Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:758/09.1BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:12/05/2024
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IRC.
MÉTODOS INDIRECTOS.
AMORTIZAÇÕES.
INDISPENSABILIDADE.
Sumário:I- As discrepâncias nos registos das existências, a existência de registos contabilísticos não justificados e a inscrição de preços de venda de produtos sem justificação constituem motivo do recurso à avaliação indirecta.

II- Todavia, se a contribuinte logra justificar, no processo judicial, as invocadas discrepâncias, a presunção de veracidade da contabilidade mantém-se, o que significa que os pressupostos da avaliação indirecta não logram ser demonstrados.

III- O requisito da indispensabilidade do custo, aplicável em sede de amortizações de activos, mostra-se preenchido desde que o elemento patrimonial em apreço sirva a prossecução da actividade económica da contribuinte, independentemente dos proveitos que o mesmo tenha gerado no exercício em causa.

Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO
I- Relatório
A.................., S.A., deduziu impugnação judicial pedindo a anulação dos actos tributários de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), do exercício de 2004, nº ……………….607 no montante de €137.539,88; do exercício de 2005, nº ……………668 de € 59.389,05; e do exercício de 2006, nº ……………..806 de € 269.012,51, que perfazem o total de €465.941,44 e cuja matéria coletável foi apurada no seguimento da acção inspectiva e das correções através de métodos indirectos propostas no Relatório elaborado pelos Serviços da Inspeção Tributária.
O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida a fls.344 e ss. (numeração no processo em formato digital-sitaf), datada de 03/02/2022, julgou a presente impugnação parcialmente procedente e, em consequência, determinou a anulação parcial dos atos de liquidação sindicados “no sentido de ser anulada a matéria coletável por recurso a métodos indiretos” e absolveu a Fazenda Pública do pedido na parte restante.
Desta sentença foi interposto recurso pela Fazenda Pública e pela Sociedade Impugnante, na parte em que a mesma lhes foi desfavorável, conforme respetivas alegações de fls. 407 e ss. e de fls. 432 e ss. (numerações no processo, em formato digital-sitaf).
No que respeita ao recurso interposto pela Fazenda Pública, a mesma expendeu as conclusões seguintes:”
A) Visa o presente recurso, reagir contra a douta decisão que julgou parcialmente procedente a Impugnação identificada, e, em consequência, determinou a anulação parcial dos atos de liquidação de IRC impugnados [melhor identificadas nos factos provados AA) e BB)], relativas aos exercícios de 2004, 2005 e 2006].
B) O presente recurso versará quanto ao segmento da errónea quantificação, operada pela Recorrente, da matéria tributável relativa ao vinho produzido e vendido pela aqui Recorrida.
C) A Recorrida foi objeto de uma ação inspetiva externa, aos exercícios económicos de 2004, 2005 e 2006, onde houve o recurso à avaliação indireta da sua matéria coletável, conforme decorre do teor do Relatório Final da Inspeção Tributária (cfr. facto provado X).
D) E com base nos factos considerados como provados e na interpretação que fez do direito aplicável, o Tribunal a quo considerou que se encontrava in casu, fundamentado o recurso à avaliação indireta, porém, assim, já não o entendeu, quanto à quantificação da matéria coletável, enunciado na ação inspetiva, arguindo que o mesmo conduziu a uma errónea quantificação da matéria tributável relativa ao vinho produzido e vendido pela aqui Recorrida.
E) A avaliação indireta é subsidiária da avaliação direta e visa a determinação da matéria tributável a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a AT disponha (vide artigos 83º nº 2 e 85º nº 1 LGT).
F) O objetivo da avaliação indireta é ainda a determinação do lucro real presumido, em lugar do lucro real revelado pela contabilidade, por falta da sua fiabilidade (vide art. 104.º, nº 3 CRP).
G) Pela sua natureza o método indireto está sempre afetado por alguma incerteza na quantificação da matéria tributável, distinta da precisão alcançada pelo método directo, baseado na análise da contabilidade do sujeito passivo, quando considerada fiável, ou em outros elementos de prova do valor real do rendimento sujeito a tributação (vide art.83º nºs 1 e 2 LGT).
H) E quando a AT demonstre a ocorrência dos necessários e legais pressupostos para se lançar mão da avaliação indireta, o eventual excesso da quantificação, por tal via, operada, passa a impender sobre o contribuinte.
I) O IRC é um imposto determinado com base na contabilidade (fiável), creditada com a presunção de verdade e boa fé (cf. artigo 75. º, n.º 1, da LGT), a partir da qual se procede ao cálculo da matéria tributável apurando o valor real dos rendimentos sujeitos a tributação (cf. artigo 83. º, n.º 1, da LGT).
J) Assim, quando ocorram irregularidades na execução da contabilidade que impossibilitam o conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários à determinação da matéria coletável e cálculo do imposto, não permitindo a sua verificação e controlo, como sucedeu no caso em apreço [cfr. capítulo IV do RIT – facto provado X)], cujo ónus impende sobre o contribuinte como meio de assegurar a presunção de aderência à realidade do declarado, inviabilizando a concretização, por parte da AT, do dever estritamente vinculado a que esta, por seu turno, está obrigada pelo princípio da legalidade, do controle e apuramento do efectivo valor tributável, a AT ficará legitimada automaticamente a recorrer a meio alternativo de tributação (vide artigo 17.º, n.º 3 e 115.º, ambos do Código do IRC).
K) Ora, in casu, o recurso à utilização de métodos indiretos fundou-se assim no artigo 52.º do Código do IRC e na verificação dos pressupostos estabelecidos na alínea b) do artigo 87.º e na alínea d) do artigo 88.º, ambos da LGT.
L) E analisado o teor do RIT consta, no seu ponto IV. 14 que “(…) A existência de manifesta discrepância entre os custos de produção (ponto IV. 1 e IV.2) e os critérios de valorimetria das existências utilizados pelo sujeito passivo, a existência de registos contabilísticos sem correspondência com operações realmente praticadas, impossibilitam a quantificação directa e exacta da matéria tributável, pelo que estão reunidos os pressupostos para a aplicação de métodos indirectos, nos termos dos artºs 87º nº 1 alínea b) conjugado com a alínea d) do artº 88º da Lei Geral Tributária.”.
M) De acordo com o entendimento atual do princípio da legalidade tributária, contida nos artigos 29.º e 103.º da CRP, 8.º da LGT e 3.º do CPA, incumbe à AT, a indagação acerca da verificação destes pressupostos, condição necessária para o apuramento indireto do lucro tributável e a consequente liquidação do imposto em falta. Uma vez feita a demonstração, pela mesma AT, de que a contabilidade não merece confiança, cabe então ao contribuinte demonstrar que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributável encontrada.
N) Ou seja, caberá ao sujeito passivo demonstrar a falta de aderência à realidade da matéria coletável que veio a ser fixada, e sendo caso disso, a medida em que tal sucedeu, sob pena de a dúvida sobre tal matéria se ter de revelar desfavorável à sua pretensão, já que, como é axiomático a sua existência não será, então, mais do que o resultado de uma conduta violadora do princípio da colaboração, que lhe está imposto, com transparência e verdade e que, nessa medida, a tornam infundada.
O) Ora, com o devido respeito pelo douto Tribunal, a Recorrida não logrou provar que há um erro na quantificação da matéria coletável uma vez que os próprios elementos por si fornecidos, bem como a prova testemunhal produzida, não permitem pôr em causa os valores apurados pelos Serviços de Inspeção e que possibilitem fazer prova do excesso de quantificação.
P) No caso dos autos, a determinação da matéria coletável fundamentou-se nas alíneas do artigo 90.º da LGT, resultando resumidamente do RIT que os Serviços de Inspeção Tributária procederam à determinação da matéria tributável e imposto, e que consistiu em determinar o volume de negócios do sujeito passivo partindo de (cfr. capítulo V do RIT):
• Determinação da produção de vinho a granel, recorrendo à informação obtida do Instituto da Vinha e do Vinho, tendo em conta a relação entre a quantidade de borra/vinho produzido com a borra e o vinho declarados pelo sujeito;
• Determinação do preço de custo do litro de vinho tendo em conta a produção determinada na alínea anterior;
• Determinação da quantidade de vinho tinto e branco produzido utilizando a mesma relação percetual de produção declarada pelo sujeito passivo;
• Utilização do preço de mercado fornecido pelo Instituto da Vinha e do Vinho para as vendas presumidas.
Q) O método utilizado pela Recorrente que teve em conta a situação concreta do contribuinte, não violou os princípios da legalidade e da proporcionalidade, pelo que não merece censura.
R) E com este pano de fundo, cabe referir que a Recorrente cumpriu o ónus de indicar e fundamentar o critério utilizado na determinação da matéria tributável por métodos indiretos pois assentou o cálculo do volume da matéria coletável presumida em dados objetivos e racionais, revelando-se o critério presuntivo utilizado como ajustado e adequado.
S) Pelo que, com todo o respeito pelo entendimento proferido, se o Tribunal a quo tivesse em consideração toda a fundamentação vertida no Relatório da Inspeção, e ainda do que resulta do procedimento de revisão da matéria tributável [cfr. alíneas X e Z) do probatório], chegaria certamente a uma conclusão diferente da que chegou, isto é, que a Recorrida não apresentou critérios de quantificação alternativos, como era aliás seu ónus nos termos do artigo 74, n.º 3 da LGT.
T) Pelo que o critério de quantificação da tributação por métodos indiretos levada a cabo na ação inspetiva, é um critério válido seguro e idóneo, que permite quantificar com rigor a matéria tributável, partindo de uma relação congruente e justificada entre os factos apurados e a situação concreta do sujeito passivo, devendo as liquidações manterem-se na ordem jurídico tributária.
U) Razão pela qual, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser a douta sentença recorrida, revogada, quanto ao segmento relativo à errónea quantificação da matéria tributável relativa ao vinho produzido e vendido pela Recorrente e, substituída por douto Acórdão que conclua pela legalidade dos atos tributários consubstanciado nas liquidações impugnadas, mantendo as mesmas na ordem jurídico-tributária».

