Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:314/08.1BECTB
Secção:CA
Data do Acordão:05/23/2024
Relator:MARA DE MAGALHÃES SILVEIRA
Descritores:EXCESSO DE PRONÚNCIA
DEFESA POR EXCEÇÃO PERENTÓRIA
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO ESPECIFICADA
Sumário:I - Não se verifica da nulidade de sentença, por excesso de pronúncia, quando o tribunal conhece de questão que, tendo sido invocada pelas partes, apenas não foi expressamente qualificada como exceção perentória;
II - Omitido pelo R. o ónus de especificação separada e individualizada das exceções, conforme exigido pelo art. 488.º do anterior CPC, não beneficia este da «cominação» imposta ao Autor por ausência de réplica ou de impugnação especificada nesta, a que alude o art. 505.º do anterior CPC.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de CONTRATOS PÚBLICOS
Aditamento:
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Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa, subsecção de Contratos Públicos, do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

P........, Lda. (doravante Recorrente ou A.), instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, a presente ação administrativa comum sob a forma de processo sumário, contra o Município de Campo Maior, (doravante Recorrido, R. ou ED), visando a condenação do R. ao pagamento de € 9.075,00, acrescido de juros vencidos e vincendos desde 23.12.2005 até efetivo pagamento, emergente de incumprimento do contrato de patrocínio de programa televisivo sobre Campo Maior, celebrado entre as partes.

Por sentença proferida em 7 de dezembro de 2010, o referido Tribunal julgou a ação improcedente.

Inconformada, a A./Recorrente interpôs recurso jurisdicional para este Tribunal Central Administrativo Sul dessa decisão, concluindo nos seguintes termos:

“1ª A sentença recorrida é nula por ter conhecido de uma excepção peremptória que não tinha sido alegada, em violação do artigo 488° do CPC e, não obstante, ao Réu reconhecer que devia parte da divida, ter julgado totalmente improcedente o pedido, violando a alínea d) do n° l do artigo 668° do CPC
2ª A sentença errou na interpretação que fez dos artigos 505° e 490° do CPC ao considerar como provados os factos constantes dos n°s 4 e 5 da matéria assente na sentença com o fundamento de que esses factos não haviam sido impugnados especificadamente na réplica, quando tais factos estavam em oposição com a postura expressa pela A. nos artigos 12 e 13 da Petição, pelo que, quando muito, teriam de ser levados ao questionário, pelo que violou por erro de interpretação aqueles artigos 505° e 490° do CPC.
3ª Finalmente a sentença, mesmo que não devesse ser revogada pelos motivos atrás referidos, errou ainda na interpretação e aplicação do disposto no artigo 762°e seguintes do CC sobre o cumprimento das obrigações, uma vez que embora não seja citada na sentença qualquer norma que fundamente tal julgamento, ao contrário do que lhe impõe o artigo 668° do CPC, julgamos que sejam essas normas que se pretendem referir quando cita Calvão da Silva e Meneses Leitão.
Nestes termos, deve a sentença recorrida ser revogada e o Réu condenado no pedido uma vez que os factos documentados são suficientes para o efeito, ou, em alternativa, ordenado que o processo prossiga com a elaboração de nova especificação e base instrutória, seguindo-se os demais termos,
Como nos parece de Justiça!”

O Recorrido apresentou contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:


“1
A R. excepcionou na sua contestação dizendo que nunca celebrara qualquer contrato com a A., tendo apenas existido negociações pré-contratuais entre elas e que
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Desde o início condicionara a sua aceitação da proposta da A. a que as filmagens fossem acompanhadas por pessoa por ela indicada e compreendessem os locais que ela própria escolhesse, o que
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A A. não cumpriu, não comunicando previamente à R. quando realizou as filmagens, e não filmando aquilo que a R. pretendia.
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A A. não contraditou qualquer destes factos, que por isso se deram e bem como provados e
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Nem estava dispensada de faze-lo, pois tais factos, indo muito para além da factualidade invocada na petição inicial, constituem verdadeiras excepções, sobre as quais a A. devia pronunciar-se e
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Não podem considerar-se como estando em oposição com a petição no seu conjunto, já que a petição nem sequer os refere.
Assim
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Quer se considere que não chegou a existir, nem já pode existir, contrato, por não ter havido encontro de vontades entre as partes, quer se considere que existiu contrato mas o mesmo não foi cumprido pela A., que não executou o que se acordara, a conclusão será necessariamente a mesma: nada tem a R. a pagar e por isso a acção improcede.
Nestes termos,
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Peta improcedência do recurso, confirmando-se integra a douta sentença recorrida, se fará como sempre JUSTIÇA”


O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito suspensivo.

