Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:584/12.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:06/05/2025
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:IVA
PRINCÍPIO DA NEUTRALIDADE
FALTA DE IDENTIFICAÇÃO DO NIF
REQUISITOS FORMAIS
Sumário:I-O direito à dedução do imposto é visto como um princípio fundamental do sistema comum do IVA que não pode, em princípio, ser limitado e que é exercido imediatamente para a totalidade dos impostos que oneraram as operações efetuadas a montante.

II-As condições de dedução/reembolso do imposto suportado não podem ofender o princípio da neutralidade do sistema do imposto, e os meios implementados com vista a obviar à fraude e evasão fiscais, devem restringir-se ao estritamente necessário.

III-O referido em II), implica que a dedução do imposto pago a montante seja concedida se os requisitos substanciais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado determinados requisitos formais.

IV-As exigências formais que a lei impõe às faturas não podem ser entendidas como um fim em si mesmo, na medida em que a sua ratio está concatenada com as finalidades de controlo do pagamento do imposto e do controlo da fraude e evasão fiscal.

V- Na fusão por incorporação, há uma continuação da personalidade jurídica da sociedade fundida na sociedade nova.

VI-Não tendo sido posta em causa a substancialidade da operação, ou seja, nunca tendo sido contestado e assumido como assente que as operações foram realizadas, pagas e declaradas tal implica que não pode ser recusado o direito ao reembolso do IVA suportado, apenas por requisitos formais.

Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (doravante Recorrente), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial tendo por objeto a decisão de indeferimento do recurso hierárquico interposto contra o pedido de reembolso de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) nº ………………….080, no valor de € 331.895,60.

A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

“A. Visa o presente recurso reagir contra a douta Sentença que julgou totalmente procedente a impugnação judicial deduzida por T................... C..............., concluindo pela anulação da decisão que recaiu sobre o recurso hierárquico, devendo a Impugnante ser reembolsada do valor peticionado, no montante de € 331.895,60, referente ao pedido de reembolso de IVA n.º………….080.

B. O Ilustre Tribunal a quo, partindo de uma resenha sobre as regras e normativos do IVA, e ancorando-se em determinada doutrina (Prof. Ferrer Correia, José Tavares) e jurisprudência (Acórdão do STA de 07/10/2015, proc.01455/12; Acórdãos do TJUE proferido no proc. C-101/16 e proc. C-332/15, proc.C271/12, proc.C-80/11), assentou a fundamentação da sentença ora recorrida, essencialmente, no entendimento de que o incumprimento de algumas formalidades sobre as faturas e notas de crédito, não contende com a verificação das exigências materiais, nem incide nas formalidades instituídas para evitar a fraude, encontrando-se verificado todas as exigências materiais, que o indeferimento afronta o Direito nacional e comunitário, dado que a A.T. não poderia ter concluído que as notas de crédito e faturas substitutivas foram emitidas por uma entidade diferente da entidade que emitiu as faturas primeiramente apresentadas a reembolso,

C. Assim, considerando que uma das irregularidades formais se encontra sanada (anulação e substituição das faturas primeiramente apresentadas, por substituição das mesmas) e que a outra irregularidade formal (a manutenção, em simultâneo, pela entidade emitente da fatura de formas de exercício de actividade para efeitos de IVA) não é de acolher, pois não legitima a conclusão de que as primeiras faturas e as notas de crédito e as faturas substitutivas foram emitidas por entidades diferentes.

D. Vindo a entender que a decisão impugnada está ferida de erro quanto aos pressupostos, consubstanciando em vício de violação lei, pelo que a decisão de indeferimento do recurso hierárquico não se pode manter, decidindo anular a decisão e conceder o direito ao reembolso.

E. Com a ressalva do sempre devido respeito, que é muito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, porquanto, atendendo aos elementos probatórios que integram o Processo Administrativo e ao articulado de contestação apresentado nos autos, deveria resultar diferente julgamento da matéria de facto, como também, na apreciação dos demais factos relevantes, promoveu o douto Tribunal a quo uma errónea aplicação do direito a estes mesmos factos, anulando assim um ato tributário que se afigura são para permanecer no ordenamento jurídico.

F. Ab initio importa atentar que as faturas iniciais apresentadas pela Impugnante não continham NIF, pelo que não era possível saber quem era o fornecedor das faturas, exceto pela empresa e sede social.

G. As notas de crédito não foram emitidas sob a forma legal na medida em que delas não consta o NIF da entidade emitente, não era possível concluir, de forma inequívoca, que a entidade que as emite é a mesma que emitiu as respetivas faturas que se pretende anular.

H. Sucede que, a sociedade B………. S………….. D…………… Gmbh cessou a atividade para efeitos de IVA a 2010-01-06, pelo que as referidas notas de crédito n.º4444059 e 4444060, e as faturas n.º444470 e 4444071, por esta sociedade emitidas, não podiam ser tidas em consideração, porquanto, a data de emissão é posterior à data da cessação.

I. Importa também atentar que a sociedade B………. S………….. D……………..Gmbh e a sociedade S…………… e………….. GmbH Sucursal eram sociedades distintas, tendo inclusive exercido atividade em simultâneo entre 2009-02-01 e 2010-01-06.

J. Logo, as notas de crédito e as faturas juntas, foi atentado que não se podiam consideradas, designadamente, por divergências entre a data de emissão e a data de cessação de atividade das sociedades, por divergências com a identidade dos sujeitos emissores da fatura.

K. Porque não se pode aceitar as novas facturas e as notas de crédito (objeto de retificação), uma vez que, por uma questão de credibilidade e segurança as facturas e notas de crédito só podem ser emitidas uma vez, não sendo possível corrigir originais com a emissão de documento igual com a mesma numeração, há que anular as faturas , por via de notas de crédito, e substituir mediante a emissão de novas faturas com numeração diferente da original.

L. Considerando que existem duas faturas com o número n.º4444070 de 2010-12-21 com distintos NIFs da entidade emitente, …………….2 e ………………1, verifica-se um total desrespeito, pela regra basilar de que a emissão de faturas ou documento equivalente, deve ser sequencial, não sendo de admitir no mesmo ano civil duas ou mais faturas/notas de crédito com o mesmo número sequencial, mesmo que as segundas faturas se destinem a substituir as primeiras corrigindo elementos em falta das mesmas, nos termos do art.45. do CIVA, art.5.º do D.L. n.º198/90 de 19 de junho, art.2.º n.º2 al.b), art.5 e art.8.º n.º2 do D.L. n.º147/2003 de 11 de Julho.

M. As faturas que inicialmente foram emitidas sem forma legal, o modo correto de as corrigir será a de o fornecedor dos bens ou prestador de serviços emitir nova fatura ou documento equivalente, anulando a anteriormente emitida, devendo o novo documento possuir todos os elementos constantes do anterior, nomeadamente a liquidação do imposto à taxa aplicável no momento em que o mesmo se tornou exigível, assim como, devendo ainda o novo documento identificar equivocadamente o documento primitivo, através da indicação do respetivo número e data de emissão, podendo, inclusivamente, fazer menção à razão pela qual foi emitido.

