Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:169/24.9BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:05/23/2024
Relator:JOANA MATOS LOPES COSTA E NORA
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS
PRESSUPOSTOS
Sumário:I - Cabe a quem se pretenda valer da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, a demonstração da verificação dos pressupostos previstos no artigo 109.º, n.º 1, do CPTA, a qual deve assentar em factos cuja alegação se lhe impõe.
II - A adopção de uma providência cautelar que intime a entidade demandada a emitir um título de residência provisório permite que o autor permaneça, de modo regular, em Portugal até ser proferida decisão em acção principal de condenação a decidir o pedido de autorização de residência, pelo que não se mostra imprescindível, nem sequer necessário, que se decida definitivamente com carácter urgente se o autor tem direito à emissão de autorização de residência.
III - O decretamento de tal providência cautelar, para além de suficiente para tutela dos direitos cuja violação o recorrente invoca, não põe em causa o regime de entrada, permanência, saída e afastamento de cidadãos estrangeiros do território português, constante da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, considerando que a entidade a quem cabe decidir o pedido de autorização de residência não se pronunciou ainda sobre o preenchimento das condições legalmente previstas para a concessão de tal autorização.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção COMUM
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

Acordam, em conferência, os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul:


I – RELATÓRIO

T…, nacional do Paquistão, residente em Portugal, intentou intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, contra a Agência para a Integração, Migrações e Asilo, I.P.. Pede a condenação da entidade demandada a decidir a pretensão por si formulada em 16.11.2022 e, em consequência, a emitir o correspondente título de residência, e, caso não se entenda que o seu pedido foi objecto de deferimento, a declaração, por força do decurso do prazo legal para a decisão, do deferimento tácito do mesmo, requerendo ainda a aplicação à entidade demandada da sanção pecuniária compulsória, a fixar por cada dia de incumprimento da sentença. Alega, para tanto e em síntese, que: (i) Deu entrada de pedido para concessão de autorização de residência, ao abrigo do artigo 88.º, n.º 2, da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, através de manifestação de interesse apresentada junto da entidade demandada, em 16.11.2022, tendo entrado legalmente em território nacional e apresentado toda a documentação legalmente exigida para o efeito junto do SEF; (ii) Até à data, o seu pedido não foi objecto de decisão, em violação do disposto no n.º 5 do artigo 82.º da referida lei e no artigo 13.º do Código do Procedimento Administrativo, omissão lesiva do direito à segurança no emprego, atendendo a que o autor trabalha há mais de seis meses indocumentado e sob ameaça constante de despedimento, e do direito à vida familiar, dado que não revê a sua família no Paquistão há mais de três anos, valores protegidos pelos artigos 53.º e 36.º da Constituição, lesão essa que decorre das regras da experiência, dedutível por mera presunção judicial; (iii) A falta de decisão do seu pedido também priva o autor da possibilidade de beneficiar da aplicação do princípio da equiparação ou do tratamento nacional, previsto no artigo 15.º, n.º l, da Constituição; (iv) Por não dispor de autorização de residência, o autor permanece em situação irregular em território nacional, o que não lhe traz qualquer tranquilidade, nem sequer para andar em público, pois, a todo o tempo, e em qualquer local, pode ser objecto de acções de fiscalização, o que põe em causa o seu direito à liberdade e à segurança; (v) A Lei n.º 5/95, de 21 de Fevereiro, determina a obrigatoriedade de porte de documento de identificação, sendo a própria entidade demandada quem obvia ao cumprimento dessa obrigação pelo autor, não providenciando, em tempo útil e razoável, pela decisão, emissão e envio do seu título de residência, pondo em causa o seu direito à identidade pessoal; (vi) Apesar de ter trabalho estável em Portugal, descontar mensalmente, desde Novembro de 2022, a favor da Segurança Social, e pagar impostos em território português, o autor apenas tem acesso ao sistema de saúde se pagar a integralidade das taxas, pelo que está em causa o seu direito à protecção da saúde; (vii) Ao não decidir o seu pedido, a entidade demandada violou os princípios da confiança, da decisão, da eficiência, da celeridade e da boa administração, todos previstos no CPA, bem como o princípio da equiparação ou do tratamento nacional, previsto no artigo 15.º, n.º 1, da Constituição.
Pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa foi proferida sentença a rejeitar liminarmente a petição por não terem sido alegados factos concretos que permitam concluir que a emissão urgente de uma decisão de mérito é absolutamente indispensável para assegurar, em tempo útil, o exercício de um direito, liberdade e garantia.
O autor interpôs o presente recurso de apelação, cujas alegações contêm as seguintes conclusões:
A) Impunha-se uma revisão da posição processual do Distinto Magistrado de primeira instância face a decisões exatamente idênticas e votadas ao insucesso no TCA SUL.
B) O tribunal a quo recusa-se a acatar jurisprudência do TCA SUL e do STA, fazendo uma interpretação errada da lei sobre a idoneidade do presente instrumento legal.
C) A Intimação para Defesa de Direitos, Liberdades e Garantias é o único instrumento legal adequado para a defesa dos interesses do Requerente os quais estão
D) E o instrumento legal mais adequado na defesa dos valores constitucionais em jogo.
E) O uso da providência cautelar pela sua precariedade é incerto no seu desfecho.
F) A tutela cautelar aniquilaria os efeitos que resultariam de uma procedência do pedido feito no processo principal.
G) Depende de uma Ação principal que poderá demorar anos e anos.
H) Somado a isso o Réu AIMA IP recorre atualmente das providências cautelares.
I) O que aumenta ainda mais a incerteza do Recorrente.
J) O Existe jurisprudência no STA e no TCA-SUL assente sobre a idoneidade do presente instrumento legal.
K) Existe desde 2019 uma reversão jurisprudencial, processo n° 1899/18.0 BELSB de 11.09.2019 e Acórdão do STA de 16.05.2019, proferido no processo número 02 762/17.7 BELSB.
L) 0 Recorrente vê ameaçada a sua identidade em território nacional o seu emprego, saúde, liberdade circulação, acesso à justiça, entre outros direitos e está a pagar impostos e não vendo reconhecidos os supra direitos.
M) Sobre a inutilidade das providências cautelares, especial enfâse para o processo n° 2906/22.7 BELSB de 23.02.23 e processo n° 3682/22.9 BELSB de 31.03.23 do TCA SUL.
N) Não existe tempo a perder devendo o R. AIMA IP ser devidamente intimado a decidir e a emitir o respetivo título de residência ao Autor.
O) O tribunal a quo cita jurisprudência desatualizada e recusa-se a acatar a posição do STA.
P) O Tribunal a quo não leu com rigor o Processo 455/23.5BELSB do TCA Sul e STA, fazendo uma interpretação errada de ambos.
Q) O Direito Europeu ou comunitário é claro em matéria de prazos legais para decisão.
R) O princípio da boa administração é uma regra basilar da nossa CRP, prevista no artigo 266º, 2.
S) Violaram-se os artigos 1o,2o,12°,13°, 15°,26°, 27°,36° 44°,53°,58°,59°, 64°,67°,68, 268°,4 da Constituição da República Portuguesa, bem como as nomas ínsitas nos artigos 7o, 15°, n° 3, 41° ,45o, n°2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, e artes 6o, 14° da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e ainda o artigo 109° CPTA e ainda o art.° 88° n° 2 das Leis 23/2007 de 4/7, lei 59/17 e da lei 102 /17 e da lei 18/22 de 25/8 e ainda artes 5o,8o, 10°, 13° todos do CPA e ainda art.° 637° e 639° do CPC.
A entidade recorrida não respondeu à alegação do recorrente.
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, pugnou pela improcedência do recurso, sustentando que não se encontram reunidos os requisitos previstos no artigo 109.º do CPTA.
Sem vistos dos juízes-adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. n.º 2 do artigo 36.º do CPTA), cumpre apreciar e decidir.


II – QUESTÕES A DECIDIR

A questão que ao Tribunal cumpre solucionar é a de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento por ter considerado não verificados os pressupostos de que depende o recurso à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias.


III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida não fixou factos.



IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A sentença recorrida rejeitou liminarmente a petição com a seguinte fundamentação:
“(…)
Ou seja, o Requerente não alegou a indispensabilidade do presente meio processual para salvaguardar direitos, liberdades e garantias que, no seu caso concreto – T… – estejam na eminência de ser atropelados, não se tendo também predisposto a produzir qualquer prova, nomeadamente testemunhal.
O Requerente limitou-se a alegar, de forma genérica, que o facto de o procedimento administrativo atinente à emissão de autorização de residência não se encontrar ainda concluído, impede a emissão do título de residência e do exercício de alguns direitos constitucionalmente consagrados, como o direito à saúde ou à educação, encontrando-se limitado nas suas deslocações, inclusive pela Europa, privado da companhia dos seus familiares e amigos e correndo o risco de ser detido pela Polícia.
O invocado pelo Requerente carece de densificação e descreve um circunstancialismo fático que é transversal a qualquer cidadão estrangeiro que se encontre em Portugal a aguardar a decisão da administração quanto à sua autorização de residência e, portanto, sente receio, ansiedade, agonia, saudades de casa e dos seus familiares. Por sua vez, limita-se a aludir à jurisprudência e doutrina selecionadas, que permitem a possibilidade de recurso ao presente meio processual em situações que, em abstrato e de forma hipotética, podem até ser semelhantes à sua, mas não aduz factos concretos que permitam a este Tribunal fazer o enquadramento fáctico-jurídico concreto habilitador de tal juízo no seu caso concreto, no caso de T….
Ademais, outro argumento deve ser levado em linha de conta, como bem referiu o Supremo Tribunal Administrativo, no (muito recente) acórdão proferido no âmbito do processo n.º 455/23.5BELSB, datado de 16.11.2023 (embora numa situação de concessão de autorização de residência prevista no n.º 2 do artigo 88.º da Lei n.º 23/20074, de 04/07), no qual se decidiu que: “(…) apesar de vir invocada uma “violação continuada” e actual, porque permanente”, resultante da omissão de decisão por parte da entidade recorrida, no que respeita ao pedido de autorização de residência requerido pelo ora recorrente, a verdade é que a chamada protecção acrescida, já não deve ser assegurada porque o próprio requerente não reagiu atempadamente contra a omissão da entidade requerida, o que só por si, permite concluir que os alegados direitos não se encontram em perigo, face ao tempo entretanto decorrido até que fosse solicitada a intervenção do Tribunal.” Entendeu-se, pois, que “(…) a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias não se destina, nem visa, suprir a inércia do interessado quando este tenha deixado de reagir, quando podia, de forma atempada contra um acto negativo da Administração ou mesmo contra o incumprimento do dever de decidir, a que acresce que, o interessado nestes casos, tem sempre a possibilidade de renovar a sua pretensão, a todo o tempo, sem que lhe seja coarctado qualquer direito.” (sublinhado nosso)
Nesta medida, a pretensão do Requerente mereceria tutela através de uma ação administrativa, mais concretamente, mediante um pedido de condenação à prática do ato devido, como meio de reação à inércia e à eventual omissão do dever de decidir da Administração, tendo em consideração que o Requerente alega ter submetido a manifestação de interesse em 16.11.2022.
Desta feita, “(…) assim que viu passado o tempo de resposta que estava determinado à Administração, [o Requerente] deveria logo ter agido — cfr. art°s 129° e 13°, no 2 do CPTA — utilizando os meios de tutela administrativa e jurisdicional adequados, de modo a obter em tempo útil, uma decisão (positiva ou negativa) que lhe salvaguardasse os direitos que invoca e eventualmente poder beneficiar dos direitos que alegadamente poderão estar a ser limitados (…). Como não o fez, é óbvio que nestes autos e através deste meio processual utilizado, falha a condição de necessidade de tutela jurisdicional urgente de modo a assegurar em tempo útil o exercício dos alegados direitos.” – neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, no já referido acórdão proferido no âmbito do processo n.º 455/23.5BELSB, datado de 16.11.2023.
(…).”

Ou seja, o Tribunal a quo decidiu rejeitar liminarmente a p.i. por o requerente não ter alegado a indispensabilidade da intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, para salvaguardar direitos, liberdades e garantias que estejam na iminência de ser atropelados, nem se ter predisposto a produzir qualquer prova, nomeadamente testemunhal, tendo-se limitado a alegar, de forma genérica, que a demora na decisão do seu pedido de autorização de residência impede a emissão do título de residência e o exercício de alguns direitos constitucionalmente consagrados, como o direito à saúde ou à educação, limitando-o nas suas deslocações e privando-o da companhia dos seus familiares e amigos, e fazendo com que o mesmo corra o risco de ser detido pela polícia, alegação essa que se entendeu carecer de densificação e descrever um circunstancialismo fático que é transversal a qualquer cidadão estrangeiro que se encontre em Portugal a aguardar idêntica decisão. Considera ainda a sentença recorrida que a falta de reacção atempada do requerente contra a omissão de decisão da entidade requerida e o tempo que demorou a solicitar a intervenção do Tribunal permitem concluir que os alegados direitos não se encontram em perigo, não havendo necessidade de tutela jurisdicional urgente.

Insurge-se o recorrente contra o assim decidido, alegando que a intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, “é o único instrumento legal adequado” à defesa dos interesses que pretende fazer valer e dos valores constitucionais associados, e que um processo cautelar, dependente de uma acção principal que poderá demorar anos, manterá o requerente num estado de incerteza. Mais alega que a jurisprudência tem vindo a decidir nesse sentido e que o Tribunal “a quo” não acatou essa jurisprudência.