O Ministério Público junto deste TCA Sul, notificado nos termos e para efeitos do disposto no n.º 1, do artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II. Delimitação do objeto do recurso

Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA(1)), 660.º, n.º2, 684.º, nºs 3 e 4 e 685.-A.º, nºs 1 e 2, do CPC(2) ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA).
Considerando o exposto, cumpre a este Tribunal apreciar se a sentença recorrida,
a. Padece de nulidade por excesso de pronúncia (art. 668.º, n.º 1 al. d) do CPC);
b. Incorreu em erro de julgamento de facto ao dar como provados os factos n.º 4 e 5;
c. Incorreu em erro de julgamento de direito.



III. Fundamentação de facto

III.1. Na sentença recorrida foi julgada provada a seguinte factualidade:

“1º) - A autora contratou com a RTP a realização, com emissão em directo (cláusula 2ª), de um conjunto de programas sobre as cidades portuguesas denominado “Divercidades” que tinha como objectivo promover as cidades e respectivas autarquias através dos diversos canais da RTP, designadamente RTP África e RTP Internacional (cfr. doc. nº 1 junto com a p. i.).

2º) - A autora propôs ao réu o patrocínio de um programa.

3º) - Tal programa, incluindo um filme, traduziria a vida, o desenvolvimento da respectiva cidade (Campo Maior) nos diferentes domínios, económico, social e cultural, pela apresentação dos actores desse progresso, os seus representantes políticos, os seus grupos culturais e artísticos.

4º) - O réu indicou o que pretendia que figurasse no filme, designadamente o exterior e o interior do Centro Cultural de Campo Maior, o interior e o exterior do Centro Comunitário, o Lagar-Museu e o jardim junto a este, e as grades de ferro das sacadas de vários prédios da Vila, mais advertindo que seria importante que quando a equipa de filmagens se deslocasse a Campo Maior previamente avisasse para que tal equipa pudesse ser acompanhada por pessoa da Câmara para dizer em concreto o que se pretendia fosse filmado.

5º) - A equipa que fez o filme, na sua deslocação a Campo Maior, não preveniu a Câmara e por isso não foi acompanhada por um qualquer seu representante, mais realizando o filme sem obediência às indicações dadas.

6º) - O programa foi para o ar dia 22/12/2005.

7º) - A autora fez deslocar nova equipa a Campo Maior para fazer um novo filme já depois de 22/12/2005, que também não obedeceu totalmente às indicações dadas.

8º) - A Câmara Municipal de Campo Maior elaborou requisição, indicando ajuste directo, para “Participação em Programa na RTP Internacional e RTP África”, no valor de € 7.500,00, mais IVA no valor de € 1.75,00, num total de € 9.075,00 (cfr. doc. nº 2 junto com a p. i.).”

III.2. Na sentença recorrida, pese embora em sede de fundamentação de direito, consignou-se, com relevo,

“Ao invocar o defeituoso cumprimento, o R. defendeu-se por excepção, dado que “no sentido legal constitui excepção aquela defesa indirecta que seja tendente a arredar a decisão sobre o fundo da causa, a conseguir o reenvio do processo para outro tribunal … ou a obter a improcedência da acção” - Manuel Andrade in Noções Elementares de Processo Civil, 1976, pág. 128.
Na resposta, nada a autora opôs.
Consideram-se admitidos por acordo os factos não impugnados, ónus que verte tanto para o réu como para o autor perante excepções(3) (art.º 490º, 505º, 785º do CPC).
Nessa medida, e no que é de relevo, vertidos no probatório.
(…)
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IV. Fundamentação de direito

1. Da nulidade da sentença

A Recorrente imputa nulidade a sentença, por excesso de pronúncia, aduzindo que foi apreciada exceção perentória “e, não obstante, ao Réu reconhecer que devia parte da dívida, ter julgado totalmente improcedente o pedido”.
O artigo 668.º, n.º 1, do CPC, sob a epígrafe, “Causas de nulidade da sentença”, preceitua que a sentença é nula quando: “d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões que não devia conhecer;”.
A nulidade da sentença a que se refere este normativo verifica-se quando ocorre o incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito nos artigos 95.º, n.º 1 e 3 do CPTA e 660, n.º 2 do CPC, e que se traduz em decidir todas as questões submetidas à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras.