N. Por outro lado, quanto à divergência das datas de cessação e início de atividade das sociedades B…………S……… D……………. Gmbh e S…………….. e…………….. GmbH Sucursal, o art.32.º do CIVA, determina que sempre que se verifiquem alterações de qualquer dos elementos constantes da declaração relativa ao início da atividade, deve o sujeito passivo entregar a respetiva declaração de alterações.

O. Por sua vez, quanto à fundamentação em torno da fusão, independentemente deste facto, reitera-se a coexistência das duas sociedades, pelo que argumentação apresentada, sem mais, deixa de fazer qualquer sentido, face a existência das duas sociedades em simultâneo. Mais ainda, eleva-se que, o princípio da verdade material ou real está assegurado, face da Autoridade Tributária assentar a sua decisão com base nos factos que se apresentam entre 2009.10.01 e 2010.01.6, com a existência das duas sociedades em simultâneo, decorrendo este entendimento da regra da aceitação da correção de faturas através da emissão de notas de crédito e emissão de novas faturas, e não aceitar ser possível, como pretendeu a Impugnante e aceita o Tribunal a quo, que as faturas iniciais possam ser substituídas por notas de crédito e novas faturas emitidas por outra entidade que não a que emitiu a fatura inicial.

Q. Portanto, não estamos perante meros formalismos formais, como concluiu o Tribunal a quo, mas sim formalismos essenciais em sede de faturação, em que a sua não observação, impede o preenchimento dos pressupostos legais, designadamente, em sede de pedido de reembolso, e nessa consonância, jamais se poderá aceitar que as notas de crédito e as novas faturas remetidas pela Impugnante como segundas vias das anteriormente apresentadas, conjuntamente com o pedido de reembolso n.º …………….80,no valor de €331.895,60.

R. Por todo o exposto, podemos concluir que o Douto Tribunal a quo, ao decidir como efectivamente o fez, estribou o seu entendimento numa inadequada valoração da matéria factual e jurídica relevante para a boa decisão da causa, tendo violado o disposto nas supra mencionadas disposições legais, mormente os artigos 36.º e 45.º do CIVA, o art.5.º do D.L. n.º198/90 de 19 de junho, art.2 n.º2 al.b), art. 5.º e art.8.º n.º2 do D.L. 147/2003 de 11 de Julho. Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida assim se fazendo a devida e acostumada JUSTIÇA!”


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A Recorrida devidamente notificada optou por não apresentar contra-alegações.

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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul teve vista ao abrigo do artigo 146.º do CPTA.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

Compulsados os autos e analisada a prova documental apresentada, encontram-se assentes, por provados, os seguintes factos com interesse para a decisão:

1. A impugnante possui sede nos Estados Unidos da América, sem estabelecimento em território nacional e sem estabelecimento na União Europeia – facto não controvertido;

2. Em 17/05/2010, a impugnante, apresentou junto dos serviços da Autoridade Tributária um pedido de reembolso de IVA do exercício de 2010, no valor de € 331.895,60 “ao abrigo do regime do Decreto-Lei n.º 186/2009, de 12 de Agosto”, referente às faturas nºs ……………. de 05/03/2009, nº ……………. de 30/06/2009, nº …………… de 02/10/2009 e nº …….. de 30/09/2008, que lhe foram emitidas e cobradas pela sociedade B…………. S……………. GmbH de O……….. –Alemanha e pela S……….. e………… GmbH Sucursal em Portugal, pelos serviços por estas prestados em Portugal - cfr. fls. não numeradas do processo instrutor em apenso aos autos;

3. Por ofício nº G44525 de 12/07/2010, no âmbito do procedimento para a atribuição do reembolso com nº .………….080, foi a ora Impugnante notificada para exercer o direito de audição prévia, com a informação de que se encontravam em falta o certificado comprovativo de sujeição da Impugnante a imposto geral sobre o volume de negócios e a nomeação de representante residente em território português – cfr. fls. não numeradas do processo instrutor em apenso aos autos;

4. Em 13/09/2010, a ora Impugnante juntou ao procedimento de reembolso, certificado de que no Estado de residência estava sujeita a imposto geral sobre o volume de negócios e documento comprovativo da nomeação do representante residente em território português – cfr. fls. não numeradas do processo instrutor em apenso aos autos;

5. Em 18/10/2010, através do ofício nº G62900 da Direção de Serviços de Reembolsos foi remetida à Impugnante notificação para efeitos do exercício de audição prévia relativo ao pedido de reembolso, apresentando o projeto de decisão o sentido de indeferimento do pedido por inconformidade das faturas com o disposto no art. 36º do CIVA- cfr. fls. não numeradas do processo instrutor em apenso aos autos;

6. A, ora impugnante não exerceu o direito de audição prévia, e os serviços da A.T. convolaram em definitivo o projeto de decisão, referido no ponto anterior - cfr. fls. não numeradas do processo instrutor em apenso aos autos;

7. Através do ofício nº G71543, de 16/11/2010, foi remetida à ora impugnante, “Notificação Final relativa ao sujeito passivo –T................... C............... – Pedido nº .………..80, de 2010/05/17 de € 331.895,60...” no sentido do indeferimento total do pedido – cfr. Doc. 4 junto pela A.T. aos autos, a fls. 73 e 74 dos autos;

8. Em 04/01/2011, a ora Impugnante apresentou reclamação graciosa – cfr. Doc. 6, a fls. 75 a 80 dos autos;

9. Com a reclamação graciosa foram juntas, pela ora impugnante, as faturas inicialmente emitidas, as notas de crédito que anulam essas faturas iniciais e novas faturas que substituem aquelas, como a seguir se identificam:

« Quadro no original»

