Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO I- Relatório
No processo de impugnação deduzida pela E……… - E……….. de P..............., S.A. contra a liquidação adicional de IRC de 2005 n.º ……………235, as liquidações de juros compensatórios n.ºs ……………500 e …………….501 e o respetivo documento de demonstração de acerto de contas com saldo a pagar de € 112.531.092,03, foi proferida sentença pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou parcialmente procedente a impugnação.
Dessa sentença foi interposto recurso jurisdicional pela impugnante e pela Fazenda Pública, na parte que lhes foi desfavorável.
Por Acórdão desta Secção do Contencioso Tributário, datado de 14 de março de 2024 e incorporado a fls. 2057 e ss. (sitaf), decidiu-se nos seguintes termos: «i) negar provimento ao recurso interposto pela impugnante; ii) conceder parcial provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública, em relação aos pontos 2.2.3.2., 2.2.3.3., 2.2.3.6. e 2.2.3.7., revogando a sentença, nesta parte e julgando a impugnação improcedente, nesta parte; iii) manter a sentença recorrida quanto ao mais; iv) conceder parcial provimento ao recurso ampliado interposto pela impugnante, revogando a sentença recorrida na parte relativa à liquidação dos juros compensatórios proporcionada à parte do acto tributário objeto de anulação e determinando a anulação da liquidação de juros compensatórios, na parte referida em 2.2.4.2; e v) dispensar ambas as partes do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
A sociedade Impugnante notificada veio, ao abrigo disposto nos artigos 2.º, alínea e), 125.º e 128.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e dos artigos 666.º e 615.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), imputar ao aresto, os seguintes vícios: “
i) Nulidades quanto ao segmento decisório do acórdão, relativo ao ponto 2.2.3.2., por referência ao item ―1.3.1 Correcção ao Lucro Tributável // Não dedutibílidade fiscal da menos-valia apurada com a liquidação da A..............” do relatório inspectivo relativo à “E…………… de P............... Internacional, SGPS, SA”.
ii) Nulidades por omissão de pronúncia e excesso de pronúncia quanto ao segmento decisório do Acórdão, relativo ao ponto 2.2.3.6., por referência ao ponto 3.1.2. do relatório inspectivo referente à “E……. – Distribuição – E……….., SA” e quanto ao segmento decisório do acórdão, relativo ao ponto 2.2.3.7., por referência ao item―III.1.2.2 Amortizações praticadas para além do período de vida útil esperada sobre bens adquiridos em estado de uso, do relatório inspectivo relativo à “Companhia ……………………, SA”.
iii) Nulidade por ambiguidade quanto ao segmento decisório relativo aos juros compensatórios, por referência ao ponto 2.2.4.2. da fundamentação do acórdão reclamado.” (negrito nosso).
Por Aresto deste tribunal de 14 de julho de 2024, inserto a fls. 2371 e ss. (sitaf), foi decidido:”
i) Anular o segmento decisório referido em 2.2.2., por omissão de pronúncia quanto às questões que o acórdão devia ter dirimido e não dirimiu.
ii) Suprir a referida nulidade por omissão, com observância do contraditório prévio, nos termos referidos em 2.2.2. ou seja, notificar as partes para:
a) Tomarem posição sobre o conhecimento das questões em apreço por este Tribunal, no quadro do conhecimento em substituição (artigo 665.º do CPC).
b) Indicarem os quesitos do probatório a levar à especificação e os meios de prova que os sustentam, com vista à decisão (fáctico-jurídica) das questões em referência.
c) Procederem ao enquadramento jurídico das questões suscitadas, propugnando a solução que entendam devida.
iii) Quanto ao mais, julgar improcedentes as nulidades referidas em 2.2.3. e,
iv) Anular o segmento decisório referido em 2.2.4., na parte aí referida e notificar as partes, nos termos referidos em 2.2.2. com vista ao conhecimento em substituição da questão em referência. X Notificada a Autoridade Tributária e Aduaneira veio exercer o contraditório (termos do disposto no artigo 665.º/2 e 3, do CPC,), concluindo assim:”
a) Releva para a decisão em análise o aditamento da matéria de facto feita no douto acórdão reclamado, ao abrigo do art. 662° n.° 1 do CPC, correspondente à alínea zz).
b) Acrescidamente devem ser dados como factos provados todos os referidos na fundamentação que concorreu para a correção operada e que estão indicados no relatório de inspeção elaborado a coberto da 01200700018, de 05/01/2007, junto no PAT, por referência à sociedade E…………e de P............... Internacional SGPS, SA, para o ano de 2005, dado que são factos não impugnados, e foram apurados com base em elementos fornecidos pela própria entidade.
c) Em 31/12/2004, no âmbito do processo de liquidação da A.............., os ativos desta sociedade, constituídos quase na totalidade por participações nas sociedades “I……….., S.A.” e “E……. Energias do B………, S.A.”, foram antecipadamente entregues à “E…… Internacional” (sociedade detentora de 100% do capital daquela).
d) Na sequência da entrega antecipada dos ativos que constituíam a sociedade A.............., o sujeito passivo efetuou o abate da participação financeira nessa sociedade, relevando contabilisticamente, e em simultâneo, o conjunto dos ativos financeiros que compunham o património daquela sociedade, demonstrando ser titular efetivo daqueles ativos em 31/12/2004.
e) No momento de liquidação da A.............., em 31/03/2005, a mesma encontrava-se já desprovida de quaisquer ativos.
f) A operação de liquidação e partilha da A.............. apenas resultou na substituição no balanço da E.............. Internacional da participação da A.............. pelas participações que a primeira já detinha indiretamente através A...............
g) Da operação de liquidação não redundou qualquer acréscimo ou diminuição do valor ou do património da E.............. Internacional, mantendo-se inalterados todos os direitos (e responsabilidades) desta sociedade sobre os negócios desenvolvidos através das sociedades participadas, tendo apenas ocorrido a transformação de uma participação indireta numa participação direta.
h) Não resulta comprovado ter ocorrido uma menos valia na esfera da sociedade E.............. Internacional em resultado do processo de liquidação e partilha da A...............
i) Por conseguinte, o custo declarado não se integra na norma contida no art. 23° do CIRC, por não representar um gasto indispensável para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
j) Sem descurar que, o apoio da indedutibilidade do custo resultou ainda do fundamento constante no RIT, de que a menos-valia seria nula caso tivesse sido corretamente apurada ao abrigo das regras previstas para a partilha, e teria de ser imputada ao exercício fiscal de 2004, dado que, por força da liquidação, não se materializou em qualquer acréscimo ou decréscimo do património da E.............. Internacional, e em 31/12/2004 a E.............. Internacional já era a titular ativa dos ativos anteriormente detidos através da sociedade A...............
k) E apoia ainda a indedutibilidade do custo, conforme fundamentado no RIT, a circunstância de que nos termos do n.° 7 do art. 23° do CIRC, existindo relações especiais ente a E.............. Internacional e a aduaneira E.............. B........... (vide al. b) do n.° 4 do art. 58° do CIRC), qualquer menos-valia apurada no âmbito da operação de fusão por incorporação da sociedade I....., SA na E.............. B........... não é fiscalmente dedutível.
l) Sem conceder, a Impugnante não comprova que presidiu ao processo de liquidação a simplificação da estrutura societária e a criação de energias para efeitos de concertar na E.............. - Energias do B........... valor suficiente para que fosse admitida, com sucesso, à cotação na Bolsa de Valores de ……….., nem que ocorreu uma desvalorização cambial do real brasileiro, que tenha levado a uma perda no investimento, ou seja, a Impugnante não prova a indispensabilidade da perda.
m) Ao respeito pelo princípio da tributação pelo rendimento real não obsta os ajustamentos extra contabilísticos, positivos e negativos, tendo em vista o apuramento definitivo do resultado fiscal, como in casu foi feito em sede inspetiva.
n) O princípio da legalidade não se encontra violado porque a correção operada teve em conta os factos apurados e lei aplicável, pois, não tendo a Impugnando comprovado a operação de liquidação, não pode, consequentemente, ser aceite a menos valia fiscal/perda fiscal.
o) Não ocorreu violação da informação vinculativa, conforme decidiu o douto acórdão reclamado, proferido em 14/03/24, pelo que, consequentemente, tal significa que a AT ao efetuar a correção impugnada, nos termos em que o fez, não violou o princípio da boa fé, nem o disposto no art. 266° n.° 2 da CRP.III. Do Pedido: Requer-se doutamente que seja decidido manter a correção operada e julgar improcedente a impugnação judicial nesta parte, com demais consequências legais.”X Em requerimento entrado em juízo em 12 de setembro de 2014, acompanhado de três pareceres a E.............. – Energias de P..............., S.A, veio exercer o seu direito de pronúncia, bem como apresentar, de novo, Reclamação, nos termos do disposto nos artigos 2.º, alínea e), 125.º e 128.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e dos artigos 666.º e 615.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), arguir a sua nulidade, invocando os vícios de falta de fundamentação e omissão de pronúncia.
Em ordem a sustentar as nulidades arguidas, a ora reclamante invocou os seguintes fundamentos - que infra se transcrevem, na sua quase totalidade, com exceção do índice, apesar da sua extensão, por entendermos relevante para a cabal compreensão do que se decidirá:
“1. ENQUADRAMENTO
1. Para devida contextualização e mais clara compreensão da presente pronúncia, importa sumariar os principais momentos procedimentais e processuais que a antecederam.
2. Em 12 de novembro de 2018 foi proferida sentença que teve por objeto o indeferimento tácito de um recurso hierárquico interposto da decisão expressa de indeferimento de uma reclamação graciosa apresentada pela E.............. contra uma liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) e juros compensatórios relativa ao exercício de 2005.
3. Essa liquidação foi emitida à E.............., na qualidade de sociedade dominante de um grupo de sociedades sujeito ao Regime Especial de Tributação de Grupos (“RETGS”) e resultou de um conjunto de correções efetuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“doravante, AT”) no quadro de diferentes procedimentos de inspeção realizados a empresas integradas no grupo e que foram depois “consolidados” no relatório de inspeção tributária final efetuada com respeito ao grupo.
4. Destas correções interessa, por um lado, para o presente efeito, a correção respeitante à desconsideração, para efeitos fiscais, da perda apurada pela E.............. Internacional SGPS, S.A. (sociedade integrada no grupo fiscal da Recorrida), doravante “E.............. Internacional”, com a liquidação da sua subsidiária, a sociedade A.............. I…………….Ltd. (doravante “A.............."), bem como, por outro lado, as correções atinentes à “E..............-Distribuição-E…………….s, S.A.” e à “C………..- Companhia ……………………, S.A.”.
5. Em sede de impugnação judicial (processo no âmbito do qual foi proferida a referida sentença), a E.............. requereu a anulação da liquidação adicional de IRC de 2005, suscitando, quanto à correção relacionada com a dedutibilidade da perda (menos-valia) sofrida pela E.............. Internacional, duas essenciais questões:
- uma, atinente à natureza da informação prévia prestada pela AT (na sequência de solicitação pela E.............. Internacional e pela E.............. à AT, em 09.09.2004, e em que esta havia informado que «por despacho de 17.11.05 do Subdiretor-Geral dos Impostos foi sancionado que as mais-valias e as menos-valias apuradas como resultado da liquidação ficam subordinadas à disciplina do artigo 75-2 CIRC, não se lhes aplicando o regime especial aplicável às mais-valias e menos-valias realizadas pelas SGPS, previsto no artigo 31-2 EBF») que a impugnante, ora recorrida, considerava vinculativa, e que, por si só, obstava a que a AT atuasse como atuou ...- primeira questão;
- outra, relativa à dedutibilidade da perda/menos-valia com a liquidação da sociedade A.............. (designadamente por aplicação do artigo 75° do CIRC) - segunda questão.
6. A referida sentença de 12.11.2018 anulou a mencionada liquidação adicional, no que a esta correção diz respeito, com fundamento no facto de a AT se encontrar vinculada pela referida informação anteriormente prestada (primeira questão). Não obstante terem, nessa instância, sido alegados e objeto de prova factos atinentes à segunda questão, essa factualidade não foi objeto de julgamento de facto, nem, consequentemente, considerada em sede de julgamento de direito (o seu relevo ficara prejudicado pela decisão da causa por exclusiva referência à primeira questão).
7. Da mencionada sentença (nesta parte, bem como noutras) foi interposto recurso, pela AT, para o TCA-Sul, tendo este, no acórdão proferido em 14.03.2024, invertido a decisão proferida (na primeira instância) quanto à primeira questão e conhecido da segunda questão, concluindo no sentido da improcedência da impugnação judicial neste particular.
8. Notificada deste acórdão, a E.............. veio apresentar, em 5.04.2024, reclamação (bem como a interpor recurso de revista) em que identificou a ocorrência de nulidades e requereu o seu suprimento.
9. A Reclamação mereceu procedência parcial, tendo, em síntese, em sede de dispositivo, este Tribunal decidido:
«Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da subsecção do juízo comum da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul no seguinte:
i)Anular o segmento decisório referido em 2.2.2., por omissão de pronúncia quanto às questões que o acórdão devia ter dirimido e não dirimiu.
ii)Suprir a referida nulidade por omissão, com observância do contraditório prévio, nos termos referidos em 2.2.2. ou seja, notificar as partes para:
a) Tomarem posição sobre o conhecimento das questões em apreço por este Tribunal, no quadro do conhecimento em substituição (artigo 665.° do CPC).
b) Indicarem os quesitos do probatório a levar à especificação e os meios de prova que os sustentam, com vista à decisão (fáctico-jurídica) das questões em referência. c)Procederem ao enquadramento jurídico das questões suscitadas, propugnando a solução que entendam devida.
iii)Quanto ao mais, julgar improcedentes as nulidades referidas em 2.2.3. e, iv) Anular o segmento decisório referido em 2.2.4., na parte aí referida e notificar as partes, nos termos referidos em 2.2.2. com vista ao conhecimento em substituição da questão em referência.»
10. Importa pois, agora, considerar a decisão nas suas várias partes, tomando por referência o regime legal, a jurisprudência e a doutrina (maxime, no que diz respeito aos aspetos processuais, os dois pareceres jurídicos recentemente emitidos pelos Senhores Professores Doutores JOSÉ LEBRE DE FREITAS e MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA; e no plano substantivo, o parecer jurídico emitido pelos Senhores Professores XAVIER DE BASTO e ANTÓNIO MARTINS - todos emitidos posteriormente a esta decisão de 11.7.2024 e incidindo sobre ela e sobre o que dela decorre).
11. Por outro lado, no que diz respeito à decisão relativa às correções atinentes à E.............. - Distribuição – E…., S.A. e à C …………………………………., S.A., invoca-se, em reclamação, nulidade por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia.
12. Muito sumariamente, e em jeito de resumo do que será de seguida detalhadamente exposto, importa desde já esclarecer o seguinte:
a) Na sequência do convite formulado pelo presente Tribunal, para que as partes se pronunciem quanto à decisão a proferir, dá-se cumprimento a esse convite,
- mediante pronúncia no sentido de que o processo deve ser remetido para o tribunal de primeira instância (Tribunal Tributário de Lisboa), a fim de que aí haja lugar ao julgamento da matéria de facto (e de direito), por ser esta (descida dos autos) a única solução admissível à luz do regime legal atualmente vigente (como expressamente é sublinhado por ambos os pareceristas consultados, nos pareceres emitidos e ora juntos, bem como suportado jurisprudencial e doutrinalmente);
- indicando os factos que devem ser julgados em primeira instância, bem como os meios de prova a considerar para a decisão de facto a proferir e- explicitando o regime jurídico a que esses factos devem ser subordinados, em ordem a obter a decisão final;
b) Arguem-se nulidades (e associadas consequências) relativamente às decisões proferidas quanto à “E.............. - Distribuição – E…………., S.A.” e “C …………………., S.A.”.
13. Vejamos, com maior detalhe.
2. A DECISÃO PROFERIDA QUANTO À E.............. INTERNACIONAL
2.1. DO TEOR DA CONCRETA DECISÃO
14. No que diz respeito à decisão proferida quanto à E.............. Internacional, no acórdão ora sob pronúncia, o Tribunal decidiu:
«i) Anular o segmento decisório referido em 2.2.2., por omissão de pronúncia quanto às questões que o acórdão devia ter dirimido e não dirimiu.
ii) Suprir a referida nulidade por omissão, com observância do contraditório prévio, nos termos referidos em 2.2.2. ou seja, notificar as partes para:
a) Tomarem posição sobre o conhecimento das questões em apreço por este Tribunal, no quadro do conhecimento em substituição (artigo 665.°do CPC).
b) Indicarem os quesitos do probatório a levar à especificação e os meios de prova que os sustentam, com vista à decisão (fáctico-jurídica) das questões em referência.
c)Procederem ao enquadramento jurídico das questões suscitadas, propugnando a solução que entendam devida.» (destaque nosso)
15. Este dispositivo foi antecedido pelas seguintes considerações:
«Antes de entrarmos na apreciação da motivação da arguição em apreço, cabe recordar que os poderes de modificação da matéria de facto do tribunal de apelo, como é o presente, resultam quer do regime de modificação da decisão da matéria de facto (artigo 662. ° do CPC, quer do regime do conhecimento em substituição das questões cuja apreciação foi julgada prejudicada pela sentença recorrida (artigo 665.° do CPC).
No caso em exame, o acórdão reclamado decidiu conceder provimento ao recurso interposto pela FP, revogar a sentença e julgar improcedente a impugnação, no que respeita à correcção em causa (ponto 2.2.3.2. do Acórdão, por referência ao item “1.3.1 Correcção ao Lucro Tributável // Não dedutibilidade fiscal da menos-valia apurada com a liquidação da A..............”, do relatório inspectivo relativo à “Electricidade de P............... Internacional, SGPS, SA”).
Sucede, porém, que, como refere a reclamante, o acórdão sob escrutínio não apreciou as questões invocadas na petição inicial, relativas à “indispensabilidade da perda apurada” (artigos 333.° a 357.°), “violação do princípio da tributação do rendimento real e violação do disposto no artigo 104. °, n.° 2 da CRP (artigos 358° a 369°), violação do princípio da legalidade e violação do disposto no n.° 2 do artigo 103.° da CRP (artigos 370° a 376°), violação do princípio da boa fé e violação do disposto no artigo 266. °/2, da CRP (artigos 377°a 385°).
O segmento decisório relativo à improcedência da alegada violação da informação vinculativa por parte da correcção em exame mostra-se consolidado, com trânsito em julgado, dado que não foi impugnado.
No entanto, existe efectiva omissão de pronúncia do acórdão reclamado, em relação às questões supra elencadas, o que determina a anulação parcial do segmento decisório em apreço e a necessidade do suprimento da nulidade do acórdão por omissão detectada. Ou seja, a decisão do acórdão quanto à improcedência da impugnação, nesta parte, não se pode manter, sem que antes seja suprida a nulidade aferida.
Destarte, afigura-se que existem elementos nos autos que permitem o conhecimento das questões em apreço. Nos termos do disposto no artigo 665. °/2 e 3, do CPC, impõe-se notificar as partes para o seguinte:
i)Tomar posição sobre o conhecimento das questões em apreço por este Tribunal, no quadro do conhecimento em substituição (artigo 665.° do CPC).
ii) Indicar os quesitos do probatório a levar à especificação e os meios de prova que os sustentam, com vista à decisão (fáctico-jurídica) das questões em referência.
iii)Proceder ao enquadramento jurídico das questões suscitadas, propugnando a solução que entendam devida.
Fica prejudicado o conhecimento das demais alegações, relativas ao item em apreço. Termos em que se julga parcialmente procedente a presente imputação.» (destaque nosso)
16. Consideremos as (ora mencionadas) três dimensões (i), ii) e iii)) do convite dirigido às partes, observando, para maior clareza, a ordem de enunciação adotada pelo Tribunal.
2.2. DA RESPOSTA AO CONVITE FORMULADO PELO TRIBUNAL
2.2.1. Do convite para tomar posição sobre o Tribunal competente para proceder ao julgamento (de facto e de direito)
17. Do texto acabado de transcrever, retira-se que o presente Tribunal ainda não tem convicção formada quanto ao procedimento a adotar após a anulação da decisão a que houve lugar - se deve haver lugar a julgamento de facto e de direito pelo Tribunal Tributário de 1.ª instância, ordenando-se a descida dos autos para esse efeito, ou se tal julgamento deve ser efetuado pelo próprio TCA-Sul.
18. Procurar-se-á responder a tal convite da forma mais simples e clara possível, em consonância com o que corresponde à profunda e objetiva convicção da Recorrida. Vejamos:
2.2.1.1. Do Tribunal competente para proceder ao julgamento da segunda questão
19. Recordem-se os elementos do caso mais relevantes a este propósito: o tribunal recorrido (tribunal de primeira instância) emitiu decisão quanto à 1ª questão (natureza vinculativa ou não da informação prévia prestada pela AT) que se suscitava na petição de impugnação da liquidação adicional em apreço, proferindo sentença no sentido da procedência da impugnação.
20. Em virtude de o conhecimento da 2ª questão (relativa à dedutibilidade da perda/menos-valia com a liquidação da sociedade A..............) ter, assim, ficado prejudicado (pelo conhecimento da 1.ª questão), o Tribunal a quo não procedeu, na sentença, ao julgamento dos factos relativos a essa questão, não obstante quanto aos mesmos ter sido apresentada prova documental e produzida prova testemunhal em audiência.
21. Inexistem, pois, em primeira instância, quaisquer factos ou direito determinados, relativamente à segunda questão.
22. Em sede de recurso, o TCA-Sul revogou a decisão que o Tribunal a quo proferira quanto à primeira questão (o que conduziu a que o conhecimento da 2ª questão tenha aí ficado prejudicado), pelo que o problema que ora se suscita é o de saber se este tribunal pode e deve proceder ao julgamento de facto e de direito relativo à segunda questão, proferindo decisão quanto à mesma ou, se ao invés, deve ordenar a descida dos autos à primeira instância (que ainda não proferiu decisão, nem de facto, nem de direito, sobre tal questão) para esse mesmo efeito.
23. O presente Tribunal convida, pois, as partes a pronunciarem-se quanto a essa questão.
24. Atentos os factos relevantes supra referidos, afigura-se inequívoco que o regime legal aqui aplicável, bem como as razões que lhe subjazem, determinam, de modo muito claro, ser o tribunal de primeira instância o único competente para proceder ao julgamento que ficou prejudicado.
25. Existe, aliás, consenso, a este respeito, entre os processualistas portugueses, designadamente dos que, de uma forma mais direta e imediata, têm contribuído para a evolução do sistema processual civil, quer pela sua auctoritas doutrinal, quer pela sua direta intervenção nos trabalhos legislativos no âmbito do CPC, de entre os quais se destacam os Senhores Professores MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA e JOSÉ LEBRE DE FREITAS.
26. Cada um deles refletiu, de forma aturada e autónoma, sobre o enunciado problema, e emitiu Parecer sobre a referida questão no presente processo, tendo ambos, em cada um dos seus Pareceres, vindo a pronunciar-se, de modo perentório e claro, no sentido de que “o processo deve descer” (como se extrai dos Pareceres que ora se juntam).
27. Resposta que dão, aliás, em total sintonia com o que já muito antes ensinavam nas suas obras (como infra se explicitará).