A nulidade por excesso de pronúncia radica, pois, no conhecimento de questões que não podiam ser julgadas por não terem sido suscitadas pelas partes, nem serem de conhecimento oficioso.
Impõe-se ainda dar conta que como resultou do Ac. do STA de 10.10.2001, proferido no processo 038714 “A nulidade de sentença, por excesso de pronúncia, ocorre quando o tribunal conhece de questão que legalmente não lhe era permitido conhecer, não existindo quando o tribunal conheceu de questão colocada pelas partes sob perspetiva diferente.”
Face ao que vem referido é patente que a sentença recorrida não padece da nulidade que lhe vem imputada.
Com efeito, assentando a causa de pedir na responsabilidade do R. pelo incumprimento da obrigação de pagamento emergente do contrato de patrocínio que teria sido celebrado entre as partes, em sede de contestação a defesa do R. assenta na alegação de que não foi celebrado um contrato entre as partes e que a A. não cumpriu de forma perfeita e integral a sua prestação.
O Tribunal a quo, enquadrando ação no âmbito da responsabilidade contratual, limitou-se a qualificar juridicamente a alegação do R. do “cumprimento defeituoso” como exceção perentória e, nesse sentido, conheceu a pretensão da A., entendendo que não lhe assistia razão.
Note-se que não é a circunstância de o R. não ter especificado separadamente ou qualificado expressamente como tal a matéria de exceção que impede o Tribunal de a apreciar, pois que, tendo sido a factualidade subjacente à exceção invocada pelo R., o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 664.º do CCP). Ao decidir dessa questão, como fez, o Tribunal a quo resolveu uma questão que as partes haviam suscitado e discutido nos autos, não existindo qualquer excesso de pronúncia nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 668.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil.
No que respeita à circunstância de alegadamente a sentença “ter ido além” dado que o próprio R. teria reconhecido dever parte da dívida, não estamos perante a apreciação de questão não suscitada pelas partes, ou seja, de excesso de pronúncia, mas sim, eventualmente, de erro de julgamento.
Face ao exposto, a sentença recorrida não conheceu de qualquer questão – designadamente exceção perentória - que, por não ter sido suscitada pelas partes, não pudesse ser apreciada, apenas subsumiu juridicamente a defesa do R., apreciando nesses termos as questões em causa nos autos.
Improcede, pois, a apontada nulidade da sentença.