Vejamos.

A intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias “(…) pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar.” - cfr. artigo 109.º, n.º 1, do CPTA. Trata-se de um meio processual sumário e principal, pois que visa a prolação de uma decisão urgente e definitiva. E tem carácter excepcional porque só pode ser utilizado quando “a célere emissão de uma decisão de mérito (…) se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar”, sendo a regra a da utilização da acção não urgente, sempre que esta, ainda que conjugada com o processo cautelar, seja apta a garantir aquela tutela.
Nestes termos, o recurso à intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, pressupõe a sua indispensabilidade, a qual ocorrerá quando for necessária uma tutela urgente para assegurar o exercício de um direito, liberdade e garantia, e quando a tutela cautelar não for possível ou suficiente para o efeito. No que concerne à impossibilidade ou insuficiência do decretamento de uma providência cautelar, “A impossibilidade poderá resultar do facto de o juiz, para se pronunciar, ter necessariamente de ir ao fundo da questão, o que, como é sabido, lhe está vedado no âmbito dos procedimentos cautelares. Por sua vez, a insuficiência respeita à incapacidade de uma decisão provisória satisfazer as necessidades de tutela do particular, posto que estas apenas lograrão obter satisfação com uma tutela definitiva, sobre o fundo da questão. Estamos a referir-nos àquelas situações sujeitas a um período de tempo curto, ou que digam respeito a direitos que devam ser exercitados num prazo ou em datas demarcadas, maxime, questões relacionadas com eleições, actos ou comportamentos que devam ser realizados numa data fixa próxima ou num período de tempo determinado (como exames escolares ou uma frequência do ano lectivo), situações de carência pessoal ou familiar em que esteja em causa a própria sobrevivência pessoal de alguém, ou, ainda, casos relativos à situação civil ou profissional de uma pessoa.” – cfr. CATARINA SANTOS BOTELHO, “A intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias: quid novum?”, O Direito, n.º 143, I, 2011, pp. 31-53.

Assim, cabe a quem pretenda valer-se deste meio processual alegar factos concretos idóneos ao preenchimento dos referidos pressupostos, a saber: (i) “a existência de uma situação jurídica individualizada que caracterize um direito, liberdade e garantia, cujo conteúdo normativo se encontre suficientemente concretizado na CRP ou na lei para ser jurisdicionalmente exigível por esta via processual”, não bastando invocar, genericamente, um direito, liberdade e garantia; e (ii) “a ocorrência de uma situação, no caso concreto, de ameaça do direito, liberdade e garantia em causa, que só possa ser evitada através do processo urgente de intimação” – cfr. Carlos Alberto Fernandes Cadilha e Mário Aroso de Almeida, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4.ª edição, Almedina, 2017, p. 883.