Pugna pela revogação da sentença e pela improcedência da impugnação, na parte contestada.

X
A Sociedade Impugnante, na qualidade de recorrida, apresentou contra-alegações, inserta a fls. 461 e ss. (numeração do processo em formato digital - sitaf) formulando o seguinte quadro conclusivo:”
A) Deve o recurso interposto pela AT ser rejeitado na parte relativa à matéria de facto, por incumprimento do ónus de alegação previsto no artigo 640.º do CPC.
B) Isto porque, não só não é possível descortinar uma discordância efetiva por parte da Recorrente com a matéria de facto dada como provada, como também não são identificados quaisquer factos novos que, no entender da Recorrente, devessem ser aditados ao probatório.
C) O recurso, que tem por objeto a errada quantificação da matéria tributável apurada por métodos indiretos, não merece provimento porquanto os critérios estabelecidos no artigo 90.º da LGT indubitavelmente não foram seguidos pelos SIT na quantificação da matéria tributável apurada por métodos indiretos, não tendo os SIT feito a prova com que se encontrava onerada ao abrigo do artigo 74.º, n.º 3 da LGT.
D) Resulta dos factos provados (maxime das alíneas B), D), E), F), G), H), I), J), L), M), N), T), U) e CC) da matéria de facto) que houve lugar a uma errónea quantificação da matéria tributável relativamente ao vinho produzido e vendido pela Recorrida, o que determina a ilegalidade das liquidações impugnadas, como bem decidido pelo Tribunal a quo.
E) Com efeito, em primeiro lugar, a Recorrente refere que teve em consideração a situação concreta da ora Recorrida na quantificação da matéria tributável, tal como estatuído pelo artigo 90.º, n.º 1, alínea d) da LGT, mas ficou provado nos autos que os SIT, ao invés de utilizarem as informações disponíveis relativas ao sector do vinho, às castas e à região na qual se insere a Recorrida, resolveram antes determinar a quantidade de vinho que a Recorrida produziu através das borras declaradas, socorrendo-se de informação fornecida pelo IVV que se revelou ser inadequada ao caso concreto.
F) Tal como é mencionado no Relatório de Inspeção, a pedra-de-toque do método indiciário utilizado tem “em conta a relação da quantidade de borra/vinho produzido com a borra e o vinho declarados pelo sujeito passivo”, relação esta que, tal como ficou provado nos autos, é totalmente inapta para concluir que foi produzido vinho que não estava contabilizado e foi vendido ilegalmente (como conclui, embora sempre de forma sub-reptícia e não expressa, a AT).
G) E se em parte alguma do Relatório de Inspeção é afirmado expressamente que a Recorrida omitiu vendas, esta conclusão resulta cristalina das conclusões do Relatório de Inspeção, tendo em conta que a AT concluiu por um aumento do valor das vendas de vinho.
H) Ora, as omissões de vendas constituem irregularidades graves, sobretudo no sector do álcool, configurando inclusivamente um crime punível com pena de prisão efetiva – no entanto, nunca a Impugnante adotou tal conduta, insurgindo-se, naturalmente, contra esta acusação caluniosa (ainda que efetuada de forma totalmente velada).
I) A jurisprudência deste Venerando Tribunal é clara ao exigir que a ocultação de vendas tem de estar alicerçada em outros indícios (cfr. Acórdão de 15.02.2005, proferido no processo n.º 359/04), sendo que, no presente caso tal omissão de vendas nem sequer surge referida – apenas resulta das conclusões a que chegou a AT!
J) Ora, passar de uma produção de borras superior a uma alegada média, para concluir (ainda que implicitamente) para uma omissão de vendas é um salto que nem a lei, nem o senso comum, admitem.
K) Em segundo lugar, embora a Recorrente alegue que o método utilizado para determinar a quantidade de vinho produzida pela ora Recorrida é proporcional, ficou sobejamente demonstrado que as quantidades de vinho presumidamente produzido pela Recorrida de acordo com os SIT, são exorbitantes (cfr., entre outras, as alíneas D) e E) da matéria de facto dada como provada na sentença), provando-se a manifesta desproporção do método utilizado pela Recorrente e a errada quantificação da matéria tributável, como decidido pelo Tribunal a quo.
L) Conforme os SIT sabiam, nem toda a área de vinha da Recorrida estava plantada, ao contrário do pressuposto para os cálculos que os SIT efetuaram.
M) Mais: resulta do próprio Relatório de Inspeção, a produção de vinho no concelho do C................. diminuiu 10,67% entre 2004 e 2005, e 6,31% entre 2005 e 2006 mas, segundo os cálculos efetuados pelos SIT, a ora Recorrida, em vez de registar uma diminuição da produção entre 2004 e 2005 próxima dos 10,67%, registaria, pelo contrário, um aumento brutal de produção na ordem dos 15,36%.
N) Ou seja, enquanto todo o concelho do C................. registou uma quebra de produção, resultaria do método utilizado pelos SIT para quantificar a matéria tributável apurada por métodos indiretos que a Recorrida não só não teria registado qualquer diminuição, como teria antes tido um espantoso aumento de produção de 15%.
O) Em terceiro lugar, a Recorrente sustenta que o critério de quantificação utilizado pelos SIT é válido, seguro e idóneo, permitindo quantificar com rigor a matéria tributável.
P) Porém, resulta cristalino da sentença que não assiste razão à Recorrente, tendo a Recorrente partido de dados que não refletiam a realidade concreta da Recorrida, como veio a ser confirmado (cfr., entre outras, alínea CC) da matéria de facto dada como provada na sentença).
Q) Com efeito, os SIT aplicaram à quantidade presumida de vinho produzido o preço unitário constante de uma mera folha informativa fornecida pelo IVV (a tabela que consta da alínea U) da matéria de facto dada como provada na sentença) para todos os vinhos produzidos em Portugal durante 6 anos (de 2000 a 2006).
R) Sublinhe-se a simplicidade (ou má-fé) da AT, ao considerar que, em apenas uma página de uma tabela do IVV, é possível aferir e demonstrar qual o preço de mercado de todos os tipos de vinho produzidos em Portugal Continental em 6 anos diferentes!
S) Esta folha do IVV apresenta apenas preços médios de todo o vinho produzido em Portugal, que pouco ou nada significam para o presente caso, pois uma média não reflete minimamente a amplitude dos valores que compõem essa média.
T) Este método é tão tosco (com o devido respeito) que permitiria dizer que, por exemplo, os veículos vendidos por uma marca de automóveis de luxo e uma marca de automóveis utilitários têm um preço de mercado idêntico, por referência a uma tabela com o preço médio de venda de automóveis em Portugal!
U) Termos em que, não assistindo razão à Recorrente e revelando-se errada e ilegal a quantificação da matéria tributável apurada por métodos indiretos, são ilegais as liquidações impugnadas, as quais devem ser anuladas, como bem decidido pelo Tribunal a quo nesta parte.
V) Em caso de procedência do recurso (o que somente se equaciona, sem conceder, por cautela de patrocínio), requer-se a ampliação do âmbito do recurso, nos termos do artigo 636.º do CPC, ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT, de modo a ser apreciada a questão da ilegalidade do recurso a métodos indiretos na avaliação da matéria tributável.
W) A sentença recorrida enferma de um evidente erro de julgamento de Direito no que respeita à apreciação que fez do recurso a métodos indiretos como forma de apuramento da matéria tributável in casu.
X) Com efeito, não se verifica nenhum dos motivos invocados pelos SIT para fundamentar a aplicação de métodos indiretos no caso sub judice, a saber:
(i) a existência de manifesta discrepância entre os custos de produção e os critérios de valorimetria das existências utilizados pelo sujeito passivo; e
(ii) a existência de registos contabilísticos sem correspondência com operações realmente praticadas.