10-Por despacho de 07/03/2011, a reclamação graciosa obteve projeto de indeferimento, exarada na informação nº 130/2011, a qual em conclusão referiu: “ (...) As faturas iniciais não contêm o NIF, pelo que não é possível saber quem foi o fornecedor das mesmas excepto pela firma e sede social. Assim, presumimos que as faturas nºs. ……….., ……… e ………, foram emitidas pela B….. S…………. GmbH de O………..–Alemanha e a fatura ….. pela S…….. e………….. GmbH Sucursal em Portugal, de Lisboa. As referidas facturas foram anuladas pelas notas de crédito …………e ……… emitidas pela B………… S………… D…………GmbH e pelas notas de crédito ………….. e ……… emitidas pela S……… e………… GmbH Sucursal em Portugal. Estas notas de crédito não foram emitidas sob a forma legal dado que não contem o NIF- art. 36º do CIVA. Assim não estando as notas de credito emitidas sob a forma legal na medida em que delas não consta o NIF da entidade emitente, não é possível concluir de forma inequívoca que a entidade que as emite é a mesma que emitiu as respetivas faturas que se pretende anular. Mais será de realçar que as faturas nºs ………. e ……. foram emitidas pela empresa S………. e…………… GmbH Sucursal em Portugal, com o NIF ………. e as faturas nº …………… e ………. foram pela B…….. S………….. D………….. GmbH, com o NIF ……….. Ora, a empresa B………. S…………D………… GmbH cessou a atividade para efeitos de IVA em 06/01/2010, pelo que as notas de crédito (………… e 4……………) e as facturas (………… e …………) por ela emitidas não devem ser levadas em consideração uma vez que a data de emissão é posterior à data de cessão. A factura ……….., emitida pela B……… S…….. GmbH de O……….–Alemanha, só por esta empresa poderia ser anulada, contudo foi anulada pela nota de credito nº ………….e sustituida pela factura ……………, ambas emitidas pela S…………. e……………..GmbH Sucursal em Portugal, pelo que deverá ser desconsiderada. Acresce que a data que consta na nota de crédito como data da factura ….., não corresponde à data de emissão da mesma.” - cfr. fls. 68 a 72 dos autos;

11. Em 31/03/2011, a ora impugnante, exerce o direito de audição prévia juntando a tradução de alguns documentos e notas de crédito, bem como faturas retificadas com números de identificação fiscal – facto não controvertido;

12. Em 24/06/2011, por despacho da Diretora de Serviços de Reembolsos, a reclamação é indeferida apresentando a seguinte fundamentação, após análise dos elementos carreados aos autos pela reclamante/ impugnante: “ (...)

« Texto no original»

(...)”- cfr. doc. 1 a fls. 59 a 64 dos autos;

13. Em 04/08/2011, é deduzido recurso hierárquico aí sendo peticionada a revogação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa – cfr. fls. 1 e ss. da ação administrativa de reembolso em apenso aos autos;

14. Por despacho do Subdirector da Área da Cobrança, de 14/10/2011, foi negado provimento ao recurso hierárquico - cfr. fls. 98 e ss. da ação administrativa de reembolso em apenso aos autos;

15. Em 22/12/2008 foi reconhecido notarialmente o contrato de fusão entre as sociedades “B……..-S………. D…….. Gmbh” e “S…… e……….. GmbH – empresa do grupo e………..” – cfr. fls. não numeradas do processo instrutor em apenso aos autos;

16. Do contrato referido no ponto anterior, decorre que a sociedade “S…………. e…………GmbH – uma empresa do grupo e………..” foi absorvida pela sociedade “B…………..-S…….. D………..Gmbh”, ocupando as mesmas as posições contratuais de sociedade absorvida e sociedade absorvente, respetivamente – cfr. fls. não numeradas do processo instrutor em apenso aos autos;

17. Após a celebração do contrato referido no ponto 15 e 16, foi deliberada a alteração da denominação da sociedade “B……….S……….. D………. Gmbh” para “S………. e………. mbH – uma empresa do grupo e……………..” – cfr. fls. não numeradas do processo instrutor em apenso aos autos;

18. A deliberação referida no ponto anterior, foi reconhecida notarialmente em 22/12/2008- cfr. fls. não numeradas do processo instrutor em apenso aos autos;

19. Entre 10/04/2007 e 06/01/2010, a sociedade “B…………..-S………….D……….Gmbh” exerceu actividade em território português por meio de representação fiscal, sem estabelecimento estável, com número de IVA PT ……………, tendo cessado a atividade, para efeitos de IVA, em 06/01/2010 – cfr. fls. não numeradas do processo instrutor em apenso aos autos;

20. A sociedade “S…… e………. mbH – uma empresa do grupo e…………”, instituiu uma sucursal em Portugal, a “S……. e…………. mbH – sucursal em Portugal”, tendo esta iniciado a sua actividade em 01/10/2009, com o NIF ………….. – cfr. doc. 10 junto aos presentes autos a fls. 122 a 125 dos presentes autos.


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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

“Não existem factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados.”


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A decisão da motivação da matéria de facto assentou no seguinte:

“A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos não impugnados, juntos aos autos e expressamente referidos no probatório supra.”


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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a presente impugnação, anulando a decisão de indeferimento do recurso hierárquico, e condenando no reembolso dos valores peticionados.

Cumpre, desde já, relevar que em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto importa, assim, apreciar se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, na medida em que o incumprimento das formalidades legais, obstam ao reembolso do IVA, porquanto as faturas iniciais não contemplavam o Número de Identificação Fiscal (NIF), e bem assim porque as faturas e as notas de crédito ulteriormente apresentadas contêm irregularidades substanciais que não podem per se serem ultrapassadas.

Vejamos, então.

De relevar, ab initio, que a Recorrente não impugna a matéria de facto ao abrigo dos requisitos consignados no artigo 640.º do CPC, nada requerendo em termos de aditamento ou supressão do probatório, em nada podendo consubstanciar impugnação da matéria de facto a alegação genérica e não substanciada constante em E).

Face ao exposto, encontrando-se devidamente estabilizada a matéria de facto, importa, então, apreciar do erro de julgamento quanto ao sentenciado deferimento do pedido de reembolso.

Alega a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que descurou que as faturas iniciais apresentadas pela Impugnante não continham NIF, pelo que não era possível saber quem era o fornecedor das faturas, exceto pela empresa e sede social.

Mais advoga que, as notas de crédito não foram emitidas sob a forma legal na medida em que delas não consta o NIF da entidade emitente, não era possível concluir, de forma inequívoca, que a entidade que as emite é a mesma que emitiu as respetivas faturas que se pretende anular.

Sufraga ainda que, a sociedade B……….. S…………. D……………Gmbh cessou a atividade para efeitos de IVA a 06 de janeiro de 2010, pelo que as referidas notas de crédito n.º…………..e …………, e as faturas n.º………… e ………., por esta sociedade emitidas, não podiam ser tidas em consideração, porquanto, a data de emissão é posterior à data da cessação.

Adensando, adicionalmente, que a sociedade B……….. S…………. D……………Gmbh e a sociedade S…… e……….. GmbH Sucursal eram sociedades distintas, tendo inclusive exercido atividade em simultâneo entre 01 de fevereiro de 2009 e 06 de janeiro de 2010.

Enfatizando, ainda, que foi preterida a regra basilar de que a emissão de faturas ou documento equivalente, deve ser sequencial, não sendo, assim, de admitir no mesmo ano civil duas ou mais faturas/notas de crédito com o mesmo número sequencial.

Para daí concluir que, inversamente ao ajuizado pelo Tribunal a quo não estamos perante meros formalismos, mas sim predicados essenciais em sede de faturação, cuja inobservância impede o preenchimento dos pressupostos legais, designadamente, em sede de pedido de reembolso.

Ora vejamos.

Comecemos, então, por ter presente o quadro normativo e tecer os considerados que relevam para o caso vertente.