Considerando o descrito enquadramento jurídico, e face às conclusões das alegações de recurso, que delimitam o seu objecto, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 140.º, n.º 3, do CPTA, importa começar por clarificar que o Tribunal a quo entendeu, não só que não foi alegada uma situação de facto que imponha a salvaguarda de direitos, liberdades e garantias, mas também que a situação alegada não requer uma tutela urgente, não fazendo qualquer referência à pertinência da tutela cautelar no caso em apreço, a qual também pressupõe uma situação de urgência.
Assim, e apesar de o recorrente não questionar a falta de urgência em que assenta decisão recorrida, e face à sua alegação de recurso, adianta-se que não estão verificados os pressupostos de recurso à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias.
Com efeito, o recorrente limita-se a alegar que deu entrada do seu pedido para concessão de autorização de residência, ao abrigo do artigo 88.º, n.º 2 da Lei n.º 23/2007 de 04 de Julho, através de manifestação de interesse apresentada junto da entidade demandada, em 16.11.2022, tendo entrado legalmente em território nacional e apresentado toda a documentação legal exigida para o efeito junto do SEF, não tendo o seu pedido sido, até à data, objecto de decisão. Mais alega que trabalha há mais de seis meses indocumentado e sob ameaça constante de despedimento (embora refira que tem um trabalho estável); que não revê a sua família no Paquistão há mais de três anos; que não se sente tranquilo, sequer para andar em público, por estar em situação irregular em território português, em virtude de não dispor de autorização de residência; e que, apesar de descontar mensalmente, desde Novembro de 2022, a favor da Segurança Social, e pagar impostos em território português, apenas tem acesso ao sistema de saúde se pagar a integralidade das taxas. Neste cenário, e em face da omissão de decisão do seu pedido de autorização de residência, invoca (i) a violação do dever de decisão que impende sobre a entidade demandada, nos termos do n.º 5 do artigo 82.º da referida lei e do artigo 13.º do Código do Procedimento Administrativo, (ii) a violação dos seus direitos à segurança no emprego, à vida familiar, à liberdade e à segurança, à identidade pessoal, e à protecção da saúde, consagrados, respectivamente, nos artigos 53.º, 36.º, 27.º, 26.º e 64.º da Constituição da República Portuguesa, (iii) a violação dos princípios da confiança, da decisão, da eficiência, da celeridade e da boa administração, previstos no Código do Procedimento Administrativo, bem como do princípio da equiparação ou do tratamento nacional, previsto no artigo 15.º, n.º 1, da Constituição.
Todavia, não concretiza minimamente a ameaça de tais direitos, de modo a aferir-se da necessidade de uma tutela urgente. Efectivamente, o autor recorrente não descreve uma situação factual de urgência e lesão de direitos, liberdades e garantias – necessária ao preenchimento do pressuposto da indispensabilidade de uma tutela de urgente -, limitando-se a afirmar uma mera lesão dos mesmos, não sendo possível extrair da sua alegação qualquer urgência para o recorrente na concessão de autorização de residência. Tal carência de alegação factual basta, só por si, para concluir pela falta de verificação dos pressupostos de recurso a este meio processual, atendendo a que tais pressupostos carecem de concretização, não sendo aferíveis em geral e abstracto, antes casuisticamente, em face de uma determinada e específica situação individual e concreta.
Nas conclusões das suas alegações, veio o recorrente afirmar que a intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, “é o único instrumento legal adequado” à defesa dos interesses que pretende fazer valer e dos valores constitucionais associados. Porém, trata-se de uma mera – e extemporânea – conclusão sem qualquer substracto factual. Mais refere que um processo cautelar depende de uma acção principal, que poderá demorar anos, aos longo dos quais a mesma se manterá num estado de incerteza. Mas tal constatação desconsidera, em absoluto, a tutela que o processo cautelar assegura.
De todo o modo, sempre se dirá que, atentos os contornos factuais alegados, a situação de facto descrita pelo autor recorrente, não sendo de urgência – como é exigível que seja para que se recorra à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias -, é susceptível de ser acautelada com a adopção de uma providência cautelar que intime a entidade demandada a emitir um título de residência provisório, de modo a permitir que o autor permaneça, de modo regular, em Portugal até ser proferida decisão em acção principal de condenação a decidir o pedido de autorização de residência, não se mostrando, assim, imprescindível, nem sequer necessário, que se decida definitivamente com carácter urgente se o autor tem direito à emissão de autorização de residência. Tal decretamento, para além de suficiente para tutela dos direitos cuja violação o recorrente invoca, não põe em causa o regime de entrada, permanência, saída e afastamento de cidadãos estrangeiros do território português, constante da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, considerando que a entidade a quem cabe decidir o pedido de autorização de residência não se pronunciou ainda sobre o preenchimento das condições legalmente previstas para a concessão de tal autorização.
Ante o exposto, não se revelando indispensável, no caso em apreço, a emissão de uma decisão urgente para assegurar o exercício, em tempo útil, dos direitos que o autor invoca, não se mostram verificados os pressupostos de recurso à intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias.

Por fim, insurgindo-se o recorrente contra a falta de “acatamento”, por parte do Tribunal a quo, da jurisprudência que invoca para sustentar a idoneidade da intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias no caso em apreço, cabe referir que o sentido de tal jurisprudência não é independente da factualidade alegada em cada uma das situações concretas a que se reporta (antes sendo por ela condicionada). Acresce que a “jurisprudência” – correspondente ao conjunto de decisões dos tribunais de recurso – não tem, no nosso sistema jurídico, força vinculativa fora do processo a que respeita. Nos termos do n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, que estabelece as normas de enquadramento e de organização do sistema judiciário, aplicável aos tribunais administrativos por força do artigo 7.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, “Os juízes julgam apenas segundo a Constituição e a lei e não estão sujeitos a quaisquer ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento das decisões proferidas em via de recurso por tribunais superiores.”, donde se retira que tal dever de acatamento apenas opera no próprio processo a que respeita.

Termos em que se impõe julgar improcedentes os fundamentos de recurso invocados.
*
Sem custas, nos termos do artigo 4.º, n.º 2, alínea b), do Regulamento das Custas Processuais.


V – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes da Subsecção comum da Secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso interposto e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.

Sem custas.


Lisboa, 23 de Maio de 2024

Joana Costa e Nora (Relatora)
Ilda Côco
Marcelo Mendonça