28. A título puramente elucidativo, veja-se, quanto ao primeiro processualista (Professor LEBRE DE FREITAS), a forma como, de modo totalmente esclarecedor e límpido, conclui, no Parecer que emitiu, a sua resposta a este problema:
«13. A Iª instância deve, pois, ser confrontada, mediante baixa do processo, com todos estes factos e meios de prova para sobre eles se pronunciar em primeira mão.» [p.55 do Parecer, ora junto].
«16. É, pois, minha opinião que o processo deve baixar à Iª instância para decisão sobre os factos relevantes para a decisão a proferir sobre a 2ª causa de pedir invocada pela impugnante.» [p.56 do Parecer, ora junto] (pp. 55 e 57 do parecer anexo, destaque nosso).
29. Em sentido concordante se pronuncia o Professor TEIXEIRA DE SOUSA, quando conclui: «Perante estas premissas, a conclusão impõe-se: atendendo à falta de competência do TCAS para apreciar, pela primeira e única vez, a prova que foi produzida perante o Tribunal Tributário de Lisboa, o TCAS deve mandar baixar o processo a esse Tribunal Tributário para neste ser valorada a prova que perante ele foi produzida.» (p. 6 do parecer em anexo, destaque nosso)
30. Mais nota: «A apreciação da prova pelo TCAS representaria uma violação do disposto no art. 665.°, n.° 2, do CPC e, por isso, o exercício por esse tribunal de um poder que a lei não lhe concede. Isto significa que seria nula, por excesso de pronúncia, qualquer apreciação da prova produzida perante o Tribunal Tributário de Lisboa que o TCAS viesse a realizar (art. 615.°, n.° 1, al. d), e 666.°, n.° 1, do CPC).» (p. 6 do parecer em anexo, destaque nosso)
Vejamos em maior detalhe,
2.2.1.1.1. Do artigo 665.°, n.° 2 do CPC
31. São várias as razões que determinam que a remessa dos autos para a 1ª instância seja a única solução admissível: quer razões de ordem literal, quer motivos atinentes à razão de ser da norma e à inserção sistemática da mesma, impõem que assim seja.
32. Comecemos por considerar a primeira ordem de razões (de natureza literal).
33. Nos termos do previsto no n.°2 do artigo 665.° do CPC:
«Se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários.»
34. Como acima descrito, o Tribunal recorrido não conheceu da segunda questão, em virtude de esta ter ficado prejudicada pela solução dada ao litígio (solução consubstanciada na resposta que o Tribunal deu à primeira questão).
35. Por outro lado, a apelação da Fazenda Pública procedeu quanto à primeira questão, vindo o presente Tribunal a conhecer da segunda questão.
36. Não se verificava (nem se verifica), porém, nenhuma das duas condições essenciais para que o TCA pudesse (ou possa) conhecer da segunda questão ao abrigo do previsto no artigo 665.°, n.°2 do CPC.
37. Com efeito, em primeiro lugar, esta norma respeita ao julgamento da matéria de direito (contrariamente ao artigo 662.°, n.°1 , do mesmo diploma, que respeita ao julgamento da matéria de facto).
38. Conclusão que se retira pela simples leitura e interpretação dos preceitos, mas que o Professor LEBRE DE FREITAS faz questão de sublinhar e de enfatizar ao esclarecer o âmbito aplicativo destas normas: - «são as questões fundamentais do processo (pedidos, causas de pedir e exceções), não abarcando os fundamentos, de facto e de direito, que permitem a decisão sobre elas: o art. 662 e o art. 665-2 do CPC são disposições paralelas, a primeira relativa ao julgamento da matéria de facto e a outra ao julgamento da matéria de direito, não se sobrepondo.» (p. 53 do parecer em anexo, destaque nosso)
39. Na mesma linha de raciocínio, sublinha:
«O tratamento da falta de apuramento da matéria de facto, quer sobre ela hajam incidido diligências de prova, quer não, e seja qual for a razão da omissão, não é, consequentemente, disciplinada na apelação pelo art. 665-2 CPC, mas pelo art. 662 CPC. A questão da substituição do tribunal da 2ª instância ao tribunal recorrido na apreciação dos factos é, pois, equacionada nos termos deste artigo.» (p. 35 do parecer em anexo, destaque nosso)
40. Para que, à luz do artigo 665.°, n.° 2 do CPC, o TCA-Sul pudesse conhecer, em regime de substituição, matéria de direito, seria preciso que dispusesse dos elementos necessários, como a lei expressamente impõe.
41. Ora, este Venerando Tribunal não dispõe para tanto, dos elementos necessários.
42. Desde logo, não dispõe dos indispensáveis “factos” (sobre os quais se aplicará o Direito), como os Professores TEIXEIRA DE SOUSA e LEBRE DE FREITAS sublinham, pois, apesar de, em primeira instância, ter sido admitida e produzida prova (de diversos tipos, designadamente testemunhal e documental) também quanto à matéria de facto relativa à segunda questão, o tribunal a quo não procedeu ao julgamento de nenhuma matéria de facto relativa a essa segunda questão; não a tendo conhecido, nem de facto, nem de direito.
[De resto, também a jurisprudência do contencioso tributário dos tribunais centrais administrativos se pronuncia neste sentido. A título de exemplo, vejam- se os acórdãos proferidos: pelo Tribunal Central Administrativo Norte, no Processo 00081/02, em 19/10/2006, onde se afirma: “O TCA só pode conhecer do mérito da causa em substituição do Tribunal de 1aInstância nos precisos termos do disposto no artigo 753° do CPC, e esse conhecimento depende da prévia fixação dosfactos materiais da causa pelo Tribunal de 1a Instância.” (destaque nosso); pelo Tribunal Central Administrativo Norte, no Processo 00345/04, em 09/11/2006, , onde se salienta: “O tribunal de recurso, com vista à eventual alteração, pode, assim, reapreciar ou reexaminar a decisão do tribunal recorrido sobre a matéria de facto, mas não lhe compete efectivar julgamento de facto sem que na 1d instância o mesmo haja tido lugar, cabendo-lhe, por outro lado, decretar a anulação quando, tendo havido julgamento factual, este seja de reputar deficiente, obscuro ou contraditório ou quando considere indispensável a ampliação da matéria de facto. ” (destaque nosso); pelo Tribunal Central Administrativo Norte, no Processo 00820/06.2BEVIS, em 12/01/2012, onde se sublinha: “A modificabilidade da decisão de facto pelo tribunal de recurso ao abrigo do artigo 712. °, n. ° 1, alínea a), do C.P.C. pressupõe que o tribunal recorrido tenha tomado posição quanto a esses factos, julgando-os provados ou não provados; ” (destaque nosso); pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no Processo 03922/10, em 16/11/2010, onde, com clareza, se refere: “Não é possível conhecer do mérito da causa em substituição, se na sentença recorrida nenhum julgamento da matéria de facto teve lugar quanto ao mesmo ” (destaque nosso) e pelo Supremo Tribunal Administrativo, no Processo 026193, em 17/10/2001, onde se estabelece: “I - O TCA só pode conhecer do mérito da causa em substituição do TT de 1 a Instância nos precisos termos do disposto no art.° 753 do CPC e mediante prévio convite para alegações sobre a questão do mérito. II- E aquele conhecimento depende também, naturalmente, da prévia fixação dos factos materiais da causa pelo TT de 1a Instância já que, neste ponto, o TCA tem os seus poderes circunscritos aos termos do art. 712° do mesmo diploma adjectivo ”].
43. O Professor TEIXEIRA DE SOUSA é também absolutamente claro, a este propósito, quando afirma:
«para que o estabelecido no art. 665.°, n.° 2, do CPC possa ser aplicado, é necessário que estejam adquiridos todos os elementos de facto (e, portanto, de prova) que são relevantes para a boa decisão das questões que não foram julgadas na instância recorrida. Isto significa nomeadamente que o estatuído no art. 665. °, n.° 2, do CPC apenas é aplicável quando todas as provas relevantes já estejam produzidas e valoradas e apenas falte proferir a decisão sobre a matéria de direito.» (p. 4 do parecer em anexo, destaque nosso)
44. Em segundo lugar, cumpre notar que, mesmo se, por mera hipótese de raciocínio, se pudesse entender que o artigo 665.°, n.° 2 do CPC abrangia a possibilidade de julgamento da matéria de facto (em substituição do Tribunal Tributário de primeira instância), nem assim o presente Tribunal o poderia fazer, no caso concreto, por não dispor, para tanto, dos elementos necessários (requisito que a lei inequivocamente impõe).
45. O Professor LEBRE DE FREITAS sublinha-o de modo cristalino:
«11. No caso concreto em apreciação, o TCAS entendeu poder decidir sobre a 2ª causa de pedir (subsidiária) da ação de impugnação com base apenas no relatório da AT que dá como provado na alínea ZZ) dos factos assentes, sem considerar qualquer outro dos meios de prova produzidos em 1a instância, fazer a análise crítica de todas as provas sujeitas à sua livre apreciação e pronunciar-se, com base nessa prova, sobre a realidade dos factos (instrumentais na sua maior parte, mas muitos deles factos principais da causa), alegados pela E.............., que procuravam pôr em causa as conclusões desse relatório.
12.No entanto, o relatório da AT só prova, como documento autêntico, o facto de terem sido nele apostas as declarações e feitos os juízos que nele constam, sem que o objeto dessas declarações ou os juízos emitidos possam ser tidos como correspondentes à realidade, sendo dever do juiz do processo pronunciar-se sobre eles no confronto com todas as demais provas produzidas e tendo em conta os factos trazidos ao processo pela impugnante, quer por alegação constante da petição inicial, quer por, com base no art.5-2-b CPC, ela ter manifestado nas suas alegações finais a vontade de deles se aproveitar.
13. A 1ª instância deve, pois, ser confrontada, mediante baixa do processo, com todos estes factos e meios de prova para sobre eles se pronunciar em primeira mão.» (p. 54 e 55 do parecer em anexo, destaque nosso)
46. Ou seja, mesmo se, em mero exercício de raciocínio, se pudesse hipotizar que o Tribunal de segunda instância dispusesse, ao abrigo do artigo 665.°, n.°2 do CPC, de competência, para (em substituição) julgar matéria de facto, tanto só poderia, nessa especulativa hipótese, acontecer caso esse Tribunal dispusesse de prova plena capaz de, por si só, servir de alicerce suficiente para o Tribunal proceder ao julgamento de facto.
47. Por prova plena entende-se aquela que vincula o juiz a julgar como provado certo facto, salvo se for feita prova do contrário. É o que acontece, por exemplo, com os documentos autênticos.
48. Por isso, quando a prova é plena, pode ser relativamente menos importante (mas, ainda assim, não absolutamente inócuo) que o julgamento de facto seja feito em primeira instância (a que se pode somar eventual reapreciação em recurso de apelação) ou diretamente (isto é, apenas) em segunda instância, pois, estando a força probatória definida por lei, o juiz está vinculado relativamente ao teor do julgamento a proferir quanto ao facto (como provado ou não provado).
49. A probabilidade de o julgamento que envolva a apreciação da prova plena ser diferente em primeira e em segunda instância é assim indubitavelmente menor.
50. Contudo, como resulta do artigo 371.° do Código Civil e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA salientam «o valor probatório pleno do documento autêntico não respeita a tudo o que se diz ou contém o documento, mas somente aos factos que se referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo (ex.: procedi a este ou àquele exame), e quanto aos factos que são referidos no documento com base nas percepções da entidade documentadora. Se no documento, o notário afirma que, perante ele, o outorgante disse isto ou aquilo, fica plenamente provado o que o outorgante disse, mas não fica provado que seja verdadeira a afirmação do outorgante (...)» [Código Civil Anotado, vol. I, 4a edição, Coimbra Editora, 1987, pp. 327 e 328].
51. Como bem salienta o Professor LEBRE DE FREITAS, no caso em presença não existe prova plena quanto aos factos em apreço nesta ação, já que o relatório de inspeção, embora documento emitido por entidade pública, não representa prova plena (não torna incontroverso) esses factos.
52. Apenas atesta, com caráter pleno, que nele foram apostas as declarações e formulados os juízos dele constantes, já não que os mesmos são verdadeiros.
53. Nesse sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e DIOGO LEITE DE CAMPOS explicam, com base no disposto no artigo 76.°, n° 1 da LGT que as informações produzidas pelos serviços de inspeção não têm força probatória plena, mas apenas bastante, pelo que: «no processo de impugnação judicial, relativamente a informações oficiais relativas a factos concernentes à existência e quantificação do facto tributário, não é necessário provar o contrário, mas apenas gerar dúvidas fundadas, para que a decisão sobre a respetiva matéria de facto tenha de ser processualmente desfavorável à administração tributária (art. 346.° do CC)». [Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4a edição, Encontro de Escrita Editora, 2012, p. 670].
54. O Professor LEBRE DE FREITAS concretiza, atendendo ao caso em presença com clareza:
«No caso concreto, o TCAS entendeu poder decidir sobre a 2ª causa de pedir da ação de impugnação com base apenas no relatório da AT que dá como provado na alínea ZZ) dos factos assentes, mas tal não significa que os factos nele referidos sejam cobertos pela prova documental, com a consequência de serem tidos como provados por meio com força probatória plena.
Cobertos pela força probatória desse documento autêntico (art. 369 CC) são apenas, nos termos gerais do art. 371 CC, os factos praticados pela AT e aqueles que ela tenha nele atestado com base nas suas perceções (quer perante ela tenham sido praticados por terceiro, quer tenham ocorrido sem intervenção humana), estando sujeitos à livre apreciação do julgador os que são objeto da sua apreciação (“juízo pessoal”).
As apreciações feitas e as conclusões tiradas sobre matéria de facto no relatório da alínea ZZ) não fazem, pois, prova plena, que só abrange o facto de a AT ter elaborado o relatório (no qual nenhuma perceção sua se vê atestada). O juiz do processo tinha de, em primeira mão, livremente se pronunciar sobre as novas afirmações da AT nesse relatório, no confronto com todas as outras provas (nomeadamente testemunhais) perante ele produzidas sobre os mesmos factos e, não o tendo feito, o processo terá de baixar para o efeito à N instância.» (p. 43 e 44 do parecer em anexo, destaque nosso)
55. E, para além de não existir prova plena, existem outros meios de prova, com pertinência e relevo indispensável para o julgamento dos factos (subsídios indispensáveis para a formulação de juízo quanto à ocorrência ou não de tais factos), que foram produzidos, designadamente outros documentos juntos aos autos, bem como depoimentos prestados oralmente em audiência e cuja apreciação se encontra igualmente subordinada ao princípio da livre apreciação da prova.
56. Como refere TEIXEIRA DE SOUSA:
«Também importa não esquecer que o CPC relaciona a produção e a avaliação da prova com um dos princípios estruturantes do direito probatório formal: o princípio da imediação. Este princípio não pode ser observado quando o tribunal de 2.ª instância se substitui ao tribunal de 1ª instância na apreciação de prova que não foi valorada na instância recorrida.» (p. 5 do parecer em anexo, destaque nosso)
57. Explicita:
«Conforme se escreveu noutro lugar, “o princípio da imediação tem duas vertentes:
- Segundo uma vertente pessoal (ou formal), a prova deve decorrer perante o juiz a quem incumbe a sua valoração (art. 604. °, n.° 3, e 605. °, n.° 1 [CPC]);
-Segundo uma vertente material, o princípio da imediação impõe que se devem reduzir ao mínimo o número dos fenómenos de transmissão de conhecimento, dado que cada um deles envolve uma possibilidade de erro; se A presencia certo acidente e o narra ao juiz, há menores probabilidades de erro do que se conta o que sabe a B, B a C e é C que testemunha; é também por isso que quem depôs por escrito (art. 457.°, n.° 2, e, 518.°, n.° 1 [CPC]) pode ser chamado a renovar o depoimento na presença do juiz (art. 517.°, n.° 1, e 519. °, n.° 4 [CPC]).
Disto é fácil concluir que a apreciação pela 2ª instância de prova que foi produzida no tribunal recorrido e que neste não foi avaliada desrespeita o princípio da imediação. Portanto, não é indiferente que a prova seja apreciada pelo tribunal de 1ª instância perante o qual decorreu a sua produção ou venha a ser apreciada (pela primeira vez, entenda-se) pelo tribunal de 2.ª instância. Esta é uma das razões pelas quais o art. 665.°, n.° 2, CPC não pode ser aplicado à matéria de facto.» (p. 5 do parecer em anexo, destaque nosso)
58. E, em síntese, afirma:
«Do exposto decorre que o estabelecido no art. 665.°, n.° 2, do CPC não pode ser interpretado - nem, aliás, é interpretado na doutrina - no sentido de permitir que o tribunal de 2ª instância aprecie pela primeira vez - e, portanto, com supressão de um grau de jurisdição e com violação do princípio da imediação - prova que não foi apreciada no tribunal de 1ª instância.”. (p. 5 do parecer em anexo, destaque nosso)
59. Note-se que a vigência e imperatividade deste princípio da imediação não se justifica por razões puramente retóricas, antes radica em motivos determinantes para a justiça e qualidade da decisão da causa: a probabilidade de a decisão que resolve o litígio ser adequada é muito superior se o juiz que julga o facto for o mesmo que direta e imediatamente contactou com a prova, percebendo, em primeira mão, as suas fragilidades ou consistências, o seu grau de fidelidade ou de embuste.
60. ABRANTES GERALDES sublinha-o de uma forma muito expressiva:
“É inegável que a gravação dos depoimentos por registo áudio ou por meio que permita a fixação de imagem (vídeo) nem sempre consegue traduzir tudo quanto pôde ser observado no tribunal a quo. Como a experiência o demonstra frequentemente, tanto ou mais importante que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reações perante as objeções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, sendo que a mera gravação não permite o mesmo grau de perceção das referidas reações que, porventura, influenciaram o juiz da 1ª instância” (destaque nosso), Recursos em Processo Civil, Almedina, 7a edição, 2022, p. 348.
61. As razões que se acabam de enunciar (subjacentes ao regime processual civil vigente) permitem, na verdade, compreender, cabalmente, que o artigo 665.°, n.° 2 do CPC não viabiliza, no caso em apreço, o julgamento da matéria de facto por Tribunal de 2ª instância, pelo que a sua aplicação no presente caso revelar-se-ia verdadeiramente anti- sistemática.
62. E seria contra a unidade do sistema porque o artigo 665.°, n.° 2 do CPC tem necessariamente de ser lido em conjunto com uma norma que lhe está muito próxima - o artigo 662.°, n.° 1 do mesmo compêndio.
63. Reportar-nos-emos, infra, com mais detalhe, a esta norma. Salientaremos, neste momento, apenas o que é essencial para o que ora importa.
64. Desta norma decorre que o tribunal de segunda instância pode apenas modificar, ou seja, alterar, reapreciar, o julgamento que tenha sido feito em primeira instância. Não pode, em suma, julgar ex novo.
65. Assim o impõe, como se verá infra, a própria letra da lei (que se reporta a “alterar”, ou seja, a reapreciar - o oposto de apreciar pela primeira vez).
66. Ora, se é inequívoco que o artigo 662.°, n.° 1 do CPC proíbe que o tribunal de segunda instância conheça ex novo de matéria de facto, manifesto e indiscutível é que uma norma, situada três artigos depois, também o não permitirá.
67. A própria sistematização das normas evidencia, assim, que o tribunal de segunda instância não pode conhecer ex novo de factos.
68. Uma razão suplementar (atinente às implicações sistemáticas, em sede de recurso), o demonstra ainda.
69. É certo que (salvo em matérias especiais), o cidadão não tem o direito de exigir, ante o legislador, a possibilidade de interpor recurso jurisdicional. Este é livre de configurar os critérios de admissibilidade de interposição de recurso como entender, designadamente em função do valor da ação.
70. Contudo, nos casos em que, sob o ponto de vista legal (considerando o critério do valor da ação e da sucumbência), seja admissível a interposição de recurso na concreta ação que se considere (como indiscutivelmente sucede no presente caso), não será já possível, por via interpretativa, negar um direito que o legislador concedeu.
71. Quando, no artigo 662.°, n.° 1, se prevê que o tribunal de segunda instância deve proceder à alteração (ou seja, reapreciação da matéria de facto), pressupõe-se que houve interposição de recurso (o tribunal superior não se ativa oficiosamente) e, portanto, proporciona-se à parte que, em cumprimento do dever de pronúncia, haja lugar, em recurso, a essa segunda apreciação.
72. Assim, a parte beneficiará, nos termos da lei, de uma apreciação em primeira instância (com todas as garantias - de imediação, oralidade e livre apreciação da prova) e de uma segunda apreciação, por tribunal de segunda instância, que, no seu posicionamento hierarquicamente superior, avaliará o desempenho do tribunal a quo.
73. E, note-se que, se a possibilidade de recurso se afigura de relevo tanto em sede de facto, como em sede de direito, ela assume especial importância quando esteja em causa matéria de facto.
74. Com efeito, o direito é um material de decisão quanto ao qual todo o juiz é soberano, que não carece de qualquer mediação para ser selecionado, interpretado e aplicado. Nesta medida, o recurso justifica-se, quanto a esse aspeto, sobretudo pela maior ponderação, experiência e saber que carateriza os tribunais superiores,
75. pelo que se permite que, por via do artigo 665.°, n.° 2 do CPC, o Tribunal de segunda instância, seja o primeiro a conhecer em matéria de direito.
76. Diferentemente, a determinação da matéria de facto não assume a mesma linearidade. O tribunal julga em função de dados que não captou diretamente na fonte, a que não acedeu de modo imediato, pelo que se trata de uma matéria de tratamento e consolidação mais complexos, em que a possibilidade de intervenção de dois níveis de apreciação assume especial importância,
77. Pelo que a eliminação de um deles representaria uma efetiva, grave, sistematicamente incoerente e infundada anulação garantística.
78. O Professor TEIXEIRA DE SOUSA salienta, com clareza, a insustentabilidade da supressão de um grau de jurisdição em matéria de facto que tanto representaria:
«O disposto no art. 665.°, n.° 2, CPC tem um custo conhecido: a supressão de um grau de jurisdição, dado que o tribunal de 2ª instância não vai controlar uma decisão já proferida, mas antes decidir pela primeira vez o que o tribunal recorrido não decidiu. Ora, este custo pode ser justificado quando, estando adquirida toda a matéria de facto relevante, se trata de proferir uma decisão sobre o mérito da causa, mas não se pode aceitar de todo que o tribunal de 2ª instância possa suprimir um grau de jurisdição quando deva apreciar matéria de facto, ou seja, quando esse tribunal vá apreciar pela primeira vez matéria de facto que não foi apreciada pelo tribunal recorrido.» (p. 4 do parecer em anexo, destaque nosso)
79. E se esta razão vale por si, ganha, contudo, um peso acrescido pelo suplementar motivo, sublinhado pelo mesmo processualista, atinente às limitações do recurso de revista no que toca à matéria de facto:
«Lembre-se que, no recurso de revista que venha a ser interposto para o STJ ou para o STA, as possibilidades de impugnação da matéria de facto são muito limitadas, dado que a regra é a de que esses tribunais só conhecem de matéria de direito (art. 33.°da LOFTJ; art.12.°, n.° 4 e 5, do ETAF). Portanto, a seguir-se a orientação propugnada pelo TCAS, isso implicaria, na prática, coarctar qualquer controlo sobre a apreciação da prova que esse Tribunal viesse a realizar, recordando-se que a aplicação do disposto no art. 662.° do CPC a essa apreciação estaria, naturalmente, fora de causa.» (p. 4 do parecer em anexo, destaque nosso)
80. Por isso sintetiza nos seguintes termos:
«Em suma: a possibilidade de o TCAS apreciar a prova que não foi valorada no Tribunal Tributário de Lisboa decorre de uma orientação que não só não encontra nenhum respaldo na lei, como suscita justificadas dúvidas de constitucionalidade (tanto mais que o disposto no art. 665.°, n.° 2, do CPC possibilita uma nada problemática “interpretação conforme à Constituição”).» (p. 5 do parecer em anexo, destaque nosso)
81. Estão em causa valores, assim, indisponíveis para o julgador e insuscetíveis de serem feitos perigar por via do desrespeito pelas normas e princípios em apreço, sob pena de violação do direito a processo equitativo, do direito de acesso ao direito e a tutela jurisdicional efetiva, bem como dos princípios da legalidade e da igualdade, constitucionalmente previstos, respetivamente, nos artigos 20.°, n.° 1, 13.° e 202.° da Constituição da República Portuguesa.