Y) Quanto ao primeiro “motivo”, resulta claro nos autos que inexiste qualquer discrepância entre os custos de produção e os critérios de valorimetria das existências utilizados pelo sujeito passivo.
Z) De resto, são os próprios SIT que afirmam no Relatório de Inspeção que a contabilidade analítica permitia a utilização de um critério mais fiável (tendo inclusivamente efetuado os cálculos).
AA) Desta forma, é não só paradoxal, como está eivado de má-fé a afirmação, efetuada pelos SIT, que estavam impossibilitados de quantificar diretamente a matéria coletável por causa do critério de valorimetria utilizado, quando os próprios SIT conseguiram, sem qualquer dificultada, efetuar os cálculos que consideraram corretos com base nessa mesma contabilidade.
BB) De resto, os próprios SIT concluíram, implicitamente, que a Recorrida não “manipulava” os critérios de valorimetria de modo a conseguir sempre um qualquer resultado fiscalmente vantajoso, já que o critério utilizado tanto originou subvalorizações como sobrevalorizações das existências, face ao critério que os SIT consideraram correto.
CC) Também o segundo “motivo” identificado pelos SIT para fundamentar o recurso a métodos indiretos é totalmente improcedente.
DD) Na verdade, os registos contabilísticos que, nos três períodos de tributação em causa, mereceram a suspeita dos SIT são apenas dois (e todos eles referentes ao exercício de 2005):
(i) o lançamento n.º 2379 de 31.12.2005 referente ao ajustamento de existências; e
(ii) o lançamento n.º OD2377/OD2378 de 31.12.2005 referente à alienação de uma quota leiteira.
EE) Relativamente ao primeiro registo contabilístico, o ajustamento efetuado pela Recorrida é, não só é de aceitar, como imposto por lei, a quanto acresce que o Tribunal a quo concordou com a correspondência entre o lançamento contabilístico n.º 2379, de 31.12.2005, referente ao ajustamento de existências, e as operações praticadas pela ora Recorrida.
FF) Relativamente ao segundo registo contabilístico, o Tribunal a quo não teve quaisquer dúvidas quanto à correspondência entre os registos contabilísticos relativos à quota leiteira e as operações realizadas pela ora Recorrida.
GG) Em qualquer caso, mesmo que estes ajustamentos não estivessem corretos – e ficou comprovado que estavam – nenhum deles era de molde a impossibilitar uma simples correção.
HH) De resto, estes movimentos dizem apenas respeito ao exercício de 2005, nunca sendo explicado pelos SIT por que razão são também motivo para aplicar métodos indiretos nos exercícios de 2004 e 2006.
II) Neste sentido, não poderia o Tribunal a quo ter decidido, como decidiu, pela legalidade do recurso a métodos indiretos na avaliação da matéria tributável.
JJ) Acresce ao exposto que não se verificam in casu os pressupostos do artigo 88.º, n.º 1, alínea d) da LGT invocados pelos SIT para fundamentar o recurso a métodos indiretos.
Pugna no sentido de ser negado provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública e pela manutenção da sentença recorrida, na parte impugnada e, em sede de ampliação do objecto do recurso, pela revogação da sentença na parte em que validou a asserção do preenchimento dos pressupostos do recurso aos métodos indirectos.
X
Já no que concerne ao requerimento recursório interposto pela sociedade Impugnante, a mesma finalizou a sua alegação com o seguinte quadro conclusivo:”
A) Está em causa no presente recurso a ilegalidade das liquidações de IRC sub judice na parte em que decorrem da não aceitação, como gasto dedutível, das amortizações relativas ao imóvel denominado “Complexo Habitacional e Tertúlia”, com fundamento na sua alegada não indispensabilidade, à luz do artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC.
B) Ora, o Tribunal a quo deu como provado – com fundamento na prova documental e toda a prova testemunhal produzida – que a atividade da ora Recorrente é a exploração agrícola e pecuária, nomeadamente a produção e comercialização de vinhos próprios e que o “Complexo Habitacional e Tertúlia” é um edifício destinado ao desenvolvimento de atividades de promoção e comercialização dos vinhos produzidos pela Recorrente (cfr. alíneas A) e C) da matéria de facto provada).
C) Contudo, o Tribunal a quo faz depender a indispensabilidade dos gastos sub judice de dois critérios que não constam do artigo 23.º do Código do IRC, nem tão-pouco são aventados pela doutrina e jurisprudência: (i) o aumento efetivo dos proveitos da ora Recorrente decorrente da utilização deste imóvel em concreto; e (ii) a sua utilização intensiva (i.e., diária, não esporádica).
D) Isto porque o Tribunal a quo fundamenta a sua decisão referindo que a Recorrente não provou que a utilização deste imóvel fez aumentar os proveitos da sua atividade, referindo ainda que a sua utilização era “esporádica”.
E) Ora, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, o aumento dos proveitos da ora Recorrente em virtude da utilização deste imóvel, bem como a utilização intensiva ou diária do mesmo são absolutamente irrelevantes para aferir da indispensabilidade dos gastos em apreço.
F) Andou, pois, mal o Tribunal a quo na interpretação que fez do conceito de indispensabilidade dos gastos contido no artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, contrariando frontalmente a jurisprudência e doutrina unânimes na matéria.
G) Enferma, assim, a sentença recorrida de erro de julgamento de face e de Direito ao decidir pela improcedência da impugnação na parte que respeita à correção referente às amortizações relativas ao imóvel denominado “Complexo Habitacional e Tertúlia”.
H) O Tribunal a quo refere também que a descrição do imóvel refere a existência de “quartos e de uma piscina (…), “a qual, igualmente afasta a indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos decorrentes da atividade desenvolvida pela Impugnante”.
I) Ora, os SIT haviam fundamentado a não dedução das amortizações referentes a este imóvel, argumentando que “Quanto ao Complexo Habitacional e Tertúlia, apesar de termos solicitado para vermos, tal não nos foi permitido, deduzimos que seria porque esta nada teria a ver com a actividade do sujeito passivo, pois caso contrário estaria à disposição dos técnicos” (com negrito nosso).
J) No entanto, não consta do Relatório de Inspeção qualquer termo de declaração ou documento em que tenha sido pedido a vistoria a este imóvel ou, muito menos, a recusa de acesso aos SIT por parte da ora Recorrente, conforme impunham a alínea b) do artigo 55.º e o n.º 4 do artigo 56.º, ambos do RCPIT, não tendo os SIT seguido também (ou melhor, nem sequer mencionaram) o procedimento estabelecido no artigo 63.º nºs 4 e 5, da LGT e nos artigos 32.º e 59.º do RCPIT, para o caso violação do dever de cooperação ou de oposição à realização de atos de inspeção.
K) Foi assim como base nesta “dedução” (ou melhor, mero palpite), que os SIT negaram a dedutibilidade do gasto, entendendo que não ficou demonstrada a indispensabilidade das referidas amortizações relativas ao “Complexo Habitacional e Tertúlia”.
L) O Tribunal a quo, fundamentado em outro “palpite” (com o devido respeito), mantém esta não dedutibilidade, argumentando que tal deve-se também ao facto do imóvel ter uma pequena piscina, junto à qual são efetuados os eventos de promoção dos vinhos.
M) Resulta desta fundamentação que o Tribunal a quo só admitiria a indispensabilidade das amortizações se ficasse comprovado o aumento efetivo dos proveitos decorrente da utilização deste imóvel, que deveria, para o efeito, sofrer uma utilização intensiva (ou diária)… e não incluísse uma piscina (?!)
N) Assim, os gastos com amortizações relativas ao “Complexo Habitacional e Tertúlia” devem ser considerados indispensáveis para a realização dos proveitos e manutenção da fonte produtora da ora Recorrente e, por conseguinte, dedutíveis para efeitos fiscais nos termos do artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC.
