do Encargos!

U) Pelo que se recorre da douta sentença recorrida quanto à decisão das matérias alegadas nos artigos 26.° a 30.° da Petição Inicial e que foram objeto de julgamento a páginas 72 a 74 da sentença.

V) O Tribunal emite considerações sobre como devem ser interpretadas as características técnicas dos equipamentos fazendo uma interpretação mais ampla das disposições do Caderno de Encargos do que este permite, concluindo que a verificação cumulativa das características obrigatórias impõe a necessidade do desempenho simultâneo das mesmas.

W) Olvidando, no entanto, que as peças do novo procedimento entretanto lançado, as quais considera “legais”, padecem exatamente do mesmo mal: não só não é feita qualquer menção à coexistência das três características técnicas do equipamento, como se mantém a expressão “ou superior” em requisitos de cumprimento simultâneo impossível.

X) O que releva para efeitos de averiguar a real necessidade de lançar um novo procedimento.

Y) É que, recorde-se quais foram as concretas razões, elencadas pelo Tribunal, que determinaram a extinção do procedimento:

- As características técnicas que foram exigidas no CE estão apresentadas como cumulativas pelo que têm de ser cumpridas na sua totalidade;
- Confirmando-se que não existem equipamentos A3 no mercado que consigam imprimir a 25 ppm, com a resolução de 1200 x 1200 dpi numa gramagem de 250g/m2 ou superior, então existe, efetivamente, um erro nas peças do procedimento.

Z) Porém, estas conclusões estão baseadas numa premissa incorreta: a de o Caderno de Encargos impunha que as características de velocidade, resolução e gramagem devessem operar em simultâneo - o que, como já vimos, não é o entendimento correto.

AA) E não se diga, como sufraga o Tribunal a quo, que a Entidade Demandada, legitimamente e de boa-fé, não considerou ab initio a cumulação de todas as características elencadas, só se apercebendo de tal “erro nas peças do procedimento” supervenientemente.

BB) Tal “erro”, foi antes avançado pela Contrainteressada J…, Lda., requerendo a exclusão da Autora - cuja proposta havia sido ordenada em 1.º lugar em sede de Relatório Preliminar - por a mesma, alegadamente, não cumprir os requisitos técnicos mínimos fixados no caderno de encargos, uma vez que os mesmos seriam “de cumprimento cumulativo”.

CC) Quando, de resto, nem a própria Contrainteressada J…, Lda. operava as características em simultâneo.

DD) O que só demonstra a má-fé com que a mesma atua, porquanto se defendia que as características deveriam operar em simultâneo segundo o Caderno de Encargos - exigindo este propostas impossíveis, por não existirem no mercado equipamentos capazes de reunir, cumulativamente, essas características, - então nunca deveria ter apresentado proposta.

EE) Muito menos pedir a exclusão da Autora, ora Recorrente, com esse fundamento.

FF) Tudo isto por ter ficado ordenada em 2.° lugar.

GG) E é este o verdadeiro motivo pelo qual colocou em causa o próprio procedimento, levando à errada conclusão de que o mesmo exige a apresentação de propostas impossíveis, prejudicando-se até a si própria.

HH) A Contrainteressada visou apenas um objetivo: garantir que a adjudicação não era sua, mas também não seria de nenhuma outra concorrente.

II) Objetivo esse que foi justamente atingido, quando o Município de Viana do Alentejo, louvando-se nas conclusões vertidas pela Contrainteressada J…, Lda. no seu requerimento de audiência prévia, no dia 20 de dezembro de 2024 tomou a decisão de extinção do procedimento, com fundamento no disposto na alínea c) do n.° 1 do artigo 79° do CCP.

JJ) Ora, retomando a discussão sobre a decisão de extinção do procedimento, há que dividir, desde já, duas temáticas distintas no que concerne à “questão essencial” avançada pelo Tribunal a quo, na página 57 da douta sentença:
• Temos, por um lado, a questão de saber se «os fundamentos que determinaram a extinção do procedimento, invocados pela Entidade Demandada, correspondem, ou não, a “circunstâncias imprevistas”»;
• Por outro lado, há que perceber se tais “circunstâncias imprevistas” «geraram a necessidade de “alterar aspetos fundamentais das peças do procedimento”, nos termos do citado art. 79°/1/c) do CCP».

KK) Esta “separação” afigura-se crucial, na medida em que, quanto à primeira questão, como é evidente, não tendo sido considerada ou ponderada no momento em que foram elaboradas as peças do procedimento a necessidade de as características técnicas operarem em simultâneo, avançada em audiência prévia pela Contrainteressada - uma vez que não era esse o fito da entidade adjudicante na elaboração das peças - naturalmente que tal circunstância surge a meio do procedimento como “imprevista”, uma vez que não foi prevista, sem culpa grave, pela entidade adjudicante.

LL) Quanto à segunda questão, parece-nos mais difícil aceitar que tais “circunstâncias imprevistas” gerem a necessidade de “alterar aspetos fundamentais das peças do procedimento”, nos termos do citado art. 79°/l/c) do CCP», porque, uma vez mais, o Caderno de Encargos já tem elementos suficientes para se perceber que as características técnicas que a impressora deverá reunir a nível de velocidade, resolução e gramagem, não têm de ser cumpridas em simultâneo quando em uso.

MM) É que, as referidas “circunstâncias imprevistas”, como já vimos, não são mais do que uma manobra dilatória da Contrainteressada para fazer com que a entidade adjudicante, num momento já avançado do procedimento, coloque em dúvida a interpretação sobre as próprias peças por si aprovadas e lançadas, e em relação às quais nunca surgiram quaisquer dúvidas sobre como interpretar o modo de cumprimento dos requisitos.

NN) Quando só existe um correta interpretação quanto a este aspeto, face a todos os elementos disponíveis.

OO) Ora, sobre a entidade adjudicante impende um dever legal de adjudicação ex vi do artigo 76° do CCP, o que significa que a mesma não se pode refugiar numa margem de discricionariedade - que o artigo 79.° do CCP claramente não lhe confere - para se descartar desse dever.

PP) Não existe, in casu, uma necessidade de alteração das Peças do Procedimento, porquanto as mesmas não oferecem dúvidas quanto às características técnicas mínimas que os equipamentos deverão cumprir e quanto àquelas que devem ser cumpridas simultaneamente.

QQ) A dúvida suscitada pela Contrainteressada J…, Lda. não é mais do que uma estratégia de distorção da concorrência que a afeta não só a ela, como a todos os outros concorrentes, mas sobretudo, à Entidade Demandada e ao interesse público.

RR) Mal andou por isso a douta sentença recorrida, também nesta parte.

SS) Devendo por isso ser revogada e substituída por outra que reconheça a ilegalidade do ato administrativo ínsito no despacho de extinção do procedimento, e condene o Réu retomar o procedimento, e a adjudicar à proposta da Autora por ser a economicamente mais vantajosa de entre as propostas válidas.


ii) Quanto à ilegalidade das peças referentes ao novo procedimento

TT) Por despacho de 13 de fevereiro de 2025 do Presidente da Câmara Municipal de Viana do Alentejo, enquanto órgão competente para a decisão de contratar, aprovou-se o lançamento de novo procedimento de Consulta Prévia com convite a três entidades tendente ao “Aluguer e Assistência Técnica e Fornecimento de consumíveis para equipamentos multifunções para cópias e Impressão”, no qual é entidade adjudicante a Câmara Municipal de Viana do Alentejo.

UU) De forma a não ver frustradas as possibilidades de vir a prestar os serviços objeto do novo procedimento, e, de resto, para poder ser parte legitima na ação de impugnação do segundo procedimento, a Autora apresentou proposta no âmbito do mesmo, sem prejuízo da sua intenção de o ver suspenso até que fosse proferida decisão pelo tribunal no âmbito da ação movida contra a Entidade Demandada.

VV) Face ao exposto no capítulo anterior, se o Município entendia que era necessária uma correção das peças quanto a este aspeto, então antevia-se, num novo procedimento, uma alteração profunda sobre o modo como deveriam operar estas características técnicas - em simultâneo ou não.

WW) No entanto, nas peças deste novo procedimento não é feita qualquer menção à coexistência das características técnicas do equipamento, sendo apenas eliminada da “Função Impressão” a característica relativa à “Resolução (DPI)”, mantendo-se exatamente a mesma estrutura indicativa de características técnicas, omissa quanto ao modo como as mesmas deverão operar.

XX) Curiosamente, no novo procedimento a Entidade Demandada não fez qualquer alteração à característica da gramagem exigida, a qual, recorde-se, também se afigurava impossível de cumprir em simultâneo com a velocidade de 25 ppm ou superior e com a resolução de 1200 x 1200 dpi.


YY) A este propósito, em sede de esclarecimentos neste novo procedimento de Consulta Prévia, esclareceu o Júri do Procedimento que “Exige-se que todos os equipamentos indicados respeitem a gramagem indicada não considerando para as gramagens altas a velocidade indicada de 25ppm. Pode ser inferior” (sublinhado nosso).

ZZ) O que leva qualquer intérprete a questionar qual a utilidade de alteração das peças já que, afinal, sempre esteve correto o entendimento da Autora de que os bens a fornecer devem, obrigatoriamente, conter todas as características referidas no Caderno de Encargos, embora as mesmas não tenham de ser cumpridas em simultâneo.

AAA) Curiosamente, quanto a esta omissão das novas peças, que, de resto, mantém o mesmo alegado “erro” que as anteriores, no sentido de não esclarecer o modo como devem operar as características técnicas do equipamento, o Tribunal a quo enuncia o problema, na página 76 da douta sentença, não se pronunciando, no entanto, diretamente sobre ele.

BBB) Mais gritante, é a alteração aditada às peças do novo procedimento, no sentido de a entidade adjudicante passar a exigir que os equipamentos tenham uma nova característica na “Função de Digitalização”, que não constava do anterior Caderno de Encargos.