82. Com efeito, o legislador tem competência para, no exercício soberano dos poderes que lhe foram conferidos, conformar o sistema processual de acordo com critérios de justiça, de equilíbrio e de efetividade, que autonomamente pondera e elege, assim construindo um regime jurídico-processual próprio, em expressão da sua conceção de processo equitativo.
83. Aos tribunais incumbe, por seu turno, em termos igualmente soberanos e imparciais, dar cumprimento às previsões normativas que o legislador autonomamente conformou, aplicando o regime estabelecido, para o que tomará em consideração, quer a forma como aquele se encontra literalmente expresso, quer o espírito que subjaz à letra legal.
84. O desrespeito pelo regime estabelecido, mediante aplicação de solução diferente, significaria que o decisor, desvinculando-se do regime legalmente estabelecido pelo legislador, criaria um regime próprio, o que consubstanciaria uma subversão de papéis, mediante conversão do decisor em legislador, em flagrante ofensa pelo princípio da legalidade (na medida em que não se adotaria a solução legalmente prevista), pelo princípio da igualdade (pois cidadãos em contextos iguais ficariam subordinados à aplicação de regimes diferentes - o legal, quando o decisor respeite a lei; o ad libitum criado pelo decisor, quando este inadmissivelmente se destaque do substrato leal),
85. Bem como em manifesta violação do direito de acesso ao direito e a tutela jurisdicional efetiva e do direito a processo equitativo, na medida em que a tramitação observada (em desrespeito pelos parâmetros legais) não corresponderia aos parâmetros de justiça e efetividade geral e abstratamente previstos na lei.
86. Ora, a forma processual, legalmente prevista, não corresponde a uma mera exigência retórica ou destituída de relevo prático, pois os passos e critérios observados no plano da tramitação condicionam, de forma determinante, o produto dessa tramitação, o mesmo é dizer, a solução jurídica do caso e, assim, a correção ou incorreção (considerando a bitola legal) da decisão proporcionada ao cidadão.
87. Em suma, a interpretação e aplicação do artigo 665.°, n.° 2 do CPC, no sentido de que, com base nele, o tribunal de recurso pode proceder ex novo ao julgamento da matéria de facto que ainda não foi decidida em primeira instância (instância que não se pronunciou, quanto à questão a que esses factos respeitam, nem no plano fáctico, nem no plano do direito),
88. viola os mencionados princípios constitucionais da legalidade, da igualdade, do acesso ao direito, do processo equitativo e da tutela jurisdicional efetiva previstos nos artigos 3.°, 202.°, 13.°, 20.°, n° 1, da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidades que aqui expressamente se arguem.
89. Em síntese, não apenas razões literais, como também de natureza sistemática, teleológica e constitucional evidenciam, como única solução extraível do artigo 665.°, n.° 2 do CPC, que os autos devem descer, a fim de que o Tribunal de primeira instância proceda ao julgamento.
2.2.1.1.2. Do artigo 662.°, n.° 1 do CPC
90. Do que acaba de ser explicitado no ponto anterior (2.2.1.1.1.) resulta que:
quer a circunstância de o artigo 665.°, n.° 2 do CPC se reportar a substituição em julgamento de matéria de direito (que não a substituição em julgamento de facto);
quer o facto de (se não fosse essa a interpretação adotada), outra interpretação implicar a (inaceitável) supressão de uma jurisdição em matéria de facto;
quer a circunstância de (ainda que, em tese, por via dessa norma fosse possível a substituição em matéria de facto), no caso, o Tribunal não dispor de prova plena (sendo, antes, necessária a livre apreciação crítica de prova produzida em audiência, sendo que esta não pode, em homenagem aos princípios da imediação, da plenitude de assistência dos juízes e da oralidade, ser julgada em segunda instância), o que determina que o presente Tribunal não tem, contrariamente ao que impõe aquela norma, os elementos necessários para proceder ao julgamento,
91. São razões que demonstram, manifestamente, que o presente Tribunal não reúne condições para, em substituição do Tribunal de 1ª instância, proceder ao julgamento da matéria de facto necessária à decisão da segunda questão.
92. De acrescentar, quanto a este último aspeto legalmente exigido (elementos necessários), que, não só (como acabado de explicitar) este Tribunal não dispõe de factos que lhe permitam recorrer ao artigo 665.°, n.° 2 do CPC e decidir à sua luz, como o artigo 662.°, n.° 1 do CPC não representa uma via válida para obtenção desses factos pelo mesmo Tribunal, pois essa norma não permite que o Tribunal ad quem julgue, pela primeira vez (ex novo), uma questão de facto.
93. Na verdade, muito diferentemente, permite tão só que esse Tribunal altere decisão de facto anteriormente proferida pelo Tribunal a quo, nele se prevendo que o tribunal de recurso «deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».
94. Esta norma respeita, assim, aos casos em que, tendo havido julgamento, pelo tribunal recorrido, em primeira instância, de uma ou mais questões de facto, o tribunal ad quem constata (com base na articulação entre os factos assentes, a prova produzida ou um documento superveniente) que esse julgamento não foi correto,
95. Pelo que reaprecia a questão de facto em causa (sendo esta, assim, apreciada pela segunda vez, no âmbito do mesmo processo, agora por tribunal superior) e corrige o erro de julgamento que tinha detetado, alterando a decisão (quanto a essa questão de facto) que tinha sido proferida em primeira instância.
96. Nos seus Estudos sobre o novo Processo Civil, Lex, 1997, a pp. 561 e 562, TEIXEIRA DE SOUSA há muito distingue, em sede de apreciação da matéria de facto no recurso de apelação, duas modalidades de decisão, sendo que nenhuma delas contemporiza com o julgamento ex novo da matéria de facto:
«Na apreciação da matéria de facto, a Relação pode decidir segundo o modelo de substituição ou de cassação. A Relação pode substituir a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto nos seguintes casos: (...). A Relação decide segundo o modelo de cassação na situação prevista no art° 712°, n° 4, 1ª parte: se não constarem do processo todos os elementos probatórios que permitam a reapreciação da matéria de facto, a Relação pode anular, mesmo oficiosamente, a decisão proferida na 1ªinstância (...)».
97. Ou seja, no regime de substituição, o tribunal de segunda instância altera a decisão de primeira instância sobre a matéria de facto. No regime de cassação anula essa mesma decisão. O mesmo é dizer que, em ambas as hipóteses, se pressupõe que essa primeira decisão sobre a matéria de facto, proferida em primeira instância, existe.
98. Por seu turno, o Professor LEBRE DE FREITAS sublinha que esta norma se limita a permitir o exercício de poderes de reapreciação:
«A alteração a que se refere o art. 662-1 CPC pressupõe, portanto, a prévia pronúncia do tribunal da 1ª instância sobre os factos, decorrentes de prova sujeita à livre apreciação do julgador, a alterar, ou sobre o acervo de factos que constitua a causa de pedir ou em que se baseie a exceção (art. 5-1 CPC) em causa no recurso, sendo só então que, no campo da prova livre, o tribunal da 2ª instância pode proceder à alteração, com base nessa convicção diversa e segura, formada após (re)análise crítica de todas as provas (art. 607 CPC).» (pp. 51 e 52 do parecer em anexo, destaque nosso)
99. E sublinha:
«6. Quando, ao invés, o tribunal da 1ª instância haja julgado com base numa causa de pedir ou exceção, sem apreciar os meios de prova, sujeitos à livre apreciação do julgador, que respeitem a factos relativos a outra causa de pedir ou exceção e o tribunal da 2ª instância entenda que esta deve ser julgada, não tem aplicação o art. 662-1 CPC, mas sim a 2ª parte do art. 662-2-c CPC, devendo o tribunal ad quem mandar ampliar a matéria de facto julgada, a fim de o tribunal da 1ª instância dar sentença sobre a verificação desses factos, ainda que os meios de prova a eles respeitantes já tenham sido produzidos.
7. Esta norma aplica-se tanto no caso de anulação da sentença recorrida como, por analogia, no da sua revogação em 2ª instância.» (pp. 52 e 53 do parecer em anexo, destaque nosso).
100. Temos, portanto, que o artigo 662.°, n.° 1 do CPC apenas permite que o tribunal de segunda instância corrija, altere, reaprecie o julgamento que tinha sido efetuado em primeira instância quanto a uma ou mais questões de facto (não lhe permite que, pela primeira vez, proceda a esse julgamento).
101. Adicionalmente, essa alteração do julgamento de facto (realizado em primeira instância), para que legalmente admissível, pressupõe a verificação de uma segunda condição: exige que o recorrente tenha, nas suas alegações (designadamente nas suas conclusões) impugnado essa matéria de facto, sendo que esse requisito só se considera reunido quando tal pedido de reapreciação de facto tenha ocorrido em cumprimento das exigências impostas pelo artigo 640.° do CPC.
102. Trata-se, portanto, de uma alteração do julgamento da matéria de facto realizada a pedido (nunca oficiosa) e desde que o pedido tenha sido formulado em observância das exigências estritas previstas no referido artigo (640.° do CPC).[Nas palavras de ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES em comentário ao artigo 662.° do CPC, «as modificações a operar devem respeitar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão da matéria de facto, indicou nas respetivas alegações que circunscrevem o objeto do recurso. Assim o determina o princípio do dispositivo que se revela através da delimitação do objeto do recurso (da matéria de facto) através das alegações», Recursos em Processo Civil, (Coimbra, 2022), pp. 340-341.]
103. O Professor LEBRE DE FREITAS sublinha este aspeto, com muita clareza:
«Os poderes concedidos à Relação pelo art. 662-2 CPC podem ser usados a requerimento do recorrente ou por iniciativa oficiosa, mas o que lhe é concedido pelo art. 662-1 CPC só pode sê-lo quando tal lhe seja pedido na alegação de recurso (art. 640-1 CPC)2.» (p. 20 do parecer em anexo, destaque nosso)
104. Pedido que, como nota o mesmo Professor, não foi formulado no presente caso.
105. Ora, no presente caso, se julgasse matéria de facto para conhecer da segunda questão, o TCA não corrigiria o julgamento da questão de facto em causa.
106. Muito diferentemente, julgá-la-ia ex novo: proferiria, pela primeira vez no processo, julgamento sobre essa questão de facto.
107. Com efeito, o tribunal de primeira instância não proferiu julgamento de facto sobre essa questão (precisamente porque o seu conhecimento ficou prejudicado pela solução aí dada ao litígio),
108. Donde, como se afigura evidente, a Recorrente FP não impugnou esse julgamento, nem cumpriu as exigências previstas no artigo 640.° do CPC (se o julgamento dessa questão de facto não existiu em primeira instância, não podia, evidentemente, ser impugnado), o que seria indispensável para permitir pronúncia pela Relação; maxime pelo TCA Sul.
109. Em síntese, do conjunto de factos destinados a aferir da legalidade da correção realizada às menos-valia registadas em consequência da liquidação da A.............., o Tribunal a quo apenas proferiu julgamento de facto quanto a questões de facto relativas ao pedido de informação vinculativa submetido pela Recorrida, seus pressupostos e respetiva decisão.
110. Nada decidiu relativamente aos muitos outros factos alegados pelas partes, em particular pela ora Recorrida e Reclamante, em relação à dedutibilidade da perda (menos-valias realizadas) atinentes, assim, à segunda questão (embora quanto aos mesmos se tenha produzido prova).
111. A apreciação desta matéria de facto pelo TCA, na medida em que consubstancia o conhecimento de questões de facto que o Tribunal a quo considerou prejudicadas (por isso não as julgando), não é, em suma, passível de ser realizada oficiosamente, pois que não concretiza qualquer alteração à matéria de facto fixada na decisão recorrida - que dela não conheceu.
112. A não ser assim, a segunda instância não funcionará como tribunal de recurso que procede ao reexame crítico das provas anteriormente produzidas perante a primeira instância, mas como um verdadeiro tribunal de primeira instância, assim se inviabilizando o próprio efeito útil do recurso instituído pelo legislador.
113. Porque assim é, também aqui a adoção de interpretação do artigo 662.°, n.° 1, no sentido de que, à sua luz, o Tribunal de segunda instância pode proceder ao julgamento ex novo da matéria de facto (adicionando novos factos) e proferir a posterior decisão da questão de direito associadas quanto a questão suscitada em primeira instância, mas por esta não conhecida em virtude de ter ficado prejudicada pelo conhecimento de questão prévia,
114. revelar-se-ia inconstitucional por estar em flagrante confronto com o direito de acesso ao direito e a tutela jurisdicional efetiva, com o direito a um processo equitativo, ao princípio da igualdade de armas consagrados e ao princípio da legalidade, previstos, respetivamente, nos artigos 20.°, n.° 4, 32.°, n.° 1, 13.°, 3.° e 202.° da Constituição da República Portuguesa, o que desde já se invoca para os devidos efeitos.
115. Afigura-se, pois, manifesto que o presente processo deve baixar ao Tribunal Tributário de 1a instância, a fim de que este último proceda ao julgamento da matéria de facto.
2.2.I.2. Dos vícios em que incorreria decisão diferente
116. Como decorre do exposto, é esta (descida dos autos ao Tribunal de 1f instância para julgamento quanto à segunda questão) a única solução admissível entre nós, à luz do direito constituído.
117. Mais, a opção por decisão em sentido diferente implicaria, para além da automática violação da lei, que a mesma padecesse de nulidade por excesso de pronúncia.
118. Com efeito, se, por recurso ao artigo 665.°, n.°2 do CPC ou ao artigo 662.°, n.° 1 do CPC, o presente Tribunal (TCA-Sul) procedesse ao julgamento ex novo da matéria de facto atinente à segunda questão suscitada na petição de impugnação da liquidação adicional em apreço,
119. quando é certo que, pelas razões acima fundamentadamente enunciadas, tais normas não autorizam, no caso, a prolação dessa decisão,
120. estar-se-ia também a pronunciar para além do que lhe é permitido, incorrendo, por isso, em nulidade por excesso de pronúncia (cfr. artigos 615.°, n.° 1, al. d), e 666.°, n.° 1, do CPC e artigo 125.° do CPPT).
121. O Professor TEIXEIRA DE SOUSA pronuncia-se neste sentido, nos seguintes termos:
«Dito de outra forma: o tribunal de 2.ª instância pode reapreciar a prova apreciada no tribunal de 1.ª instância - é isso que, como se sabe, decorre do disposto no art. 662.º, n.°1 e 2, do CPC -, mas não pode apreciar, pela primeira e única vez, prova de que o tribunal de 1.ª instância não conheceu por o conhecimento ter ficado prejudicado pelo conhecimento de outras questões. (...)
b) A apreciação da prova pelo TCAS representaria uma violação do disposto no art. 665.°, n.°2, do CPC e, por isso, o exercício por esse tribunal de um poder que a lei não lhe concede. Isto significa que seria nula, por excesso de pronúncia, qualquer apreciação da prova produzida perante o Tribunal Tributário de Lisboa que o TCAS viesse a realizar (art. 615.°, n.°1, al. d), e 666.°, n.°1, do CPC).» (pp. 5 e 6 do parecer em anexo, destaque nosso)
122. Para além da nulidade da decisão, a interpretação (em que tal decisão assentaria) e aplicação da norma do artigo 665.°, n.° 2 do CPC e/ou da norma constante do artigo 662.°, n.° 1 do CPC, no sentido de que estas viabilizam o julgamento ex novo de matéria de facto pelo tribunal de 2ª instância em hipótese em que, como na presente, inexiste prova plena, revelar-se-ia ofensiva da Constituição da República Portuguesa, por ofensa ao direito de acesso ao direito e a tutela jurisdicional efetiva, bem como ao direito a processo equitativo, ao princípio da igualdade, ao princípio da legalidade e, consequentemente, ao princípio do Estado de Direito Democrático previstos nos artigos 20.°, n.° 1 e 32.°, n.° 1, 13.°, 3.°, 202.° e 2.° da CRP, o que ora expressamente se argui, pelas razões acima enunciadas nos artigos 81 a 88 e 111 a 114 desta peça processual e que aqui se têm por reproduzidas.
2.2.2. Do convite para indicar os factos a julgar e meios de prova
123. Na sequência do que acima se expôs, no sentido de que o processo deve descer à primeira instância, para aí se proceder ao julgamento da matéria de facto, não se furta a ora Recorrida a indicar, em conformidade com o convite formulado pelo Tribunal, a matéria de facto que entende relevante para a apreciação da 2ª questão, sem prejuízo de o Tribunal de primeira instância entender ainda relevantes outros factos; eis, pois, os factos considerados relevantes para o efeito [Tomando por referência os factos constantes na petição inicial e os resultantes da produção de prova (nos termos do previsto no artigo 5.°, n.° 2, b) do CPC), toda ela objeto de alegação (conforme resulta do teor da petição inicial e das alegações finais escritas)] e respetivos meios de prova:
2.2.2.I. Factos Provados:
124. Da prova produzida e adiante melhor especificada resultam provados todos os factos alegados pela Reclamante nos Autos, mais concretamente os seguintes:
A. No final dos anos 90 do século passado, o Grupo E.............. procurou a internacionalização das suas atividades, investindo, designadamente, no B..........., um mercado reconhecidamente emergente.
—Facto alegado no artigo 40.° da p.i. e no artigo 22.° das alegações finais e que resulta provado pelos depoimentos prestados em sede de audiência de inquirição de testemunhas, conforme segue:
Como referiu a primeira testemunha ouvida pelo Tribunal a quo, o Dr. R ………………..:
«A E.............. já tinha começado o seu processo de internacionalização no fim dos anos 90, não me recordo exatamente das datas, mas entre 1998 e 2000, portanto antes da minha entrada, a E.............. já tinha adquirido posições no B..........., na Guatemala, no Chile, Marrocos e em Cabo Verde» — cf. minuto 03:59 ao minuto 04:16 da inquirição realizada no dia 9 de dezembro de 2015 (cit.).
«Desses mercados, eu diria que o B........... era claramente o mais importante, não só pela sua dimensão comparativamente com os outros mercados, mas pela presença que a E.............. já tinha adquirido antes da minha entrada. A E.............., nessa altura, quando eu entrei, já tinha uma presença em quatro empresas de distribuição elétrica no B...........» — cf. minuto 04:23 ao minuto 04:41 da inquirição de testemunhas realizada no dia 9 de dezembro de 2015 (cit.).
B. Para tal, identificou algumas sociedades com experiência no mercado local e também com potencial de crescimento, entre as quais a E………… - Espírito ………………, S.A. (“Escelsa”) e a sociedade En………. - Empresa ………………, S.A. (“En............”).
— Facto alegado no artigo 41.° da p.i. e no artigo 24.° das alegações finais e resulta provado pelos depoimentos prestados em sede de audiência de inquirição de testemunhas.
C. A sociedade E…………. era, à data, detida maioritariamente (em mais de 50%) por uma outra sociedade Brasileira denominada de I……, S.A. (“I..”), enquanto a sociedade En……….. era, por sua vez, detida maioritariamente por uma afiliada da sociedade E……….
— Facto alegado no artigo 42.° da p.i. e no artigo 25.° das alegações finais, que resulta provado pelos depoimentos prestados em sede de audiência de inquirição de testemunhas.
D. O capital da I..... era, então, detido pela A.............., sociedade veículo dos correspondentes acionistas, estrangeiros/não residentes.
—Factos alegados no artigo 43.° e 44.° da p.i. e no artigo 26.° das alegações finais e que resultam provados pelos depoimentos prestados em sede de audiência de inquirição de testemunhas.
E. A estrutura societária em que a A.............. e as suas subsidiárias se inseriam nada tinha a ver com o Grupo E.............. ou com os acionistas deste.
—Factos alegados no artigo 43.°, 44.° e 45.° da p.i. e no artigo 27.° das alegações finais, que resultam provados pelos depoimentos prestados em sede de audiência de inquirição de testemunhas.
F. Nessa medida, para adquirir o controlo acionista na sociedade I....., com o objetivo de passar a controlar também as sociedades E…….. e En………, o Grupo E.............., através da E.............. Internacional, teve de adquirir a A...............
—Factos alegados no artigo 43.°, 44.° e 45.° da p.i. e no artigo 28.° das alegações e comprovados pela cópia do comunicado em que se informa sobre a aquisição do controlo acionista sobre a sociedade I..... e em que se pode comprovar a detenção das sociedades E……….e En…… junta como doc. n.° 13 em anexo à p.i., a fls. 857 dos Autos e ainda pelos depoimentos prestados em sede de audiência de inquirição de testemunhas.
Como o explicou o Dr. R ……………..:
«A forma de aquisição da esmagadora maioria dos investidores nessa altura no B........... foi através da aquisição de veículos já detidos por investidores privados, privados no sentido que não era exatamente o Estado, porque o início das privatizações já tinha ocorrido um pouco antes. Portanto, quando os investidores internacionais entram no B........... a forma de o fazer foi, na esmagadora maioria dos casos, não a aquisição de posições diretas aos Estado, mas a aquisição de posições nos veículos que, entretanto, tinham sido criados por investidores Brasileiros» — cf. minuto 07:17 ao minuto 07:57 da inquirição realizada no dia 9 de dezembro de 2015 (cit.).
«Quando nós comprámos progressivamente o controlo dessas três empresas de distribuição, nós comprámo-lo da maneira que era possível, e a forma que era possível era comprar aos investidores que detinham indiretamente essas empresas, os veículos que esses próprios investidores tinham, não que os tivéssemos criado» — cf. minuto 15:53 ao minuto 16:09 da inquirição realizada no dia 9 de dezembro de 2015 (cit.).
«Duas delas. O A.............. era, se bem me lembro, o instrumento fundamental no controlo da E……….., que por sua vez controlava a En……….» — cf. minuto 10:59 ao minuto 11:09 da inquirição realizada no dia 9 de dezembro de 2015 (cit.).
Agora nas palavras da quarta testemunha que prestou depoimento perante o douto Tribunal de primeira instância, o Dr. M ………………..: «Maioritariamente indiretamente, porque as distribuidoras já eram detidas por vários institucionais, locais Brasileiros e internacionais e, por isso, era a esses institucionais que nós tínhamos de fazer as aquisições, para entrar no B...........» — cf, minuto 05:32 ao minuto 05:50 da inquirição realizada no dia 10 de dezembro de 2015 (cit.).
G. A aquisição do capital da A.............. foi concretizada em 1999, a entidades não relacionadas e não residentes em P..............., tendo o custo de aquisição avultado a € 706.625.599,55.