O) Nestes termos, deve ser revogada a sentença recorrida na parte em que decidiu pela improcedência da impugnação, anulando-se os atos de liquidação de IRC postos em crise também na parte em que não foi aceite a dedutibilidade dos gastos com as amortizações efetuadas ao ativo imobiliário denominado “Complexo Habitacional e Tertúlia”.
Pugna pelo provimento do recurso, pela revogação da sentença recorrida, na parte em apreço, e pela procedência da impugnação, nessa parte.
X
A Fazenda Publicada notificada para contra-alegar, não respondeu.
X
A Digna Magistrada do M. P. junto deste Tribunal notificada para o efeito, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento a ambos os recursos.
X
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
X
II- Fundamentação
2.1. De Facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto, nos termos que seguem:
“Em face dos elementos juntos aos autos e das regras de experiência comum, resultam provados os seguintes factos, considerados bastantes e com interesse para a decisão do mérito da causa, de acordo com as diversas soluções plausíveis de direito:
A. A Impugnante foi fundada em 1995 e dedica-se à exploração agrícola e pecuária, nomeadamente: recolha, tratamento, produção e comercialização de leite, e derivados e produção e comercialização de vinhos próprios, cfr Documentos 1 e 11 juntos com a petição inicial, que se dão por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais;
B. Em 2004, a Impugnante era proprietária de 64,78 ha, constituídos por vários artigos matriciais, localizados no Ribatejo, adquiridos de 1995 a 2004, e dedicados à produção de vinho, nos quais existiam vinhas com características diferentes, vinha velha, vinha nova, e de castas diferentes, assim como alguns hectares em pousio, sem produção, cfr prova testemunhal, depoimentos de P …………… e J …………;
C. Na Quinta de S………….., a Impugnante possuía um edifício designado por “Complexo Habitacional e Tertúlia”, destinado ao desenvolvimento de actividades de promoção e comercialização dos vinhos, cfr Documentos 21 a 26 juntos com a petição inicial, que se dão por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais e toda a prova testemunhal;
D. Entre 1995 e 2007, a Impugnante procedeu à recuperação das vinhas velhas e ao plantio de novas vinhas, adquirindo para o efeito direitos de plantio a terceiros, tendo obtido, em 1998, o estatuto de depositário autorizado e de entreposto fiscal, cfr Documentos 1 juntos com a petição inicial, que se dão por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais e prova testemunhal, depoimentos de P……………… e J …………..;
E. Do total da área dedicada à produção de vinho, 64,78 ha, propriedade da Impugnante, foram plantados, em 2006, 5 hectares de vinha nova, e outros 8 hectares, em 2007, existindo ainda uma área de mais 5 hectares sem plantação, cfr prova testemunhal, depoimentos de P……………… e J …………..;
F. A produção de borras depende de vários fatores, nomeadamente os inerentes às variedades, estado de maturação e estado sanitário das uvas, fatores climáticos e técnicas de vinificação, cfr Documento 13 junto com a petição inicial, que se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais e prova testemunhal, depoimentos de P……………… e J …………..;
G. Um número elevado de trasfegas de vinho aumenta a quantidade de borra obtida, embora à medida que aumenta o número de trasfegas a quantidade de borras tenderá a reduzir-se, cfr Documentos 13 a 15 juntos com a petição inicial, que se dão por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais e prova testemunhal, depoimentos de P……………… e J …………..;
H. Em 16.07.2004 a Impugnante, através de um acordo de cessão de quotas com a empresa V……………, Lda, adquiriu uma quota leiteira, no valor de € 952.000,00, cfr Documentos 8, 9 e 10 juntos com a petição inicial, que se dão por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais e prova testemunhal, depoimentos de P……………… e J …………..;
I. No mesmo dia, 16.07.2004, a Impugnante cedeu a referida quota leiteira à sociedade Agrícola Quinta do P………….., Lda, pelo valor total de €1.132.880,00 tendo por base o valor unitário de €0,272, cfr Documento 7 junto com a petição inicial, que se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais e prova testemunhal, depoimentos de P……………… e J …………..;
J. Em setembro de 2004 e julho de 2005, a Impugnante armazenou na Casa Agrícola M ………., Lda, 223.438 litros de vinho, que transportou no período de 9.09.2004 a 28.09.2004, e 250.000 litros de vinho, que transportou no período de 18.07.2005 a 27.07.2005, cfr Documento 17 junto com a petição inicial, que se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais e prova testemunhal, depoimentos P……………… e J …………..;
K. Nos anos de 2004 a 2006, a Impugnante possuía contabilidade analítica de custos, cfr Documento 2 junto com a petição inicial, que se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais e prova testemunhal, depoimentos de J…………, João ………… e José ………..;
L. Em 2005, 2006 (e 2008), a Impugnante vendeu vinho a granel das colheitas dos anos 1999, 2000, 2001 e 2003, pelos valores unitários de 0,42 e 0,43 por litro, preço abaixo do custo de produção, cfr Documento 4 junto com a petição inicial, que se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais e prova testemunhal, depoimentos de P……………… e J …………..;
M. O mencionado vinho das colheitas dos anos 1999, 2000, 2001 e 2003 foi vendido a granel e por um preço abaixo do custo de produção, porque a Impugnante não conseguiu escoar, em tempo, tal produção, cfr prova testemunhal, depoimentos de P……………… e J …………..;
N. Em 31.12.2005, a Impugnante através do lançamento nº2379 procedeu ao ajustamento pelo valor de mercado, de parte das existências de vinho a granel das campanhas de 2003 e 2004, no montante de €1.026.904,00, tendo sido utilizadas para o efeito as contas POC 59 e 33, cfr Documento 4 junto com a petição inicial, que se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais e prova testemunhal J……….. e José …………;
O. E, no mesmo dia, através dos lançamentos OD2377 e OD2378, igualmente reavaliou a sua quota leiteira, com base no seu valor de mercado, considerando o valor unitário de 0,272, cfr anexos XVI e XII ao Documento 4 junto com a petição inicial, que se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais e prova testemunhal, depoimentos de ………….. e José ………….;
P. Em setembro de 2006, a Impugnante adquiriu instalações próprias para armazenagem em Vila ………….. e iniciou o transporte de parte do vinho (159.668 litros) armazenado na Casa Agrícola M …………, Lda, cfr Documento 19 junto com a petição inicial, que se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais e prova testemunhal, depoimentos de P……………… e J …………..;
Q. Do vinho armazenado na Casa Agrícola M ……., Lda, a Impugnante vendeu, em setembro de 2006, 313.770 litros às Caves V…………, S.A, pelos valores unitários de 0,42 e 0,43 por litro, cfr Documento 20 junto com a petição inicial, que se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais e prova testemunhal, depoimentos de P……………… e J …………..;
R. Em cumprimento das Ordens de Serviço n.º 01.200702006, 01.200702007 e 01.200702008, datadas de 13.07.2007, a Impugnante foi alvo de ações de inspeção tributária que abrangeram os exercícios de 2004, 2005 e 2006, cfr Documento 2 junto com a petição inicial, que se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais;
S. De 2004 a 2008, a Impugnante vendeu vinho engarrafado por valores unitários, de €3,00 a €51,00 /garrafa, cfr Documento 6 junto com a petição inicial, que se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais;
T. O preço do vinho varia em função da marca, casta e qualidade, cfr Documento 6 junto com a petição inicial, que se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais e prova testemunhal, depoimentos de P……………… e J …………..;
U. Em 2008 o Instituto da Vinha e do Vinho, IP – IVV, possuía uma tabela com o seguinte teor,
«Texto no original»