2. Do erro de julgamento de facto

A Recorrente aponta o erro de julgamento de facto, aduzindo que não poderiam ter sido dado como assentes (admitidos por acordo) os pontos 4 e 5 dos Factos Assentes, tendo o Tribunal a quo aplicado erroneamente o disposto nos arts. 505° e 490° do CPC.
Decorre do preceituado no n.º 1 do artigo 712.º do Código de Processo Civil (por remissão do art. 140.º do CPTA) que o Tribunal de recurso pode alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685.º-B, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;
c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
No n.º 4 deste normativo prevê-se que “[s]e não constarem do processo todos os elementos probatórios que, nos termos da alínea a) do n.º 1, permitam a reapreciação da matéria de facto, pode a Relação anular, mesmo oficiosamente, a decisão proferida na 1.ª instância, quando repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a ampliação desta; a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, podendo, no entanto, o tribunal ampliar o julgamento de modo a apreciar outros pontos da matéria de facto, com o fim exclusivo de evitar contradições na decisão.”
Importa, todavia, sublinhar que, para que o Tribunal de recurso aprecie a impugnação do julgamento da matéria de facto, demanda-se o cumprimento pelo recorrente de um conjunto de ónus, sob pena de se impor a rejeição do recurso quanto ao julgamento da matéria de facto. Assim, o regime atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 685.º-B, n.º 1, al. a), do CPC];
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 685.º-B, n.º 1, al. b), do CPC].
Transpondo estes conceitos para o caso dos autos, entende-se que foram cumpridos pela Recorrente os ónus de impugnação da matéria de facto, impondo-se apreciar o erro de julgamento.
Como resulta da sentença recorrida o Tribunal a quo deu como provado nos pontos 4.º e 5.º que
4º) - O réu indicou o que pretendia que figurasse no filme, designadamente o exterior e o interior do Centro Cultural de Campo Maior, o interior e o exterior do Centro Comunitário, o Lagar-Museu e o jardim junto a este, e as grades de ferro das sacadas de vários prédios da Vila, mais advertindo que seria importante que quando a equipa de filmagens se deslocasse a Campo Maior previamente avisasse para que tal equipa pudesse ser acompanhada por pessoa da Câmara para dizer em concreto o que se pretendia fosse filmado.
5º) - A equipa que fez o filme, na sua deslocação a Campo Maior, não preveniu a Câmara e por isso não foi acompanhada por um qualquer seu representante, mais realizando o filme sem obediência às indicações dadas.
Fê-lo por considerar que estando em causa defesa por exceção “consideram-se admitidos por acordo os factos não impugnados, ónus que verte tanto para o réu como para o autor perante exceções (art.º 490º, 505º, 785º do CPC)”.
O art. 490.º do CPC ex vi art. 1.º, 42.º, n,º 1 e 43.º, n.º 2 do CPTA, respeitante ao ónus de impugnação do R., estabelecia no n.º 1 que “[a]o contestar, deve o réu tomar posição definida perante os factos articulados na petição” e no número 2 que “consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito”.
Em sede de processo sumário o art.º 785.º do CPC previa que “[s]e for deduzida alguma excepção, pode o autor, nos 10 dias subsequentes à notificação ordenada pelo artigo 492.º, responder o que se lhe oferecer, mas somente quanto à matéria da excepção”.
Sendo que a respeito da réplica e tréplica previa-se no art.º 505.º, epigrafado “Posição da parte quanto aos factos articulados pela parte contrária”, que “[a] falta de algum dos articulados de que trata a presente secção ou a falta de impugnação, em qualquer deles, dos novos factos alegados pela parte contrária no articulado anterior tem o efeito previsto no artigo 490.º”.
Assim, nos termos do n.º 2, do art.º 490º, do anterior Código Processo Civil, consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, aplicável à falta de apresentação da réplica ou à falta de impugnação dos novos factos alegados pelo réu, conforme prevenido no art.º 505º, do anterior Código Processo Civil.
Revertendo ao caso dos autos constata-se que na sua contestação o R. invocou a nulidade da citação (art. 1.º a 5.º), a falta de personalidade jurídica e judiciária da Câmara Municipal (artigos 6.º a 8.º), e nos pontos 9.º a 27.º aduz o cumprimento defeituoso pela A. da sua prestação e nos artigos 28.º a 30.º que não foi celebrado qualquer contrato com a A..
Pese embora o erro na qualificação jurídica – pois que o que está em causa com a alegação do cumprimento defeituoso pela A. da sua prestação é, na realidade, a invocação ainda que de forma imperfeita pela R. da exceção de não cumprimento, isto é, o R. recusa a sua contraprestação com fundamento no incumprimento (cumprimento defeituoso) pela A. da sua prestação (art. 428º C. Civil) – assiste razão ao Tribunal a quo quando aduz que o R., na sua contestação, se defendeu, além do mais, por exceção peremptória.
Com efeito, quer a invocação da exceção de não cumprimento, quer da inexistência da relação jurídica contratual, configuram causas impeditivas do direito invocado pelo autor, nos termos do n.º 2 do art. 487.º do CPC.
Assim, à luz do art. 488.º do CPC cabia ao R. especificar separadamente as exceções por si deduzidas, o que, como emerge da contestação, não fez.
Ou seja, em termos formais, constatamos, desde logo, que o Réu não cumpriu, na sua contestação, o ónus da especificação separada e individualizada das exceções, conforme prevenido no art. 488.º do CPC.
Ora, se é certo que no novo CPC se mostra, agora, inequívoco que na falta de especificação separada das exceções deduzidas, os respetivos factos não se consideram como admitidos por acordo (art. 572.º al. c) do novo CPC), já em face dos art.ºs 488.º e 505.º do anterior Código Processo Civil tal era reconhecido pela doutrina e jurisprudência.
Com efeito, como se escreveu no Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 24.3.2014, P. 11291/10.9TBVNG.P1,