CCC) É que, neste novo procedimento, para além da tipologia de equipamento “Equipamento A4 Preto” ter de possuir a característica “Dual scan”, também as duas outras tipologias de “Equipamento A4 Cor” e “Equipamento A3 Cor” passam a ter de possuir tal característica obrigatória.

DDD) Note-se que tal característica em nada se relaciona com os motivos que alegadamente levaram o primeiro procedimento a ter de ser extinto para alegada correção de peças.

EEE) Ora, tal alteração, para além de não decorrer da necessidade de alteração das peças anunciada pela Entidade Demandada, configura ainda uma distorção injustificada da concorrência, que beneficia diretamente a Contrainteressada J…, Lda.

FFF) Trata-se justamente de uma distorção injustificada da concorrência, na medida em que tal característica não é necessária nem útil para os fins que pretende a entidade adjudicante.

GGG) E é a própria entidade adjudicante que assim o diz, quando, em sede de esclarecimentos no âmbito do primeiro procedimento, em resposta à pergunta colocada pela Contrainteressada J…, Lda. sobre se é ou não necessária a característica de dual scan nas tipologias de “Equipamento A4 Cor” e “Equipamento A3 Cor”, refere que “Não é mesmo necessário mais velocidade de digitalização nos equipamentos que vão digitalizar ou seja nas tipologias A3 a cor, mantendo-se o que consta no Caderno de Encargos”.

HHH) Deixando assim bem clara a desnecessidade de os equipamentos das outras duas tipologias possuírem alimentadores “Dual scan”, uma vez que “não é mesmo necessária” maior velocidade nas digitalizações.

III) E isto é suficiente para concluir, desde logo, que tal especificação é injustificada.

JJJ) Para além disso, como já se viu, os equipamentos propostos pela Contrainteressada J…, Lda. têm a funcionalidade “dual scan” de origem, ao contrário dos da Autora que, naturalmente foi forçada a apresentar um valor substancialmente superior ao valor que apresentou no 1° procedimento, por conta da adição desta funcionalidade aos seus equipamentos.

KKK) Ou seja, quer pela desnecessidade da introdução desta nova característica obrigatória que a Entidade Demandada confessadamente não precisa; quer pelo facto de a mesma saber de antemão que os equipamentos propostos pela concorrente J…, Lda. têm a funcionalidade “dual scan” de origem, ao contrário dos da Autora, não podem restar dúvidas de que a introdução desta nova característica configura uma injustificada distorção da concorrência judicialmente sindicável.

LLL) Num momento em que, note-se, para além de já serem conhecidos os equipamentos propostos por cada concorrente e respetivas características, também o são os preços propostos no âmbito do anterior procedimento.

MMM) No qual, recorde-se, a Autora havia proposto um preço de € 49.000,32 (quarenta e nove mil euros e trinta e dois cêntimos), e a Contrainteressada havia proposto um preço de € 57.195,72 (cinquenta e sete mil, cento e noventa e cinco euros e setenta e dois cêntimos).

NNN) Ora, para além de ter uma clara vantagem competitiva por força de ter sido agora adicionada às peças do procedimento uma característica que os seus equipamentos possuem de origem, a Contrainteressada beneficiou ainda de já serem conhecidos os preços propostos em anterior procedimento, propondo, agora, um preço de € 45.789,48 (quarenta e cinco mil setecentos oitenta e nove euros e quarenta oito cêntimos).

OOO) Garantindo assim a apresentação de um preço substancialmente inferior ao que a Autora havia proposto no primeiro procedimento de Consulta Prévia.

PPP) Não se espante, portanto, que no relatório preliminar proferido neste novo procedimento o Júri propôs a admissão das propostas apresentadas e indicou a proposta da Contrainteressada J…, Lda. em posição de adjudicação.

QQQ) O que, de resto, já era expectável... E não se pode aceitar!

RRR) Quanto a isto, o Tribunal a quo fez uma análise, diga-se, com o devido respeito, bastante parca, limitando-se a referir que as peças do novo procedimento não incorrem em qualquer “violação injustificada da concorrência”, por considerar que «não foram criados ou desenvolvidos quaisquer “requisitos de acesso ao procedimento em termos tais que conduzam a uma limitação desproporcionada, injustificada e/ou desigual quanto ao mercado habilitado a aceder a esse procedimento”».

SSS) Refere ainda que «a mera comparação entre o teor das novas peças do procedimento com as peças inicialmente elaboradas, como procurou fazer a A., não indicia nem permite a inferência (e, muito menos, a conclusão) de que tenha sido atribuída alguma vantagem a qualquer outra entidade convidada, que não a A.».

TTT) Ora, com o devido respeito, o Tribunal está equivocado quanto a este aspeto.

UUU) Salvo melhor opinião, foi expressamente incluída no novo procedimentos uma nova exigência técnica, que a entidade adjudicante no anterior procedimento confessadamente afirmou não necessitar... e que favorece diretamente uma concorrente.

VVV) E não se diga que não há favorecimento direto por ser possível que qualquer impressora tenha a característica de dual scan.

WWW) A entidade adjudicante não pode simplesmente fingir que não sabia que a Contrainteressada tinha essa característica de origem...

XXX) É certo que a concorrência deve ser analisada como um todo, mas não nos podemos afastar de um caso concreto em que existem apenas três concorrentes, num procedimento por convite, e em que é do conhecimento geral que uma das duas primeiras tem essa característica de origem e a outra não.

YYY) Ademais, para grande pasmo da Autora, ora Recorrente, o Tribunal refere ainda o seguinte nas páginas 79 e 80 da douta sentença:

Finalmente, o facto de já ser conhecido o preço apresentado pelas entidades convidadas no âmbito do novo procedimento também não foi susceptível de violar injustificadamente a concorrência, já que, em boa verdade, todas as entidades ficaram a conhecer os preços apresentados pelas suas respectivas co-convidadas no antigo procedimento, e não apenas o preço da A.

Neste aspecto, verificou-se ainda que todas as entidades convidadas - e não apenas a A. -, adequaram o preço apresentado no âmbito do novo procedimento de consulta prévia, face às novas características exigidas, o que reforça a evidência de que não foi atribuída qualquer vantagem a qualquer convidada, em detrimento da proposta anterior da A.

No mais, e mesmo que hipoteticamente se viesse concluir, como procurou fazer a A., que o conhecimento do preço no anterior procedimento pudesse vir a criar alguma vantagem comparativa, em termos que permitisse uma desvirtuação das regras da concorrência, então sempre impunha considerar que a A. também beneficiou desse conhecimento.

Lembrando que a A. referiu que "os equipamentos propostos pela concorrente J…, Lda. têm a funcionalidade "dual scan" de origem, ao contrário dos da Autora", é certo que, conhecedora desse facto, bem como do preço por esta apresentado, a A. logrou apresentar uma proposta com o preço de € 54.500,04 + IVA, ou seja, ligeiramente inferior ao preço proposto pela Contrainteressada J…, LDA. no extinto procedimento, de € 57.195,72 + IVA. (v. pontos 6. e 22. dos FPs).

ZZZ) O que só revela e reforça a leviandade com que o Tribunal julgou o mérito da causa, salvo o devido respeito, que é muitíssimo.

AAAA) É que, como é evidente, a apresentação pela Autora, ora Recorrente, de um preço de €54.500,04 + IVA, substancialmente superior ao valor que apresentou no 1° procedimento, esteve diretamente relacionada com a necessária adição da funcionalidade dual scan aos seus equipamentos.

BBBB) Ao contrário da CI que, nada tendo de adicionar dos seus equipamentos - uma vez que, recorde-se, têm tal característica de origem -, mantendo assim exatamente o mesmo que havia proposto no primeiro procedimento, alterou o preço proposto neste segundo procedimento em quase 10 mil euros.


CCCC) Pelo que a douta sentença recorrida comete erro de julgamento, também quanto à invalidade apontada à decisão de aprovação das peças, ao considerar que «o novo procedimento não “conduz(iu) a uma limitação desproporcionada, injustificada e/ou desigual”, assim como não exigiu uma característica “que apenas pode ser concedida pela contrainteressada”», julgando improcedente, também assim, o pedido formulado na al. d) do petitório.

DDDD) Devendo por isso ser revogada e substituída por outra que reconheça a ilegalidade do ato administrativo ínsito no despacho de abertura e aprovação das peças do procedimento, e anule tal decisão.”.