— Factos alegados nos artigos 45.° e 52.° e 53.° da p.i. e no artigo 31.° das alegações finais, provados pelos depoimentos prestados em sede de audiência de inquirição de testemunhas e no que se refere ao valor acima referido, consta também indicado no doc. n.° 13 em anexo à p.i., a fls. 857 dos Autos.
Como clarificou ainda a identificada quarta testemunha: «A A.............. foi uma das empresas que foi adquirida, salvo erro, em 1999, que por sua vez essa empresa detinha 20% de uma outra empresa, que por sua vez detinha já, controlava duas grandes distribuidoras no B..........., que era a E………. e a En............» — cf, minuto 06:28 ao minuto 06:51 da inquirição realizada no dia 10 de dezembro de 2015 (cit.). «Exatamente, portanto, com a compra da A.............. adquirimos logo 20% de controlo desses dois grandes distribuidores no B...........» — cf. minuto 07:07 ao minuto 07:16 da inquirição realizada no dia 10 de dezembro de 2015 (cit.).
H. Com a aquisição em 1999 da A.............., o Grupo E.............. conseguiu o seu objetivo de investir de forma significativa num mercado reconhecidamente emergente e de grande dimensão como é o mercado Brasileiro.
— Facto alegado nos artigos 47.° e 48.° da p.i. e no artigo 33.° das alegações que resultam provados pelos depoimentos prestados em sede de audiência de inquirição de testemunhas acima referidos.
I. Mais tarde, na sequência da mencionada aquisição, a estratégia comercial do Grupo E.............. relativamente ao mercado Brasileiro ditou duas importantes decisões comerciais, a saber:
• Na fase de investimento, garantir o reforço da sua posição nas sociedades Brasileiras por razões de controlo societário, através de reforços de capital na A.............., cujo investimento total atingiu, então, o valor de € 779.848.276,23; e,
• Uma vez assegurado o controlo acionista, iniciar um processo de reestruturação dos investimentos com vista a concentrar numa única empresa, i.e., na E.............. Energias do B..........., S.A. (“E.............. B...........”), todas as sociedades operacionais com sede no B..........., com o fito, aliás, da empresa referida vir a tornar-se suficientemente sólida e atrativa para que fosse admitida à cotação do mais importante mercado de valores mobiliários do B..........., ou seja da Bolsa de Valores de São Paulo (o que veio efetivamente a acontecer).
— Factos alegados no artigo 49.° da p.i. e no artigo 35.° das alegações que resultam provados pelos depoimentos prestados em sede de audiência de inquirição de testemunhas.
Assim, «como esta A.............. só detinha 20% destes negócios no B..........., através da participação de 20% na I....., posteriormente fomos fazendo sucessivos aumentos de capital na A.............. para que esta, por sua vez, fosse adquirindo as participações na I..... que estivessem disponíveis no mercado [...]; entre 1999, 2000, 2001 e 2002, aumentámos, através dos aumentos de capital nesta filial e fizemos diversas aquisições da I..... que fizeram subir a participação de 20% para 72% até 2002» — cf, do minuto 07:25 ao minuto 08:25 do depoimento do Dr. M ………………, ouvido pelo Tribunal a quo no dia 10 de Dezembro de 2015 (cit.).
No que se refere ao valor de investimento total acima referido. ele vem expressamente confirmado pela AT. no RIT - cf. pp. 14 e 15 do Anexo 5 ao Relatório de Inspeção Tributária ao Grupo E.............. junto como doc. n.° 4 em anexo à p.i..
J. Terminada a primeira fase, foi iniciado o processo de reestruturação, o que implicou, necessariamente, começar por proceder à eliminação de estruturas organizacionais supérfluas nas diversas filiais e a criação de uma única entidade de serviços partilhados.
— Factos alegados nos artigos 50.° e 51.° da p.i. e no artigo 37.° das alegações que resultam provados pelos depoimentos prestados em sede de audiência de inquirição de testemunhas. tendo designadamente o Dr. M ……………….. afirmado que:
« Uma vez que a E.............. tinha consolidado todas as aquisições, estávamos num manancial de participações, cruzadas, indiretas [...] um dos grandes objetivos da E.............. quando entrou no B........... era precisamente consolidar todos os investimentos dentro de uma holding no B........... e a seguir levar para aportar autonomia financeira, conseguir-se ir aos mercados de capitais no B..........., aos nacionais e no fundo ganhar mais sinergias e até conseguir ganhar muito mais dinheiro em termos de valorização, o que fazia sentido era juntar, eliminar tudo o que sejam participações intermédias, que são completamente redundantes, eliminá-las todas e pô-las todas por baixo da holding do B...........» — cf. minuto 09:06 ao minuto 10:18 da inquirição realizada no dia 10 de Dezembro de 2015 (cit.).
«Precisamente, a partir de 2003, aliás, finais de 2003, que o grupo E.............. começou todo um processo de eliminação de todas essas empresas intermédias, para precisamente estruturar, simplificar a estrutura, levar todos os investimentos por baixo da nossa sub holding, E.............. B..........., para depois, em 2005, fazer a oferta pública, a oferta pública de subscrição na Bolsa de ………., e foi o que foi feito» — cf, minuto 10:21 ao minuto 10:48 da inquirição realizada no dia 10 de dezembro de 2015 (cit.).
K. De entre as várias medidas a seguir, a mais relevante comercialmente passou pela supressão das sociedades intermédias entre a E.............. Internacional e as referidas filiais operacionais no B..........., tendo no âmbito de tal reorganização, sido extintas diversas sociedades intermédias.
—Facto alegado nos artigos 54.° e 55.° da p.i. e no artigo 38.° das alegações finais e que resulta provado pelos depoimentos prestados em sede de audiência de inquirição de testemunhas e o que a AT reconhece no RIT — cf. pp. 22 e 23 do Anexo 5 ao Relatório de Inspeção Tributária ao Grupo E.............. junto como doc. n.° 4 em anexo à p.i..
L. As perdas reconhecidas com a extinção dessas participadas de pequena dimensão não foram corrigidas pela AT, o que se constata e demonstra através da simples leitura do que a AT faz constar no RIT.
—Facto alegado no artigo 56.° da p.i. e no artigo 39.° das alegações finais e confirmado pelo Anexo 5 ao Relatório de Inspeção Tributária ao Grupo E.............. junto como doc. n.° 4 em anexo à p.i., a fls. 446 dos Autos, pp. 17 a 28.
M. Em 2005, decorridos seis anos sobre a sua aquisição, e no mesmo movimento de simplificação da estrutura acionista vis-a-vis eliminação de estruturas organizacionais desnecessárias, foi dissolvida e liquidada a sociedade A...............
—Facto alegado no artigo 57.° da p.i. e no artigo 40.° das alegações finais e que resulta da cópia do certificado de dissolução da A.............. junta como doc. n.°14 em anexo à p.i. a fls. 858 dos Autos e dos depoimentos das testemunhas.
N. O processo de dissolução da A.............. iniciou-se em 2004, mas apenas terminou em março de 2005, sendo apenas nesse momento que a E.............. Internacional passou a ser detentora direta dos ativos que pertenciam àquela sociedade.
— Factos alegados nos artigos 57.°, 59.°, 60.°, 61.°, 64.°, 70.° e 71.° da p.i. e nos artigos 41.° e 48.° das alegações finais, que resultam provados pelos documentos juntos aos Autos e pelos depoimentos da primeira e da quarta testemunhas.
O. Assim, em 31 de dezembro de 2004, antecipando a verificação de perda significativa, a E.............. Internacional registou uma provisão de € 578.440.353,42 [Correspondente à diferença entre o valor total do investimento efetuado pela E.............. Internacional na A.............., sem considerar, tal como reconhecido pela AT no RIT, o valor correspondente à amortização do goodwill - no valor total de € 706.625.599,55 - e o valor estimado dos ativos detidos pela A.............., determinado provisoriamente pela EY - no valor de € 128.185.246,13 -, ou seja, € 578.440.353,42 = € 706.625.599,55 - € 128.185.246,13. Tal como reconhecido pela AT no RIT, foi ainda registado um ativo por impostos diferidos associado à perda que se antecipava que viesse a resultar da liquidação, mas tendo em conta a natureza provisória dessa estimativa, foi reconhecida a natureza precária desse ativo, mediante o registo, em paralelo, de uma provisão no mesmo valor. Nenhuma destas provisões concorreu para o resultado fiscal (cf. pp. 35 a 39 do Anexo 5 ao Relatório de Inspeção Tributária ao Grupo E.............. junto como doc. n.° 4 em anexo à p.i., a fls. 446 dos Autos)]. Esta provisão não foi relevante para efeitos fiscais.
— Facto alegado nos artigos 57.°, 59.°, 60.°, 61.°, 64.°, 70.° e 71.° da p.i. e no artigo 49.° das alegações finais.
O registo contabilístico da provisão vem confirmado pela própria AT, que analisou as contas da E.............. Internacional no âmbito da inspeção, no RIT, no qual se refere que:«no exercício de 2004, com o início do processo de dissolução da sociedade A.............., constituiu a E.............. Internacional uma provisão no montante de € 578.440.353,42, para fazer face à menos-valia estimada com a liquidação daquela. Em 2004, a sociedade E.............. Internacional atingiu um prejuízo contabilístico de € 590.067.769,92, resultante essencialmente do lançamento contabilístico respeitante à constituição da referida provisão:
Quadro 8-Lançamento contabilístico referente à provisão para a menos-valia:
Contas movimentadas
a débito | Contas movimentadas
a crédito | Valor | Observações |
69.88099- Outros Custos
Extraordinários não
especificados
a débito | 49.1. -Provisões p/
Investimentos
Financeiros | €578.440.353,42 | Provisão para
Menos-valia
com a liquidação da
A.............. |
(cf. p. 35 do RIT constante do Anexo 5 ao Relatório de Inspeção Tributária ao Grupo E.............. junto como doc. n.° 4 em anexo à p.i.).
Confirmando ainda a AT, no mesmo RIT, que o custo associado à constituição desta provisão não foi fiscalmente relevante, quando afirma que:
«de referir que esta provisão não concorreu para a formação do lucro tributável do exercício de 2004 em virtude do sujeito passivo ter procedido ao seu acréscimo no campo 208 da declaração de rendimentos modelo 22» (cf. p. 36 do RIT constante do Anexo 5 ao Relatório de Inspeção Tributária ao Grupo E.............. junto como doc. n.° 4 em anexo à p.i. Sublinhado nosso).
A constituição da provisão resulta ainda provada pelos depoimentos das testemunhas, conforme resulta das seguintes passagens dos depoimentos prestados perante o Tribunal a quo:
«Em 2004, como nós já sabíamos mais ou menos o valor dos ativos que íamos receber, e intrinsecamente qual é que é o valor implícito do ativo que nós hoje temos, quer dizer, nós temos, que na altura a E.............. Internacional tinha, que era o A.............., o que fizemos foi: provisionámos a participação financeira até ao montante da melhor estimativa de justo valor dos ativos que íamos receber no âmbito da dissolução» — cf. minuto 30:36 ao minuto 31:03 do depoimento do Dr. M …………………., ouvido pelo Tribunal a quo no dia 10 de Dezembro de 2015 (cit.).
«Constituímos uma provisão em 2004 e eu penso que a corrigimos em 2005, mas já não me lembro qual é que é a ordem de magnitude da correção, isso não me lembro» — cf. minuto 37:32 ao minuto 37:39 do depoimento do Dr. R ………….. ouvido pelo Tribunal a quo no dia 9 de dezembro de 2015 (cit.).
«Claro, por isso é que a perda, para efeitos fiscais, só é reconhecida em 2005, porque só ocorre a liquidação em 2005» — cf. minuto 37:48 ao minuto 37:56 do depoimento do Dr. R…………. ouvido pelo Tribunal a quo no dia 9 de dezembro de 2015 (cit.).
Em 31 de Dezembro de 2004, aquando do início do processo de dissolução da A............... a E.............. Internacional «tinha, portanto, os 100% do A.............. e depois tinha mais um outro conjunto de participações, uma CERG, que era uma pequena distribuidora de 10%, já não me lembro, porque era participação minoritária numa distribuidora do Rio de Janeiro, tinha mais uma outra pequena, que era a I………….., e não tinha muito mais, basicamente» [...] «não, ainda não tinha as participadas [da A..............]», veio a tê-las apenas «em 2005, com a dissolução» — cf, minuto 19:34 ao minuto 20:06 do depoimento do Dr. M ………………….. ouvido pelo Tribunal a quo no dia 10 de dezembro de 2015 (cit.).
Em 31 de Dezembro de 2004 a E.............. Internacional não tinha «a avaliação, nós neste momento tínhamos uma estimativa do que é que poderia vir a ser a perda, a avaliação definitiva com referência à data de dissolução só tivemos em março» — cf, minuto 19:13 ao minuto 19:22 do depoimento do Dr. M ………………….. ouvido pelo Tribunal a quo no dia 10 de dezembro de 2015 (cit.).
O processo de liquidação iniciou-se em «31 de Dezembro de 2004, portanto, era impossível estar liquidada nessa data, nos documentos de prestações de contas da E.............. Internacional, está lá o A.............., em 31 de dezembro, não houve qualquer abate de participação financeira, há efetivamente informação sobre os ativos que vão ser recebidos no âmbito da dissolução, mas não há, para haver a distribuição e o reconhecimento dos ativos é preciso abater nos anteriores, quer dizer, senão temos uma duplicação de ativos, quer dizer, não faz sentido» — cf. minuto 28:07 ao minuto 28:55 do depoimento do Dr. M……………………, ouvido pelo Tribunal a quo no dia 10 de dezembro de 2015 (cit.).
e,
«Não havia duplicação, portanto, os ativos que estavam em baixo na A.............. e que estavam em processo de dissolução, não estão contabilizados em cima na E.............. Internacional» — cf. minuto 29:01 ao minuto 29:14 do depoimento do Dr. M………………., ouvido pelo Tribunal a quo no dia 10 de dezembro de 2015 (cit.).
P. O produto da liquidação da A.............., correspondente ao valor de mercado das participações sociais nas subsidiárias por esta detidas até à sua extinção, foi objeto de avaliação económica definitiva através de estudo realizado pela E……..& Y……. com referência a março de 2005.
— Facto alegado no artigo 58.° da p.i. e no artigo 55.° das alegações e comprovado pelo doc. n.° 15 em anexo à p.i. a fls. 859 dos Autos e resulta dos depoimentos presados pelas testemunhas.
Como explicou o Dr. M………………..:
«Sim, aliás, para o encerramento e fecho, enfim, dissolução da sociedade, [...] nós tínhamos contratado a E………. & Y…………. para nos avaliar os investimentos, temos um relatório independente da avaliação, de anos e anos, de todos os ativos que estejam por baixo do A.............., no momento da sua dissolução, liquidação» — cf. minuto 15:05 ao minuto 15:30 da inquirição realizada no dia 10 de dezembro de 2015 (cit.).
Q. De acordo com esta avaliação, o valor dos ativos líquidos entregues pela A.............. ao seu acionista único (a E.............. Internacional) em resultado da sua liquidação foi de € 189.137.037,62
—Facto alegado no artigo 59.° da p.i. e no artigo 57.° das alegações finais, reconhecido pela AT no RIT (cf. pp. 40 a 42 do Anexo 5 ao Relatório de Inspeção Tributária ao Grupo E.............. junto como doc. n.° 4 em anexo à p.i., a fls. 446 dos Autos) e explicitado em detalhe pelos depoimentos das testemunhas.
R. Assim, em resultado da operação de liquidação em março de 2005, o registo da perda, a utilização da provisão relevada em 2004 e os demais ajustamentos contabilísticos daí decorrentes, a E.............. Internacional registou uma menos-valia fiscal de € 590.711.238,61, correspondente à diferença entre o valor da avaliação dos ativos que recebeu (de € 189.137.037,62) e o custo de aquisição das ações da sociedade liquidada (€ 779.848.276,23). - Facto alegado nos artigos 60.° e 61.° da p.i. e nos artigos 58.° e 60.° das alegações finais e, confirmado pela AT no RIT.
Estes movimentos contabilísticos incluíram, tal como a AT detalha no RIT, essencialmente: • Utilização/reposição da provisão: «Em 31 de março de 2005 foi considerado concluído o processo de extinção da sociedade A.............., por parte da entidade L ………………….. Limited (entidade liquidatária). Os ativos antecipadamente entregues no final do exercício de 2004, foram avaliados com base num estudo elaborado pela empresa da E…………. & Y……… de onde resultou um valor definitivo de perda de € 590.711.238,61, tal como anteriormente já referimos.
No exercício de 2005, o sujeito passivo procedeu à utilização da provisão para “perdas” com a liquidação da A.............., no montante de € 578.440.353,42, revertendo os registos efetuados no exercício anterior:»
Quadro 14 - Reposição da provisão para a menos-valia com a liquidação:
Contas movimentadas
a débito | Contas movimentadas
a crédito | Valor | Observações |
49.1. -Provisões p/
Investimentos
Financeiros | 69.88099- Outros Custos
Extraordinários não
especificados | €578.440.353,42 | Reposição da provisão
para “perdas” com a
A.............. |
(cf. p. 40 do RIT constante do Anexo 5 ao Relatório de Inspeção Tributária ao Grupo E.............. junto como doc. n.° 4 em anexo à p.i. ).
• Desreconhecimento das ações da A.............. e o reconhecimento das participações detidas por esta:
A E.............. Internacional começou por reduzir o seu ativo pelo valor que tinha sido estimado em 2004 para a perda (€ 578.440.353,42), por contrapartida de um gasto (cf. p. 42 do RIT constante do Anexo 5 ao Relatório de Inspeção Tributária ao Grupo E.............. junto como doc. n.° 4 em anexo à p.i.).
Em seguida e porque este valor não incluía o valor relativo à amortização do goodwill [Na verdade e como a AT reconhece no RIT, a E.............. Internacional apesar de até certo momento ter procedido à dedução de uma parte do custo de aquisição das ações da A.............. a título de amortização de goodwill, essa dedução acabou por ser revertida no plano contabilístico e nunca foi fiscalmente relevante, pelo que, para efeitos fiscais, haveria sempre que considerar esse valor adicional como gasto, no momento da liquidação, para efeitos contabilísticos e fiscais.] (de € 73.222.676,68), ele teve de ser igualmente levado a gasto (cf. p. 42 do RIT constante do Anexo 5 ao Relatório de Inspeção Tributária ao Grupo E.............. junto como doc. n.° 4 em anexo à p.i.). Resultando numa perda total de €651.663.030,10 (cf. p. 42 do RIT constante do Anexo 5 ao Relatório de Inspeção Tributária ao Grupo E.............. junto como doc. n.° 4 em anexo à p.i.).
No entanto, como a perda inicialmente estimada (de € 578.440.353,42) assumia uma avaliação dos ativos recebidos inferior àquela que se verificou no momento da liquidação (em março de 2005), essa diferença - positiva - (de €60.951.791,49 [Correspondente à diferença entre a avaliação efetuada pela EY em 2005 (€ 189.137.037,62) e a avaliação realizada em 2004 (€ 128.185.246,13), ou seja, € 60.951.791,49 = € 189.137.037,62 - € 128.185.246,13.]) foi igualmente considerada.
Isso mesmo foi explicado pelas testemunhas, em especial, o Dr. M ………………. que referiu que:
«Aí [em 2005] regista, confirma a perda que já tínhamos estimado no ano anterior, em termos de provisão, e que nessa altura em Março recebemos a avaliação final que até melhorou bastante, portanto, a avaliação final dava património líquido a receber do A..............à volta dos 130 milhões, e com a avaliação, que era uma estimativa de Setembro, e com a dissolução em Março nós com base na avaliação, a estimativa dos valores dos ativos que a E.............. Internacional recebeu pela liquidação do A.............. ascendeu para cerca de 190,189, ou 190milhões» — cf. minuto 20:21 ao minuto 20:55 da inquirição realizada no dia 10 de Dezembro de 2015 (cit.).
Resultando, então, do exposto uma menos-valia de € 590.711.238,611 [€590.711.238,61 = € 578.440.353,42 + € 73.222.676,68 - € 60.951.791,49.] (cf. p. 43 do RIT constante do Anexo 5 ao Relatório de Inspeção Tributária ao Grupo E.............. junto como doc. n.° 4 em anexo à p.i.).
Isso mesmo, vem resumido no RIT no quadro seguinte:
Quadro 19 - Desagravamento fiscal:
Itens | Descrição | Valor | Observações |
(1) | “Perda” com a dissolução
a A………… | € 578.440.353,42 | Débito da conta 69.88099
Crédito da conta 41.11 |
(2) | Goodwill amortizado2 | € 73.222.676,68 | Campo 230- Camp 215
Do Q07 – Mod.22 |
(3) | Correção estimativa da
perda de “liquidação” | € 60.951.791,49 | Débito da conta 41.11
Crédito da conta 79.88099 |
(4)=(1)+(2)-(3) | Menos –valia | € 590.711.238,31 |  |
(cf. p. 43 do RIT constante do Anexo 5 ao Relatório de Inspeção Tributária ao Grupo E.............. junto como doc. n.° 4 em anexo à p.i.).
S. As principais razões que contribuíram para a desvalorização do investimento da E.............. Internacional, através da A.............., no B..........., e dos ativos subjacentes têm origem em fatores de carácter externo, a saber:
• Na desvalorização cambial do Real B...........eiro face ao investimento da E.............. Internacional que, por si só, consubstanciou uma perda direta de 366 milhões de Euros até 31 de dezembro de 2002, sendo de 355 milhões de Euros em 31 de dezembro de 2004 e de 338 milhões de Euros em 31 de março de 2005;
• Na desvalorização cambial do Real B...........eiro face ao Dólar Norte-Americano, que foi de 9,3% em 2000 e de 52,3% em 2002;
• Na notória e conhecida instabilidade económica no B........... no início dos anos 2000 e, particularmente, em 2002, caracterizada por frequentes e drásticas intervenções do governo Brasileiro e por ciclos económicos muito voláteis;
• Na crise no sector de energia ocorrida em 2001 e 2002 no B..........., por insuficiência de capacidade de produção, o que conduziu à intervenção do governo Brasileiro, através da tomada de medidas de racionamento de consumo de eletricidade, tendo implicado uma redução relevante nos proveitos das sociedades E…………… e En.............
— Factos alegado no artigo 62.° da p.i. e no artigo 59.° das alegações finais e, que resultam provados pelos depoimentos prestados em sede de audiência de inquirição de testemunhas.
Como explicou o Dr. R…………….:
«Nós tivemos dois problemas muito graves entre 2000 e 2003 [...] em primeiro lugar houve uma mudança do poder no B........... e houve um susto muito grande por parte dos mercados de capitais relativamente à chegada do PT ao poder [...] isso fez com que houvesse uma desvalorização brutal da moeda local, face ao dólar e ao Euro, portanto tivemos esse primeiro problema» — cf. minuto 17:25 ao minuto 18:19 da inquirição realizada no dia 9 de dezembro de 2015 (cit.).
«Nós comprámos ativos no B........... pagando nós na nossa moeda, na nossa moeda, o Euro, e fizemos investimentos que alguns deles foram feitos em Dólares. O que interessa é que os ativos adquiridos, os ativos que produzem resultados e cash-flow são ativos em Reais, são ativos na moeda local. Quando essa moeda local se desvaloriza face à moeda em que nós fazemos as nossas contas, ainda que nada mais tenha acontecido, essa desvalorização é refletida no valor patrimonial dos ativos e nos resultados que esses ativos produzem. Portanto, mesmo que nada mais tivesse acontecido, isso produz uma desvalorização do nosso investimento. É evidente que quando acontece o contrário e o Real se valoriza face ao Dólar e ao Euro, produz-se exatamente o efeito contrário» — cf. minuto 18:39 ao minuto 19:33 da inquirição realizada no dia 9 de dezembro de 2015 (cit.).