In casu, cumpre, desde logo, ter presente a Diretiva IVA e a 13.ª Diretiva IVA (Diretiva 86/560/CEE), objeto da competente transposição para o ordenamento jurídico português, concretamente através do CIVA e do Decreto-Lei n.º 186/2009, de 12 de agosto, cujos normativos de relevo iremos chamar à colação infra.

Ab initio, importa evidenciar que o IVA sendo um imposto de matriz comunitária(1), e plurifásico, assenta numa estrutura de entrega e respetiva dedução, pelos vários intervenientes na cadeia, até ao consumidor final, que o suporta, sem o poder deduzir, razão pela qual o direito à dedução é um elemento essencial do funcionamento do imposto, a “trave-mestra do sistema do imposto sobre o valor acrescentado” (2), designada como método da dedução do imposto, método do crédito de imposto, método subtrativo indireto ou ainda método das faturas, de acordo com o qual o sujeito passivo deduz, ao imposto liquidado nos seus outputs, o imposto liquidado nos respetivos inputs.

Por conseguinte, deve garantir a neutralidade, a qual configura a característica nuclear do imposto, constituindo o equivalente, em matéria de IVA, do princípio da igualdade de tratamento(3).

Daí que o direito à dedução/reembolso do IVA suportado seja visto como um princípio fundamental do sistema comum do IVA que não pode, em princípio, ser limitado e que é exercido imediatamente para a totalidade dos impostos que oneraram as operações efetuadas a montante(4).

O regime de deduções visa, assim, desonerar inteiramente o empresário do encargo do IVA devido ou pago no quadro de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, assim, a perfeita neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, independentemente dos respetivos fins ou resultados, desde que essas atividades estejam, em princípio, elas próprias sujeitas a IVA(5).

O direito à dedução do IVA está, porém, sujeito ao cumprimento de requisitos de cariz substantiva e formal (Paper Consult, C 101/16).

No concernente aos requisitos substantivos, para usar do direito à dedução, é necessário, por um lado, que o interessado seja um sujeito passivo, na aceção da diretiva, e, por outro lado, que os bens ou serviços invocados para fundamentar o direito à dedução do IVA sejam utilizados a jusante pelo sujeito passivo para os fins das suas próprias operações tributadas e que, a montante, esses bens sejam entregues ou esses serviços sejam prestados por outro sujeito passivo ( artigo 168.º da Diretiva IVA; vide neste sentido, Senatex, C 518/14, e jurisprudência aí citada, Paper Consult, C 101/16).

Por seu turno, quanto às modalidades de exercício do direito à dedução do IVA, donde aos requisitos ou condições de natureza formal, o 178.º, alínea a), da Diretiva IVA preceitua que o sujeito passivo deve possuir uma fatura emitida em conformidade com o regulado nos artigos 220.º a 236.º, 238.º, 239.º e 240.º dessa mesma Diretiva.

Dir-se-á, portanto, que para o direito à dedução do IVA pago a montante seja reconhecido ao sujeito passivo é necessário que exista uma relação direta e imediata entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução. O direito à dedução do IVA que incidiu sobre a aquisição de bens ou serviços a montante pressupõe que as despesas efetuadas com a sua aquisição façam parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas a jusante com direito a dedução (6).

No concernente aos requisitos temporais, o mesmo reporta-se ao período em que é possível concretizar o direito à dedução do IVA, relevando, neste particular, o artigo 167.º da Diretiva IVA, que: “O direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível”.

Como evidenciado, tais disposições foram transpostas para a ordem jurídica interna, sendo, desde logo, de convocar o consignado no artigo 19.º, nº1, alínea a), do CIVA, o qual preceituava que para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzirão, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efetuaram, designadamente, o imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos.

Consignando, por seu turno, o artigo 20.º do CIVA, que:

“1 - Só poderá deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes:
a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas; (…)
2 - Não haverá, porém, direito à dedução do imposto respeitante a operações que dêem lugar aos pagamentos referidos na alínea c) do nº 6 do artigo 16º”.

Preceituando, por seu turno, o artigo 36.º, nº5 do CIVA, com a redação à data aplicável que:

“As faturas ou documentos equivalentes devem ser datados, numerados sequencialmente e conter os seguintes elementos:
a) Os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente, bem como os correspondentes números de identificação fiscal dos sujeitos passivos de imposto [...]”

No concreto particular de operadores económicos de outros países que não estejam estabelecidos no território nacional, os mesmos terão direito ao reembolso do imposto que suportaram em transmissões de bens e prestações de serviços aqui efetuados, sendo que as específicas formalidades para materialização desse reembolso encontravam-se, à data, reguladas no Decreto-Lei n.º 186/2009, de 12 de agosto, cujo artigo 19.º estabelecia o regime aplicável a sujeitos passivos estabelecidos fora da Comunidade, e do qual se extrata o seguinte:

“1 - O pedido de reembolso é apresentado na direção de serviços de reembolsos, em relação aos períodos e no prazo definidos no artigo 8.º, pelo representante do requerente, em requerimento de modelo aprovado, acompanhado dos seguintes documentos:
a) Originais das faturas e dos documentos de importação, passados na forma legal, comprovativos de que o IVA foi suportado;
b) Certificado, emitido pelo Estado onde se encontra estabelecido, comprovativo da sujeição do requerente a um imposto geral sobre o volume de negócios, bem como o reconhecimento, no país respetivo, do direito ao reembolso desse imposto por parte dos sujeitos passivos estabelecidos em Portugal.
2 - O reconhecimento referido na alínea b) do número anterior é dispensado quando existir um acordo de reciprocidade celebrado entre o Estado português e o Estado em causa.
3 - O certificado mencionado na alínea b) do n.º 1 é válido pelo período de um ano a contar da data de emissão.
4 - A Direcção-Geral dos Impostos apõe um visto em cada fatura ou documento de importação remetidos para efeitos do pedido de reembolso, restituindo-os ao requerente no prazo de um mês.
5 - O pedido de reembolso pode ainda ser efetuado por via eletrónica, acompanhado de relação, conforme modelo aprovado, da qual constem os elementos identificativos das faturas ou documentos de importação, referidos no n.º 2 do artigo 7.º
6 - Quando considerar não dispor de todas as informações pertinentes para apreciar o fundamento do pedido de reembolso, a Direcção-Geral dos Impostos pode solicitar quaisquer outras informações necessárias, incluindo, no caso de pedidos apresentados por via eletrónica, a apresentação dos originais dos documentos constantes da relação que acompanha o pedido.”

Ora, da interpretação conjugada dos normativos citados, resulta que caso o sujeito passivo adquira bens e serviços, terá direito à dedução do montante despendido a esse título, existindo lugar ao reembolso do imposto suportado por sujeitos passivos não estabelecidos no território nacional.

Visto o quadro normativo e tecidos os considerandos de direito reputados de relevo, atenhamo-nos, ora, na fundamentação jurídica que esteou a procedência da impugnação.