J…, LDA, apresentou contra-alegação de recurso, que concluiu nos seguintes termos:
“1. Em sede de primeiro procedimento de contratação a Recorrente alegou perante o júri do procedimento que a interpretação das especificações técnicas constantes do caderno de encargos deveria ser feita de forma cumulativa entre todas as especificações técnicas aí previstas independentemente das diferentes funções e categorias apresentadas na tabela em anexo ao caderno de encargos.
2. Isto após a ora Recorrida ter manifestado, em sede de audiência prévia após proferimento do relatório preliminar, que dentro da função "impressão" a Recorrente não cumpria com os requisitos de velocidade de impressão de 25 ppm e qualidade de 1200x1200 dpi.
3. Em virtude da questão suscitada pela Recorrente foi solicitado um parecer jurídico pela entidade adjudicante, porquanto esta não previu, aquando da elaboração das peças do procedimento, que tal interpretação pudesse resultar da documentação.
4. O parecer jurídico foi no sentido de ser efetivamente de considerar que todas as especificações técnicas fossem de cumprimento obrigatório, cumulativo e concomitante, independentemente das diferentes funções a que se reportam.
5. Posto isto, veio a entidade adjudicante colocar termo ao procedimento em virtude de uma circunstância inesperada que determinou a necessidade alteração das peças do procedimento no que concerne às especificações técnicas.
6. A questão da interpretação suscitada pela Recorrente determinou, assim que, que o procedimento de contratação não prosseguisse a sua tramitação, vindo, agora, a Recorrente insurgir-se contra a situação.
7. A Recorrente vem imputar responsabilidades à entidade adjudicante e à ora Recorrida em virtude de não sido provida como adjudicatária no novo procedimento de contratação que a própria precipitou.
8. A sentença em crise não merece qualquer reparo uma vez que fundamenta de forma clara e exaustiva por que razão é aplicável ao caso a alínea c) do n.° 1 do artigo 79.° do CCP, tendo a entidade adjudicante agido com zelo e diligência perante o caso concreto.
9. A Recorrente vem defender, uma vez mais, que as especificações técnicas não necessitam de se encontrar cumpridas concomitantemente, ou seja, que as especificações técnicas não têm de se encontrar todas cumpridas no mesmo momento.
10. Isto porque apresentou um equipamento que não é capaz de imprimir à velocidade exigida pelo caderno de encargos e com a qualidade aí definida, portanto, para atingir a qualidade teria de reduzir a velocidade e vice-versa.
11. Tal interpretação, não encontra qualquer respaldo legal considerando a letra do n.° 1 do artigo 49.° do CCP e o considerando 74 da Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de fevereiro de 2014.
12. Considerando a ratio das referidas regras resulta claro que as especificações técnicas são efetivamente de cumprimento cumulativo e simultâneo.
13. No novo procedimento, após prolação do relatório preliminar que graduou a proposta da Recorrida em primeiro lugar, veio a Recorrente invocar que as peças do novo procedimento padeciam dos mesmos vícios que as do procedimento anterior.
14. Sucede que tal não corresponde à verdade, não apenas devido ao elemento literal da tabela que consagra, mas igualmente porque em sede de esclarecimento o júri do novo procedimento clarificou taxativamente que a velocidade de impressão deveria ser baseada na gramagem típica de office (70gm2 a 90gm2).
15. Este entendimento foi de encontro àquele que sempre foi o entendimento da ora Recorrida, ou seja, de que as cumulatividade e coexistência de características apenas se verificava dentro das especificações técnicas de cada categoria "impressão", "digitalização", "papel").
16. Tendo sido a Recorrente quem trouxe à colação o tópico da gramagem que se encontra fora da função "impressão", na qual se encontravam as especificações técnicas velocidade de impressão e resolução, ou seja, reitera-se, foi a Recorrente que deu origem a todas as questões em torno da interpretação das especificações técnicas.
17. Em virtude dos esclarecimentos prestados no novo procedimento, e da sua validade, sendo considerados peças do procedimento nos termos do n.° 9 do artigo 50.° do CCP.
18. Deste modo cai por terra toda a tese apresentada pela Recorrente relativamente à invalidade das peças do novo procedimento de contratação.
19. Com relação à distorção injustificada da concorrência alegada pela Recorrente, é manifesto que a mesma não se verifica.
20. Todos os concorrentes se apresentaram em pé de igualdade no procedimento, submetendo-se ao mesmo conjunto de regras e requisitos em matéria de equipamentos a apresentar.
21. Todos conheciam os preços apresentados pelos restantes em procedimento anterior em virtude de se tratar dos mesmos operadores em ambos os procedimentos.
22. O Recorrente confessa nas suas alegações que apenas é capaz de concorrer com a Recorrida em condições de desigualdade pois, se forem requisitados equipamentos com a funcionalidade dual scan, já não é competitivo.
23. Porém, tal funcionalidade é transversal ao mercado, não exclusivo de um fabricante ou operador, pelo que não existe qualquer fundamentação para alegar a distorção da concorrência.
24. A funcionalidade dual scan não é dada gratuitamente à Recorrida.
25. Esta tem custos com a mesma, independentemente de se tratar de uma funcionalidade de origem ou não.
26. O custo do equipamento apresentado pelo fornecedor vai sempre refletir o custo desta funcionalidade
27. Não é oferecido.
28. Pelo que não existe qualquer fator de distorção da concorrência.
29. Da mesma forma que não se verifica qualquer ilegalidade na consagração deste requisito em sede de especificações técnicas.
30. Porquanto a entidade adjudicante dispõe de discricionariedade administrativa para definir as especificações técnicas que entende convenientes para prossecução do fim a que o procedimento de contratação procura corresponder.
31. Não se encontrando vinculada ao que quer que seja.
32. Muito menos a esclarecimentos realizados no âmbito de outro procedimento de contratação.
33. A única entidade beneficiada com as especificações técnicas foi efetivamente a Recorrente ao ter sido eliminada a especificidade técnica referente à resolução da impressão.
34. Que a Recorrente confessou que os não poderia cumprir com os seus equipamentos se fosse requisitos a resolução de 1200x1200 dpi com velocidade de impressão de 25 ppm.
35. Assim, as alterações efetuadas beneficiaram a participação da Recorrente, jamais a prejudicaram.
36. Face ao exposto deve as alegações de recurso apresentadas pela Recorrente ser totalmente improcedentes, mantendo-se na sua plenitude a decisão proferida pelo Douto Tribunal de 1ª instância.”.

O Recorrido MUNICÍPIO DE VIANA DO ALENTEJO apresentou contra-alegação de recurso, que concluiu nos seguintes termos:
“A. A sentença recorrida não merece qualquer censura, devendo ser integralmente mantida.
B. No que concerne à decisão de extinção do procedimento, esta foi a única decisão que a Recorrida poderia ter tomado, cumprindo o disposto no artigo 79.° do CCP e os princípios que regem a contratação pública e a atividade administrativa, nomeadamente, o princípio da concorrência, transparência, igualdade, legalidade e prossecução do interesse público.
C. Em cumprimento da legalidade, a Recorrida lançou novo procedimento, com os mesmos convidados e com as peças corrigidas e com exigências que melhor serviriam o interesse público municipal.
D. Tal não consubstancia uma violação injustificada da concorrência, como a Recorrente alega, sendo a atuação do MVA pautado pelos princípios da eficiência, desburocratização, prossecução do interesse público.
E. A diferença de preços identificada pela Recorrente decorre das regras normais da concorrência do mercado e a Recorrida não pode ser responsabilizada se a aqui Recorrente (ou outros concorrentes) decidiram tornar a proposta mais competitiva.
F. Em suma, quer num caso quer noutro, os argumentos da Recorrente falecem por não terem adesão aos factos.
Nestes termos e nos demais de Direito, com o douto suprimento de V.Exas., deverá o presente recurso ser julgado improcedente, por não provado, e a sentença recorrida mantida na íntegra, absolvendo-se o Recorrido do pedido.”.

O Digno Magistrado do Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1 e 147.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), relativamente ao recurso interposto pela Autora, não emitiu pronúncia.

Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo, vem o processo à conferência.

*
II. Questões a apreciar e decidir:
As questões suscitadas pela autora e recorrente delimitadas pela alegação de recurso e respetivas conclusões, são as seguintes: i) se a sentença recorrida incorreu em erro de direito na interpretação das características técnicas dos equipamentos definidas no caderno de encargos e em violação do disposto no artigo 79.º, n.º 1, alínea c) do CCP e do dever de adjudicação previsto no artigo 79.º do CCP; e, ii) por considerar que as peças referentes ao novo procedimento não padecem de ilegalidade.


III – Fundamentação:
3.1. De facto:
Em aplicação do art.º 663.º, n.º 6, do Código de Processo Civil (CPC), ex vi art.º 1.º e 140.º, n.º 3, do CPTA, por não ter sido impugnada e não haver lugar a qualquer alteração da matéria de facto fixada, remete-se para os termos da decisão da 1.ª instância, que a decidiu.

*
3.2. De Direito.
Nos presentes autos de contencioso pré-contratual formulou a autora, ora recorrente, o pedido de anulação da decisão de extinção do procedimento e de condenação da entidade demandada à prática de ato de adjudicação da proposta apresentada pela autora, por ser o legalmente devido e, em consequência, a celebrar com esta o contrato objeto do procedimento em causa.
Requereu, ainda, a ampliação do objeto do processo “à impugnação do ato administrativo vertido na decisão de contratar tomada pela entidade demanda no âmbito do novo procedimento de Consulta Prévia com convite a três entidades para “Aluguer e assistência técnica e fornecimento de consumíveis para equipamentos multifunções para cópias e impressão” por invalidade derivada”; e a “ampliação do objeto do processo à impugnação das peças no âmbito do novo procedimento de Consulta Prévia com convite a três entidades para “Aluguer e assistência técnica e fornecimento de consumíveis para equipamentos multifunções para cópias e impressão” por invalidade própria”, a qual foi admitida por despacho de fls. 620-640 dos autos.

A presente ação foi julgada totalmente improcedente, tendo a entidade demandada sido absolvida dos pedidos.