Na verdade, este entendimento já resultava da redacção dos artºs. 488º, e 505º, do anterior Código Processo Civil, introduzida na revisão do Código Processo Civil, através dos Decretos-Lei nºs. 329-A/95, de 31 de Dezembro e 180-A/96, de 23 de Setembro, conforme decorre do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95 ao consignar que "por razões de clareza e em concretização do princípio da boa fé processual, estabeleceu-se que o réu deverá deduzir especificada e discriminadamente a matéria relativa às excepções deduzidas (…) sendo maleabilizado o ónus de impugnação especificada, de forma que a verdade processual reproduza a verdade material subjacente", levando-nos a concluir que a estrutura do processo, assumido no anterior Código Processo Civil, tinha já subjacente, um nexo de causa e efeito, entre o ónus de especificação separada e individualizada das excepções que a lei impõe ao réu, conforme prevenido no respectivo artº 488º, e o ónus de impugnação imposto ao autor pelo artº. 505º, ambos do anterior Código de Processo Civil.
A este propósito, J. Lebre de Freitas, apud, Código de Processo Civil, Anotado, volume 2º, 2ª edição, Coimbra Editora, 2008, página 321, defende que "O desrespeito pela imposição da discriminação separada das excepções, traduzindo-se na dedução encapotada de excepções, deve ter como consequência … a inoperância do disposto no art. 505.º (admissão dos factos alegados pelo réu em sede de excepção quando não seja apresentada réplica ou nela não tenha sido considerada a excepção deduzida)", acrescentando mais adiante que "Mal se compreenderia de facto, que a parte pudesse beneficiar da prova decorrente da omissão de impugnar a matéria de excepção que, por culpa sua, a contraparte não entendeu como tal".
Na Jurisprudência este entendimento foi sufragado, entre outros, pelo Acórdão da Relação do Porto de 4 de Maio de 2009 (Processo nº. 464/07.1TBVCD.P1), in, www.dgsi.pt/jtrp, onde se consignou, e passamos a citar, "não se distinguindo na contestação aquilo que é defesa por impugnação e o que é defesa por excepção, não se pode exigir que a falta de resposta dê lugar à cominação de confissão prevista no art. 505.º do Código de Processo Civil".
Apesar de sabermos que a perfilhada interpretação não é totalmente convergente, ao nível doutrinal e jurisprudencial, concretamente, na vigência do anterior Código Processo Civil, entendemos que na construção de um processo justo, equitativo e leal a exigir correspectividade entre ónus e deveres processuais das partes, o desrespeito pela imposição da discriminação separada dos factos que sustentam as invocadas excepções, deve ter como consequência que os respectivos factos não se considerarem admitidos por acordo, afastando, assim, qualquer benefício do infractor, permitindo estabelecer o equilíbrio entre o ónus de especificação e individualização das excepções imposto ao réu no nº. 1, alínea c) do artº 572º do Novo Código Processo Civil, condizente aos artºs. 488º e 505º, do anterior Código Processo Civil.”
Refira-se que no mesmo sentido, à luz daqueles 488.º e 505.º do anterior CPC, ou seja de que omitido pelo R. ónus de deduzir a sua defesa de forma clara e inequívoca, quer no que se refere à matéria de exceção quer quanto à matéria da impugnação, o R. não pode vir a beneficiar da «cominação» imposta ao Autor por ausência de réplica ou de impugnação especificada nesta a que alude o art. 505.º, encontra-se o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 2.12.2004, P. 8056/2004-2, onde se escreveu que,
“a inobservância do ónus aí consignado não pode dar lugar à cominação inserta no artigo 505º do CPCivil, porque se assim fosse, ficariam sem qualquer conteúdo os princípios estruturantes do processo civil, maxime os da cooperação e boa fé processuais e a este propósito leia-se a explanação de motivos no preâmbulo do DL 329-A/85 de 12 de Dezembro «…em matéria de contestação, por razões de clareza e em concretização do principio da boa fé processual, estabeleceu-se que o réu deverá conduzir especificada e discriminadamente a matéria relativa às excepções deduzidas e formular, a final, e em correspectividade com a exigência formal de dedução do pedido que é feita ao autor, as conclusões da sua defesa.» (acentue-se que esta última parte deixou de fazer sentido face à nova redacção do preceito).
Queremos nós dizer, o preceituado no artigo 505º só tem razão de ser, se a parte omitiu um articulado, vg uma resposta à contestação ou uma réplica, quando o articulado a que se deveria responder obedecia aos requisitos legais aplicáveis, salvo nos casos de conhecimento oficioso das excepções pelo Tribunal ou naqueles em que a dedução de excepção, pela parte, é de tal forma evidente, que não possam restar dúvidas algumas acerca da mesma, sob pena de poder vir a ser beneficiada, se eventualmente no meio da sua contestação «en passant» aduzir factos que possam consubstanciar uma defesa indirecta e que assim passem despercebidos à contraparte.”
Seguindo tal entendimento, com o qual concordamos integralmente, também no caso nos autos, verificando-se que o R. não cumpriu com o ónus de especificação separada e individualizada das exceções, conforme exigido pelo art. 488.º do CPC, não podia o Tribunal a quo dar como admitidos por acordo os factos articulados pela R. na sua contestação respeitantes às exceções invocadas e que o Tribunal consignou nos pontos 4 e 5 da decisão recorrida.
Na realidade, a factualidade aduzida pelo R. nos pontos 14.º, 15.º, 21.º e 22.º da contestação e que se mostra consignada nos referenciados pontos 4 e 5 do probatório, mostra-se em oposição com a posição da A. articulada na petição inicial e, nesse sentido, não poderia a mesma ter sido dada como assente, antes, por controvertida, deveria a mesma ter sido levada à base instrutória como emergia do art. 511.º, n.º 1 do CPC e sobre ela produzida prova.
Assim, não se mostrando assente a tese defendida pelo R., óbvio se torna que prematuramente se decidiu a presente ação, procedendo, por aqui, as conclusões de recurso.
Considerando o disposto no artigo 712.º, n.º 4 do CPC, não constando dos autos os elementos probatórios que, nos termos da alínea a) do n.º 1, permitam a reapreciação da matéria de facto, impõe-se anular a decisão proferida na 1.ª instância, determinando-se a baixa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco tendo em vista o seu prosseguimento nessa instância para produção de prova quanto à factualidade inscrita nos pontos 14.º, 15.º, 21.º e 22.º da contestação e, se necessário, ampliar o julgamento de modo a apreciar outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições na decisão, e após prolação de nova decisão (cf. art. 712.º, n.º 4 do CPC).