O Tribunal a quo, após convocar o quadro normativo e estabelecer as notas doutrinais e jurisprudenciais que entendeu relevantes evidencia, desde logo, in casu, “[n]ão se encontra controvertido que a Impugnante seja um sujeito passivo de IVA e que não se encontra estabelecida em território nacional. Assim como não se encontra controvertido que a Impugnante suportou efetivamente o montante de IVA cujo reembolso peticiona, nem que o mesmo não tenha sido entregue ao Estado português.”

Densificando, depois, que “[a] Autoridade Tributária fundamentou o indeferimento da reclamação graciosa e recurso hierárquico na circunstância de a entidade constante das notas de crédito, que anularam as faturas primeiramente apresentadas pela Impugnante e que empreende a substituição destas últimas, não ser a mesma que emitiu as faturas primeiramente apresentadas. E isto, ainda que a entidade que emitiu as primeiras faturas se tenha fundido com a entidade que emitiu as faturas substitutivas, pois considera que houve um período de tempo em que a entidade que emitiu as primeiras faturas e a entidade que emitiu as segundas faturas, desenvolveram, em simultâneo, atividade em Portugal para efeitos de IVA.”

Entendendo, no entanto, por reporte ao probatório dos autos e à figura jurídica da fusão por incorporação, e ao seu âmbito objetivo que o indeferimento da pretensão da Impugnante não poderia manter-se, porquanto “[n]ada obsta que a partir do momento da fusão a sociedade incorporante possa proceder em termos de crédito e débitos de imposto como se de uma única pessoa jurídica e tributária se tratasse, nem que não possa vir a emitir notas de crédito e faturas reportadas a operações de IVA em que participaram as empresas suas incorporantes, com vista ao direito efetivo à dedução do imposto (IVA).”

Adensando, depois, que “[c]onsiderando a factualidade subjacente nos autos, não se pode concluir, nos termos que já supra expusemos, que essas entidades sejam entidades diferentes, pois a sucursal aberta em Portugal é uma sucursal pertencente à sociedade “S……..e………….. mbH – uma empresa do grupo e…………..” cuja denominação era anteriormente a “B……….. S…………. D……………GMBH”. Tendo a agora denominada “S……….. euromicron mbH – uma empresa do grupo e………..” passado a atuar em Portugal por intermédio da sua sucursal “S……… e……………. Gmb – sucursal em Portugal”.”

Conclui, assim, que “[a]ssim, verificando-se in casu, por um lado, todas as exigências materiais para que o reembolso requerido pela Impugnante a ela lhe fosse concedido, e, por outro, que uma das irregularidades formais se considera sanada – a referente à anulação e substituição das facturas primeiramente apresentadas, precisamente pela substituição das mesmas – e que a outra irregularidade formal – a relativa à manutenção, em simultâneo, pela entidade emitente da factura de formas de exercício de actividade para efeitos de IVA – não é de acolher, pois não legitima a conclusão de que as primeiras faturas e as notas de crédito e as faturas substitutivas foram emitidas por entidades diferentes.”

E a verdade é que face ao probatório dos autos, e tendo presente, outrossim, que a materialidade das operações nunca foi posta em causa, como bem evidencia a decisão recorrida, e que as irregularidades constatadas foram, ademais, supridas, há que validar o entendimento propugnado na decisão recorrida.

Senão vejamos.

A Impugnante, ora Recorrida, tem sede nos EUA, e na sequência da emissão de faturas por serviços prestados em Portugal apresentou um pedido de reembolso de IVA, relativamente ao exercício de 2010, no valor total de € 331.895,60 “ao abrigo do regime do Decreto-Lei n.º 186/2009, de 12 de Agosto”, referente às faturas nºs ……. de 05/03/2009, nº ………… de 30/06/2009, nº……….. de 02/10/2009 e nº ………….de 30/09/2008, que lhe foram emitidas e cobradas pela sociedade B………… S…………GmbH de O……. –Alemanha e pela E………. S…………… GmbH Sucursal em Portugal.

Primeiramente, a Impugnante teve de suprir a falta de entrega do certificado comprovativo da sua sujeição a IVA, e a nomeação de representante residente em território português, tendo, no entanto, o visado pedido de reembolso sido objeto de ulterior indeferimento por incumprimento do artigo 36.º do CIVA, por falta de menção do NIF, nas faturas emitidas.

Não se conformando com esse indeferimento, apresentou reclamação graciosa, e tendente a suprir essas irregularidades, procedeu à junção das faturas inicialmente emitidas, das notas de crédito que anulam essas faturas iniciais e novas faturas que substituem aquelas.

No entanto, o mesmo foi, igualmente, objeto de indeferimento na medida em que:

· Quanto à identidade dos fornecedores B…… S…………… GMBH Gmbh, e a E………. S…………… GmbH não se tratam do mesmo sujeito passivo, até porque no período compreendido entre 01 de outubro de 2009 e 06 de janeiro de 2010, as duas entidades exerceram atividade em simultâneo.

· No concernente às notas de crédito/faturas ulteriormente juntas, constatou-se que a empresa B…………-S……….. D…………… gmbh, cessou a atividade para efeitos de IVA a 06 de janeiro de 2010, logo as notas de crédito não podem ser tidas em consideração.

· E no mesmo sentido, ajuizou quanto às faturas emitidas pela E………. S…………… GmbH em substituição das faturas emitidas em nome da B…………-S……….. D…………….

· Mais convocam a emissão de um documento com a mesma numeração do anterior;

Concluem, assim, no sentido do indeferimento da pretensão, e que “serão desconsideradas as notas de créditos e facturas juntas ao processo a 17-05-2011, pelo que subsistem as que constavam do processo.”

Ulteriormente é interposto recurso hierárquico, o qual mantém, na íntegra, o indeferimento da pretensão da Recorrida.

Ainda em termos de factualidade assente há que ter presente que a 22 de dezembro de 2008, foi outorgada a fusão entre B…………-S……….. D…………… Gmbh e E………. S…………… GmbH GmbH - empresa do grupo e………………, dela resultando que a sociedade E………. S…………… GmbH foi absorvida pela sociedade B…………-S……….. D…………… Gmbh, ocupando as mesmas as posições contratuais de sociedade absorvida e sociedade absorvente. Sendo ainda de relevar, neste contexto societário, que foi deliberada a alteração da denominação da sociedade B…………-S……….. D…………… Gmbh para S……… e………GmbH.

Sendo, ainda, de ressalvar que resulta plasmado no probatório que entre 10 de abril de 2007 e 06 de janeiro de 2010, a sociedade B…………-S……….. D…………… Gmbh exerceu atividade em território português por meio de representação fiscal, sem estabelecimento estável, tendo cessado a atividade, para efeitos de IVA, em 06 de janeiro de 2010.