Inconformada a Autora interpôs recurso desta sentença.
*
Importa, então, apreciar e decidir o recurso interposto pela autora e recorrente, sendo as questões a decidir, tal como vêm delimitadas pela alegação de recurso e respetivas conclusões, as supra enunciadas, em II.
*
3.2.1. Do erro de direito na interpretação das características técnicas dos equipamentos definidas no caderno de encargos e da violação do disposto no artigo 79.º, n.º 1, alínea c) do CCP e do dever de adjudicação previsto no artigo 79.º do CCP
Quanto a este fundamento de recurso a autora, ora recorrente, referiu que, em resumo, o que está em discussão é saber se a decisão de extinção do procedimento de consulta prévia destinado ao “Aluguer e Assistência Técnica e Fornecimento de consumíveis para equipamentos multifunções para cópias e Impressão" é ou não ilegal, em função da interpretação daquela que é a forma de cumprimento das características técnicas do equipamento que resulta do Caderno de Encargos.
Prevê-se no artigo 70.º, do Código dos Contratos Públicos (CCP), o seguinte:
1 - As propostas são analisadas em todos os seus atributos, representados pelos fatores e subfatores que densificam o critério de adjudicação, e termos ou condições.
2 - São excluídas as propostas cuja análise revele:
a) Que desrespeitam manifestamente o objeto do contrato a celebrar, ou que não apresentam algum dos atributos ou algum dos termos ou condições, nos termos, respetivamente, do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 57.º;
b) Que apresentam algum dos atributos que violem os parâmetros base fixados no caderno de encargos ou que apresentem quaisquer termos ou condições que violem aspetos da execução do contrato a celebrar por aquele não submetidos à concorrência, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 10 a 12 do artigo 49.º;
(…)”.
Sob a epígrafe “Especificações técnicas”, prevê-se no artigo 49.º, do CCP, o seguinte:
1 - As especificações técnicas, tal como definidas no anexo vii ao presente Código, do qual faz parte integrante, devem constar no caderno de encargos e devem definir as características exigidas para as obras, bens móveis e serviços.
(…)”.
O Artigo 76.º do CCP que consagra o dever de adjudicação das entidades adjudicatárias, prevê no n.º 1 “[s]em prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 79.º, o órgão competente para a decisão de contratar deve tomar a decisão de adjudicação e notificá-la aos concorrentes até ao termo do prazo da obrigação de manutenção das propostas.”.
Estabelecendo o artigo 79.º, do CCP sob a epígrafe: “Causas de não adjudicação”:
1 - Não há lugar a adjudicação, extinguindo-se o procedimento, quando:
(…)
c) Por circunstâncias imprevistas, seja necessário alterar aspetos fundamentais das peças do procedimento;
(…)
2 - A decisão de não adjudicação, bem como os respetivos fundamentos, deve ser notificada a todos os concorrentes.
3 - No caso da alínea c) do n.º 1, é obrigatório dar início a um novo procedimento no prazo máximo de seis meses a contar da data da notificação da decisão de não adjudicação.”.
Sendo que nos termos previstos no artigo 80.º, n.º 1, do CCP a “decisão de não adjudicação prevista no artigo anterior determina a revogação da decisão de contratar.”.
Como resulta do citado artigo 76.º, n.º1 do CCP a entidade adjudicante tem o dever de adjudicação. Trata-se do exercício de um poder vinculado por parte da entidade adjudicante, e como tal, está excluído do elenco de matérias em que predomina o exercício de poderes discricionários, quer quanto ao modo de agir, quer quanto ao sentido ou conteúdo do dever de agir, quer, ainda, quanto ao juízo de oportunidade do agir. Todavia, o dever de adjudicar não é absoluto, podendo extinguir-se perante a necessidade de melhor acautelar o interesse público, como sucede nas situações que o legislador enunciou taxativamente nas várias alíneas do n.º1 do artigo 79.º, do CCP (1-Neste sentido cfr. acórdão de 05/03/2021, do TCA Norte, proferido no processo n.º 01340/20.8BEPRT, também citado na sentença recorrida e consultável em www.dgsi.pt..)
É entendimento constante da doutrina e da jurisprudência que o conceito de “circunstâncias imprevistas” não implica que se trate de circunstâncias novas, ou seja, não têm de ser supervenientes nem imprevisíveis, bastando que sejam circunstâncias que embora já existentes não tenham sido previstas pela entidade adjudicante.
Provou-se, nos presentes autos, que em 2024.10.25, pelo Presidente da Câmara Municipal de VIANA DO ALENTEJO foi determinada a abertura do procedimento de consulta prévia com convite a três entidades para aluguer e assistência técnica e fornecimento de consumíveis para equipamentos multifunções para cópias e impressão.
Nos termos previstos no artigo 1. ° do caderno de encargos (CE) o contrato a celebrar na sequência do procedimento pré-contratual tem por objeto principal o Aluguer e Assistência Técnica de 21 (vinte e um) novos equipamentos multifunções para cópia e impressão, de acordo com as Cláusulas e Especificações Técnicas descritas em Anexo. Nas "Condições e Especificações Técnicas", em anexo ao Caderno de Encargos, previam-se como “características mínimas” do equipamento A3, designadamente, quanto a “Velocidade Cores A4 (ppm)” e “Velocidade a preto A4 (ppm)” que deveria ser de “25 ppm ou superior”, na função impressão, com uma “Resolução (DPI)” 1200x1200. E uma gramagem de papel suportada (ou superior) de 250g/m2.
Em 2024.11.06, as sociedades C… UNIPESSOAL, LDA., P…, LDA. e J…, LDA. apresentaram propostas no âmbito do referido procedimento de “Consulta Prévia" e em 2024.11.08, pelo Júri do procedimento foi elaborado o “Relatório Preliminar”, tendo o júri admitido todas as propostas.
Está, igualmente, provado que “Atento o critério de adjudicação definido - o da avaliação do preço enquanto único aspeto da execução do contrato a celebrar, nos termos da alínea b) do n.° 1 do artigo 74.° do Código dos Contratos Públicos - o júri deliberou por unanimidade ordenar as propostas da seguinte forma, nos termos do n.° 1 do artigo 122.° do Código dos Contratos Públicos:
1.°) C… Unipessoal, Lda. 49.000,32 € + IVA
2.°) J…, Lda. 57.195,72 € + IVA
3°) P…, Lda.
64.440,00 € + IVA”.
Notificado o relatório preliminar às concorrentes, a ora contrainteressada pronunciou-se em sede de audiência prévia dizendo, em síntese, que “atentando o documento com as características técnicas «EQUIPAMENTOS MULTIFUNÇÕES A3 A CORES INTELIGENTES PARA UM PROCESSAMENTO DE DOCUMENTOS EFICIENTE E DE ALTA QUALIDADE», documento com o nome «imagerunner-advance-dx c3926_signed» junto pelo concorrente C…, Unipessoal, Lda., verifica-se que o equipamento Multifunções laser a cores A3 não cumpre com o conjunto de requisitos mínimos cumulativos previsto no Anexo do Caderno de Encargos.
8. Com efeito, da página 2 do documento, consta a informação de que em matéria de resolução de impressão (dpi), a mesma tem o valor de 1200x600.
9. Sendo tal parâmetro inferior ao requisito mínimo consagrado no Caderno de Encargos, porquanto o mesmo estabelece que o equipamento deve ter, no mínimo uma resolução de 1200x1200.
10. A resolução de impressão mínima exigida pelo Caderno de Encargos apenas é alcançada quando a velocidade de impressão é reduzida para metade, sendo tal informação constante do referido documento.
11. Verificando as velocidades de impressão do equipamento, imediatamente se conclui que para alcançar a resolução mínima exigida para o equipamento, o mesmo deixa de cumprir com o requisito mínimo de velocidade de impressão, isto é, 25 ppm, conforme é possível verificar pelos documentos n.° 1 e 2 que se juntam.
12. Uma vez que os requisitos são mínimos e cumulativos é manifesto o incumprimento dos mesmos pelo concorrente, porquanto apenas consegue cumprir com os requisitos velocidade de impressão e resolução de forma alternativa e nunca de forma conjunta ou cumulativa.
13. Estes requisitos mínimos configuram termos e condições mínimos e obrigatórios que devem ser cumpridos pelos concorrentes e demonstrado nas suas propostas.
14. Nos termos da alínea b) do n.° 1 do artigo 70.° devem ser excluídas as propostas
«Que apresentam algum dos atributos que violem os parâmetros base fixados no caderno de encargos ou que apresentem quaisquer termos ou condições que violem aspetos da execução do contrato a celebrar por aquele não submetidos à concorrência, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 10 a 12 do artigo 49.°».
15. Deste modo, resulta evidente que a proposta do concorrente C…, Unipessoal, Lda. deve ser excluída por não conter todas as especificações técnicas exigidas pelo Caderno de Encargos como sendo de cumprimento obrigatório.”.
Em face do que em 2024.11.22, o Presidente do Júri do procedimento solicitou à ora recorrente o seguinte esclarecimento: “venho por este meio solicitar esclarecimentos relativos à exposição efetuada em sede de audiência prévia por o concorrente J…, Lda.
Junto envio o documento para vossa análise e solicito esclarecimentos relativos a:
1. As características técnicas do equipamento laser a cores A3, não cumprem com o conjunto de requisitos mínimos previstos no convite onde indicamos que o equipamento deverá imprimir no mínimo 25 páginas por minuto com uma resolução de 1200 x 1200 dpi.”.
Em 2024.11.25, a ora recorrente respondeu ao referido pedido de esclarecimento nos seguintes termos, e em síntese útil, “Como V.Exa pode constatar, não existe qualquer referência nos requisitos mínimos obrigatórios pedidos para que as características exigidas aos equipamentos das várias tipologias tenham que ser cumulativas, isto é, para este caso, os equipamentos A3 a cores tenham que imprimir no mínimo à velocidade de 25 ppm ou superior, com a resolução de 1200 x 1200 dpi, com uma gramagem de papel suportada ou superior de 250g/m2, como exemplo.
A ser assim, nenhum equipamento apresentado por qualquer concorrente cumpriria o exigido nos R.O. conforme sugerido no ponto 6 da Pronúncia do concorrente J…, Lda.
Como exemplo, o equipamento A3 a cores Versa linkC7125 apresentado pelo concorrente J…, quando imprime em suportes de impressão de gramagens mais altas, baixa consideravelmente a velocidade sendo que não consegue comutativamente imprimir a 25 ppm, com a resolução de 1200 x 1200 dpi numa gramagem de 250g/m2 ou superior, já que todas estas características foram requeridas nos R.O. do CE.
(juntamos em anexo pag 269 do guia do usuário do equipamento xerox versalink C71XX, neste caso do mesmo equipamento, mas que até faz 30 ppm).
Se repararmos ainda na informação que vem, no catálogo do equipamento xerox Versalink C 7125, na especificação velocidade à frente tem o numero 5 que em legenda no final do mesmo refere “ 5 Velocidade de impressão declarada conforme ISO/IEC 24734 ", (informação pintada a cor laranja para realce)
Estes fatos, são transversais a todos os equipamentos Office de todos os fabricantes
Os testes feitos pelos fabricantes para medir a velocidade de ppm dos equipamentos, são feitos na resolução Standard 600 x 600 dpi com suportes de impressão entre 70 e 90 g/m2, conforme definido por normas como a ISO/IEC 24734.