cfr Documento 5 junto com a petição inicial,
V. As ações de inspeção decorrentes das Ordens de serviço nº 01.200702006, e 01.200702007 decorreram de 27.05.2008 a 2.10.2008 - não contestado;
W. A ação de inspeção decorrente da Ordem de serviço nº 01.200702008, decorreu de 19.06.2008 a 2.10.2008 - não contestado;
X. Na sequência das ações de inspeção suprarreferidas foi elaborado, em 24.10.2008 o relatório final de inspeção, do qual ressalta o seguinte,

«Textos e quadros no original»


cfr Documento 2 junto com a petição inicial, que se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais;
Y. Sobre o referido relatório final de inspeção foram proferidos os seguintes despachos,

Ordem de serviço nº OI200702006,

«Texto no original»


Ordem de serviço nº OI200702007,

«Texto no original»

Ordem de serviço nº OI200702008,

«Texto no original»


cfr Documento 2 junto com a petição inicial, que se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais;
Z. Em 20.11.2008 a Impugnante apresentou pedido de revisão da matéria tributável, no qual as partes não lograram chegar a acordo, cfr fls 1442 a 1456 do PAT;
AA. Em 15.12.2008 foram emitidas, em nome da Impugnante, as liquidações de IRC nºs …………….607, …………………..668, referentes, respectivamente, aos exercícios de 2004, 2005, cfr Documento 3 junto com a petição inicial, que se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais;
BB. Em 17.12.2008 foi emitida, em nome da Impugnante, a liquidação de IRC nº ………………………806 referente ao exercício de 2006, cfr Documento 2 junto com a petição inicial, que se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais;
CC. Mediante email de resposta à Impugnante, datado de 6.03.2014 sobre o assunto “Preço médio vinho regional Ribatejo” a Adega Cooperativa do ………., CRL informou, que o preço médio do vinho regional ribatejano a granel (Litro base de 12º) era, em 2005, de aproximadamente 0,40 €, cfr documentos juntos na audiência de produção de prova testemunhal.”
X
“Dos factos não provados//Facto único não provado – não se demonstrou o aumento dos proveitos da empresa, em virtude da utilização do imóvel designado por ‘Complexo Habitacional e Tertúlia’”.
X
“Face à prova produzida inexistem outros factos sobre que o Tribunal se deva pronunciar já que as demais asserções integram, no mais, meras considerações das partes e conclusões de facto e/ou de direito.”
X
“Motivação da decisão sobre a matéria de facto//A convicção do Tribunal assentou na prova documental junta aos autos pelas partes, conforme referido a propósito de cada alínea do probatório, os quais não foram impugnados pelas mesmas e sobre os quais não existem indícios que ponham em causa a sua genuinidade.//Relativamente à prova testemunhal, cabe antes de mais referir que a perceção da signatária sobre os depoimentos oferecidos resulta apenas da audição da audiência através de CD, e de acordo com a qual, considera que, todas as pessoas ouvidas como testemunhas, J ………………, P …………….., João …………………., José ……………, demonstraram conhecimento direto dos factos sobre os quais foram inquiridas, respondendo de forma esclarecida e credível às questões colocadas.// O depoimento de J…. A …………….., Técnico Oficial de contas da Impugnante, foi esclarecedor sobre os registos contabilísticos dos custos, o critério de volumetria utilizado pela Impugnante, os ajustamentos efetuados relativamente ao vinho vendido a granel, à quota leiteira e aos investimentos em terrenos e licenças de plantação.// P ………………….., responsável pela adega da Impugnante, foi bastante esclarecedor sobre os investimentos em terrenos, o processo de plantação e produção da vinha (anos, castas), o processo de produção de vinho desde a sua colheita até ao engarrafamento e venda, os preços de venda e suas vicissitudes em função das castas e escoamento do mercado. Esclareceu de forma muito credível o valor de venda do vinho a granel efetuado pela Impugnante. O processo de produção de borras e as implicações das trafegas para a quantidade de borras produzidas. A necessidade de contratar armazenagem para o vinho não escoado. A relação próxima e atualizada entre a área da produção e a contabilidade. Tendo ainda esclarecido o uso dado pela Impugnante ao designado “complexo habitacional e tertúlia” no âmbito da atividade desenvolvida por aquela na Quinta do S………….., sem que, no entanto, tenha sido demonstrado o aumento dos proveitos da empresa, em virtude de tal utilização.// João ………………………….., trabalha como administrativo para a Impugnante desde 1997. Tem conhecimento das atividades desenvolvidas nas diversas quintas propriedade da Impugnante. O seu depoimento foi esclarecedor sobre a compra de terrenos e vinhas por parte da Impugnante. O preço do litro de venda do vinho a granel, sua justificação, tendo inclusive juntado aos autos documentação que demonstra a veracidade do seu, e dos restantes depoimentos quanto ao valor de venda do vinho a granel efetuado pela Impugnante. Mais esclareceu sobre a compra e venda da quota leiteira e da independência da empresa que adquiriu a mesma. A necessidade de alugar capacidade de armazenagem de vinho não escoado e a sua venda em parte à quinta R………..e às Caves V……….. Reiterou o esclarecido sobre a relação próxima e atualizada entre a área da produção e a contabilidade, considerando impossível a venda de vinho fora desse circuito. E mais esclareceu sobre o uso dado pela Impugnante ao designado “complexo habitacional e tertúlia” no âmbito da atividade desenvolvida por aquela na Quinta do S………….//José …………………, Revisor Oficial de Contas da Impugnante há 20 anos, foi muito esclarecedor quanto aos ajustamentos efetuados relativamente ao vinho vendido a granel e à quota leiteira, explicando o sentido e necessidade dos 2 enfâses relativos aos ajustamentos efetuados.// O Facto único não provado resultou da insuficiência da prova documental, nº s 21 a 26 junta aos autos com a petição inicial, assim como dos depoimentos das diversas testemunhas, os quais esclarecendo sobre a existência do referido complexo e sua utilização esporádica para provas de vinhos, não conseguiram demonstrar a sua indispensabilidade no âmbito da atividade desenvolvida pela Impugnante.”
X
Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:
DD) Em 12/12/2008, o Director de Finanças de Lisboa, no quadro do procedimento de revisão da matéria colectável, proferiu despacho de fixação da matéria colectável, do qual consta, entre o mais, o seguinte:
«Quanto aos pressupostos de aplicação do método de Avaliação Indirecta
Pelo exposto e pelos elementos constantes dos Processos, Relatórios da Inspecção Tributária, Pedido de Revisão e as posições dos Peritos intervenientes no Debate contraditório, que aqui se dão como reproduzidos, os quais foram atrás abordados, conclui-se o seguinte: // A análise da contabilidade do sujeito passivo revelou que a mesma não foi elaborada de acordo com a normalização contabilística, conforme refere o nº.3 do artº.17º do CIRC nem observa o preceituado no artº.115º no CIRC e artº.44º do CIVA, dado que possui irregularidades na sua execução que impossibilitam o conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários à determinação da Matéria Colectável e ao cálculo do Imposto, não permitindo a sua verificação e controlo, tendo-se verificado em síntese: // Discrepância entre os custos de produção apurados pela empresa e a valoração das existências em 31 de Dezembro de cada um dos anos em causa; // A empresa valoriza os stocks de vinho ao preço de venda, já que os custos de produção são superiores ao preço do mercado. Nos termos da alínea c) do nº 1 do artº 26º do CIRC, um dos critérios a utilizar no valor das existências a considerar nos proveitos e custos na determinação do resultado do exercício poderá ser, o do preço de venda deduzido da margem normal de lucro. Porém, este critério só é aceite em sectores de actividade em que o cálculo do custo de aquisição ou de produção se torne excessivamente oneroso ou não possa ser apurado com razoável rigor. Tendo a reclamante contabilidade analítica, tem ao seu dispor um instrumento que lhe permite apurar com rigor os custos de produção; // O preço de venda do vinho utilizado pela empresa, não resulta das condições normais de venda, mas da negociação com uma única empresa e é muito inferior ao preço de mercado apurado pelas instituições oficiais, daí não ser considerado idóneo e de controlo inequívoco conforme nº 3 do artº 26º do CIRC; // Divergências detectadas nas variações entre a produção de vinho e de subprodutos; // Feita a análise comparativa entre a produção no Concelho do C................. com a produção do reclamante, verificou-se que as quebras na produção representam o dobro ou mais das verificadas no Concelho onde exerce a actividade; // Existência de registos contabilísticos sem correspondência com operações realmente praticadas, antes servindo para transformar um ajustamento negativo em positivo; // Manifesta falta de colaboração ao não apresentar o contrato de capacidade de armazenagem cedida à Casa Agrícola M………….. Lda., conforme lhe foi pedido e ainda ao não apresentar o relatório de auditoria do ROC; // -Não deixa de ser estranho que na certificação legal de contas o ROC coloque “Ênfase" em alguns movimentos contabilísticos, nomeadamente no que se refere aos ajustamentos na conta de Resultados Transitados. // Segundo o nº.1 e alínea a) do nº.2 do artº.75º da LGT, a presunção de veracidade das declarações, bem como, dos dados inscritos na contabilidade do contribuinte não se verifica quando esta não se encontra organizada de acordo com a legislação comercial e fiscal e quando se verificam indícios fundados de que não reflecte ou impede o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo pela Administração Fiscal, tal como dispõe o nº.2 do artº.344º do Código Civil, factos estes, que, no caso em apreço, sustentam a aplicação da Avaliação Indirecta. // Assim, face à impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da Matéria Tributável // Imposto dos exercícios de 2004, 2005 e 2006, atrás devidamente descrita, e plenamente fundamentada no Relatório, foi considerado estarem reunidos e, nos termos do nº.3 do artº.74º da LGT, verificados os pressupostos para a determinação do Lucro Tributável // Imposto por aplicação de Métodos Indirectos naqueles exercícios, para efeitos de IRC e IVA, conforme previsto na alínea b) do artº.87º e alínea a) do artº.88º da LGT, bem como, nos artigos 52º e 54º do CIRC e artº.84º do CIVA. // Estas situações não foram validamente postas em causa, quer no Pedido de Revisão, quer no Debate entre os Peritos pois, nem o sujeito passivo nem o Perito por si nomeado, vieram destruir os argumentos, mantendo-se os mesmos sem contestação válida. // Os Métodos Indirectos estão assim plenamente justificados, sendo defendida pelo Perito da Fazenda Pública, a sua aplicação».
(…) – doc. constante do p.a.