«Mas aconteceu uma segunda coisa, aconteceu um segundo facto: [...] provavelmente ninguém se lembrará disso, eu lembro-me porque isso para nós foi muito relevante no B..........., aconteceu aquilo a que se chamou no B........... em determinado momento um apagão, isso quis dizer o quê? [...] O mercado Brasileiro era na altura cerca de 85% dependente de uma fonte energética, é aliás o único país do mundo que eu conheço que é assim, que é da energia hidroelétrica, [...] na altura 85% a 90% da energia no B........... era hidroelétrica. O B........... é um país enorme, que é infelizmente dividido em duas metades: a metade sul e a metade norte que não comunicam entre si, porque as redes de transmissão não são suficientemente potentes para isso, e aconteceu uma seca monumental no B........... durante esses anos que conduziu a uma quebra brutal de produção de energia elétrica, sobretudo nos mercados do Norte do B...........» — cf. minuto 19:43 ao minuto 21:16 da inquirição realizada no dia 9 de dezembro de 2015 (cit.).
«Isso fez com que houvesse problemas muito graves de produção de energia elétrica e esses problemas muito graves refletiram-se obviamente nas empresas de distribuição elétrica [a EN............ e a E…………] que tiveram muitíssimo menos energia para distribuir e tiveram perdas significativas de negócio durante esse período. Portanto isto não tem rigorosamente nada a ver com a questão cambial, mas os dois efeitos infelizmente foram produzidos nas contas da E.............. no mesmo sentido, ambos constituíram prejuízos para o valor patrimonial da presença da E.............. no B...........» — cf. minuto 21:18 ao minuto 22:06 da inquirição realizada no dia 9 de dezembro de 2015 (cit.).
T. Com a conclusão do processo de liquidação da A.............., em 2005, a E.............. Internacional registou, assim, a respetiva perda, que tratou como uma menos-valia dedutível para efeitos de IRC, nos termos da alínea b) do n.° 2 do artigo 75.° do Código do IRC (numeração à data dos factos, atual artigo 81.°, n.° 2, al. b)).
—Facto alegado no artigo 63.° da p.i. e no artigo 61.° das alegações e, confirmado pela AT no RIT (cf. p. 44 do RIT constante do Anexo 5 ao Relatório de Inspeção Tributária ao Grupo E.............. junto como doc. n.° 4 em anexo à p.i.) e objeto do depoimento das testemunhas.
Como também esclareceu o Dr. R ……………..:
«Eu sei que foi perto dos 600 milhões de euros nessa altura, foi um prejuízo tão grande que não me volto a esquecer dele. Foi inferior a 600 milhões, mas não me lembro do número» — cf, minuto 23:00 ao minuto 23:15 da inquirição realizada no dia 9 de dezembro de 2015 (cit.).
U. Todo o processo de aquisição da A.............., bem como a subsequente reestruturação societária e respetivas relevações contabilísticas foram objeto de auditoria completa às demonstrações financeiras das sociedades visadas pelos auditores externos — em funções em cada momento — in casu, as sociedades P……………………e K……., sendo as respetivas contas e certificação legal de contas, públicas nos termos da lei.
—Facto alegado no artigo 72.° da p.i. e no artigo 65.° das alegações e ficou provado pelo depoimento das testemunhas.
125. Por fim, importa notar que, para além dos trechos do RIT acima citados, todos os factos acima elencados constam desse relatório e/ou não foram postos em causa por ele ou pela Fazenda Pública nos Autos.
126. Nessa medida e, embora reconhecendo-se que, em processo tributário, a falta de contestação especificada dos factos alegados pelo autor não representa a confissão dos factos, devendo ser livremente apreciada pelo juiz (cf artigo 110.°, n.°s 6 e 7 do CPPT), essa falta de impugnação não poderá deixar de ser valorada, em conjunto com a demais prova produzida, no sentido de que tais factos ficaram suficientemente provados nos Autos.2.2.2.2. Factos Não Provados: 127. A AT, primeiro no RIT e depois através da Fazenda Pública nos Autos, alegou que: «Em 31 dezembro de 2004, a sociedade A.............. procedeu à entrega antecipada dos seus ativos à E.............. Internacional. Esta última efetuou o abate da participação financeira na A.............., relevando, em simultâneo, o conjunto dos ativos financeiros que compunham a A.............. na sua contabilidade, demonstrando que era titular efetiva daqueles ativos em 31 de Dezembro de 2004. Assim, no momento da liquidação da A.............. (31 de março de 2005), era esta uma entidade desprovida de quaisquer ativos (...)»
— Facto referido na página 30 do RIT, constante do Anexo 5 ao Relatório de Inspeção Tributária ao Grupo E.............. junto como doc. n.° 4.
128. Em rigor, estes factos não foram relevantes para sustentar a correção contestada, na medida em que foi a própria AT quem, no RIT, reconheceu que esta alegada distribuição antecipada ocorrida em 2004 também nunca poderia ser fiscalmente relevante nesse exercício (cf. p. 52 do RIT constante do Anexo 5 ao Relatório de Inspeção Tributária ao Grupo E.............. junto como doc. n.° 4 em anexo à p.i.).
129. No entanto, uma vez que este Tribunal fez constar do probatório o segmento do RIT em que eles vêm referidos - facto ZZ) -, ficando, pois, assente que a AT a eles fez referência na fundamentação da correção impugnada (mas já não que os factos aí relatados ocorreram realmente), importa verificar se os mesmos ficaram ou não provados nos Autos.Vejamos, 130. Para suportar estas afirmações, a AT alegou: i) esclarecimentos que alguém da E.............. Internacional terá fornecido aos serviços de inspeção; e ii) o tratamento contabilístico que a E.............. Internacional deu à operação (cf. p. 47 do RIT constante do Anexo 5 ao Relatório de Inspeção Tributária ao Grupo E.............. junto como doc. n.° 4 em anexo à p.i.).
131. Em relação aos esclarecimentos que terão sido prestados no âmbito da inspeção, a AT transcreve-os para o RIT, nos seguintes termos:
“No âmbito c1o processo de dissolução e liquidação da A.............. no final de 2004, especificamente em 31 de Dezembro de 2004 esta filial procedeu à distribuição dos seus activos ao seu accionista único (E.............. Internacional), conforme se comprova através da documentação em anexo..., a qual evidencia a transferência, nessa data, da titularidade jurídica dos GDR's da A.............. a favor da E.............. Internacional. Os referidos documentos, designadamente, a carta emitida pelo Bank of New York ajudam, igualmente, a clarificar a concretização da referida distribuição à E.............. Internacional dos activos da A...............
Quanto ao documento de apuramento do resultado de liquidação em 31 de Março de 2005, importa referir que o mesmo apenas tem por objectivo informar o accionista E.............. Internacional do valor final efectivo dos activos financeiros distribuídos em data anterior, valorizados com referência à efectiva data de liquidação da A................."
132. Contudo, a comunicação ou o email do qual os mesmos constam não foi junta ao RIT, nem consta sequer do restante processo administrativo junto aos Autos pela Fazenda Pública, não constando igualmente dos Autos os documentos que terão sido enviados com a mesma.
133. Além de não se conhecer quem terá referido esse aspeto, não se conhecer qual o nível de senioridade dessa pessoa, se tinha conhecimento efetivo da operação, se vinculava a empresa, e em que circunstâncias emitiu essa opinião, o que se afigura muito significativo, posto que nos autos constam elementos que corroboram precisamente o contrário tanto ao nível documental como decorrente dos depoimentos dos responsáveis máximos da área financeira.
134. Com efeito, a ideia de que, em 2004, houve uma distribuição dos ativos da A.............. à E.............. Internacional, que a AT pretende retirar do esclarecimento dado por alguém da E.............. Internacional, foi expressamente contraditado pelas testemunhas da mesma E.............. ouvidas em juízo (e responsáveis das áreas relevantes), conforme resulta dos depoimentos citados a respeito do ponto/quesito O supra.
135. Em especial, foi referido pelo Dr. M ………………. - à época, diretor financeiro e de contabilidade do Grupo E.............. - que, em 31 de Dezembro de 2004, a E.............. Internacional «tinha, portanto, os 100% do A.............. e depois tinha mais um outro conjunto de participações, uma CERG, que era uma pequena distribuidora de 10%, já não me lembro, porque era participação minoritária numa distribuidora do Rio de Janeiro, tinha mais uma outra pequena, que era a I……………, e não tinha muito mais, basicamente» [...] «não, ainda não tinha as participadas [da A..............]», veio a tê-las apenas «em 2005, com a dissolução» — cf. minuto 19:34 ao minuto 20:06 do depoimento do Dr. M …………….., ouvido pelo Tribunal a quo no dia 10 de dezembro de 2015 (cit.).
136. Por outro lado, importa notar que, tal como a própria Recorrida/Reclamante sempre afirmou, o processo de liquidação começou efetivamente em 2004, pelo que foram, nesse ano, encetadas diligências no sentido de realizar essa operação, encomendando-se avaliações, contactando-se as entidades locais responsáveis, incluindo liquidatários e bancos depositários dos ativos, e provisionando-se as perdas esperadas...
137. Mas essas diligências só se concluíram em 2005, só nesse momento se extinguindo a A.............. e transferindo-se os seus ativos para a E.............. Internacional, o que, aliás, resulta provado nos autos por documento correspondente ao certificado de dissolução da A.............. em que liquidatário atesta que a mesma se completou em 2005 (cf. doc. n.° 14 em anexo à p.i. afls. 858 dos Autos). Facto que a própria AT também reconhece no RIT. [Na verdade e como já referido, a AT escreveu no RIT que «Em 31 de março de 2005 foi considerado concluído o processo de extinção da sociedade A.............., por parte da entidade L …………………Limited (entidade liquidatária)» (cf. p. 40 do RIT constante do Anexo 5 ao Relatório de Inspeção Tributária ao Grupo E.............. junto como doc. n.° 4 em anexo à p.i.)].
138. E mais, não há nenhuma indicação no RIT (e muito menos nos Autos) que a “partilha antecipada” que a AT alega ter acontecido em 2004 tenha tido outra causa que não seja o processo de dissolução e liquidação da A............... Nem a AT aventou qualquer outra causa para isso, como lhe competiria se fosse o caso... Ela aconteceu - qualquer que seja o momento (apesar dos próprios autos já revelarem que foi em 2005) - sempre por causa e por conta do processo de dissolução e liquidação.
139. Assim sendo, estando essa “distribuição/partilha” associada à liquidação, é evidente que ela só se efetivou de forma definitiva e produziu os devidos efeitos em 2005, altura em que a «A.............. ………….. CORPORATION foi dissolvida», mais concretamente, em «31 de março de 2005 e eliminada do Registo Comercial» (cf doc. n.° 14 em anexo à p.i. a fls. 858 dos Autos).
140. Acresce que, não só os esclarecimentos que a AT invoca não foram provados e não dão suporte aos factos que alega, como o tratamento contabilístico que ela própria analisou em detalhe e descreveu no RIT contradizem essa alegação.
141. Com efeito, a AT refere que, em 2004, houve «em simultâneo» com o reconhecimento de uma provisão, no ativo da E.............. Internacional «o registo inicial dos ativos recebidos da A..............», acompanhado do abate ou da anulação da participação da A.............. (cf. pp. 36 e 37 do RIT constante do Anexo 5 ao Relatório de Inspeção Tributária ao Grupo E.............. junto como doc. n.° 4 em anexo à p.i.).
142. No entanto, haverá que convir que tal registo é absolutamente contraditório com o reconhecimento de uma provisão, isto porque, das duas uma: ou, no plano contabilístico, se desconhece ou abate as ações da subsidiária e reconhece as participações das sub-subsidiárias, apurando, no caso, uma perda pela diferença entre umas e outras, ou simplesmente estima-se a perda, porque ainda provisória, e regista-se apenas uma provisão.
143. Isso mesmo explicou o Dr. M ……………….., responsável pelas equipas que prepararam as contas, quando, em juízo, afirmou:
O processo de liquidação iniciou-se em «31 de Dezembro de 2004, portanto, era impossível estar liquidada nessa data, nos documentos de prestações de contas da E.............. Internacional, está lá o A.............., em 31 de dezembro, não houve qualquer abate de participação financeira, há efetivamente informação sobre os ativos que vão ser recebidos no âmbito da dissolução, mas não há, para haver a distribuição e o reconhecimento dos ativos é preciso abater nos anteriores, quer dizer, senão temos uma duplicação de ativos, quer dizer, não faz sentido» — cf. minuto 28:07 ao minuto 28:55 do depoimento do Dr. M …………………, ouvido pelo Tribunal a quo no dia 10 de dezembro de 2015 (cit.).
e,
«Não havia duplicação, portanto, os ativos que estavam em baixo na A.............. e que estavam em processo de dissolução, não estão contabilizados em cima na E.............. Internacional» — cf. minuto 29:01 ao minuto 29:14 do depoimento do Dr. M ……………….., ouvido pelo Tribunal a quo no dia 10 de dezembro de 2015 (cit.).
144. Note-se que, não é só a AT que reconhece ter sido registada uma provisão. também os Professores XAVIER DE BASTO e ANTÓNIO MARTINS, em parecer junto, depois de analisar o RIT e as contas da E.............. Internacional, citam o relatório e contas de 2004 da E.............. Internacional, no qual consta que em 2004 «foi constituída uma provisão no valor de 578 milhões de euros ara fazer face à menos-valia estimada da participação financeira no A.............., que foi corrigida em 2005 com o encerramento do processo de dissolução/liquidação, após a valorização definitiva dos activos» (cf. pp. 6 e 7 do parecer junto).
145. Concluindo os Professores que: «assim, a entrega dos ativos financeiros à E.............. Internacional no contexto do processo de dissolução, liquidação e partilha da A.............. originou, em 2004, uma perda estimada (então designada por provisão) de 578 milhões de euros que foi custo contabilístico de 2004», tendo a empresa reconhecido a «perda definitiva (menos-valia fiscal) no âmbito da dissolução e liquidação da A.............. se deveria considerar o exercício de 2005, já que a perda estimada em 2004 tinha natureza de perda não definitiva, pois o processo de dissolução, liquidação e partilha estava em curso, mas não finalizado, em dezembro de 2004» (cf. p. 7 do parecer junto).
146. Finalmente, a demonstrar como o relato dos movimentos contabilísticos feitos pela AT no RIT não é consistente, note-se também que, se tivesse ocorrido realmente um abate da participação da A.............. e o registo das participações nas suas subsidiárias, o valor registado nas contas relativo a «partes de capital em empresas do grupo» e respeitante ao Ativo Bruto teria de ser de € 217.622.030,55 que, na verdade, é aquele que corresponde ao Ativo Líquido (ou seja, Ativo Bruto, deduzido da provisão).
147. Por tudo isto, é evidente que estes factos que a AT alega na fundamentação da correção que fez e a Fazenda Pública sustentou nos Autos, não ficaram demonstrados.
148. Termos em que deveria ser levado ao probatório, enquanto matéria de facto NÃO PROVADA, o seguinte:
V. Em 31 dezembro de 2004, a sociedade A.............. procedeu à entrega antecipada dos seus ativos à E.............. Internacional. Esta última efetuou o abate da participação financeira na A.............., relevando, em simultâneo, o conjunto dos ativos financeiros que compunham a A.............. na sua contabilidade, demonstrando que era titular efetiva daqueles ativos em 31 de Dezembro de 2004. Assim, no momento da liquidação da A.............. (31 de março de 2005), era esta uma entidade desprovida de quaisquer ativos.
149. Com efeito, este quesito foi definitivamente impugnado pela então Impugnante, não decorre de nenhum documento com fé pública e foi expressamente contraditado e refutado por vários documentos e depoimentos testemunhais.
2.2.3. Do convite para proceder ao enquadramento jurídico
150. Indicada a matéria de facto que se nos afigura mais relevante e cujo julgamento (como acima explicitado) se impõe que seja realizado pelo Tribunal de 1a instância, cumpre, em correspondência com o convite igualmente formulado pelo presente Tribunal, proceder ao enquadramento jurídico a que esse julgamento da matéria de facto deve ser subordinado.
151. Antes disso, porém, importa notar que o dever de pronúncia que este Tribunal reconheceu ter, quanto às questões de Direito, deve naturalmente incluir todas as questões oportunamente suscitadas pela ora Reclamante nos Autos e referidas na sua reclamação, designadamente a questão de saber se a correção efetuada pela AT viola o disposto no artigo 75.°, n.° 2 do Código do IRC (ou, se pelo contrário, encontra algum apoio no artigo 23.° do mesmo diploma, como pretende a AT) e ainda se é compatível com o princípio da especialização dos exercícios e com o princípio da justiça, entre outros temas, tal como decorre da lista referida no segmento decisório do Acórdão de 11 de julho de 2024, pág. 19 a qual é, aliás, meramente indicativa.
152. Nesse sentido, pronunciou-se expressamente o Professor LEBRE DE FREITAS, referindo ser imprescindível a pronúncia do decisor quanto a todas as questões direito, sob pena de nulidade:
«Semelhantemente, a norma e os princípios que, invocados pela E.............. na sua arguição de nulidade, o acórdão anulatório não refere como não apreciados, sem, porém, afirmar o contrário (violação da norma do art. 75-2 CIRC e dos princípios da especialização de exercícios e da justiça), poderão vir a ser apreciados na nova decisão a proferir, e deverão sê-lo se a sua apreciação não ficar prejudicada pela de um dos fundamentos expressamente referidos no acórdão anulatório como permanecendo em aberto. O entendimento contrário só poderia repousar na confusão entre questão fundamental, constitutiva do objeto do processo, e simples fundamento da decisão e teria como necessária consequência abrir a porta à arguição da nulidade, por omissão de pronúncia, do acórdão anulatório - o que, como julgo ter demonstrado no texto, não resulta da boa interpretação das disposições reguladoras do recurso da decisão sobre a matéria de facto. No entanto, feita a interpretação restritiva (e, a meu ver, inadequada) do acórdão anulatório cuja possibilidade remota é encarada nesta nota e na antecedente, o facto de as partes estarem em prazo de audição sobre a matéria que o acórdão expressamente refere como não definitivamente decidida permitir-lhes-á, adiantando-se ao (novo) convite para o exercício do contraditório, aproveitar para se pronunciarem também sobre esses pontos». [Cf. Nota 24 do parecer junto.](nota 25 da p. 42 do parecer em anexo, destaque nosso)
2.2.3.I. Da violação do disposto no artigo 75.°, n.° 2 e do artigo 23.° do Código do IRC:
153. À data dos factos, o artigo 75.°, n.° 1 do Código do IRC, incluído numa subsecção intitulada «liquidação de sociedades e outras entidades», dispunha que:
«É englobado para efeitos de tributação dos sócios, no exercício em que for posto à sua disposição, o valor que for atribuído a cada um deles em resultado da partilha, abatido do preço de aquisição das correspondentes partes sociais.»
154. Determinando-se, no n.° 2 do mesmo preceito que:
«No englobamento, para efeitos de tributação da diferença referida no número anterior, deve observar-se o seguinte:
a)Essa diferença, quando positiva, é considerada como rendimento de aplicação de capitais até ao limite da diferença entre o valor que for atribuído e o que, face à contabilidade da sociedade liquidada, corresponda a entradas efectivamente verificadas para realização do capital, tendo o eventual excesso a natureza de mais- valia tributável;
b)Essa diferença, quando negativa, é considerada como menos-valia, sendo dedutível apenas quando as partes sociais tenham permanecido na titularidade do sujeito passivo durante os três anos imediatamente anteriores à data da dissolução.»
155. Tanto então, como hoje, para que opere o artigo 75.°, n.°s 1 e 2 do Código do IRC, fundamental era e é apurar se o acionista registou uma diferença positiva ou negativa com a operação de dissolução e liquidação; e sendo esta diferença negativa, a perda apurada com a operação era e continua a ser hoje dedutível desde que o acionista detivesse as participações sociais na sociedade liquidada há pelo menos três anos (hoje, quatro anos).
156. Assim e tendo ficado demonstrado nos Autos que a A.............. foi dissolvida e liquidada e que, no quadro dessa dissolução e liquidação, a E.............. Internacional recebeu ativos cujo valor de mercado era inferior ao custo de aquisição das ações da A.............., as quais detinha há mais de três anos, conclui-se que a perda ou menos-valia apurada pela E.............. Internacional com a dissolução e liquidação da A.............. é dedutível à luz do artigo 75.°, n.° 2, al. b) do Código do IRC.
157. Os factos subsumem-se ipsis verbis na letra e no espírito da lei: a diferença negativa realizada com a dissolução e liquidação da A.............. e recebimento dos ativos desta, é uma menos-valia dedutível para efeitos de IRC.
158. Sendo tal regime o único que respeita, como adiante melhor se demonstrará, o princípio da capacidade contributiva, mas também o único que permite exprimir em sede fiscal, a realidade que o legislador criou e mantém desde tempos idos: têm personalidade jurídica (e tributária) não só das pessoas singulares, mas também as pessoas coletivas, e a aquisição e extinção da personalidade jurídica (e tributária) é plena de consequências jurídicas e, em especial, de consequências jurídico-fiscais.
159. É, por isso, difícil compreender a posição que a AT assumiu em todo este processo, ao subscrever uma solução que tem tanto de inaudita de iure constituto, como de absolutamente contra legem, considerando, perante os factos acima referidos e este enquadramento jurídico, que:
«em substância a operação de liquidação e partilha da A.............. apenas resultou na substituição no balanço da E.............. Internacional da participação da A.............. pelas participações que a primeira já detinha indiretamente através da A.............., não tendo ocorrido a realização de qualquer menos-valia efetiva, nem tal perda preenche o requisito da indispensabilidade de que o n.°1 do artigo 23.°do CIRC faz depender a respetiva dedutibilidade para efeitos de determinação do lucro tributável» (cf pp. 5 e 6 do Anexo 5 ao Relatório de Inspeção Tributária ao Grupo E.............. junto como doc. n.° 4 em anexo à p.i.).
160. Esta fundamentação de Direito da AT é tão contraditória quanto é, como vimos, a apreciação que faz dos factos, não tendo a mínima aderência, nem à realidade, nem ao Direito aplicável.
161. Em primeiro lugar e quanto ao facto de ter ocorrido uma distribuição antecipada em 2004, em resultado da qual «os ativos que até essa data pertenciam à A.............. transitam para a titularidade do sujeito passivo», já vimos que tal é falso e não ficou demonstrado nos Autos.
162. Por outro lado, ficou demonstrado que, qualquer que tenha sido o exercício em que os ativos da A.............. foram entregues ao seu acionista, tal entrega foi efetuada no âmbito do procedimento de dissolução e liquidação daquela.
163. Não houve, assim, ao contrário do que uma leitura incauta do RIT poderia sugerir, uma mera operação contabilística.
164. Pelo contrário, a «substituição no balanço», a que a AT se refere, refletiu, como ela própria reconhece, a dissolução e liquidação da A.............. e a partilha dos ativos desta pela sua acionista, factos cuja verificação a própria AT atesta no RIT, embora entenda que um deles ocorreu no exercício anterior (i.e., em 2004 e não em 2005).