A resolução padrão usada para medir a velocidade de impressão dos multifuncionais varia de acordo com o tipo de equipamento e os padrões aplicados. Geralmente, os testes de velocidade utilizam resoluções que equilibram qualidade e desempenho, simulando cenários típicos de uso em escritórios. Os principais padrões e práticas incluem:
(…)
Resumo
A resolução padrão para medir a velocidade de impressão dos multifuncionais é 600 x 600 dpi, conforme definido por normas como a ISO/IEC 24734, pretendendo o CE do procedimento em questão, que os equipamentos propostos no mínimo tenham aquelas características e isso, é um fato indesmentível no caso da CBC-SADO.”.
Em 2024.12.19, pelo Júri do procedimento foi elaborada a “Ata sobre a pronúncia no âmbito da Consulta Prévia a três entidades para adjudicação de Aluguer e Assistência Técnica e fornecimento de consumíveis para equipamentos multifunções para cópias e impressão”, na qual se concluiu:
“(...) No dia 19 de novembro foi rececionada uma nova alegação da empresa J…, Lda. que foi analisada pelo júri, tendo este sentido a necessidade de solicitar um esclarecimento à empresa C…, Unipessoal, Lda. sobre a característica técnica de um equipamento que supostamente não se enquadraria nas exigências do Caderno de Encargos.
O concorrente C… confirma que o seu equipamento de facto não consegue responder à exigência de 25 ppm com uma resolução de 1200x1200. Refere ainda que estas características não podem ser consideradas cumulativas conjuntamente com impressões a 250grs/m2, nenhum equipamento office conseguirá assegurar 25ppm numa impressão de papel com 250grs/m2.
O júri considerou necessário apoio jurídico para a interpretação desta alegação. Perante o parecer jurídico solicitado, confirma-se que as características técnicas que foram exigidas no CE estão apresentadas como cumulativas pelo que têm de ser cumpridas na sua totalidade.
Assim sendo, há necessidade de reformular as Características Técnicas constante do Anexo ao CE e portanto o júri propõe a extinção deste procedimento e a abertura de um novo processo para a referida contratação, ao abrigo do disposto na alínea c) do n.° 1 do artigo 79.° do CCP.”, proposta que obteve acolhimento por despacho de 2024.12.20, do Presidente da Câmara Municipal de Viana do Alentejo, que “nos termos do disposto na alínea c) do n° 1 do artigo 79° do Código dos Contratos Públicos na sua redação atual, determina a não adjudicação dos serviços em causa, a consequente revogação da decisão de contratar nos termos do n° 1 do artigo 80° do mesmo Código e tendo por base a ata do Serviço de Informática que se anexa a este despacho.
Deverão ser reformulados, em conformidade, os documentos que servirão de base a novo procedimento pré-contratual.”.
Como se referiu supra a recorrente defendeu que a decisão de extinção do procedimento e de consequente não adjudicação da proposta por si apresentada é ilegal, tendo a sentença recorrida efetuado uma incorreta interpretação das cláusulas do caderno de encargos, por considerar que “o Caderno de Encargos impunha que as características de velocidade, resolução e gramagem devessem operar em simultâneo”.
Mas não lhe assiste razão.
Para uma melhor compreensão da decisão recorrida, atentemos no seguinte segmento da mesma com relevância para apreciação deste fundamento de recurso:
“Estabelecida a factualidade relevante, é possível, desde logo, precisar as concretas razões que determinaram a extinção do procedimento e consequente não adjudicação, uma vez que resultam claramente da articulação do parecer jurídico, de 2024.12.16, com a Ata do júri, de 2024.12.19, e ainda com a fundamentação do despacho impugnado, de 2024.12.20, reconduzindo-se às seguintes ideias principais:
- As características técnicas que foram exigidas no CE estão apresentadas como cumulativas pelo que têm de ser cumpridas na sua totalidade;
- Confirmando-se que não existem equipamentos A3 no mercado que consigam imprimir a 25 ppm, com a resolução de 1200 x 1200 dpi numa gramagem de 250g/m2 ou superior, então existe, efetivamente, um erro nas peças do procedimento.
Ou seja, sendo as "Características mínimas dos equipamentos novos a instalar em regime de «renting»", ínsitas no Caderno de Encargos, de natureza cumulativa, as mesmas exigem a apresentação de propostas impossíveis, por não existirem equipamentos no mercado capazes de reunir, cumulativamente, essas características.
Aqui chegados, impõe-se aferir se (i) as invocadas razões são susceptíveis de preencher o conceito de "circunstâncias imprevistas", nos termos e para os efeitos do citado art. 79°/1/c) do CCP e, ainda (ii) se essas razões, em face das circunstâncias dos autos, são ou não atendíveis, ou seja, se mostram de tal forma relevantes que impliquem a necessidade de "alterar aspetos fundamentais das peças do procedimento".
Vejamos.
Quanto ao primeiro aspecto, e adoptando o sentido da jurisprudência acima transcrita, afigura-se indiscutível que estejamos perante uma circunstância imprevista, na medida em que se está perante uma situação "que não tenham sido previst(a), sem culpa grave, pela entidade adjudicante", decorrente do facto de não ter sido considerada ou ponderada no momento em que foram elaboradas as peças do procedimento (v. Ac. TCA Norte de 2021.03.05, Proc. 01340/20.8BEPRT, www.dgsi.pt).
Analisando detalhadamente as peças do procedimento - e, concretamente, a tabela Anexa ao Caderno de Encargos -, verifica-se ser perfeitamente possível que a Entidade Demandada, legitimamente e de boa-fé, não tenha considerado ab initio a cumulação de todas as características elencadas, relativamente a cada um dos equipamentos multifunções a fornecer, em termos que pudessem tornar exigíveis certas combinações de características ou outras configurações que, embora aparentemente possíveis, não se encontram ainda disponíveis no mercado actual.
Nessa medida, é evidente que o conhecimento superveniente de certas combinações ou cumulações de características, em termos actualmente impossíveis, configura precisamente uma "circunstância imprevista", na acepção da doutrina e jurisprudência acima referida, bem como da primeira parte do art. 79°/1/c) do CCP (cfr. Ac. TCA Norte de 2021.03.05, Proc. 01340/20.8BEPRT, www.dgsi.pt).
Outra questão que se coloca é a de saber se tais circunstâncias invocadas são atendíveis, ou seja, e como refere a A., se as mesmas constituem fundamentos verdadeiramente idóneos para a extinção do procedimento, face às razões invocadas de facto e de direito.
Neste sentido, a A. refere, na p.i., que está em causa a "existência de razões justificativas idóneas e suficientes para apoiar a decisão de não adjudicar e a questão do poder discricionário de que gozará a entidade adjudicante", uma vez que "ao apresentar razões frágeis, confusas, conclusivas, incompletas, supostamente suficientes em virtude de uma margem de discricionariedade de que erradamente entende gozar, a entidade adjudicante está a favorecer um clima de suspeição e consequente litigiosidade, nada favorável ao interesse público".
(…)
Não lhe assiste, todavia, razão, revelando-se a argumentação da A., neste ponto, desfocada.
Desde logo, tornou-se já claro que as razões que determinaram a extinção do procedimento, e consequente decisão não adjudicação, não se relacionaram com a proposta apresentada pela A., nem tão-pouco com as características dos equipamentos por si fornecidos, mas antes com a verificação de um erro nas peças do procedimento, decorrente das interpretações possíveis ao Caderno de Encargos.
(…)
Ora, foi em face das questões suscitadas, e de acordo com o sentido do "parecer jurídico" elaborado, que a Entidade Demandada concluiu que a interpretação conjugada de todas as "Características mínimas dos equipamentos novos a instalar em regime de "renting", implica, efectivamente, que todas as propostas apresentadas devam incluir, como requisito mínimo, equipamentos A3 a cores, com a capacidade de, cumulativamente, (i) imprimir à velocidade de 25 ppm ou superior, (ii) com a resolução de 1200 x 1200 dpi, (iii) utilizando uma gramagem de papel igual ou superior de 250g/m2, reconhecendo a possibilidade de, no mercado actual, não existirem equipamentos capazes de desempenhar tais funções.
Neste conspecto, torna-se claro que a exigência da cumulação e conjugação de "requisitos mínimos", em termos materialmente impossíveis, implica que apenas sejam atendíveis propostas que cumpram tais requisitos, ou seja, propostas também elas materialmente impossíveis.
E tal conclusão, resultante da interpretação e conjugação das regras do procedimento - relembre-se, formuladas pela própria A. -, além de constituir uma "circunstância imprevisível", mostra-se de tal forma impactante no procedimento que impõe a necessidade de se reverem as peças do procedimento, ou, melhor dizendo, de se "alterar aspetos fundamentais das peças do procedimento", nos termos e para os efeitos do art. 79°/1/c) do CCP.
Tal circunstância adianta, desde já, a improcedência do pedido da A.
Sem prejuízo de todo o exposto, a A. procura sustentar que subsiste uma clara diferença "entre o cumprimento cumulativo das características técnicas do equipamento - que implica que sejam cumpridas na sua totalidade -, e o cumprimento concomitante das características técnicas do equipamento - que implica que sejam cumpridas em simultâneo, ou seja, que coexistam".
Acrescenta, neste contexto, em sede de Alegações, que "nem a própria Contrainteressada J…, Lda. os cumpria de "forma cumulativa", uma vez que tal cumprimento seria impossível, dada a sua natureza".
A A. parece querer referir que o facto de as exigências do procedimento serem cumulativas não determina que o seu cumprimento deva ser, ele mesmo, concomitante. Desse modo, um determinado equipamento A3 poderá reunir todas as características exigidas pelas peças do procedimento, sendo possível que as mesmas não operem em simultâneo.
Novamente, o referido argumento afigura-se desfocado.
Desde logo, é certo que as "Condições e Especificações Técnicas" anexas ao Caderno de Encargos não deixam dúvidas sobre as "Características mínimas dos equipamentos novos a instalar em regime de «renting»", ou seja, sobre os requisitos mínimos que devem ser observados.
Tais requisitos mínimos, conforme se adiantou no "parecer jurídico" elaborado em 2024.12.16, integram o conceito de especificações técnicas do contrato, nos termos do art. 49°/1 do CCP e, além do mais, não suscitam questões sobre a necessidade de serem integralmente cumpridos, ou seja, de verificação cumulativa - sendo que a A. também não afastou essa consideração.
Na verdade, o que resulta da conjugação de todos esses requisitos cumulativos é, precisamente, a conclusão que a A. procurou afastar: de acordo com as peças do procedimento elaboradas no âmbito desse procedimento, o equipamento a fornecer deve reunir cumulativamente todas as "características mínimas" indicadas nas "Condições e Especificações Técnicas" e, portanto, deve apresentar um desempenho que, simultaneamente, se adeque às exigências de velocidade, resolução e gramagem do papel aí definidas, entre outras.
No mais, as referidas normas do procedimento - mesmo que de cumprimento impossível -, definem com toda a clareza as características então exigidas, além de não estabelecerem critérios indeterminados para a sua verificação, designadamente estabelecendo que o seu cumprimento está condicionado a determinados parâmetros ou espectros, ou indiciarem alguma margem interpretativa sobre a sua verificação.