X

2.2. De Direito.
2.2.1. Nos presentes autos, foram interpostos dois recursos contra a sentença nos mesmos proferida. A Fazenda Pública censura a sentença recorrida, na parte em que a mesma lhe é desfavorável, ou seja, na parte em que anulou as liquidações em apreço, com base no excesso na quantificação da matéria colectável com recurso aos métodos indirectos. Por seu turno, a impugnante censura a sentença recorrida, na parte em que manteve a correcção aritmética relativa a amortização de activo.
2.2.2. A sentença determinou a anulação das liquidações contestadas [IRC, 2004, 2005 e 2006], considerando, em síntese, que,
«(…) [N]a determinação da matéria coletável a Administração Tributária não teve em consideração (muito embora tenha sido esclarecido em sede de procedimento de inspeção, conforme se retira do ponto IV.5 do Relatório de Inspeção), as particularidades da atividade desenvolvida pela Impugnante, assentando, por outro lado, o seu método indireto em dados incorretos sobre o setor, na região onde a Impugnante desenvolve a sua atividade. // E isto porque da prova assente resulta demonstrado que a Impugnante possuía, nos anos de 2004 a 2006, 64,78 ha de terreno destinados à produção de vinho, nos quais estavam plantadas diversas vinhas, com anos de maturação e castas diferentes. E em função dessas variáveis a produção de vinho na referida área não era igual e constante, havendo áreas/vinhas com mais produção que outras, e áreas de pousio sem qualquer produção, cfr factos B), D) a E) // Igualmente ficou demonstrado que a produção de borras depende de vários fatores, nomeadamente os inerentes às variedades, estado de maturação e estado sanitário das uvas, fatores climáticos e técnicas de vinificação, e que um número elevado de trasfegas de vinho aumenta a quantidade de borra obtida, embora à medida que aumenta o número de trasfegas a quantidade de borras tenderá a reduzir-se, cfr factos F) e G). // Pelo que o cálculo da produção de vinho e de borras não pode ser indiferente a tais factos. Não sendo possível determinar com rigor o número de litros de vinho produzido através das borras geradas numa campanha. Sendo que in casu as trasfegas de 223.438 litros de vinho efetuadas em setembro de 2004 e julho de 2005, para a Casa Agrícola M……………, Lda, cfr facto J) também influíram na quantidade de borra produzida, sem que daí se possa retirar o número concreto de litros de vinho efetivamente produzido. // Ficando por isso demonstrado não ser possível determinar com precisão a quantidade de vinho produzido através da quantidade de borra acumulada na sua produção. // Resultou ainda demonstrado que a Impugnante não conseguiu escoar toda a sua produção dos anos 1999, 2000, 2001 e 2003 o que levou à acumulação de 223.438 litros de vinho nas suas propriedades e em outras arrendadas para o efeito, cfr factos J) e M). Circunstância que levou à diminuição do preço/litro do vinho não escoado, e à sua venda por €0,43/0,43 litro, cfr factos L), M) e T). // Valor que foi confirmado pela Adega Cooperativa do ……….., cfr facto CC) e que invalida, para efeito de determinação dos valores em causa, os dados contantes da tabela do IVV, IP cfr facto U). // Dados sobre os quais a Autoridade Tributária calculou, erradamente, o valor do vinho presumido e consequentemente o lucro tributável».

2.2.3. Da ampliação do objecto do recurso por parte da impugnante/recorrida.
Em sede de contra-alegações, a recorrida requereu a ampliação do objeto do recurso, tendo em vista censurar o segmento decisório relativo à improcedência da impugnação, por referência à decisão de aplicação dos métodos indirectos. Defende a falta de demonstração dos pressupostos relativos. Por seu turno, a contraparte, apesar de notificada, não emitiu pronúncia.
Pese embora a qualificação adoptada pela requerente/recorrida, está em causa recurso subordinado interposto contra a sentença recorrida, no quadro do articulado de contra-alegações oferecidas contra o recurso interposto pela FP, dado que a recorrida censura a sentença sob escrutínio por alegado erro quanto ao segmento que confirmou a decisão da AT de recurso à avaliação indirecta, o que constitui o pedido principal da presente impugnação (artigo 633.º/1 e 2, do CPC).
A sentença recorrida considerou que «a Administração Tributária, cumpriu o ónus da prova que sobre si recaia sobre a verificação dos pressupostos de aplicação dos métodos indiretos para a fixação da matéria coletável, ficando demonstrado que, a seu ver, não era possível determinar a matéria coletável através da contabilidade, e que se encontra fundamentada a fixação da matéria tributável presumida».

Apreciação. A fundamentação do recurso à avaliação indirecta consta do ponto “IV – Motivos e extensão dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos” do relatório inspectivo.
A este propósito, é de notar o seguinte:
i) A aplicação de métodos indirectos de tributação, de acordo com o previsto nos artigos 87.º e ss. da LGT, pressupõe que: i) o sujeito passivo não tenha cumprido os deveres de declaração e de documentação; ii) ou que tenha cumprido estes deveres de forma defeituosa, tendo sido verificados vícios formais ou materiais da declaração ou da documentação; iii) ou que, tendo sido notificado para o efeito, não tenha prestado os esclarecimentos que a Administração Fiscal lhe solicitou (1).
ii) O ónus da prova dos factos constitutivos do afastamento da presunção de verdade é da Administração Tributária, isto é, a demonstração de que estão verificados os pressupostos de aplicação de métodos indirectos, no caso de os vícios tornarem impossível o apuramento da matéria colectável. Depois de comprovados os vícios da documentação ou da declaração de rendimentos, deve ser demonstrado através de um juízo de prognose póstuma, com base em regras de experiência comum, que o vício detectado é causa directa e necessária da impossibilidade de apuramento da matéria colectável com recurso a métodos directos (2).
iii) A impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos para a correcta determinação da matéria tributável do imposto resulta, designadamente, dos vícios formais ou materiais assacáveis à declaração de rendimentos e escrita do contribuinte, sendo que a aplicação de métodos indirectos só é possível quando inviabilizem tal comprovação e quantificação (3).
iv) A tributação do rendimento assenta no princípio declarativo. Por isso, o preceito do artigo 81.º da LGT, determina que «[a]matéria tributável é avaliada ou calculada directamente segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a administração tributária proceder a avaliação indirecta nos casos e condições expressamente previstos na lei». Ou seja, a avaliação indirecta da matéria colectável, assente em métodos presuntivos, é uma medida de última ratio, subsidiária em relação à avaliação indirecta.
No caso em exame, o relatório inspectivo documenta discrepâncias nos registos das existências, lançamentos na contabilidade sem justificação ou critério, utilização de valores de preços de venda não justificados, discrepâncias entre os custos de produção e os critérios de valorimetria das existências. Tal tornaria inviável a determinação da matéria colectável com recurso apenas à contabilidade da contribuinte, pelo que se mostrariam comprovados os pressupostos da avaliação indirecta (artigos 87.º//b), e 88.º/d), da LGT).
Vejamos.
Do relatório Inspectivo resulta o seguinte:
«IV- Motivos e Extensão dos Factos que Implicam o Recurso a Métodos Indirectos
IV-1 - Determinação dos preços por litro de vinho
O sujeito passivo dispõe de contabilidade analítica de custos.
Dos extractos da conta 92 (VIII) retirámos a seguinte informação sobre os custos incorridos com as campanhas vinícolas dos exercícios em análise.