E bem assim que a sociedade S……….. e………….. mbH, instituiu uma sucursal em Portugal, a S……… e…………. mbH- sucursal em Portugal, tendo esta iniciado a sua atividade em 01 de outubro de 2009.

Ora, face à realidade de facto supra expendida entende-se que nenhuma censura merece a decisão recorrida, na medida em que adotou uma postura toda ela compaginada e harmonizada com a Jurisprudência do TJUE, mormente, no cumprimento das formalidades no âmbito do IVA, mormente, o seu direito ao reembolso e com o próprio princípio da neutralidade.

De relevar, desde logo, que inversamente ao aduzido pela Recorrente do facto das faturas iniciais não contemplarem os respetivos NIFS não implicaria, sem mais, o indeferimento do reembolso.

E isto, desde logo, porque neste concreto particular, o TJUE tem declarado que as condições de reembolso, implementadas pelos Estados-Membros, não podem ofender o princípio da neutralidade do sistema do imposto, bem como que os meios implementados pelos Estados, com vista a obviar à fraude e evasão fiscais, sendo, portanto, de restringir ao estritamente necessário. E no domínio dos requisitos das faturas, realidade com a qual somos confrontados, in casu, o TJUE tendo vindo a entender que os requisitos formais não devem ser sobrevalorizados subvertendo a própria substância económica das operações e, naturalmente, da neutralidade.

No âmbito do processo Nidera, proferido no processo nº C-385/09, de 21 de outubro de 2010, é evidenciado, desde logo, que:

“A Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretada no sentido de que se opõe a que um sujeito passivo do imposto sobre o valor acrescentado que preenche os requisitos materiais para deduzir este imposto, de acordo com as disposições desta directiva, e que se regista como sujeito passivo do imposto sobre o valor acrescentado num prazo razoável a partir da realização das operações que conferem o direito a dedução possa ser privado da possibilidade de exercer esse direito por uma legislação nacional que proíbe a dedução do imposto sobre o valor acrescentado pago no momento da aquisição dos bens quando esse sujeito passivo não se tenha registado como sujeito passivo do imposto sobre o valor acrescentado antes de utilizar estes bens para efeitos da sua actividade tributada.” (destaques e sublinhados nossos).

Também no Acórdão Kopalnia proferido no processo nº C-280/10, de 1 de março de 2012, é, igualmente, evidenciado que:

“ [o] Tribunal de Justiça declarou que o princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução do imposto pago a montante seja concedida se os requisitos substanciais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais. Uma vez que a Administração Fiscal dispõe dos dados necessários para determinar que o sujeito passivo, enquanto destinatário das transações em causa, é devedor do IVA, não pode impor, no que diz respeito ao seu direito a dedução, requisitos adicionais que possam ter por efeito a inviabilização absoluta do exercício desse direito (v., no que respeita ao regime de autoliquidação, acórdão de 21 de outubro de 2010, Nidera Handelscompagnie, C-385/09, Colet., p. I-10385, n.o 42).” (destaques e sublinhados nossos).

Esclarece, outrossim, o Acórdão proferido no processo C-516/14, datado de 15 de setembro de 2016, que:

“O Tribunal de Justiça declarou que o princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução deste imposto pago a montante seja concedida se os requisitos materiais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais. Por conseguinte, quando a Administração Fiscal dispõe dos dados necessários para saber que os requisitos materiais foram cumpridos, não pode impor condições suplementares ao direito do sujeito passivo de dedução do imposto que possam ter por efeito eliminar esse direito (v., neste sentido, acórdãos de 21 de outubro de 2010, Nidera Handelscompagnie, C 385/09, EU:C:2010:627, n.° 42; de 1 de março de 2012, Kopalnia Odkrywkowa Polski Trawertyn P. Granatowicz, M. W¹siewicz, C 280/10, EU:C:2012:107, n.° 43; e de 9 de julho de 2015, Salomie e Oltean, C 183/14, EU:C:2015:454, n.os 58, 59 e jurisprudência aí referida).”

De convocar, igualmente, o teor do Aresto do TJUE, prolatado no âmbito do processo C-374/16, de 15 de novembro de 2017, no qual se evidencia, de forma clara, que:

“[a] posse de uma factura com as menções previstas no artigo 226.º dessa Directiva constitui um requisito formal do direito à dedução do IVA. Ora, a dedução do IVA pago a montante deve ser concedida se os requisitos substanciais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais (v., neste sentido, acórdão de 15 de Setembro de 2016, Senatex, C-518/14, EU:C:2016:691, n.º 38 e jurisprudência referida)”.

In fine, há, outrossim, que convocar o teor do Acórdão prolatado no âmbito do processo C-127/18, de 08 de maio de 2019, segundo o qual:

“O artigo 90.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê que o sujeito passivo não pode proceder à retificação do valor tributável do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) em caso de não pagamento total ou parcial, pelo seu devedor, de um montante devido a título de uma operação sujeita a este imposto, se o referido devedor já não for sujeito passivo para efeitos do IVA.”(destaques e sublinhados nossos).

E mais recentemente no processo nº C-335/19, de 15 de outubro de 2020, no âmbito do qual se declarou que:

“O artigo 90.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que subordina a redução do valor tributável do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) à condição de, no dia da entrega do bem ou da prestação de serviços e no dia anterior à apresentação da retificação da declaração de imposto destinada à obtenção dessa redução, o devedor estar registado como sujeito passivo de IVA e não ser objeto de um processo de insolvência ou de liquidação (…).”

O que significa, portanto, que as exigências formais que a lei impõe às faturas não podem ser entendidas como um fim em si mesmo, na medida em que a sua ratio está concatenada com as finalidades de controlo do pagamento do imposto e do controlo da fraude e evasão fiscal.

Dir-se-á, portanto, que o desiderato de tais exigências formais se coaduna por um lado, em identificar cabalmente a operação a que respeitam as faturas, e por outro lado, com a necessidade de um combate mais eficaz à fuga e fraude fiscais, não podendo, portanto, inviabilizar o direito à dedução/reembolso do imposto suportado, caso a substancialidade/materialidade da operação não seja sindicada e a AT esteja na posse de todos os elementos fundamentais da operação.

Logo, tal como sentenciado, e bem, pelo Tribunal a quo, não tendo sido posta em causa a substancialidade da operação, ou seja, nunca tendo sido contestado e assumido como assente que as operações foram realizadas, pagas e declaradas tal implica que não pode ser recusado o direito ao reembolso apenas por requisitos formais. De resto, há que sublinhar que a própria alegação constante em F), parte final, permite inferir o inverso, ou seja, de que face aos demais elementos não era, de todo, insuscetível de associação e mesmo indagação da entidade fornecedora.