Pelo contrário: uma leitura atenta às “Características mínimas dos equipamentos novos a instalar em regime de «renting»” permite concluir que se exigiu, para o caso concreto dos Equipamentos A3, a Velocidade de “25 ppm ou superior" (ao invés de se recorrer à expressão “até 25ppm" ou simplesmente “25 ppm"), a resolução de "1200 x 1200" (em vez de se referir “até 1200 x 1200” ) e assim como se exigiu, no título “Papel”, uma “Gramagem de papel suportada (ou superior)'' de 250g/m2.
É, portanto, indiscutível a rigidez dos critérios estabelecidos no âmbito do procedimento de formação que veio a ser extinto, não sendo os requisitos aí exigidos indissociáveis entre si, nem permitindo uma interpretação afastada do seu teor literal.
Daí que careça de sentido a alegação da A., quando refere que “aquilo que a Entidade Adjudicante fixou ab initio (...) é que os equipamentos a fornecer cumpram na totalidade determinadas características técnicas mínimas no que concerne a velocidade, resolução e gramagem, não determinando, no entanto, a sua coexistência”, uma vez que tal conclusão não reflecte com rigor o teor regras do procedimento.
Não é possível, logicamente, interpretar características técnicas mínimas respeitantes ao “Equipamento A3 cor", nos termos em que as mesmas foram definidas no procedimento em apreço, como sendo cumulativas, mas já não sendo “coexistentes", qualquer que seja a acepção que a A. pretenda atribuir à referida expressão.
Assim, e mesmo que se venha a considerar como certa a alegação da A., no sentido de que “nem a própria Contrainteressada J…, Lda. os cumpria de "forma cumulativa", uma vez que tal cumprimento seria impossível, dada a sua natureza”, a mesma não é idónea a permitir a interpretação por si propugnada das peças do procedimento.
E tal circunstância coaduna-se, perfeitamente, com os fundamentos e sentido da decisão impugnada, que, como se evidenciou, concluiu que a exigência da cumulação e conjugação dos referidos “requisitos mínimos”, implica que apenas sejam aceitáveis propostas que obedeçam a tais requisitos cumulativos, ou seja, no caso dos autos, propostas materialmente impossíveis.
Nesta conformidade, e perante o exposto, impõe-se concluir que o acto administrativo ínsito no despacho do Presidente da Câmara Municipal de VIANA DO ALENTEJO, de 2024.12.20, que decidiu no sentido da “não adjudicação dos serviços em causa, a consequente revogação da decisão de contratar”, não padece de qualquer ilegalidade, mostrando-se, in casu, verificados os pressupostos de que depende o disposto no art. 79°/1/c) do CCP e, bem assim, cumprido o disposto no art. 80°/1 do CCP.
Pelo que se julga improcedente o pedido de "anula(ção) (d)a decisão de extinção do procedimento ao abrigo do disposto no artigo 163.°, n.° 1 do CPA", formulado na al. a) do petitório da p.i.”.
Desde já se adianta que o assim decidido será para manter, dado ter feito uma correta decisão da matéria de facto e uma adequada subsunção dos factos provados ao direito aplicável, não merecendo qualquer censura.
Pois, atentando nas especificações técnicas, anexas ao caderno de encargos do procedimento concursal em causa nestes autos, atenta a fórmula utilizada para a redação das “Condições e Especificações técnicas” (cfr. n.º 1, do qual constam em quadro as características mínimas dos equipamentos novos a instalar em regime de “renting”) é evidente que as características mínimas de velocidade, resolução e gramagem dos equipamentos novos a instalar em regime de “renting”, têm de coexistir em simultâneo (cfr. facto provado n.º 3). Devendo, assim, estas características ser cumpridas, de forma cumulativa, quando a impressora estiver em funcionamento, ou seja, deve o seu cumprimento ser concomitante. E a esta conclusão não obsta o facto de tal configurar a exigência de apresentação de “propostas impossíveis, por não existirem no mercado equipamentos capazes de reunir cumulativamente e concomitantemente tais características”. Na verdade, foi este o fundamento que motivou a entidade recorrida a não proceder à adjudicação de nenhuma das propostas e a extinguir o procedimento pré-contratual.
Acresce que contrariamente ao defendido pela recorrente “a prática das demais Entidades Adjudicantes em procedimentos de idêntico objeto, nos quais são fixadas as características técnicas obrigatórias dos equipamentos no que concerne a velocidade, resolução e gramagem, não determinando, no entanto, a obrigatoriedade da sua coexistência”, desacompanhada de qualquer outro elemento de interpretação, designadamente, literal, não permite concluir no sentido de que a vontade da entidade adjudicante seria contratar um serviço que possuísse as referidas características, mas sem que funcionassem em simultâneo ou como refere a recorrente sem “que o seu cumprimento fosse concomitante”. A redação da norma é inequívoca resultando da mesma que as características mínimas devem ser cumpridas de forma cumulativa e concomitantemente ou em simultâneo.
A posterior constatação pela entidade recorrida de que o cumprimento cumulativo e concomitante das características técnicas obrigatórias dos equipamentos no que concerne a velocidade, resolução e gramagem levaria à apresentação de propostas impossíveis, dada a inexistência destes equipamentos, ainda que na sequência da pronúncia apresentada pela contrainteressada J…, Lda., não permite concluir no sentido propugnado pela recorrente de que a sentença recorrida incorreu em erro ao concluir que “a Entidade Demandada, legitimamente e de boa-fé, não considerou ab initio a cumulação de todas as características elencadas, só se apercebendo de tal “erro nas peças do procedimento” supervenientemente.” (cfr. conclusão AA) da alegação recursória). Com efeito, só no desenrolar do procedimento a entidade demandada constatou que nenhuma das propostas apresentadas pelos concorrentes convidados a apresentar proposta cumpria estes requisitos, dado que não existiam no mercado equipamentos que preenchessem os requisitos por si definidos, como de preenchimento cumulativo e simultâneo, o que levou à constatação da existência de um erro nas peças do procedimento que determina a extinção do procedimento, dada a necessidade de alterar aspetos fundamentais das peças do procedimento. E este erro como salienta na sentença recorrida não respeita a nenhuma das propostas, mas às peças do procedimento.
A recorrente na conclusão KK) concluiu que “como é evidente, não tendo sido considerada ou ponderada no momento em que foram elaboradas as peças do procedimento a necessidade de as características técnicas operarem em simultâneo, avançada em audiência prévia pela Contrainteressada - uma vez que não era esse o fito da entidade adjudicante na elaboração das peças - naturalmente que tal circunstância surge a meio do procedimento como “imprevista”, uma vez que não foi prevista, sem culpa grave, pela entidade adjudicante.”. Sucede que a recorrente não logrou demostrar nenhum facto que permita alcançar a conclusão de que a vontade da recorrida para satisfazer a necessidade que visava prosseguir com a abertura deste procedimento pré-contratual não era a de que as referidas características técnicas operassem em simultâneo. Os requisitos técnicos estão previstos como cumulativos, tendo a recorrida na sequência das pronúncias e esclarecimentos da contrainteressada e da recorrente, em sede de audiência prévia, constatado que não existiam no mercado equipamentos suscetíveis de cumprirem os requisitos cumulativos previstos nas especificações técnicas do caderno de encargos. Razão pela qual não pode deixar de se concluir, como concluiu a sentença recorrida que os fundamentos que determinaram a extinção do procedimento configuram circunstâncias imprevistas, que determinaram a necessidade de alterar aspetos fundamentais do procedimento, em conformidade com a previsão do artigo 79.º, n.º 1, alínea c), do CCP.
Por outro lado, atentos os factos provados não se pode concluir que pelo facto de a proposta apresentada pela contrainteressada também não cumprir todos os requisitos de forma cumulativa e ainda assim apresentar proposta tenha atuado de má fé, como bem se decidiu na sentença recorrida.
A recorrente insurge-se, ainda, contra a sentença recorrida, dizendo “parece-nos mais difícil aceitar que tais “circunstâncias imprevistas” gerem a necessidade de “alterar aspetos fundamentais das peças do procedimento”, nos termos do citado art. 79°/l/c) do CCP», porque, uma vez mais, o Caderno de Encargos já tem elementos suficientes para se perceber que as características técnicas que a impressora deverá reunir a nível de velocidade, resolução e gramagem, não têm de ser cumpridas em simultâneo quando em uso.”, sendo as circunstâncias imprevistas uma manobra dilatória da contrainteressada para que a recorrida coloque em dúvida a interpretação sobre as peças por si aprovadas e em relação às quais nunca surgiram dúvidas. Referindo, ainda, que “sobre a sobre a entidade adjudicante impende um dever legal de adjudicação ex vi do artigo 76° do CCP, o que significa que a mesma não se pode refugiar numa margem de discricionariedade - que o artigo 79.° do CCP claramente não lhe confere - para se descartar desse dever.
PP) Não existe, in casu, uma necessidade de alteração das Peças do Procedimento, porquanto as mesmas não oferecem dúvidas quanto às características técnicas mínimas que os equipamentos deverão cumprir e quanto àquelas que devem ser cumpridas simultaneamente.
QQ) A dúvida suscitada pela Contrainteressada J…, Lda. não é mais do que uma estratégia de distorção da concorrência que a afeta não só a ela, como a todos os outros concorrentes, mas sobretudo, à Entidade Demandada e ao interesse público.”.
Não se demonstrou que a pronúncia apresentada pela contrainteressada consubstancie “uma estratégia de distorção da concorrência que a afeta não só a ela, como a todos os outros concorrentes, mas sobretudo, à Entidade Demandada e ao interesse público”.
Ora, como já se referiu, as especificações técnicas exigem que as enunciadas características mínimas dos equipamentos se verifiquem de forma cumulativa e sejam de funcionamento simultâneo, sendo que nenhuma das propostas apresentadas satisfaz essas exigências quanto à velocidade, resolução e gramagem, tendo resultado dos autos não existir no mercado nenhum equipamento que disponibilize estas funcionalidades cumulativamente e em simultâneo, existindo, assim, razões justificativas da necessidade de alterar aspetos fundamentais das peças do procedimento, pelo que não pode senão concluir-se como concluiu a sentença recorrida, no sentido de que o ato administrativo ínsito no despacho do Presidente da Câmara Municipal de Viana do Alentejo, de 2024.12.20, que determinou “a não adjudicação dos serviços em causa, a consequente revogação da decisão de contratar" e que “Deverão ser reformulados, em conformidade, os documentos que servirão de base a novo procedimento pré-contratual”, não padece de qualquer ilegalidade, mostrando-se, in casu, verificados os pressupostos previstos no artigo 79.º, n.º 1, alínea c) do CCP e, bem assim, cumprido o disposto no artigo 80.º, n.º 1 do CCP.
Termos em que improcede este fundamento do recurso.