« Quadro no original»

Com o recurso aos litros de vinho declarados por cada uma das campanhas, conforme os inventários (anexo IX) determinámos o preço unitário.
IV.2 - Comparando os valores das existências no balanço em 31/12 com os obtidos no ponto anterior, verificamos que o valor da produção da campanha anual de 2004 está sobreavaliada enquanto os valores das campanhas de 2005 e 2006 estão subavaliadas.


« Quadro no original»


IV.3 - Na nota 3 do anexo ao balanço e à demonstração de resultados (anexo X), consta como critério de valorimetria dos Produtos Acabados e Intermédios - Vinho, o “Valor de Realização apurado com base no preço expectável de venda deduzido dos custos de finalização e da margem normal de venda”.
Questionado o TOC sobre qual a “margem normal de venda” o mesmo referiu que, efectivamente, não existe uma margem fixada, uma vez que o preço de venda é determinado de acordo com a negociação e em função das quantidades vendidas.
Esta situação aplica-se no vinho a granel, mas também no vinho engarrafado O n° 4 do artigo 26° do CIRC refere o critério do “preço de venda deduzido da margem de lucro só pode ser aplicado nos sectores de actividade em que o cálculo do custo de aquisição ou do custo de produção se torne excessivamente oneroso ou não possa ser determinado com razoável rigor.
Não é o caso do sujeito passivo, pois este dispõe de contabilidade analítica.
IV.4 - Em 31/12/2005, através do lançamento n°2379 (anexo XI), o sujeito passivo procedeu ao ajustamento de parte das existências do vinho a granel das campanhas de 2003 e 2004, no montante de € 1.026.904,00. O histórico do lançamento refere que se trata de um ajustamento
pelo “Valor de Mercado”. As contas do POC utilizadas para o referido ajustamento foram:

Debito
Crédito
59 - Resultados Transitados
33 - Produtos Acabados e Intermédios
Embora não influenciando o resultado líquido de 2005, uma vez que a transferência para a conta 81 já tinha ocorrido, procedeu a uma descapitalização da empresa, influenciando, definitivamente, o valor das existências e, consequentemente, os resultados dos exercícios posteriores.
IV.5 - Em 17 de Setembro de 2008, o sujeito passivo foi notificado para justificar, inequivocamente, o valor de mercado utilizado no referido ajustamento (anexo XII).
Em resposta à notificação, datada de 22 de Setembro, o sujeito passivo no ponto 3 refere que o ajustamento até deveria ter sido por um valor superior em virtude de possuir elevados stocks face aos preços praticados no mercado (anexo XIII).
E, para justificar os preços de mercado, juntou as facturas de venda à Sociedade Agrícola da Quinta da R ……….. SA (preço de venda € 0,43 o litro) e às Caves V……… SA (preço de venda € 0,42 o litro), únicas vendas declaradas de vinho a granel, em 2005 (186.530 litros). Contactado o Instituto da Vinha e do Vinho para consultas sobre o preço de mercado foi-nos fornecida uma tabela de preços (anexo XIV) entre os anos de 2000 a 2006). Da análise efectuada à mesma constatamos que o sujeito passivo utilizou preços de mercado próximos dos preços de vinho a granel, de mesa, de baixa qualidade (cerca de €0,36 para o vinho tinto). No entanto, a sua produção é de vinho regional, conforme se pode verificar pelas declarações de colheita enviadas para o Instituto da Vinha e do Vinho (anexo XV), cujo preço de mecardo é seis vezes superior.
IV.6 - Pelo princípio de prudência, pelos critérios de valorização das existências e pela alínea b) do nº1 do artigo 34” do CIRC, decorre que: sempre que o preço de mercado for menor que o custo de produção, os produtos devem ser valorizados pelo preço de mercado. Para tal, há a conta 39 - Ajustamentos de existências a qual apresenta sempre um saldo credor e surge no balanço do lado do activo, mas com sinal negativo, para que, em caso de deixar de se verificar as situações que o originaram, se proceder a uma Reversão do Ajustamento de Existências.
IV.7 - Relativamente à utilização da conta 59 - Resultados Transitados, o POC refere que, excepcionalmente, esta conta pode registar regularizações não frequentes de grande significado, que devam afectar, positiva ou negativamente, os capitais próprios. Por sua vez, a Directriz Contabilística nº8 vem clarificar a expressão " Regularizações não frequentes de grande significado" referindo que deve apenas incluir os erros fundamentais. Considerando que, estes são os que forem detectados no período corrente e que sejam de tal magnitude, que afectem a credibilidades das anteriores demonstrações financeiras.
IV.8 - Ainda em 31/12/2005, através dos lançamentos OD2377 e OD2378 (anexo XVI), foi reavaliada a quota leiteira detida pela sociedade em mais € 2.461.870,55. O histórico do lançamento, refere que o ajustamento teve por base o valor de mercado.
As contas movimentadas foram as seguintes.

Débito
Crédito
42 - Imobilizado Incorpóreo
57 - Reservas Livres
57 - Reservas Livres
59 - Resultados Transitados

Na nota 3 do anexo ao balanço e à demonstração de resultados, consta como critério de valorimetria das imobilizações incorpóreas, concretamente da quota leiteira, o preço expectável de venda (anexo XVII).
Na certificação legal de contas o ROC coloca “Ênfase” nestes dois ajustamentos com base no preço de mercado, referindo que dele resultou um ajustamento líquido positivo na conta de Resultados Transitados no montante de € 1.434.966,05 (€ 2.461.870,55 - € 1.026.904,00).
IV.8 — O sujeito passivo foi notificado em 17 de Setembro de 2008 (anexo XII) para apresentar o suporte inequívoco do “preço expectável de venda" (conforme nota 3 do anexo ao balanço e à demonstração de resultados) utilizado para efectuar o ajustamento da quota leiteira, bem como para apresentar a cópia do relatório de auditoria do ROC.
Em 22 de Setembro, em resposta à notificação foram apresentados os lançamentos nºs 1201 e 1205 (anexo XVIII), os quais serviram de suporte ao cálculo do preço expectável de venda.
Pelo lançamento nº 1201, correspondente à factura nº 64 datada de 16/07/2004, emitida pela V…………. Lda, contribuinte nº …………………., esta cede à A.................. a quota leiteira por € 800.000,00 + €152.000,00 (IVA) num total de € 952.000,00.
Pelo segundo lançamento nº 1205, correspondente à factura nº 2573 de 16/07/2004, emitida pela A.................., esta cede à Sociedade Agrícola Quinta do P……….., Lda, contribuinte nº ………………….., a quota leiteira pelo valor de € 952.000,00+€180.880,00 (IVA) num total de € 1.132.880,00. É o preço unitário de 0,272 mencionado nesta factura, que vai servir de suporte à reavaliação da quota leiteira.
Quanto à cópia do relatório de auditoria do ROC, solicitado na notificação, não nos foi apresentado.
IV.9 - As duas facturas mencionadas no ponto anterior não referem a venda da quota leiteira. Ambas referem “Apoio Administrativo e Técnico à gestão da Quota leiteira - Cedência". Na notificação de 17 de Setembro (anexo XII) questionou-se o sujeito passivo sobre qual o significado da referida frase.
Em resposta fomos informados (ponto 5 da resposta à notificação-anexo XIII) que se tratou da cedência definitiva da quota leiteira adquirida, na mesma data, à V.................. Lda.
IV. 10 - As quotas leiteiras são atribuídas e controladas pelo IFAP (Instituto de Financiamento à Agricultura e Pescas). Em resultado da consulta efectuada àquela instituição verificámos que, da operação de compra e venda da quota leiteira operada na contabilidade da A.................., não existe qualquer registo. Apenas consta a venda da quota leiteira efectuada directamente entre a V.................. Lda e a Sociedade Agrícola Quinta da P………… Lda.
De acordo com a informação prestada pelo IFAP, as empresas não necessitam de autorização para transaccionarem as quotas leiteiras entre si. No entanto, são obrigadas, a posteriori, a comunicar ao IFAP as transacções efectuadas.
IV.11 - Verifica-se, assim, a existência de registos contabilísticos que não correspondem a operações efectivas, mas que serviram para suportar a reavaliação do imobilizado incorpóreo no montante de € 2.461.870,55. Por sua vez a reavaliação permitiu que, o Ajustamento negativo operado na conta de Resultados Transitados, por desvalorização das existências de vinho (€ 1.026.904,50), se transformasse num Ajustamento positivo (€ 1.434.966,05), conforme a Ênfase colocada pelo ROC na Certificação Legal de Contas (anexo XIX).
IV.12 - Análise Comparativa da Produção de Vinho e Subprodutos Declarados
O sujeito passivo declarou nas campanhas vinícolas dos exercícios em análise a quantidade abaixo indicada de vinho e de subprodutos:
Designação
2004
2005
Variação