Neste sentido, e em situação similar concatenada, justamente, com o reembolso do IVA, doutrinou o STA, no âmbito do processo nº 01383/11, de 02 de dezembro de 2020, no qual se sumariou o seguinte:

“A falta de indicação do número de contribuinte do adquirente do serviço na factura (sendo o adquirente não residente e sem estabelecimento estável em Portugal, que aqui não exerce actividade sujeita a imposto), mesmo que se considere exigível, tem de constituir um efectivo fundamento da recusa do direito ao reembolso (por da sua falta resultar uma dificuldade concreta ou impossibilidade de apurar a relação material que está na base do direito) e não um mero pretexto para aquela recusa.”

De convocar, outrossim, o sumário do Acórdão deste TCAS, prolatado no âmbito do processo nº 3/11, de 26 de setembro de 2024:

“Não tendo sido posta em causa a substancialidade da operação, ou seja, nunca tendo sido contestado e assumido como assente que as operações foram realizadas, pagas e declaradas tal implica que não pode ser recusado o direito ao reembolso do IVA suportado, apenas por requisitos formais, no caso concreto falta de indicação do NIF do adquirente na fatura.” [no mesmo sentido, vide Acórdão deste TCAS, prolatado no âmbito do processo nº 1993/12, de 02 de fevereiro de 2023].

Entendimento que se entende transponível para o caso sub judice mutatis mutandis.

Ademais, e sem embargo do exposto, há que ter presente que as aludidas irregularidades formais foram sanadas, e sem que possa lograr efeito útil para efeitos de inviabilização do direito ao reembolso, a falta de menção do NIF, nas notas de crédito -cujo entendimento supra exposto é inteiramente transponível e que se reproduz- e bem assim a alegada falta de identidade das pessoas jurídicas, ou a aduzida coexistência de duas sociedades, porquanto desconsidera premissas a montante, como visto, relacionadas com a fusão por incorporação.

E isto porque, conforme daremos nota infra, a interpretação que foi materializada pela AT relativamente à fusão por incorporação, não pode ter esse alcance, sendo demasiado restritiva, formal e descurando os próprios pressupostos atinentes à mesma.

Senão vejamos.

De harmonia com o consignado no n.º 1 do artigo 97.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), a fusão é um instituto pelo qual duas ou mais sociedades, ainda que de tipo diverso, se reúnem numa só, podendo revestir a modalidade de fusão por incorporação ou fusão por concentração.

Sendo que no caso que, ora, releva a fusão por incorporação deve ser entendida como a integração de uma ou várias sociedades noutra já existente, realizando-se mediante a transferência global do património de uma ou várias sociedades para outra e a atribuição aos sócios das sociedades incorporadas de partes, quotas ou ações da sociedade incorporante (cf. alínea a) do n.º 4 do artigo 97.º do CSC). Produzindo, por seu turno, efeitos com a efetivação do registo definitivo a que se refere o artigo 111.º do CSC.

Preceituando, ainda neste âmbito, o artigo 112.º do citado diploma legal que com a aludida fusão transmitem-se os seus direitos e obrigações para a sociedade incorporante ou a nova sociedade e os sócios das sociedades extintas tornam-se sócios da sociedade incorporante ou da nova sociedade.

No concreto particular da natureza jurídica da fusão, há que evidenciar que a mesma tem sido objeto de profusa discussão pela doutrina, existindo uma tese que se poderá intitular de mais tradicional, que entende existir um fenómeno de sucessão universal, que implica a extinção da personalidade jurídica das sociedades fundidas e a transmissão global do seu património.

Existindo, no entanto, uma perspetiva mais atual e dominante no sentido de que a mesma ser entendida como uma figura adjacente à transformação de sociedades, em que as sociedades fundidas integram a sua personalidade jurídica na nova sociedade ou na sociedade incorporante, reunindo-se nestas situações jurídicas de que aquelas eram titulares.

Logo, tal como evidenciado na decisão recorrida e que se secunda:

“[a] «fusão» entende-se como continuação da personalidade jurídica da sociedade fundida na sociedade nova se for por incorporação. Não há, assim, uma extinção propriamente dita, pois só se extingue nominalmente, continuando a sociedade anterior a existir integrada na sociedade nova, que continua a personalidade daquela integrada na sua. (…)

Tal como vem sendo defendido pela doutrina e pela jurisprudência, com a fusão a personalidade jurídica da sociedade incorporada não se extingue, ela continua a existir mas desta feita, integrada na sociedade incorporante. Isto é, no caso "sub judice", fusão por incorporação, a partir do momento em que a fusão se torna efetiva, a B…………. S…….. e a E………. S…………… GmbH, esta última incorporante, e por último a B……..-S…………. D…………… Gmbh, incorportante daquela, passam a ser uma só pessoa jurídica, sem que, simultaneamente tenham perdido as suas anteriores personalidades.”

Como doutrinado no Aresto do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo 7289/22.2T8PRT-A.P1, de 23 de março de 2023:

“A «fusão» entende-se como continuação da personalidade jurídica da sociedade fundida na sociedade nova se for por incorporação. Não há, assim, uma extinção propriamente dita, pois só se extingue nominalmente, continuando a sociedade anterior a existir integrada na sociedade nova, que continua a personalidade daquela integrada na sua. Há, assim, apenas, uma modificação que, em regra, não altera o complexo de direitos e deveres jurídicos que lhe corresponderá. Não há, pois, uma extinção de personalidade da sociedade anterior; a qual se prolonga na sociedade que a absorve (do Ac do TRP de 2.12.1982, Col. Jur., 1982/5° -223).”

Ora, tendo presente o supra exposto a verdade é que as alegadas disparidades atinentes à sanação, particularmente as alegações atinentes à falta de identidade das pessoas jurídicas, encontram-se inteiramente justificadas por via da aludida fusão.

Mais importa evidenciar que, carece do relevo que é expendido pela Recorrente o evidenciado quanto ao incumprimento declarativo, na medida em que nada tendo sido sindicado quanto à substância das operações não pode prevalecer com essa singela argumentação.

Note-se que, e seguindo o entendimento constante no já citado Acórdão Nidera, aplicável com as devidas adaptações, a circunstância de a fatura ter sido emitida, antes do registo e da identificação da referida sociedade para efeitos de IVA, em nome dos futuros sócios, e não em nome da própria sociedade, não pode excluir o direito à dedução quando houver identidade entre as pessoas que tiveram de pagar o IVA a montante e aquelas que constituem a sociedade em causa.

Sendo, igualmente, de ressalvar e adensar e apartando inclusivamente as alegações aduzidas, designadamente, em K) e L), que tal como se pronunciou o TJUE no processo C-368/09, PANNON GÉP CENTRUM, de 15 de julho de 2010:

“Os artigos 167.º, 178.º, alínea a), 220.º, n.º 1, e 226.º da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação ou a uma prática nacional por força da qual as autoridades nacionais recusam a um sujeito passivo o direito de deduzir do montante do IVA de que é devedor o montante do imposto devido ou pago pelos serviços que lhe foram prestados, pelo facto de a factura inicial, na sua posse no momento da dedução, mencionar uma data errada de conclusão da prestação de serviços e de não existir uma numeração contínua da factura rectificada ulteriormente e da nota de crédito que anulava a factura inicial, se os pressupostos materiais se encontram preenchidos e, antes da adopção da decisão da autoridade visada, o sujeito passivo lhe tiver fornecido uma factura rectificada, que indique a data exacta em que a referida prestação foi concluída, mesmo que não exista uma numeração contínua desta factura e da nota de crédito que anula a factura inicial.” (destaques e sublinhados nossos).