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3.2.2. Da ilegalidade das peças referentes ao novo procedimento
Alegou a Recorrente que nas peças deste novo procedimento não é feita qualquer menção à coexistência das características técnicas do equipamento, sendo apenas eliminada da “Função Impressão” a característica relativa à “Resolução (DPI)”, mantendo-se exatamente a mesma estrutura indicativa de características técnicas, omissa quanto ao modo como as mesmas deverão operar. A Entidade Demandada não fez qualquer alteração à característica da gramagem exigida, a qual também se afigurava impossível de cumprir em simultâneo com a velocidade de 25 ppm ou superior e com a resolução de 1200 x 1200 dpi. A este propósito, em sede de esclarecimentos neste novo procedimento de Consulta Prévia, esclareceu o Júri do Procedimento que “Exige-se que todos os equipamentos indicados respeitem a gramagem indicada não considerando para as gramagens altas a velocidade indicada de 25ppm. Pode ser inferior” (sublinhado nosso), questionando, assim, a utilidade de alteração das peças já que, afinal, sempre esteve correto o entendimento da autora de que os bens a fornecer devem, obrigatoriamente, conter todas as características referidas no Caderno de Encargos, embora as mesmas não tenham de ser cumpridas em simultâneo.
Refere, ainda, a recorrente que “Mais gritante, é a alteração aditada às peças do novo procedimento, no sentido de a entidade adjudicante passar a exigir que os equipamentos tenham uma nova característica na “Função de Digitalização”, que não constava do anterior Caderno de Encargos.”. É que neste novo procedimento, para além da tipologia de equipamento “Equipamento A4 Preto” ter de possuir a característica “Dual scan”, também as duas outras tipologias de “Equipamento A4 Cor” e “Equipamento A3 Cor” passam a ter de possuir tal característica obrigatória, que em nada se relaciona com os motivos que levaram o primeiro procedimento a ter de ser extinto e tal alteração “para além de não decorrer da necessidade de alteração das peças anunciada pela Entidade Demandada, configura ainda uma distorção injustificada da concorrência, que beneficia diretamente a Contrainteressada J…, Lda.”, na medida em que tal característica não é necessária nem útil para os fins que pretende a entidade adjudicante, sabendo a recorrida de antemão que os equipamentos propostos pela concorrente J…, Lda. têm a funcionalidade “dual scan” de origem, ao contrário dos da Autora, não podem restar dúvidas de que a introdução desta nova característica configura uma injustificada distorção da concorrência judicialmente sindicável. Para além de ter uma clara vantagem competitiva por força de ter sido agora adicionada às peças do procedimento uma característica que os seus equipamentos possuem de origem, a Contrainteressada beneficiou ainda de já serem conhecidos os equipamentos propostos por cada concorrente e respetivas características, também o são os preços propostos no âmbito do anterior procedimento, garantindo assim a apresentação de um preço substancialmente inferior ao que a autora havia proposto no primeiro procedimento de Consulta Prévia.
Defendeu que o Tribunal está equivocado no julgamento que efetuou quanto a este aspeto e que julgou o mérito da causa com leviandade. É que, como é evidente, a apresentação pela Autora, ora Recorrente, de um preço de €54.500,04 + IVA, substancialmente superior ao valor que apresentou no 1° procedimento, esteve diretamente relacionada com a necessária adição da funcionalidade dual scan aos seus equipamentos, ao contrário da CI que, nada tendo de adicionar dos seus equipamentos - uma vez que, recorde-se, têm tal característica de origem -, mantendo assim exatamente o mesmo que havia proposto no primeiro procedimento, alterou o preço proposto neste segundo procedimento em quase 10 mil euros.
A recorrente concluiu, assim, que a douta sentença recorrida comete erro de julgamento, também quanto à invalidade apontada à decisão de aprovação das peças, ao considerar que «o novo procedimento não “conduz(iu) a uma limitação desproporcionada, injustificada e/ou desigual”, assim como não exigiu uma característica “que apenas pode ser concedida pela contrainteressada”», julgando improcedente, também assim, o pedido formulado na al. d) do petitório.
Mas não lhe assiste razão.
Ora, está provado que pelo despacho do Presidente da Câmara de Viana do Alentejo, de 2025.02.13, foi iniciado um novo procedimento de "consulta prévia com convite a três entidades para aluguer e assistência técnica e fornecimento de consumíveis para equipamentos multifunções para cópias e impressão", tendo a recorrida elaborado o respetivo caderno de encargos, assim como as “Condições e Especificações Técnicas”, anexas ao mesmo, das quais constam as «Características mínimas dos equipamentos novos a instalar em regime de "renting"», prevendo-se como “características mínimas” do equipamento A3, designadamente, quanto a “Velocidade Cores A4 (ppm)” e “Velocidade a preto A4 (ppm)” que deveria ser de “25 ppm ou superior”, na função impressão. Eliminando-se a característica “Resolução (DPI)” 1200x1200, na função impressão.
Na sequência de um pedido de esclarecimentos da ora recorrente o júri prestou os seguintes esclarecimentos:
3. Especificamente quanto ao "Equipamento A3 Cor" é imposto que o mesmo tenha uma "Função de Impressão" que permita a "Velocidade Cores A4 (ppm)" de 25 ppm ou superior.
4. É igualmente exigido que esse mesmo "Equipamento A3 Cor" permita suportar uma "Gramagem de Papel" de 250g/m2.
Pergunta:
Posto isto, poderá o júri do Procedimento esclarecer se tais características devem ser cumpridas em simultâneo, coexistindo?
Resposta:
Exige-se que os equipamentos disponibilizados ao município sejam Novos.
Aos equipamentos A3 a cor é imposto que os mesmos tenham uma "Função de Impressão" que permita a Velocidade Cores A4 de 25 ppm ou superior em gramagem típica de office (70 gm2 a 90gm2).
Exige-se que todos os equipamentos indicados respeitem a gramagem indicada não considerando para as gramagens altas a velocidade indicada de 25ppm. Pode ser inferior.
Assim, devem estes esclarecimentos ser imediatamente notificados a todas as entidades convidadas e ser juntos às respetivas Peças do Procedimento” – cfr. facto provado n.º 21.
As três entidades convidadas apresentaram proposta, tendo sido admitidas todas as propostas apresentadas e ordenadas – cfr. facto provado n.º 22.
A recorrente imputou erro de julgamento à sentença recorrida, sem que indique uma qualquer norma jurídica que tenha sido violada. Na verdade, limitou-se a reeditar os fundamentos que invocou em sede de petição inicial quanto a este pedido e que o Tribunal a quo de forma fundamentada quer de facto quer de direito julgou improcedente, não merecendo a decisão recorrida a censura que lhe dirige a recorrente, como se verifica pelo seguinte excerto da sentença recorrida que se transcreve:
“é manifesto que, no âmbito do novo procedimento de Consulta Prévia, e atendendo ao teor das respectivas peças de procedimento (v. pontos 16. a 19. dos FPs; cfr. art. 40°/1/b) do CCP), não foram criados ou desenvolvidos quaisquer “requisitos de acesso ao procedimento em termos tais que conduzam a uma limitação desproporcionada, injustificada e/ou desigual quanto ao mercado habilitado a aceder a esse procedimento" (v. supra Proc. 0498/22.6BELRA).
Desde logo, porque a mera comparação entre o teor das novas peças do procedimento com as peças inicialmente elaboradas, como procurou fazer a A., não indicia nem permite a inferência (e, muito menos, a conclusão) de que tenha sido atribuída alguma vantagem a qualquer outra entidade convidada, que não a A.
Com efeito, no que respeita à eliminação da característica "relativa à "Velocidade Cores A4 (ppm)" do "Equipamento A3 Cor", a A. limita-se a referir que a alteração introduzida "vem comprovar que, de facto, seria materialmente impossível que qualquer "Equipamento A3 Cor" imprimisse a uma velocidade de 25 ppm ou superior com uma resolução de 1200 x 1200 dpi".
Neste contexto, é claro que a Entidade Demandada pretendeu eliminar um requisito que, nos termos do anterior procedimento, tornava exigível a apresentação de propostas impossíveis.
Tal eliminação não poderia ser, em caso algum, evidenciadora de qualquer viciação da concorrência.
Pelo contrário, a alteração introduzida correspondeu ao cumprimento da necessidade de alteração dos aspectos fundamentais das peças do procedimento, nos termos do invocado art. 79°/1/c) do CCP, circunstância que havia determinado a extinção do procedimento anterior, pelo que é indiscutível a sua utilidade neste contexto.
Daí que, em bom rigor, a alteração introduzida tenha favorecido a concorrência, respeitando a não discriminação e a transparência, na medida em que criou condições de igualdade perante todas as entidades convidadas, ao mesmo tempo que eliminou as anteriores dúvidas interpretativas que haviam sido suscitadas pela própria A..