165. Perante os factos a dar por provados é inequívoco que a partilha ocorreu em 2005, posto que em 2004 apenas foi registada uma provisão para perdas e porque nessa data (31/12/2004) a A.............. ainda detinha os ativos (e.g., participações B...........eiras). E como refere a testemunha, M ………………….., esses activos não estavam obviamente registados nas duas sociedades em duplicado...
166. Todavia, mesmo que tal entrega tivesse sido antecipada, sendo a mesma realizada, como a própria AT reconhece e refere no RIT e aparentemente resulta inclusivamente dos esclarecimentos dados por alguém da E.............. em que os serviços de inspeção se apoiaram para chegar àquela conclusão, teria de ser relevante para efeitos do artigo 75.°, n.° 2, al. b) do Código do IRC. Isso mesmo o dizem de modo inequívoco os ilustres professores de Direito fiscal de Coimbra, ANTÓNIO MARTINS e J.G. XAVIER DE BASTO em parecer junto aos autos.
167. Na verdade, caso a entrega tivesse efetiva e definitivamente ocorrido em 2004, como pretende a AT, caberia, atento o disposto no artigo 75.°, n.° 1 do Código do IRC, relevar, para efeitos de tributação, o valor dessa entrega (inferior ao que foi apurado quando ela efetivamente ocorreu em 2005, note-se [Com efeito e como resulta demonstrado nos Autos, da avaliação provisória feita em 2004 pela EY resultou que as participações detidas pela A.............. tinham um valor de mercado de € 128.185.246,13, do qual, sendo apurada a perda nesse momento, resultaria uma menos-valia de € 651.663.030,10 (= € 779.848.276,23 - € 128.185.246,13), superior àquela que a E.............. reconheceu e relevou fiscalmente em 2005, de € 590.711.238,61.]), deduzido do valor de aquisição das ações da A.............., no «exercício em que [esse valor foi, alegadamente] posto à disposição» (cf. artigo 75.°, n.° 1 do Código do IRC), ou seja, na tese da AT 2004, -coisa que a AT, à época e não obstante a inspeção incluir igualmente o exercício de 2004, expressamente se recusou a fazer...
168. De facto, tendo a mesma sido realizada no quadro da dissolução e liquidação da A.............., está bom de ver que ela está abrangida pelo artigo 75.° do Código do IRC, razão pela qual, com independência do exercício em concreto em que ocorresse a entrega dos ativos, a E.............. Internacional reconheceria sempre uma perda (2004 ou 2005) e essa perda teria sempre de ter relevo fiscal, enquanto perda resultante da dissolução e liquidação de uma subsidiária.
169. Pelo que, é incompreensível a posição que a AT em sede de inspeção e agora a Fazenda Pública adotam, não só porque insistem num facto que foi impugnado e não ficou provado - a existência de uma distribuição em 2004 a título definitivo - como, mais grave, confessando em várias passagens do RIT e depois da Contestação que essa distribuição (seja em 2004, seja em 2005) ocorreu apenas e por causa da dissolução e liquidação da A.............., terminam por defender que não houve, afinal, qualquer dissolução e liquidação e que, por isso, não é aplicável o artigo 75.°, n.° 1 do Código do IRC a nenhum dos exercícios.
170. Numa atuação que, para além de tecnicamente inconsistente, põe em causa os princípios da boa-fé e da justiça por que também a Administração se deve pautar.
171. Talvez por isso (ou seja, porque sabe que do ponto de vista fático a sua posição não tem qualquer sustentação), vem a mesma AT mais adiante dizer no RIT que afinal a perda não é dedutível porque «em substância a operação de liquidação e partilha da A.............. apenas resultou na substituição no balanço da E.............. Internacional da participação da A.............. pelas participações que a primeira já detinha indiretamente através da A..............».
172. Fixando-se, agora, a AT não no facto de ter havido uma distribuição antecipada e muito menos na discussão - que nunca existiu - sobre se tal distribuição ocorreu ou não por conta da liquidação, mas na circunstância de, sendo a E.............. Internacional detentora da totalidade do capital social da A.............., aquela já deter, em momento prévio à dissolução e liquidação desta, os seus ativos, «indiretamente através da A..............».
173. Retirando dessa detenção indireta prévia a conclusão de que, com a extinção da A.............. e a entrega dos seus ativos à E.............. Internacional esta não realizou qualquer menos-valia efetiva, porque já detinha indiretamente os ativos, acrescentando depois, como para fundamentar esse raciocínio, que «nem tal perda preenche o requisito da indispensabilidade de que o n.° 1 do artigo 23.° do CIRC faz depender a respetiva dedutibilidade para efeitos de determinação do lucro tributável».
174. Entendimento que vem explanado em abundância no RIT (cf. pp. 51 e seguintes do Anexo 5 ao Relatório de Inspeção Tributária ao Grupo E.............. junto como doc. n.° 4 em anexo à p.i.), e que justifica precisamente que a AT afirme, sem nenhum pudor, que a dedução não é admissível qualquer que seja o exercício em que a entrega dos ativos ocorreu (cf. p. 54 do Anexo 5 ao Relatório de Inspeção Tributária ao Grupo E.............. junto como doc. n.° 4 em anexo à p.i.).
175. Ora — salvo o devido respeito — a AT incorre aqui num verdadeiro erro de palmatória.
176. Com efeito, tanto o artigo 75.° do Código do IRC, como a lei societária preveem que em certos casos o(s) sócio(s) recebe(m) a totalidade dos ativos da subsidiária liquidada.
177. Por outras palavras, não só a lei societária não impede, como expressamente prevê que, em vez de se desfazer do seu ativo junto de terceiros e transferir para os sócios o produto dessa operação, líquido do passivo entretanto saldado, a sociedade liquidada simplesmente transmita para estes (e, quando forem vários, entre eles partilhe) os seus bens.
178. Circunstância que também a lei fiscal acolheu quando no artigo 74.° do Código do IRC, na redação vigente à época, hoje, artigo 80.°, prevê que «na determinação do resultado de liquidação, havendo partilha dos bens patrimoniais pelos sócios, considera-se como valor de realização daqueles o respetivo valor de mercado».
179. Procedimento que a E.............. Internacional adotou, ao considerar para efeitos do apuramento da perda o valor de mercado das participações sociais B...........eiras no momento da liquidação da A.............., determinado por um terceiro independente - avaliação que a AT, podendo, nunca pôs em causa, não tendo apresentado avaliações alternativas, contestado o método de avaliação utilizado pela EY ou sequer impugnado e, muito menos, demonstrado serem falsos os pressupostos de facto que justificaram a avaliação feita (em especial, a desvalorização do real e a instabilidade da economia Brasileira).
180. Por outro lado, a lei também não exige que esses ativos, assim partilhados pelos sócios, não possam ser ou incluir participações sociais noutras entidades, detidas indiretamente pelos acionistas até à dissolução e liquidação.
181. Nestes casos, como nos restantes, apura-se ou realiza-se, para efeitos fiscais (e também contabilísticos) um ganho ou uma menos-valia, mesmo que os ativos já sejam económica e indiretamente controlados pelo acionista.
182. Ou seja, como é absolutamente claro e pacífico na doutrina e na jurisprudência, decorre do artigo 75.° do Código do IRC sempre que exista uma operação de dissolução e liquidação e, por causa dela, se transfiram valores para o acionista, existe um evento de realização para efeitos fiscais.
183. É, pois, a própria lei que expressa e deliberadamente qualificou a dissolução e liquidação, quer na esfera da sociedade, quer na esfera do acionista como um evento tributável, sem excecionar qualquer situação em que a dissolução e liquidação ocorrem por referência a uma subsidiária controlada pela acionista e através da qual esta detém indiretamente os seus ativos.
184. Qualificação que está em linha, como já vimos, com o facto de o próprio ordenamento jurídico reconhecer a diferentes entidades - mesmo que integradas no mesmo grupo - personalidades jurídicas e tributárias diferentes.
185. Veja-se a este propósito e a título meramente ilustrativo um acórdão de 2020, do TCA-Sul, proferido para um caso com várias semelhanças com os presentes Autos.
186. Nesse aresto, estava em causa uma correção referente a menos-valia apurada que não foi aceite como custo pela AT com fundamento nos artigos 23.°, e 67.°, n.° 2, alínea b) [Entretanto renumerado para artigos 75.° e atual artigo 81.°, n.° 2, al. b) do Código do IRC], ambos do CIRC:
-«Na verdade, subjaz à correção o entendimento de que a menos-valia apurada não consubstancia uma perda efetiva, e, portanto, não enquadrável no art. 23. ° do CIRC, uma vez que se questiona os procedimentos contabilísticos da Reclamante, nomeadamente, entendeu-se que deveria ter relevado contabilisticamente a existência de goodwill no valor de aquisição da participação social» (cf acórdão do Acórdão do TCA Sul, proferido no processo n.°944/04.0BELSB de 03/05/2020[Disponível em Acordão do Tribunal Central Administrativo (mj.pt) ).
187. Tendo a este respeito o TCA Sul considerado que:
-«tudo o que a lei exigia e resultava do artigo 67.°, n.°s 1 e 2 do Código do IRC era que a menos valia dedutível para efeitos fiscais resultasse do cálculo da diferença entre o valor atribuído a cada um dos sócios em resultado da partilha subsequente à liquidação e o preço da aquisição das correspondentes partes sociais.»
-«Ora, no caso dos autos, resulta provado que a menos-valia foi calculada e obtida pela Reclamante com recurso à operação prevista no citado artigo 67.° do Código do IRC.»
188. Pelo que, «verificada a existência de uma menos-valia efetiva calculada em estrita observância do artigo 67º n.° 1, alínea b) do CIRC, estamos perante “custo ou perda” dedutível em conformidade com o art. 23.°, n.° 1, alínea 1) do CIRC (“menos-valias realizadas”, na redação vigente à época), ou seja, estamos perante uma perda efetiva que nos termos da lei é fiscalmente dedutível» (conforme sumário do referido acórdão).
189. Nesse mesmo sentido (agora reportando-se ao caso sub judice) pronunciaram-se os Professores XAVIER DE BASTO e ANTÓNIO MARTINS em parecer junto agora aos presentes autos, no qual se pode ler o seguinte:
«ocorreu sim, (...) a realização de uma perda efectiva. Ocorreu por efeito da liquidação, como estabelece o artigo 75°. Trata-se de duas sociedades diferentes, de duas pessoas jurídicas diferentes, uma das quais foi liquidada. A circunstância de essa sociedade liquidada ser detida a 100% pela E.............. Internacional não significa, como se afirma no Acórdão, que houve uma simples substituição no balanço da E.............. Internacional da participação da A.............. pelas participações que a primeira já detinha indiretamente através da A............... Não é assim. Houve uma dissolução e liquidação, quantificando-se perdas nos ativos financeiros que a sócia única recebeu, com as consequências fiscais reguladas no artigo 75º. Negar a dedutibilidade dessa perda realizada é pois, a nosso ver, desconsiderar essa disposição do CIRC, ferindo a legalidade vigente à data dos factos tributários controvertidos» (cf. pág. 16 do parecer junto como doc. n.° 1. Negritos e sublinhados nossos).
190. Pelo que a posição da AT assumida no RIT e mantida nos Autos e que conduziu à correção impugnada padece de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito do artigo 75.°, n.° 2, do Código do IRC, impondo-se, em consequência, a anulação da liquidação contestada na parte em que corporizou essa correção, o que se requer. Continuando, 191. Por outro lado e agora a respeito da invocação do artigo 23.° do Código do IRC pela AT e da natureza não indispensável da perda, importa começar por notar que tem sido entendimento pacífico dos tribunais que esse preceito deve ser entendido como uma cláusula-geral que admite a dedutibilidade de todos os custos e perdas, desde que tenham ligação com a atividade económica dos sujeitos passivos.
192. Assim, não querendo ser exaustivo, decidiu uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo, destacando aqui, a título de exemplo, o processo n.° 01018/09.3BELRS 0342/17, de 06/03/2020 no qual se dita que «o conceito a que se reporta o art° 23° do CIRC tem sido ligado aos custos incorridos no interesse da empresa ou suportado no âmbito das atividades decorrentes do seu escopo societário. Só quando os custos resultarem de decisões que não preencham tais requisitos, nomeadamente quando não apresentem qualquer afinidade com a atividade da sociedade, é que deverão ser desconsiderados ».
193. Entendido desta forma o disposto no artigo 23.° do Código do IRC, é manifesto que ele não tem aplicação, quando estejamos perante a dissolução e liquidação de uma sociedade, que está sujeita a um regime especial e autónomo.
194. Isso mesmo já decidiu também o colendo TCA Sul, em várias decisões.
195. Assim, pode ler-se no sumário do Acórdão do TCA Sul proferido no processo n.° 5097/11, de 31/01/2012, que:
«III) No caso vertente, em que estão em questão custos correspondentes às menos valias decorrentes da extinção de sociedades tendo em conta o preço de aquisição das suas participações sociais pelas Recorrentes e que tais elementos integravam o ativo das empresas, na medida em que as mesmas suportaram um custo na respetiva aquisição que tiveram de contabilizar, custo esse que não foi posto em causa nos termos do artigo 23. ° do Código do IRC, a menos-valia resultante da dissolução e liquidação das sociedades acima apontadas não poderá ser desconsiderada com fundamento no citado artigo 23°do Código do IRC».
196. Tendo decidido exatamente no mesmo sentido no Acórdão proferido no processo n.° 5315/12, de 17/04/2012, a propósito do apuramento e dedução de uma perda decorrente da liquidação de uma sociedade, com fundamento no facto de a uma tal operação «a norma aplicável [ser] o art.° 75.° do Código, que trata especificamente da partilha na liquidação de sociedades» (negrito nosso).
197. Mas mais, não só os Tribunais superiores já clarificaram que o artigo 23.° do Código do IRC não se aplica a uma operação de dissolução e liquidação, como também já esclareceram que esse preceito não permite à AT relevar circunstâncias que extravasam os requisitos constantes do artigo 75.° do Código do IRC.
198. Entendimento que já foi inclusivamente perfilhado pelo próprio TCA Sul (nesse sentido, veja-se, por exemplo, o Acórdão do TCA Sul, proferido no processo n.° 8675/15.0BCLSB, de 31/10/2019). Tais circunstâncias, a serem relevantes, sê-lo-iam ao abrigo da cláusula geral anti-abuso, prevista no artigo 38.°, n.° 2 da LGT - norma da qual a AT, não obstante as inconsequentes considerações que teceu em vários lugares do RIT, não se atreveu a lançar mão no caso sub judice, certamente por entender que não havia o menor fundamento para tal.
199. No mesmo sentido também o parecer dos Professores XAVIER DE BASTO e ANTÓNIO MARTINS, no qual aqueles professores referem:
«É, pois, claramente desajustado invocar, contra a aplicação do artigo 75°, o disposto no artigo 23°, n° 1 sobre a dedutibilidade dos custos, posto que se o propósito fosse esse (i.e. pôr em causa as razões económicas que justificavam a operação) a AT devia ter dado cumprimento aos mais exigentes requisitos legais previstos no regime legal eprocessual da cláusula geral anti-abuso.
A vasta doutrina existente sobre a interpretação dessa disposição do CIRC sustenta também que qualquer decaimento económico (gasto) que tenha uma relação com o objeto societário, fosse incorrido no âmbito da atividade, ou evidenciasse um business purpose, cumpriria o requisito da indispensabilidade, não se lhe devendo, por esta razão, recusar a aceitação fiscal. A liquidação da A.............. tem um inegável propósito societário, inscrevendo-se no âmbito das operações relacionadas com a atividade de gestão das participações da E.............. Internacional» (cf. pp. 18 e 19 do parecer junto).
200. Por isso e por tudo o que se disse acima, concluem aqueles Professores que:
«a) Nem a pertença ao mesmo grupo de sociedades nem a detenção de 100% das ações da A.............. pela E.............. Internacional impedem que esta declare e registe validamente como menos-valias dedutíveis a diferença negativa entre o valor do investimento realizado e o valor de mercado das ações recebidas, ao abrigo do artigo 75°, n° 2, b), com a redação que a norma conhecia à data dos factos tributários.
b) A regra da dedutibilidade dos custos constante do artigo 23°, n° 1 não pode ser invocada para desconsiderar o regime de dedutibilidade da menos-valia incorrida na liquidação da A.............., retirando efeito útil àquele preceito legal especial (artigo 75.°, n.°2, do CIRC)» (cf. parecer junto, pág. 20).
201. Pelo que, a correção efetuada pela AT, com fundamento na não dedutibilidade da perda apurada pela E.............. Internacional com a liquidação da A.............. viola frontalmente o disposto nos artigos 75.° e artigo 23.° do Código do IRC, sendo, por isso, ilegal a liquidação adicional emitida com base nessa correção, devendo ser, nessa parte, anulada, com todas as consequências legais.
202. Por fim e ainda que, como referido, tal não seja em rigor relevante, na medida em que, como vimos, o artigo 75.° do Código do IRC tem natureza especial em face do disposto no artigo 23.°, sempre se dirá que a decisão de liquidar a A.............. esteve sempre relacionada com a necessidade de simplificar a estrutura de detenção das sociedades operativas no B........... que foi herdada dos vendedores.
203. Vimos supra e ficou claro no RIT que, posteriormente à aquisição de várias participações em sociedades B...........eiras, foi iniciado o processo de reestruturação dos investimentos do Grupo E.............. no B........... com vista a concentração na E.............. B........... - a holding B...........eira do grupo, todas as sociedades operacionais com sede naquela jurisdição a fim de cotar o seu capital em bolsa.
204. A referida reestruturação, nomeadamente através da simplificação da estrutura societária, foi indispensável para reduzir custos e concentrar na E.............. B........... valor (ou seja, empresas) suficiente(s) para garantir o interesse dos mercados na dispersão do seu capital em bolsa.
205. Não havendo nenhum interesse económico em manter na estrutura uma sociedade holding, residente numa terceira jurisdição.
206. A demonstrar que esse foi sempre o fito da reestruturação e, em especial, da liquidação da A.............., temos que essa liquidação foi decidida e executada totalmente ainda antes de a E.............. Internacional receber da AT a resposta (favorável) ao pedido de informação vinculativa que submeteu.
207. Resultando em abundância do RIT não só que este processo de reestruturação existiu, implicou a extinção de várias estruturas consideradas redundantes e culminou realmente com a entrada em bolsa da E.............. B............
208. Factos que foram igualmente atestados pelas testemunhas ouvidas nos autos.
209. Por tudo isto, resulta provado que a liquidação da A.............. foi mais um dos passos indispensáveis à concretização desta reestruturação, e, nessa medida, dúvidas não restam que, tratando-se de uma sociedade gestora de participações sociais, a liquidação da A.............. inseriu-se, não só no perímetro de liberdade de gestão, mas também na capacidade e escopo societários da E.............. Internacional.
210. Pelo que o disposto no artigo 23.°, n.° 1 do Código do IRC nunca seria suscetível de impedir a dedução, como menos-valia, da perda apurada com essa liquidação.
2.2.3.2. Do princípio da especialização dos exercícios e da violação do princípio da justiça
211. Por outro lado, e como vimos, a tese da AT incorre mais numa evidente contradição, porque ao mesmo tempo que esta insiste numa partilha alegadamente ocorrida em 2004 e capaz de impedir a dedução da perda em 2005, a mesma AT não retira dessa entrega de ativos os devidos efeitos.
212. Os Professores XAVIER DE BASTO e ANTÓNIO MARTINS põem isso mesmo em evidência no seu parecer quando referem que:
«Cremos que a posição da AT, de negar a dedução da perda em 2005, assenta num raciocínio que não tem aderência ao caso: que a passagem dos ativos em 31 de dezembro de 2004 é uma operação normal ou comum de transferência de ativos entre sociedade mãe e filha, ocorrendo totalmente fora de um processo de dissolução e liquidação.»
«Por isso, no quadro em que a AT atribua relevância a uma entrega de ativos em 2004, sustentando que em 31 de março de 2005 nada havia para liquidar, não pode esquecer que mesmo nessa tese existiu uma entrega de ativos por conta da partilha, existindo uma valorização provisória desses ativos por referência a setembro de 2004 e uma valorização definitiva por referência a 31 de março de 2005.
Aliás, não é relevante o momento da passagem de ativos no contexto de uma operação como a que estava em causa efetuada por conta da partilha, consistindo numa operação de partilha antecipada. Os valores de mercado dos ativos partilhados foram apurados provisoriamente, e apenas por referência a 31 de março de 2005 foram definitivamente avaliados conforme se detalha nos R&C da E.............. Internacional de 2004 (pág. 45) e 2005 (pág.20 e 46) e é expressamente reconhecido pela AT no RIT. Ora tal deve conduzir à aceitação da perda como menos-valia em 2005 e, como já antes se viu, na resposta à questão 1, não se pode invocar contra essa dedução o que então dispunha o artigo. 23°, n° 1, do CIRC.
Num processo com os traços procedimentais que se acabam de descrever, a questão essencial está em saber qual o valor pelo qual transitariam da A.............. para a E.............. Internacional no dito processo de partilha/liquidação e se esse valor determina uma perda realizada aquando da extinção jurídica e económica da A..............; ou seja do seu desaparecimento legal e da partilha de respetivo património, por entrega dos seus ativos financeiros à sócia única, E.............. Internacional.
Ora, por referência à data de Março de 2005, a degradação das condições das sociedades operacionais controladas pela A.............. determinou que o valor atual dos cash flows esperados, em avaliação efetuada pela consultora E………..& Y………., originou uma menos-valia por confronto entre esse valor atual e o custo de aquisição dos ativos financeiros. Essa menos valia ocorreu num contexto de um processo de dissolução, liquidação e partilha » (cf. pp. 21 e 22 do parecer junto).
- Por isso, no quadro em que a AT atribua relevância a uma entrega de ativos em 2004, sustentando que em 31 de março de 2005 nada havia para liquidar, não pode esquecer que mesmo nessa tese existiu uma entrega de ativos por conta da partilha, existindo uma valorização provisória desses ativos por referência a setembro de 2004 e uma valorização definitiva por referência a 31 de março de 2005. » (cf. parecer junto, p. 22).
213. Assim:
«AT, ao alegar que não existiu uma verdadeira dissolução e liquidação e sim mera transferência de ativos entre sociedades, ignora a operação jurídica realizada e esquece os efeitos tributários à mesma associados, designadamente a extinção da A.............. por efeito da sua dissolução e liquidação e a passagem dos seus ativos para a esfera jurídica da E.............. Internacional. O facto de essa passagem se poder ter dado antes de 31 de março de 2005 em nada contende com a aplicação do regime previsto no artigo 75°do CIRC. » (cf. parecer junto, p. 24).
214. Pelo que, tal como referem os Professores:
«A operação, tal como a A.............. e a E.............. Internacional a executaram, teve o mesmo efeito económico que teria um processo em que se observasse a sequência temporal e faseada que começa com a dissolução, a que se segue a liquidação e por fim se executa a partilha. Determinando uma perda (menos-valia) fiscalmente dedutível em 2005.
- O argumento que se avança no RIT, segundo o qual a passagem dos ativos para a E.............. Internacional em dezembro de 2004 implica que não exista qualquer perda realizada no contexto do processo de dissolução, liquidação e partilha da A.............. não leva em conta o reflexo do tratamento contabilístico-fiscal da questão efetuado pelas entidades em causa, que o e próprio RIT descreve. Havia uma perda embutida nos ativos em 2004, que se apurou provisoriamente e não teve reflexo fiscal nesse exercício. Essa perda é, por referência a 31 de março de 2005, estimada definitivamente. Assim, em dezembro de 2004, a transferência dos ativos incorpora já uma perda provisória na liquidação, que posteriormente se quantificou de maneira definitiva» (cf. parecer junto, pp. 25 e 26).