*

Em face da anulação da decisão recorrida fica prejudicada a apreciação do erro de julgamento de direito.

3. Da condenação em custas

As custas do presente recurso jurisdicional ficam a cargo do R./Recorrido (cfr. art. 446.º n.ºs 1 e 2, do CPC, ex vi art. 1º, do CPTA).

IV. Decisão

Nestes termos, acordam os juízes desembargadores da Secção Administrativa, subsecção de Contratos Públicos, do Tribunal Central Administrativo Sul, em,
a. Conceder provimento ao recurso e, em consequência, anular a sentença recorrida, determinando-se a baixa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco com vista à produção de prova quanto à factualidade inscrita nos pontos 14.º, 15.º, 21.º e 22.º da contestação e, se necessário, ampliar o julgamento de modo a apreciar outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições na decisão, e após prolação de nova decisão;
b. Condenar o R. nas custas do presente recurso jurisdicional.
Mara de Magalhães Silveira
Ana Cristina Lameira
Jorge Martins Pelicano


(1)Na redação anterior ao DL 214-G/2015.
(2)Atenta a data de instauração do recurso é aplicável o CPC antigo, ou seja, na redação do DL 329-A/95 de 12 de dezembro, alterado pela Lei 43/2010), sendo a este que doravante nos referimos (designadamente por referência a CPC antigo).
(3)São as que se traduzem na invocação de factos ou causas impeditivas, modificativas ou extintivas do direito do autor, por isso levando à improcedência total ou parcial da acção. O réu não nega os factos donde o autor pretende ter derivado o seu direito, mas opõe-lhe contra-factos que os teriam excluído ou paralisado desde logo a potencialidade jurídica ou posteriormente lhes teriam alterado ou suprimido os efeitos que chegaram a produzir - cfr. Manuel de Andrade, obra citada, págs. 130 e 131.”