Por outro lado, não é verdade que Entidade Demandada não tenha feito qualquer alteração à característica da gramagem, em função da respectiva velocidade, pois resulta expressamente das "Características mínimas dos equipamentos novos a instalar em regime de «renting»" anexas ao Caderno de Encargos (v. pontos 17. e 18. dos FPs) que, relativamente ao "Equipamento A3 cor", sob o separador "Função Impressão", a velocidade mínima exigida de "25ppm ou superior" diz agora respeito a "papel 80g m2".
Aliás, tal resultou expressamente do esclarecimento prestado pelo Júri na "Ata sobre o pedido de esclarecimentos relativamente à Consulta Prévia a três entidades para adjudicação de Aluguer e Assistência Técnica e fornecimento de consumíveis para equipamentos multifunções para cópias e impressão" (v. ponto 21. dos FPs), que referiu o seguinte:
(…)
No que respeita à exigência da função "dual scan", agora introduzida, também é certo que a mesma não gerou qualquer violação da concorrência.
Desde logo, porque a A. (tal como os demais convidados) apresentou proposta no âmbito desse novo procedimento, mostrando-se a mesma adequada às novas funcionalidades exigidas, tanto mais que a mesma não foi excluída, constatando o Júri que "todas as Propostas contêm toda a informação sobre as características e os modelos dos equipamentos novos a instalar e as mesmas respeitam as exigências do Caderno de Encargos" (v. ponto 22. dos FPs).
Ou seja, o novo procedimento não "conduz(iu) a uma limitação desproporcionada, injustificada e/ou desigual", assim como não exigiu uma característica "que apenas pode ser concedida pela contrainteressada" (v. Proc. 0498/22.6BELRA, www.dgsi.pt).
Finalmente, o facto de já ser conhecido o preço apresentado pelas entidades convidadas no âmbito do novo procedimento também não foi susceptível de violar injustificadamente a concorrência, já que, em boa verdade, todas as entidades ficaram a conhecer os preços apresentados pelas suas respectivas co-convidadas no antigo procedimento, e não apenas o preço da A.
Neste aspecto, verificou-se ainda que todas as entidades convidadas - e não apenas a A. -, adequaram o preço apresentado no âmbito do novo procedimento de consulta prévia, face às novas características exigidas, o que reforça a evidência de que não foi atribuída qualquer vantagem a qualquer convidada, em detrimento da proposta anterior da A.
No mais, e mesmo que hipoteticamente se viesse concluir, como procurou fazer a A., que o conhecimento do preço no anterior procedimento pudesse vir a criar alguma vantagem comparativa, em termos que permitisse uma desvirtuação das regras da concorrência, então sempre impunha considerar que a A. também beneficiou desse conhecimento.
Lembrando que a A. referiu que "os equipamentos propostos pela concorrente J…, Lda. têm a funcionalidade "dual scan" de origem, ao contrário dos da Autora", é certo que, conhecedora desse facto, bem como do preço por esta apresentado, a A. logrou apresentar uma proposta com o preço de € 54.500,04 + IVA, ou seja, ligeiramente inferior ao preço proposto pela Contrainteressada J…, LDA. no extinto procedimento, de € 57.195,72 + IVA. (v. pontos 6. e 22. dos FPs).
Daí que se imponha concluir que as alterações às peças do procedimento constantes da nova Consulta Prévia, ao terem (i) adequado as características mínimas exigidas de modo a eliminar anteriores ambiguidades e (ii) introduzido requisitos que todas as entidades convidadas lograram cumprir, incluindo a A., não incorreram em qualquer violação injustificada da concorrência, improcedendo, também neste ponto, o alegado e peticionado pela A.”.
Como se provou a entidade recorrida elaborou as novas Especificações Técnicas das quais constam as «Características mínimas dos equipamentos novos a instalar em regime de "renting"», prevendo-se como “características mínimas” do “Equipamento A3 cor”, designadamente, quanto a “Velocidade Cores A4 (ppm)” e “Velocidade a preto A4 (ppm)” que deveria ser de “25 ppm ou superior”, na função impressão. Eliminando-se a característica “Resolução (DPI)” 1200x1200, na função impressão. Assim como alterou a gramagem do papel estabelecendo-se que “Aos equipamentos A3 a cor é imposto que os mesmos tenham uma "Função de Impressão" que permita a Velocidade Cores A4 de 25 ppm ou superior em gramagem típica de office (70 gm2 a 90gm2).” Exigindo-se que “todos os equipamentos indicados respeitem a gramagem indicada não considerando para as gramagens altas a velocidade indicada de 25ppm. Pode ser inferior.”, não assistindo razão à recorrente quando defende que no novo procedimento se manteve “exatamente a mesma estrutura indicativa de características técnicas, omissa quanto ao modo como as mesmas deverão operar”. Com esta alteração a entidade recorrida teve em vista conformar as peças do novo procedimento com as razões que determinaram a extinção do anterior procedimento, visando eliminar um requisito que só permitia apresentar propostas impossíveis de concretizar, como supra se concluiu. Sendo que quanto ao modo de operar não subsistem dúvidas que o mesmo terá de ser simultâneo e concomitante, ou cumulativo, como ficou clarificado já no anterior procedimento, com a ressalva acima enunciada para as gramagens altas. Interpretação que não oferece dúvidas, dado que a metodologia ou forma de redação deste ponto não sofreu alteração no novo procedimento.
No que respeita à função digitalização e característica “Dual scan” nas tipologias de “Equipamento A4 Cor” e “Equipamento A3 Cor”, ainda que não se relacione com os motivos que levaram à extinção do primeiro procedimento é justificada pela entidade demandada pela satisfação do interesse público decorrente de estar numa fase de digitalização de processos e procedimentos, sendo tal acessório uma ferramenta imprescindível para, designadamente, tornar o processo mais célere e eficiente e com melhor qualidade, o que se insere no âmbito da discricionariedade administrativa que possuem as entidades adjudicantes na fixação das especificações técnicas que melhor se adequam à satisfação das necessidades e interesse público que visam prosseguir.
Sucede que não está demonstrado que com a introdução desta característica nos dois referidos equipamentos tenha corrido uma distorção injustificada da concorrência, que beneficia diretamente a Contrainteressada J…, Lda.”, dado que esta não é a única entidade capaz de fornecer os equipamentos com esta funcionalidade “dual scan”, independentemente da mesma ser de origem ou não.
Refira-se, ainda, que a abertura de novo procedimento em conformidade com a previsão do artigo 79.º, n.º 3, do CCP, não podia deixar de ter como consequência necessária que os concorrentes convidados no novo procedimento tivessem conhecimento recíproco dos equipamentos e respetivos preços propostos no anterior procedimento, no entanto, esta circunstância não permite concluir que a Contrainteressada beneficiou deste conhecimento “garantindo assim a apresentação de um preço substancialmente inferior ao que a autora havia proposto no primeiro procedimento de Consulta Prévia”, pois todos os concorrentes conheciam, igualmente, as propostas uns dos outros.
Em face de todo o exposto conclui-se que a sentença recorrida, também, não incorreu em erro de julgamento por não ter considerado verificada a alegada invalidade da decisão de aprovação das peças, ao considerar que «o novo procedimento não “conduz(iu) a uma limitação desproporcionada, injustificada e/ou desigual”, assim como não exigiu uma característica “que apenas pode ser concedida pela contrainteressada”», julgando improcedente, também assim, o pedido formulado na al. d) do petitório.
Termos em que com este fundamento, também, não pode proceder o presente recurso.
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Em face do exposto, deve ser negado provimento ao recurso e confirmada a sentença recorrida.
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As custas serão suportadas pela recorrente – cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC e artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2, todos do Regulamento das Custas Processuais.
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IV. Decisão:
Pelo exposto, acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Subsecção de Contratos Públicos, da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 25 de setembro de 2025.

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(Helena Telo Afonso – relatora)

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(Paula Cristina Oliveira Lopes de Ferreirinha Loureiro – 1.ª adjunta)

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(Ana Carla Teles Duarte Palma – 2.ª adjunta)