Acresce, outrossim, e tal evidenciado na decisão recorrida e sem que mereça qualquer censura que “[d]eve ter em consideração que a irregularidade detetada pela Autoridade Tributária em que assentou o indeferimento do reembolso requerido pela Impugnante é da exclusiva responsabilidade da entidade prestadora dos serviços, que não da Impugnante, de que é totalmente alheia a Impugnante. Isto é, o incumprimento quanto aos elementos em falta das faturas apresentadas a reembolso e as vicissitudes relativas às entidades emitentes das faturas e notas de crédito em causa nos presentes autos é da responsabilidade da entidade prestadora dos serviços, pois foi esta última quem emitiu as faturas com os elementos em falta.”

Note-se que o TJUE já se pronunciou a respeito da obrigação do sujeito passivo de se certificar do comportamento regular do seu parceiro comercial, tendo declarado que quando existem indícios que permitem suspeitar da existência de irregularidades ou de fraude, um operador prudente pode, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, ver-se obrigado a obter informações sobre outro operador a quem pretende adquirir bens ou serviços, para se certificar da fiabilidade desse operador.

Mas, a verdade é que a Autoridade Tributária não pode exigir, tout court, que o sujeito passivo que pretenda exercer o seu direito à dedução do IVA verifique a inexistência de irregularidades ou de fraude ao nível dos operadores a montante, porquanto tal ónus tem de encontrar-se circunscrito na sua esfera jurídica, podendo/devendo efetuar as inspeções necessárias junto dos sujeitos passivos a fim de detetar irregularidades e fraudes ao IVA, bem como impor sanções ao sujeito passivo que as cometa.

Logo, não pode, per se, existir uma inversão do ónus da prova, e essas Autoridades Tributárias não podem transferir para os sujeitos passivos as suas próprias incumbências de fiscalização e recusar que estes exerçam o direito à dedução por não execução dessas obrigações.

Com efeito, e tal como declarado pelo TJUE no processo nº C-80/11 e C-142/11, de 21 de junho de 2012:

“1-Os artigos 167.°, 168.°, alínea a), 178.°, alínea a), 220.°, n.° 1, e 226.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma prática nacional em virtude da qual a autoridade fiscal recusa a um sujeito passivo o direito de deduzir do montante de imposto sobre o valor acrescentado de que é devedor o montante do imposto devido ou pago pelos serviços que lhe foram fornecidos, pelo facto de o emitente da fatura correspondente a esses serviços ou por um dos seus fornecedores ter cometido irregularidades, sem que essa autoridade demonstre, com base em elementos objetivos, que o sujeito passivo em causa sabia ou devia saber que a operação invocada como fundamento do direito a dedução fazia parte de uma fraude cometida pelo emissor da fatura ou por outro operador interveniente a montante na cadeia de prestações.
2) Os artigos 167.°, 168.°, alínea a), 178.°, alínea a), e 273.° da Diretiva 2006/112 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma prática nacional em virtude da qual a autoridade fiscal recusa o direito a dedução com o fundamento de que o sujeito passivo não se certificou de que o emitente da fatura correspondente aos bens em relação aos quais o direito a dedução é pedido tinha a qualidade de sujeito passivo, dispunha dos bens em causa e estava em condições de os fornecer e tinha cumprido as suas obrigações de declaração e pagamento do imposto sobre o valor acrescentado, ou com o fundamento de que o referido sujeito passivo não dispõe, além da referida fatura, de outros documentos suscetíveis de demonstrar que essas circunstâncias estão reunidas, apesar de os requisitos materiais e formais previstos na Diretiva 2006/112 para o exercício do direito a dedução estarem preenchidos e de o sujeito passivo não dispor de indícios que justifiquem a suspeita da existência de irregularidades ou de fraude por parte do referido emitente.”

Destarte, constatando-se, como visto, que no caso vertente se encontram verificados todos os requisitos do direito ao reembolso, e que a AT conseguiu controlar a existência daquele direito (existência do pagamento e entrega do IVA ao Estado e a titularidade da fatura pelo requerente do reembolso- conforme resulta do probatório dos autos não impugnado) não podem invocar-se requisitos meramente formais para obstar ao exercício do direito ao reembolso, devendo, por conseguinte, prevalecer a solução jurídica substancial sobre a formal.


***


No tocante às custas, como referido no Acórdão do STA, de 07.05.2014, proferido no processo nº 01953/13: “A norma constante do nº7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz, ser lícito, mesmo a título oficioso, dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade”

Ora, considera-se que o valor de taxa de justiça devido, calculado nos termos da tabela I.B., do RCP, é excessivo. Assim, face à natureza das questões envolvidas, ao acervo documental e à tramitação dos autos, entende-se estarem reunidas as condições para a dispensa total do pagamento da taxa de justiça, na parte que exceda os 275.000,00 Eur.

Face ao exposto, e sem necessidade de quaisquer considerandos adicionais, apenas se adensando que inexiste qualquer violação do princípio da legalidade, ter-se-á de concluir que a decisão recorrida que acolheu tal entendimento e interpretação jurídica deve manter-se na ordem jurídica.

E por assim ser, improcede, na íntegra, o presente recurso.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste Tribunal Central Administrativo Sul em: NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA.
Custas pela Recorrente, com dispensa do remanescente na parte em que excede os €275.000,00.
Registe. Notifique.

Lisboa, 05 de junho de 2025

(Patrícia Manuel Pires)

(Ângela Cerdeira)

(Cristina Coelho da Silva)


(1) Introduzido em Portugal pelo Decreto-Lei nº 394-B/94, de 26 de dezembro, o qual veio transpor a Sexta Diretiva do IVA (Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977) alterada pela Diretiva n.º 2006/112/CE, de 28 de novembro “Diretiva IVA”
(2) Cfr. Xavier Basto, Lisboa 1991, A Tributação do Consumo e a sua coordenação internacional, p.41.
(3) Conforme resulta do Acórdão S. Puffer, C-460/07, de 23 de abril de 2009.
(4) Vide neste sentido, acórdãos Mahagében e Dávid, C-80/11 e C-142/11; Bonik, C-285/11; e Petroma Transports C-271/12, e demais jurisprudência aí citada.
(5) Acórdão de 5 de julho de 2018, Marle Participations, C-320/17, e jurisprudência aí referida.
(6) Acórdão de 14 de setembro de 2017, Iberdrola Inmobiliaria Real Estate Investments, C-132/16, e jurisprudência aí referida.