215. Estas considerações são especialmente relevantes, não só por provirem de reputados jurisconsultos na área do Direito Fiscal, mas também na área da Contabilidade, tendo ambos os professores analisado as contas da E.............. Internacional, tal como a AT fez, e o RIT produzido por esta.
216. In casu, estamos perante uma distribuição de ativos que ocorreu no quadro da dissolução e liquidação da A.............., tendo essa liquidação sido iniciada em 2004 e sendo terminada apenas em 2005, e em 2004 e ao abrigo do princípio da prudência, a E.............. Internacional registou apenas uma provisão. Em 2005, quando final e definitivamente apurou a perda, reconheceu-a para efeitos fiscais, em respeito pelo princípio da especialização de exercícios, nos termos do artigo 75.° do Código do IRC.
217. Acresce que a AT incorreu em vários erros e, além disso, não foi coerente no seu raciocínio. Com efeito, defendendo que a partilha foi antecipada e ocorreu em 2004, então deveria daí retirar todas as consequências, aceitando a aplicação do disposto naquele preceito, ao exercício de 2004, o que implicaria que a perda apurada pela E.............. Internacional decorrente da dissolução e liquidação da A.............. concorreria negativamente para o resultado fiscal do grupo, em 2004, resultando, em consequência, num imposto a pagar inferior nesse ano.
218. E sendo assim, e mesmo que a AT entendesse que o exercício adequado ao reconhecimento da perda era o exercício de 2004, ou corrigia esse exercício também de forma correlativa, ou, então, e à luz do mais elementar princípio da justiça, teria de aceitar a dedução da perda em 2005.
219. Assim também já se pronunciou o STA em variadíssimos acórdãos dos quais se destaca, a título meramente exemplificativo, os Acórdãos tirados nos processos n.°s 0291/08, de 06/25/2008 e 0807/07, de 04/02/2008 (bem como a demais jurisprudência neles citada) e mais recente o próprio TCA Sul, em acórdão proferido no processo n.° 1528/07.7BELSB, de 13/05/2021, em cujo sumário se lê: «II- Numa situação em que não é colocada em causa a efetividade dos custos e a sua documentabilidade, e já não é possível fazer-se a correção simétrica, por razões de tempestividade, então a AT deve abster-se de tributar, ressalvadas, claro, as situações em que tenha existido uma intenção deliberada de transferência de custos com o intuito de lesar o Estado.
III-Não resultando do acervo fático dos autos, por um lado, que ocorreu uma transferência de resultados com um intuito fraudulento, e por outro lado, que está inviabilizada a alocação desse custo ao exercício correspondente, ter-se-á, de propugnar pela anulação da correção».
220. Pelo que, também por esta via, seria aquela perda dedutível em 2005.
221. Isso mesmo concluem os Professores no parecer junto aos autos, quando referem que:
«Perante a relevância fiscal do princípio da justiça, se a AT considerasse que em 2004 existiu já uma perda definitiva de liquidação, o certo é que o resultado da atuação da administração foi a indedutibilidade da menos-valia tanto em 2005 como em 2004. Ora, a perplexidade que antes sublinhámos advém também do reconhecimento, por parte da AT, de que terá existido gasto efetivo em 2004 e, depois, da não admissão da dedutibilidade da menos-valia em 2004 nem em 2005, fundando-se numa norma (artigo 23° do CIRC) que a isso de todo não conduz, e ignorando, além disso, a aplicação do princípio da justiça ao qual a AT deve respeitar na sua atuação.» (cf. parecer junto, p. 27).
222. Concluindo que:
«tendo a AT negado a perda em 2005, não poderia deixar de ter aceite, tal como o tribunal, porque isso decorre da sua própria análise da natureza da perda, a dedução em 2004. Proceder como procedeu constitui uma aplicação da lei em claro desrespeito por um princípio basilar que deve nortear a atuação da AT. Sublinhe-se que a E.............. Internacional recebeu ativos avaliados, no processo de liquidação da A.............., em 189.137.037,628 cujo valor de aquisição fora de 779.848.276,23 €. A perda patrimonial é manifesta» (cf. parecer junto, p. 28).
223. Pelo que, a correção efetuada pela AT é manifestamente ilegal, sendo igualmente ilegal a liquidação adicional de IRC e juros compensatórios emitida com base nessa correção, devendo ser, nessa parte, anulada, com todas as consequências legais.
2.2.3.3.Da violação de normas e princípios constitucionais
224. Como teve oportunidade de evidenciar na reclamação que está na origem do douto Acórdão de V. Exas. a que aqui se dá resposta, no capítulo dedicado ao Direito da petição inicial da ação de impugnação judicial, a ora Recorrida invocou expressamente diversas inconstitucionalidades em título próprio, em concreto, i) a violação do princípio da tributação pelo rendimento real e a violação do disposto no n.°2 do artigo 104.° da Constituição (arguido da pág. 88 a 90 da p.i.); ii) a violação do princípio da legalidade e a violação do disposto no n.° 2 do artigo 103.° da Constituição (arguido da pág. 90 a 92 da p.i.); e iii) a violação do princípio da boa-fé e a violação do disposto no artigo 266.°, n.° 2, da Constituição (arguido da pág. 92 a 93 da p.i.).
225. Por, salvo melhor opinião, ser fastidioso repetir nesta sede as questões de constitucionalidade oportunamente suscitadas, a Recorrida muito respeitosamente remete V. Exas. para os artigos da p.i. nos quais essas questões foram invocadas.
3. DA DECISÃO PROFERIDA QUANTO ÀS SOCIEDADES “E.............. - DISTRIBUIÇÃO – E…………, S.A.” E “C ……………………………E, S.A.”
3.1. DO TEOR DA CONCRETA DECISÃO
226. Em sede de reclamação, apresentada em 30.03.2024, relativamente ao acórdão de 14.03.2024, a Reclamante arguiu, quanto à decisão aí proferida relativamente às sociedades “E.............. - Distribuição – E………., S.A.” e “C ……………………, S.A.”, ipsis verbis o seguinte:
«III. Nulidade por omissão de pronúncia (no âmbito do julgamento quanto ao custo fiscal da perda sofrida pela sociedade “E.............. - Distribuição – E…………..s, S.A.” e quanto ao custo fiscal da perda sofrida pela sociedade “C……… - C ………………………., S.A.”) ( )
115. Tudo quanto acaba de se expor e arguir no que respeita aos vícios de violação dos limites de aplicação do artigo 662.°, n.° 1 do CPC e consequente nulidade por omissão de pronúncia, nos termos dos artigos 125.° do CPPT e 615.°, n.° 1, alínea d) do CPC é igualmente aplicável, com as necessárias adaptações, ao decidido por V. Exas. quanto aos pontos 2.2.3.6 e 2.2.3.7 do acórdão proferido.
116. Pois que, tal como sucedeu relativamente às menos-valias registadas com a liquidação da sociedade A.............., também relativamente às amortizações realizadas pela E.............. Distribuição e pela CPPE foram aditadas as alíneas AAA) e BBB) aos factos dados como provados, ao abrigo do artigo 662. °, n.° 1 do CPC, os quais correspondem à mera citação integral de excertos do RIT.
117. Também aqui o TCA julgou matéria de facto ex novo, para tanto invocando o n.° 1 do artigo 662. ° do CPC, quando, como acima explicitado, esta norma apenas permite que o tribunal reaprecie/reexamine matéria de facto anteriormente julgada em primeira instância.
118. De onde rapidamente se concluí que também quanto aos temas de prova relativos às amortizações contabilizadas pela E.............. Distribuição e pela CPPE o Tribunal não se cingiu a «aplicar regras vinculativas extraídas do direito probatório material, designadamente quando o tribunal recorrido tenha desrespeitado a força plena de certo meio de prova ou tenha considerado provado certo facto com base em meio de prova legalmente insuficiente», pelo que se encontrava, também quanto a estes pontos, «impedida de alterar, oficiosamente, a decisão sobre a matéria de facto, podendo apenas fazê-lo por iniciativa dos recorrentes, sobre quem recai, então, o ónus de impugnação, nos termos previstos no artigo 640. ° do Código do Processo Civil - cit. Acórdão proferido pelo STJ em 8 de setembro de 2021, no âmbito do processo n.° 1721/17.4T8VIS-A.C1.S1
119. Com efeito, este aditamento em nenhum momento coloca em causa (isto é, não corrige) os factos dados como provados pelo Tribunal a quo (antes os julga ex novo), pelo que, nos mesmos termos acima enunciados, o tribunal incorreu em nulidade por excesso de pronúncia,
120. Donde também nesta sede se impõe que o processo seja remetido à primeira instância, a fim de que aí seja ampliada a necessária matéria de facto.
121.Acresce que, ainda que o TCA tivesse (e não tem) poder para julgar ex novo matéria de facto nos autos (não incorrendo, nessa inverídica hipótese, em excesso de pronúncia), sempre o acórdão padeceria de nulidade por omissão de pronúncia (nos mesmos termos também acima identificados, que ora se têm por reproduzidos), pois que o tribunal julgou essa matéria de facto considerando apenas parte da prova produzida (sem fundamentar ou sequer mencionar, por exemplo, os depoimentos testemunhais que foram prestados a respeito desses factos).
122.Tudo quanto, recordando o que anteriormente se disse a propósito, representa obrigação legal do Tribunal proferir decisão quanto à prova produzida, procedendo à sua análise (independentemente das conclusões que desta retire), nos termos do que dispõem os n.°s 4 e 5 do artigo 607.° e 413.°, ambos do CPC.
123. Dever que, porém, o Tribunal não cumpriu, assim incorrendo, como referido, em nulidade por omissão de pronúncia, também no que respeita aos temas ora indicados,
124.Pois é certo que também quanto aos temas indicados, essa prova foi, não só requerida, como produzida em juízo, impendendo sobre o Tribunal o dever legal de se pronunciar quanto a tal prova, em particular no que diz respeito à convicção que a mesma em si gerou, refletindo, depois, o resultado dessa pronúncia em sede decisão final (onde factos e direito se conjugam) da questão.
125.De notar, por outro lado, que, à semelhança do que também acima se explicitou, essa reduzida parte da prova que o Tribunal considerou (relatório de inspeção tributária) corresponde a prova exclusivamente produzida por uma das partes - a AT.
126.Com efeito, no acórdão reclamado ignoram-se, sem mais, todos os elementos probatórios carreados pela Reclamante para o processo, sem qualquer preocupação em aferir ao menos da sua (in)utilidade para o julgamento da matéria de facto que se pretendeu fazer.
127. É, pois, também aqui, manifesta a violação do direito à prova, bem como do princípio da igualdade de armas, o que, nos termos acima explicitados (que aqui se têm por reproduzidos), importa em violação da lei e da Constituição.
128. Devem, pois, os autos ser remetidos à primeira instância, a fim de que aí, o tribunal para tanto competente julgue a matéria de facto em termos ampliados, proferindo decisão quanto a toda a prova produzida relativamente a essa matéria, assim se suprindo a nulidade por excesso de pronúncia e a nulidade por omissão de pronúncia identificadas.» (pp. 23 a 25 da Reclamação)
227. Como se retira, sem qualquer margem para dúvidas, do que acaba de se transcrever, a Reclamante limitou-se a, de forma absolutamente clara, invocar, quanto à identificada pronúncia (relativa às mencionadas duas sociedades), nulidades por omissão e por excesso de pronúncia.
228. O Professor TEIXEIRA DE SOUSA di-lo de forma claríssima:
«Na sua reclamação ao acórdão de 14.03.2024, a E.............. alegou, além do mais, que o TCAS aplicou incorrectamente o disposto no art. 662.°, n. ° 1, do CPC e que, através dessa incorrecta aplicação, esse acórdão padece, nas diferentes perspectivas pelas quais o problema pode ser analisado, tanto de uma nulidade por excesso, como de uma nulidade por omissão de pronúncia.» (p. 9 do parecer em anexo, destaque nosso)
229. A leitura do texto evidencia que em nenhum segmento a Reclamante invoca ter havido lugar a erro de julgamento.
230. De modo inexplicável, porém, este douto Tribunal pronunciou-se, no acórdão ora reclamado (de 12.07.2024), nos seguintes termos:
«No caso em exame, a arguente, pese embora assacar ao segmento decisório em apreço as nulidades que discrimina (omissão de pronúncia e excesso de pronúncia), na prática e em substância, a mesma não se conforma com o julgamento efectuado por este Tribunal no acórdão impugnado, imputando-lhe erros de julgamento quanto à matéria de facto.
Escrutínio que ultrapassa o âmbito de cognição da presente arguição de nulidade de acórdão. Donde resulta que as apontadas nulidades não se comprovam. Motivo porque se rejeita a presente imputação.»
231. Ora, aquilo que o Tribunal diz que a Reclamante disse não encontra o mínimo espelho naquilo que a Reclamante efetivamente disse,
232. Sendo que a conclusão quanto à ausência de qualquer sintonia entre o que a Reclamante argui e aquilo que o Tribunal afirma que esta argui não exige especial esforço interpretativo - resulta, de forma clarividente, da leitura de ambos os textos (reclamação e acórdão que responde à reclamação).
233. Esta circunstância cria a situação, certamente indesejada, de o tribunal “pôr na boca” da parte, palavras, ideias ou afirmações que esta nunca formulou.
234. Passando a ligeireza do termo de comparação, é como se, pedindo-se numa pastelaria um “café”, o pasteleiro insistisse que se lhe estava a pedir uma “bola de Berlim”.
235. Como o Professor TEIXEIRA DE SOUSA sublinha:
«2. Em vez de responder à nulidade alegada pela E.............. decorrente de uma equivocada aplicação do art. 662. °, n. ° 1, do CPC, o TCAS fez uma “convolação” da alegação da E..............: onde a E.............. alega um excesso de pronúncia com base numa equivocada interpretação do art. 662.°, n. °1, do CPC, o TCAS vê afinal uma mera discordância da E.............. quanto ao sentido do julgamento que consta do acórdão reclamado. O TCAS (quiçá não se apercebendo do que equívoco em que lavrou) confundiu o plano do vício da decisão (que foi o que a E.............. invocou) com o erro da decisão (que foi o que o TCAS considera que a E.............. alegou). (...) Quer dizer: o TCAS não pode proceder a uma “convolação” do alegado pela E.............. sem demonstrar que esta Parte não se soube exprimir adequadamente e que disse coisa diferente do que pretendia dizer.» (p. 9 e 10 do parecer em anexo, destaque nosso)“
3.2. DA ARGUIÇÃO DE NULIDADES
236. Os termos em que o Tribunal decidiu geram, assim, duas nulidades: por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia.
237. Nulidade por falta de fundamentação (prevista nos artigos 615.°, n.° 1, al. b), 1a parte e 666.° do CPC, aqui aplicável por remissão do artigo 2°, al. e) do CPPT), pelas razões que o Professor TEIXEIRA DE SOUSA expressamente salienta:
“Assim, dado que não se encontra no acórdão do TCAS qualquer justificação para a referida “convolação”, o acórdão padece, nessa parte, de um vício de falta de fundamentação (art. 615.°, n.° 1, al. b), e 666.°, n.° 1, do CPC) ” (p. 10 do parecer anexo, destaque nosso)
238. Nulidade que, por seu turno, se encontra em íntima ligação com a outra nulidade de que o mesmo acórdão padece, por omissão de pronúncia, como o mesmo Professor, de modo veemente e fundamentado, sublinha a este propósito:
«b) Acessoriamente, pode acrescentar-se que, não se encontrando fundamentada a “convolação” da reclamação apresentada pela E.............., essa “convolação” não se pode manter. Não chega dizer que a E.............. se equivocou no que afirmou; teria sido necessário demonstrar esse equívoco da E............... Na falta desta demonstração, a alegação da nulidade efectivamente realizada pela E.............. continua sem a necessária resposta do TCAS.
Disto decorre que o TCAS deixou indevidamente de se pronunciar sobre a reclamação apresentada pelo E.............. quanto à incorrecta aplicação do disposto no art. 662. °, n.° 1, do CPC, pelo que também se pode concluir que o TCAS omitiu sem justificação a pronúncia devida sobre essa parte da reclamação da E............... Nesta parte, o acórdão é nulo por omissão de pronúncia (art. 615. °, n. ° 1, al. d), e 666.°, n.° 1, do CPC).» (p. 10 do parecer anexo, destaque nosso)
239. Na verdade, quando, nos termos gerais de processo (e, portanto, também no presente caso), se afere se o tribunal observou ou não o seu dever de pronúncia, o confronto que se estabelece é entre a questão que a parte suscita e a questão a que o tribunal responde, considerando-se cumprido esse dever (de pronúncia) se o tribunal se pronunciar (de modo correto ou não, é irrelevante para o presente efeito) quanto à questão que a parte efetivamente suscitou.
240. Indiferente é, para efeito de aferição da observância ou não do dever de pronúncia ao requerido pela parte, que o tribunal responda a uma outra questão (não aquela que a parte formulou, mas aquela que o Tribunal disse que esta invocou).
241. Ora, o que se verifica no presente caso, é que o tribunal não respondeu à questão que a Reclamante suscitou, pelo que houve omissão de pronúncia, o que, consequentemente, gerou nulidade do acórdão nessa parte, nos termos do previsto nos artigos 615.°, n.° 1, al. d), 1.a parte e 666.° do CPC, por remissão do artigo 2.°, al. e) do CPPT.
242. São, assim, inequívocas as nulidades em que incorreu; nulidades que se impõe suprir.
243. Nulidades que ora expressamente se arguem e cujo suprimento se requer.
244. Cumpre, nesta sede, notar, assim, que o Tribunal interpreta e aplica a norma do artigo 615.°, n.° 1, d), 1.a parte do CPC, no sentido de que a invocação de nulidades por omissão e excesso de pronúncia podem ser afastadas, sem qualquer fundamento, pelo tribunal mediante a respetiva convolação em imputação de erro de julgamento quanto à matéria de facto.
245. Por mais estranho que pareça, foi exatamente neste sentido que o Tribunal a quo interpretou e aplicou a norma do artigo 615.°, n.° 1, alínea d), do CPC, ao afirmar, num trecho já anteriormente transcrito na presente Reclamação, que a arguente, «pese embora assacar ao segmento decisório em apreço as nulidades que discrimina (omissão de pronúncia e excesso de pronúncia), na prática e em substância, a mesma não se conforma com o julgamento efetuado por este Tribunal no acórdão impugnado, imputando-lhe erros de julgamento quanto à matéria de facto».
246. Ou seja, para o Tribunal, é indiferente o sentido que a parte atribui aos incidentes pós- decisórios que suscite, pois o Tribunal poderá sempre invocar que, na prática, o que a parte está, «na prática e em substância», a fazer é a exprimir a sua não conformação com o por si decidido, mediante em imputação de erro de julgamento quanto à matéria de facto.
247. Por esta via, o Tribunal obtém o efeito de indeferir a arguição de nulidades sem verdadeiramente as apreciar e assim coartar as exigências de um processo justo e equitativo.
248. Deve, pois, entender-se que a interpretação e aplicação da norma do artigo 615.°, n.° 1, alínea d), do CPC, adotada pelo Tribunal recorrido, no sentido de a invocação de nulidades por omissão e excesso de pronúncia pode ser afastada, sem qualquer fundamento, pelo tribunal mediante a respetiva convolação em imputação de erro de julgamento quanto à matéria de facto, ofende o direito de acesso ao direito e a tutela jurisdicional efetiva, bem como o direito a processo equitativo, previstos nos artigos 20.°, n.° 4, da CRP, o que ora expressamente se argui para todos os efeitos.
4. DA DISPENSA DO REMANESCENTE
249. A resposta (ora apresentada pela Recorrida) ao convite, que lhe foi dirigido pelo Tribunal, para pronúncia, não está sujeito a pedido de dispensa da taxa de justiça remanescente.
250. O mesmo sucede em sede de Reclamação, na medida em que esta está sujeita à tabela II- A, constante do Regulamento das Custas Processuais.
251. Em qualquer circunstância, por especial zelo de patrocínio, visando acautelar a hipótese (em que se não concede) de o Tribunal vir a entender de forma diferente, requer-se a dispensa da taxa de justiça remanescente, no âmbito das vias processuais convocadas nesta peça processual (resposta a convite do Tribunal e Reclamação),
252. sendo certo que, não obstante o pedido ora formulado, tal dispensa pode ser concedida a título oficioso, contanto se verifiquem os pressupostos legais da mesma.
253. No presente caso, os requisitos de dispensa previstos no artigo 6.°, n.° 7 do Regulamento das Custas Processuais encontram-se integralmente verificados, tendo em conta que o comportamento das partes tem sido de notória lisura e colaboração com este tribunal.
Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão,
a) No que diz à correção à matéria coletável da E.............. Internacional:
a.1. devem os presentes autos ser remetidos para o tribunal de primeira instância, a fim de aí haver lugar ao julgamento da matéria de facto acima indicada (em 2.2.2.), sendo nesse tribunal também proferida decisão de direito nos termos supra mencionados (em 2.2.3.), ou,
Subsidiariamente, quando assim se não entenda,
a.2. devem os factos e o direito ser julgados, pelo presente Tribunal, em conformidade com o acima exposto (em 2.2.2. e 2.2.3.), vindo, em consequência, a impugnação ser considerada procedente nesta parte e, assim, ser anulada a liquidação adicional, em conformidade com o oportunamente requerido em sede de petição inicial.
b) No que diz respeito às correções à matéria coletável das sociedades “E.............. - Distribuição – E……………, S.A.” e “C …………………….., S.A.” deve ser julgada procedente a reclamação ora apresentada, devendo, em consequência, o presente Tribunal:
- conhecer e deferir as nulidades oportunamente arguidas (na Reclamação apresentada em 30.03.2024); e
- ordenar a descida dos autos à primeira instância para julgamento de facto e de direito ou, subsidiariamente,
- convidar a Reclamante a pronunciar-se quanto à matéria de facto a julgar e sobre o Direito a aplicar e proferir decisão sobre o mérito (considerando a impugnação procedente nessa parte e, assim, anulando a liquidação adicional, em conformidade com o oportunamente requerido em sede de petição inicial).
c) Mais se requer que, em atenção à conduta das partes, e para a eventualidade (em que se não concede) de se entender que poderia haver lugar a pagamento do remanescente da taxa de justiça, sejam as mesmas dispensadas desse pagamento, nos termos do artigo 6.°, n.° 7 do RCP.”. X Notificada que foi da pronúncia da Autoridade Tributária e Aduaneira, veio a Sociedade Impugnante veio em requerimento entrado em juízo a 20 de setembro de 2014 , exercer o direito ao contraditório, previsto no artigo 3.º, n.º 3 do CPC (aplicável ex vi artigo 2.º, al. e) do CPPT), com os seguintes termos e fundamentos:
“A. DOS FACTOS FALSOS ALEGADOS PELA AT
1. A FP começa por alegar que os factos, relatados no RIT e que a FP reproduz, não foram impugnados pela Recorrida (artigo 2.º do requerimento). Esta alegação é – importa sublinhar – falsa.
2. Com uma agravante: A FP sabe e não pode ignorar que todos os factos de que se socorre para pugnar pela manutenção da correção (em especial, os que adiante se discriminam), não só foram impugnados pela Recorrida, em várias intervenções processuais, como foram objeto de prova contrária, tendo ficado provado nos Autos que eles não aconteceram.[De referir que os factos relativos à dissolução e liquidação da A.............. e a prova que sobre eles foi feita nos Autos foi analisada em detalhe pela Recorrida no requerimento que apresentou no passado dia 12/09/2024, pelo que para aí se remete.]
3. Sem prejuízo disso, em face do agora falsamente alegado pela FP, não pode a Recorrida deixar de enfatizar, em primeiro lugar, o seguinte:
a. É falso o alegado nos artigos 9.º, 11.º, 16.º e 18.º do requerimento da FP, e a Recorrida impugnou e provou o contrário: i.e., em 2004 não ocorreu uma distribuição dos ativos da A.............., por meio do qual a propriedade de tais bens foi transferida em definitivo para a E.............. Internacional e, em resultado dessa transferência, a «A.............. [se tornou] uma entidade desprovida de quaisquer ativos» (artigo 9.º do requerimento);
b. É falso o alegado nos artigos 17.º e 19.º do requerimento da FP, e a Recorrida impugnou e provou o contrário; i.e., o tratamento contabilístico dado pela E.............. Internacional à transação não confirma a existência de uma distribuição definitiva em 2004. Pelo contrário, desse tratamento contabilístico resulta que, em 2004, a empresa registou apenas uma provisão (por conta da perda que antecipava ter com a dissolução e liquidação da A..............) e só em 2005, quando o processo de dissolução e liquidação terminou, é que essa provisão foi utilizada e “convertida” numa perda efetiva;
c. É falso e a E.............. Internacional jamais reconheceu «não existir, em 31/03/2005, qualquer perda com a A..............» conforme a FP alega no artigo 13.º do seu requerimento, mal se compreendendo que a FP suporte essa afirmação no facto de a E.............. «ter atribuído aos ativos recebidos, a mesma valorização pela qual registara a participação que nela detinha», já que a E.............. Internacional tinha, como a própria AT explicou no RIT e a Recorrida sempre alegou e demonstrou, a participação na A.............. registada a valor de custo – de mais de 700.000.000 de euros –, tendo registado em 2004 uma provisão pela diferença entre esse valor e o valor de mercado das subsidiárias da A.............., estimado provisoriamente pela EY, e apurado em 2005 uma perda efetiva com base na diferença entre aquele valor e o valor de mercado a essa data;
4. De notar, em segundo lugar, que foram, em sede própria, alegados e provados todos os factos que a Recorrida invocou sobre a correção aqui em causa, em especial, aqueles relativamente aos quais a FP – mais uma vez ignorando (quando tinha o dever de não o desconhecer) toda a prova produzida nos Autos – vem agora afirmar (no parágrafo 27 do seu requerimento) que a Recorrida alegou factos nos artigos «339º, 340º, 344º, 347º e 348º da petição inicial», que não provou, concluindo que «a Impugnante não comprov[ou] que presidiu ao processo de liquidação a simplificação da estrutura societária e a criação de energias para efeitos de concertar na E.............. – Energias do B........... valor suficiente para que fosse admitida, com sucesso, à cotação na Bolsa de Valores de São Paulo, nem que ocorreu uma desvalorização cambial do real B...........eiro, que tenha levado a uma perda no investimento»;
5. Isto é absolutamente falso. Note-se, desde logo, que tais factos, alegados desde o primeiro momento pela Recorrida, nunca foram postos em causa, quer pela AT, quer pela FP.
6. Acresce que, em suporte dos alegados “factos”, a FP limita-se a invocar o RIT e elementos que terão sido fornecidos pela E.............. e a afirmar que os mesmos «não [foram] impugnados» pela Recorrida (cf. artigo 2.º e seguintes do requerimento da FP);
7. Ora, importa esclarecer que à FP não foi concedida, pelo presente Tribunal, a possibilidade de remeter genericamente para um relatório, nem de, assim, fazer recair sobre o Tribunal e sobre a Recorrida, o ónus de, no emaranhado que é esse mesmo relatório, indagar o que seriam os factos invocados pela FP.
8. Explicitar, de modo claro e expresso, que factos entendia deverem ser considerados em sede de decisão final era um ónus impendente sobre a FP; ónus de que não se desincumbiu, pelo que se deve considerar precludido.
9. Por outro lado, cumpre observar que, mesmo se a FP tivesse indicado factos (e não remetido, genericamente, para o relatório de inspeção, como fez), sempre importa relembrar que o RIT não faz prova dos factos nele alegados pelos serviços de inspeção relativos à correção.
10. Pelo que a sua invocação em abstrato pode poupar trabalho à FP, mas não cumpre o ordenado por este Tribunal.
11. De referir ainda que a FP menciona no artigo 2.º que os factos narrados no RIT «foram apurados com base em elementos fornecidos pela própria entidade», mas não especifica que factos são esses, nem junta esses supostos elementos fornecidos pela própria entidade aos Autos, pelo que a sua invocação também nada acrescenta, nem demonstra, devendo ser desconsiderada, como aliás, a Recorrida já havia invocado no seu requerimento; Acresce que, B. DAS CONTRADIÇÕES DA FP
12. Para ilustrar o referido neste título basta atentar para o artigo 19.º do requerimento da FP quando esta alega que «não ocorreu qualquer liquidação efetiva da sociedade A..............».
13. A FP não pode fazer esta afirmação e no artigo anterior (artigo 18.º) afirmar expressis verbis: «No momento de liquidação da A.............., em 31/3/2005»!
14. Assim como no artigo 10.º afiançar «Em 31 de Março de 2005, quando da conclusão do processo de liquidação da A.............. (…)»!
15. Ou no artigo 11.º alegar «No momento da liquidação (31/03/2005)(…)»!
16. E se, como vimos, no que respeita aos factos, tanto confessa ter ocorrido uma liquidação, como o nega, as mesmas contradições sobressaem na matéria de direito.
17. Com efeito, no artigo 24.º reconhece que «conforme também resulta do relatório de inspeção, que o apoio da indedutibilidade do custo resultou ainda do argumento de que a menos-valia seria nula caso tivesse sido corretamente apurada ao abrigo das regras previstas para a partilha, e teria de ser imputada ao exercício fiscal de 2004».
18. É difícil dizer-se uma coisa e o seu contrário na mesma frase, mas a FP, no excerto citado, consegue fazê-lo, primeiro afirmando ter havido uma menos-valia, depois referindo que a mesma seria nula e, por fim, concluindo que, em qualquer caso, essa menos-valia teria de ser imputada ao exercício anterior…Finalmente, C. DA MATÉRIA DE DIREITO TRANSVESTIDA DE MATÉRIA DE FACTO
19. Como é sabido, a prova destina-se à demonstração de factos, pelo que é sobre matéria desta natureza (factual), que não de direito, que a prova incide.
20. Ora, no seu requerimento, a FP indica como alegada matéria de facto, matéria que é indiscutivelmente de direito!
21. Assim sucede, por exemplo, quando, no artigo 1.º do seu requerimento, a FP refere que deve ser aditada, como matéria de facto, a seguinte: “Face ao exposto, não subsistem dúvidas que em matéria de facto e de direito, os activos que até essa data pertenciam à A.............. transitam para a titularidade do sujeito passivo. // Assim, em substância, a operação de liquidação e partilha da A.............. apenas resultou na substituição no balanço da E.............. Internacional da participação da A.............. pelas participações que a primeira já detinha indirectamente através A.............., não tendo ocorrido a realização de qualquer menos-valia efectiva, nem tal perda preenche o requisito de indispensabílidade de que o n.º 1 do artigo 23º do CIRC faz depender a respectiva dedutibilidade para efeitos de determinação do lucro tributável.” (destaque nosso)
22. O mesmo acontece em vários dos artigos seguintes do seu requerimento.
23. Assim no artigo 12.º invoca, a título de matéria de facto: “Em face da verificação dos referidos factos, podemos concluir que, em substância, a operação de liquidação e partilha da A.............. apenas resultou na substituição no balanço da “E.............. Internacional” da participação da A.............. pelas participações que a primeira já detinha indiretamente através desta, não tendo ocorrido a realização de qualquer menos-valia efetiva, nem tal perda preenche o requisito de indispensabilidade prevista no n.º 1 do art. 23º do CIRC, de que depende a respetiva dedutibilidade para efeitos de determinação do lucro tributável.” (destaque nosso)
24. Como facilmente se depreende esta afirmação não passa de uma conclusão (sua) em matéria de direito.
25. Nos mesmos termos, no artigo 14.º, alega, como putativo facto, que: “Por esse facto, tendo por base os fundamentos descritos e expostos no RIT, que se dão como reproduzidos para os devidos e legais efeitos e são factos provados, não merece qualquer sindicância a desconsideração como custo fiscal, do montante de € 590.711.238,61, resultante da liquidação da sociedade A...............”. (destaque nosso)
26. Também assim no artigo 19.º, quando, a título de alegada matéria de facto, afirma, em termos conclusivos e jurídicos: “Logo, em substância, nesta data não ocorreu qualquer liquidação efetiva a sociedade A...............” (destaque nosso).
27. O mesmo sucede nos artigos 22.º, 25.º e 26.º do seu requerimento, onde, a título de matéria de facto, a FP inclui matéria de caráter também indiscutivelmente conclusivo e jurídico, como decorre do que, respetivamente, aqui se transcreve (com destaque nosso): “Ou seja, conforme resulta do relatório de inspeção “não tendo ocorrido a realização de qualquer menos valia efectiva, nem tal perda preenche o requisito de indispensabilidade prevista no n.º 1 do artigo 23º do CIRC, de que depende a respectiva dedutibilidade para efeitos de determinação do lucro tributável.” (artigo 22.º); “Pelo que, também nesta medida, o custo declarado não se integraria na norma contida no art. 23º do CIRC, por não representar um gasto indispensável para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora no exercício fiscal de 2005.” (artigo 25.º) e “Bem como assim, na circunstância de que “Adicionalmente, nos termos do n.º 7 do artigo 23.º do CIRC, existindo relações especiais ente a E.............. Internacional e a E.............. B..........., nos termos da alínea b) do n.º 4 do artigo 58.º do CIRC, qualquer menos-valia apurada no âmbito da operação de fusão por incorporação da sociedade I....., Sa na E.............. B........... não é fiscalmente dedutível.” (artigo 26.º).
28. Matéria que – sem embargo de outra (com a mesma natureza) que o tribunal identifique – deve, porque destituída de caráter factual (antes natureza jurídica e/ou conclusiva), ser expurgada da listagem de factos enunciada pela FP.
Termos em que, no que se refere à correção relativa à liquidação da A.............., deve ser desconsiderada a pronúncia ora apresentada pela FP, reiterando-se o pedido de que sejam os presentes autos remetidos para o tribunal de primeira instância, ou, caso assim não se entenda, seja anulada a correção e julgada procedente, nessa parte, a impugnação deduzida pela Recorrida, tudo conforme requerimento apresentado em 12/09/2024”.X O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal tomou posição pelo deferimento do requerido, salientado que “adere á posição defendida pela Impugnante, com cujos argumentos concordamos e aqui damos por reproduzidos.”.X Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.X 2.2. De Direito.
2.2.1. No Acórdão do TCAS de 11/07/2024, por meio do qual foi apreciado o incidente de nulidade de Acórdão deduzido pela impugnante contra o Acórdão do TCAS, de 14/03/2024, foi determinado o seguinte: // i) Anular o segmento decisório referido em 2.2.2., por omissão de pronúncia quanto às questões que o acórdão devia ter dirimido e não dirimiu. // ii) Suprir a referida nulidade por omissão, com observância do contraditório prévio, nos termos referidos em 2.2.2. ou seja, notificar as partes para: // a) Tomarem posição sobre o conhecimento das questões em apreço por este Tribunal, no quadro do conhecimento em substituição (artigo 665.º do CPC); // b) Indicarem os quesitos do probatório a levar à especificação e os meios de prova que os sustentam, com vista à decisão (fáctico-jurídica) das questões em referência. // c) Procederem ao enquadramento jurídico das questões suscitadas, propugnando a solução que entendam devida. // Quanto ao mais, julgar improcedentes as nulidades referidas em 2.2.3. e // Anular o segmento decisório referido em 2.2.4., na parte aí referida e notificar as partes, nos termos referidos em 2.2.2. com vista ao conhecimento em substituição da questão em referência».
Por meio de requerimento, de 12/09/2024, a impugnante veio requerer o seguinte:
a) No que diz à correção à matéria coletável da E… I………….l:
a.1.) devem os presentes autos ser remetidos para o tribunal de primeira instância, a fim de aí haver lugar ao julgamento da matéria de facto acima indicada (em 2.2.2.), sendo nesse tribunal também proferida decisão de direito nos termos supra mencionados (em 2.2.3.), ou,
Subsidiariamente, quando assim se não entenda,
ba.2. devem os factos e o direito ser julgados, pelo presente Tribunal, em conformidade com o acima exposto (em 2.2.2. e 2.2.3.), vindo, em consequência, a impugnação ser considerada procedente nesta parte e, assim, ser anulada a liquidação adicional, em conformidade com o oportunamente requerido em sede de petição inicial.
b) No que diz respeito às correções à matéria coletável das sociedades “E……. - ………. - Energia, S.A.” e “Companhia …………………….., S.A.” deve ser julgada procedente a reclamação ora apresentada, devendo, em consequência, o presente Tribunal: // - conhecer e deferir as nulidades oportunamente arguidas (na Reclamação apresentada em 30.03.2024); e // - ordenar a descida dos autos à primeira instância para julgamento de facto e de direito ou, subsidiariamente, // - convidar a Reclamante a pronunciar-se quanto à matéria de facto a julgar e sobre o Direito a aplicar e proferir decisão sobre o mérito (considerando a impugnação procedente nessa parte e, assim, anulando a liquidação adicional, em conformidade com o oportunamente requerido em sede de petição inicial).
2.2.2. Antes de entrarmos na apreciação do objecto dos requerimentos, cumpre referir que o Acórdão do TCAS de 11/07/2024, ora reclamado, identificou como questões a decidir as seguintes: i) Nulidades quanto ao segmento decisório do acórdão, relativo ao ponto 2.2.3.2., por referência ao item “1.3.1 Correcção ao Lucro Tributável // Não dedutibilidade fiscal da menos-valia apurada com a liquidação da A………..”, do relatório inspectivo relativo à “E ……………………….., SGPS, SA”. // ii) Nulidades por omissão de pronúncia e excesso de pronúncia quanto ao segmento decisório do Acórdão, relativo ao ponto 2.2.3.6., por referência ao ponto 3.1.2. do relatório inspectivo referente à “EDP – Distribuição – Energia, SA” e quanto ao segmento decisório do acórdão, relativo ao ponto 2.2.3.7., por referência ao item “III.1.2.2 Amortizações praticadas para além do período de vida útil esperada sobre bens adquiridos em estado de uso, do relatório inspectivo relativo à “C ………………………, SA””. // iii) Nulidade por ambiguidade quanto ao segmento decisório relativo aos juros compensatórios, por referência ao ponto 2.2.4.2. da fundamentação do acórdão reclamado.
O aresto decidiu: «i) [anular] o segmento decisório referido em 2.2.2., por omissão de pronúncia quanto às questões que o acórdão devia ter dirimido e não dirimiu. // ii) [suprir] a referida nulidade por omissão, com observância do contraditório prévio, nos termos referidos em 2.2.2. ou seja, notificando as partes para: // a) Tomarem posição sobre o conhecimento das questões em apreço por este Tribunal, no quadro do conhecimento em substituição (artigo 665.º do CPC). // b) Indicarem os quesitos do probatório a levar à especificação e os meios de prova que os sustentam, com vista à decisão (fáctico-jurídica) das questões em referência. // c) Procederem ao enquadramento jurídico das questões suscitadas, propugnando a solução que entendam devida». // «iii) Quanto ao mais, julgar improcedentes as nulidades referidas em 2.2.3. e, // iv) Anular o segmento decisório referido em 2.2.4., na parte aí referida e notificar as partes, nos termos referidos em 2.2.2. com vista ao conhecimento em substituição da questão em referência».
2.2.3. No que respeita ao pedido referido em a), cumpre referir o seguinte.
Determina o preceito do artigo 665.º do CPC o seguinte:
«Ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação» (n.º 1). // «Se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários» (n.º 2). // «O relator, antes de ser proferida decisão, ouve cada uma das partes, pelo prazo de 10 dias» (n.º 3).
No Acórdão do TCAS de 11/07/2024, ora reclamado, no que respeita à nulidade por omissão de pronúncia do Acórdão do TCAS, de 14/03/2024, consignou-se, em síntese, o seguinte:
«No caso em exame, o acórdão reclamado decidiu conceder provimento ao recurso interposto pela FP, revogar a sentença e julgar improcedente a impugnação, no que respeita à correcção em causa (ponto 2.2.3.2. do Acórdão, por referência ao item “1.3.1 Correcção ao Lucro Tributável // Não dedutibílidade fiscal da menos-valia apurada com a liquidação da A………….”, do relatório inspectivo relativo à “E ……………………………., SGPS, SA”). // Sucede, porém, que, como refere a reclamante, o acórdão sob escrutínio não apreciou as questões invocadas na petição inicial, relativas à “indispensabilidade da perda apurada” (artigos 333º a 357º), “violação do princípio da tributação do rendimento real e violação do disposto no artigo 104.º, n.º 2 da CRP (artigos 358º a 369º), violação do princípio da legalidade e violação do disposto no n.º 2 do artigo 103.º da CRP (artigos 370º a 376º), violação do princípio da boa fé e violação do disposto no artigo 266.º/2, da CRP (artigos 377º a 385º). // O segmento decisório relativo à improcedência da alegada violação da informação vinculativa por parte da correcção em exame mostra-se consolidado, com trânsito em julgado, dado que não foi impugnado. // No entanto, existe efectiva omissão de pronúncia do acórdão reclamado, em relação às questões supra elencadas, o que determina a anulação parcial do segmento decisório em apreço e a necessidade do suprimento da nulidade do acórdão por omissão detectada. Ou seja, a decisão do acórdão quanto à improcedência da impugnação, nesta parte, não se pode manter, sem que antes seja suprida a nulidade aferida. // Destarte, afigura-se que existem elementos nos autos que permitem o conhecimento das questões em apreço. Nos termos do disposto no artigo 665.º/2 e 3, do CPC, impõe-se notificar as partes para o seguinte: // i) Tomar posição sobre o conhecimento das questões em apreço por este Tribunal, no quadro do conhecimento em substituição (artigo 665.º do CPC). // ii) Indicar os quesitos do probatório a levar à especificação e os meios de prova que os sustentam, com vista à decisão (fáctico-jurídica) das questões em referência.// iii) Proceder ao enquadramento jurídico das questões suscitadas, propugnando a solução que entendam devida».
Por meio de requerimentos de 09/09/2024 e de 12/09/2024, a Fazenda Pública e a impugnante, respectivamente, procuraram corresponder ao convite feito por este tribunal. As partes alegaram de facto e de direito sobre as questões controvertidas.
A este propósito, cumpre referir que se não acompanha o raciocínio expendido pela reclamante no sentido de que as garantias do processo equitativo, no que respeita à recolha e valoração da prova, bem como à decisão da matéria de facto, exigiriam o julgamento pela 1.ª instância da matéria de facto relevante para o conhecimento da questão julgada prejudicada pela sentença. Inversamente, a única condição que se extrai do inciso do artigo 665.º/2, do CPC, é a existência dos elementos necessários para conhecer de tal questão. Esta tem sido, diga-se, a orientação do TCAS. Pode todavia, suceder, que a garantia do duplo reexame da causa exija uma análise ponderada da questão solvenda, seja na dimensão de facto, seja no aspecto jurídico. O que postula o exame da mesma em dois graus.
No caso em exame, atendendo à posição processual das partes (supra recenseada), ao elenco de matéria de facto controvertida entre as mesmas, à ausência completa de especificação de matéria de facto relevante, impõe-se determinar a baixa dos autos à instância, para que conheça do mérito da questão julgada prejudicada pela sentença recorrida (1), de forma a garantir o exame ponderado da mesma.
Termos em que se procederá no dispositivo.
2.2.4. No que respeita ao pedido referido em b), a impugnante invoca nulidades que considera assacáveis ao Acórdão do TCAS de 11/07/2024.
A este propósito, estabelece o artigo 617.º/6, do CPC (aplicável ex vi artigo 666.º/1, do CPC), o seguinte:
«Arguida perante o juiz que proferiu a sentença alguma nulidade, nos termos da primeira parte do n.º 4 do artigo 615.º, ou deduzido pedido de reforma da sentença, por dela não caber recurso ordinário, o juiz profere decisão definitiva sobre a questão suscitada».
Da jurisprudência assente colhem-se os ensinamentos seguintes:
i) «Deve ter-se como definitiva a decisão, contida no acórdão que deliberou indeferir a nulidade arguida sobe o acórdão que não admitiu a revista excecional, não sendo, em conformidade, aquele primeiro acórdão susceptível de qualquer reclamação, ligada a nova arguição de nulidade». (2)
ii) «O acórdão da Relação que apreciou a arguição de nulidade de anterior acórdão que apreciou recurso de apelação é definitivo». (3)
Em face do exposto, impõe-se não tomar conhecimento das nulidades assacadas ao Acórdão de 11/07/2024, que havia dirimido as nulidades assacadas ao Acórdão de 14/03/2024.
Termos em que se rejeita a presente imputação.
2.2.5. No que respeita ao pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça, cumpre referir que, nos termos do artigo 6.º, n.º 7, do RCP, «[n]as causas de valor superior a €275000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento». No caso em exame, os autos não preenchem nenhum dos requisitos enunciados com vista a aferir da especial complexidade dos mesmos. Por outras palavras, a especialidade da causa não é de molde a afastar o limiar do valor de €275.00,00, dado que a complexidade ou especificidade não justificam a imposição de encargos dissuasores do acesso à justiça. O mesmo se diga do comportamento processual das partes, o qual se pautou pelo cumprimento do dever de boa fé processual. Por outras palavras, atendendo à lisura do comportamento processual das partes e considerando a relativa complexidade do processo, afigura-se ser de deferir o pedido quanto à dispensa do pagamento da taxa de justiça na conta final, em relação a ambas as partes.
Pelo exposto, impõe-se deferir o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º/7, do RCP. Termos em que se procederá no dispositivo.
Dispositivo Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da subsecção do juízo comum da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul no seguinte:
1) Ordenar a baixa dos autos à instância para que conheça do mérito das questões cujo conhecimento foi julgado prejudicado, nos termos referidos em 2.2.3.
2) Não conhecer das nulidades referidas no ponto 2.2.4.
Custas pela recorrente, apenas em relação ao segmento referido em 2), sem prejuízo da dispensa do remanescente da taxa de justiça, nos termos referidos em 2.2.5.
Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)
(1ª. Adjunta- Ana Cristina Carvalho)
(2ª. Adjunta – Maria da Luz Cardoso)
(1) Segmentos decisórios referidos em 2.2.2. e 2.2.4. do Acórdão do TCAS, de 11/07/2024.
(2) Acórdão do STJ, de 29/03/2023, P: 1160/20.0T8BRR.L1.S2.
(3) Acórdão do STJ, de 25/03/2021, P. 2344/18.6T8LRA.C1-A.S1. |