2005/04

2006
Variação

2006/05

Variação

2006/04

Vinho
291000
238000
-18,02%
227000
-4,62%
-21,99%
Bagaço
32000
41380
29,31%
41940
1,35%
31,06%
Borras
25090
30430
21,28%
15640
-48,60%
-37,66%
As borras apenas constam do inventário de 2005. A quantidade mencionada no mapa relativa às borras e ao bagaço, foi retirada das facturas de venda, junto das quais está anexo um documento de acompanhamento de produtos vinícolas que refere a campanha a que pertence o subproduto
(anexo XX).
Analisando o mapa acima constatamos a existência de incoerências nas variações entre a produção de vinho e de subprodutos.
Entre 2005 e 2004 a produção de vinho decresce 18,02% enquanto a borra sobe 21,28%, entre 2006 e 2004 a produção de vinho decresce 22,79% enquanto a borra decresce 37,66%. Relativamente ao bagaço verifica-se que entre 2004 e 2005 o vinho decresce 19,05% enquanto o bagaço cresce 29,31%. Entre 2006 e 2005 o vinho decresce 4,62% enquanto o bagaço cresce 1,35%. Comparando a produção entre 2006 e 2004 o vinho decresce 21,99% e o bagaço cresce 31,06%.
IV.13 - Análise comparativa da produção no Concelho do C................. com a produção do sujeito passivo
IV. 13.1 - O sujeito passivo declarou ao Instituto da Vinha e do Vinho (IVV) que produziu vinho branco e tinto, conforme o quadro abaixo:

« Quadro no original»

Dado que a área de produção da vinha não sofreu variações entre 2004 e 2006 (conforme as declarações de colheita — anexo XV), e porque a produção do sujeito passivo vem descendo ao longo dos anos, dirigimo-nos ao Instituto da Vinha e do Vinho, no sentido de encontrar justificações climatéricas ou outras para tal comportamento na produção.
IV. 13.2 - Fomos informados que, efectivamente, no Concelho do C................., a produção tem vindo a baixar (anexo XXI), conforme o quadro a seguir:


Designação
2005/2004
2006/2005
2006/2004
Comportamento Produção Global- C.................
-10,67%
-6,31%
-16,30%
Comportamento Produção V. Tinto- C.................
-7,10%
-3,75%
-10,59%
Comportamento Produção V. Branco --C.................
-16,82%
-11,24%
-26,17%

IV.13.3 - O comportamento do sujeito passivo foi o seguinte:
Designação
2005/20042006/20052006/2004
Comportamento Produção Global- SP
-18,71%
-3,77%
-21,77%
Comportamento Produção Tinto-SP
-27,29%
-6,92%
-30,93%
Comportamento Produção Branco - SP
395,90%
10,99%
450,40%
Desprezando a produção do sujeito passivo de vinho branco, já que está no início, verifica-se que, no vinho tinto, as quebras representam o dobro ou mais das verificadas no Concelho.

Designação
2005/2004
2006/2005
2006/2004
C. C.................
-7,10%
-3,75%
-10,59%
S. Passivo
-27,29%
-6,92%
-30,93%

IV. 14 - A existência de manifesta discrepância entre os custos de produção (ponto IV. 1 e IV.2) e os critérios de valorimetria das existências utilizados pelo sujeito passivo, a existência de registos contabilísticos sem correspondência com operações realmente praticadas, impossibilitam a quantificação directa e exacta da matéria tributável, pelo que estão reunidos os pressupostos para a aplicação de métodos indirectos, nos termos dos artºs 87º nº1 alínea b) conjugado com a alínea d) do artº 88º da Lei Geral Tributária».
De relevar é também o ponto “VIII. 2. Da posição da Administração Fiscal do Relatório Inspectivo” (4).
Os fundamentos para o recurso à avaliação indireta são, em síntese, os seguintes:
i) O preço de venda do vinho utilizado pela empresa (na contabilidade), não resulta das condições normais de venda, mas da negociação com uma única empresa e é muito inferior ao preço de mercado apurado pelas instituições oficiais, daí não ser considerado idóneo e de controlo inequívoco conforme nº 3 do artº 26º do CIRC (pontos IV.1. a IV.7. do relatório inspectivo).
ii) Ajustamento das existências de 2003 e 2004, a preços de mercado, sem justificação (pontos IV.4, a IV.6. e IV.11. do relatório inspectivo).
iii) Reavaliação do imobilizado incorpóreo sem justificação (pontos IV.8. a IV.11. do relatório inspectivo).
iv) Incoerências na variação de produção entre a produção de vinho e a produção de subprodutos (borras/bagaço) (ponto IV.12. do relatório inspectivo).
v) As quebras na produção representam o dobro ou mais das verificadas no concelho onde exerce a actividade (ponto IV.13. do relatório inspectivo).
a) No que respeita ao fundamento referido em i), do probatório resulta que «[n]os anos de 2004 a 2006, a Impugnante possuía contabilidade analítica de custos» (alínea K).
A AT põe em causa o critério de valorimetria das existências da empresa, no entanto, não densifica, com recurso a elementos de prova, a sua discordância dos critérios em causa. Estes possuem respaldo na realidade da empresa, como se verá nos itens seguintes.
b) No que respeita ao fundamento referido em ii), do probatório resulta o seguinte:
i) Em 31.12.2005, a Impugnante através do lançamento nº2379 procedeu ao ajustamento pelo valor de mercado, de parte das existências de vinho a granel das campanhas de 2003 e 2004, no montante de €1.026.904,00, tendo sido utilizadas para o efeito as contas POC 59 e 33 (alínea N).
ii) Em 2005, 2006 (e 2008), a Impugnante vendeu vinho a granel das colheitas dos anos 1999, 2000, 2001 e 2003, pelos valores unitários de 0,42 e 0,43 por litro, preço abaixo do custo de produção (alínea L).
iii) O mencionado vinho das colheitas dos anos 1999, 2000, 2001 e 2003 foi vendido a granel e por um preço abaixo do custo de produção, porque a Impugnante não conseguiu escoar, em tempo, tal produção (alínea M).
Ao invés do postulado pela AT, como resulta do probatório, a contribuinte justificou os ajustamentos em causa, dado tratar-se de vinho vendido abaixo do preço de custo de produção.
c) No que respeita ao fundamento referido em iii), do probatório resulta o seguinte:
i) Em 16.07.2004 a Impugnante, através de um acordo de cessão de quotas com a empresa V................., Lda, adquiriu uma quota leiteira, no valor de € 952.000,00, (alínea H).
ii) No mesmo dia, 16.07.2004, a Impugnante cedeu a referida quota leiteira à sociedade Agrícola Quinta do P……, Lda, pelo valor total de €1.132.880,00 tendo por base o valor unitário de €0,272 (alínea I).
Verifica-se que a contribuinte logrou justificar/comprovar a efectividade da operação (bem como os valores praticados) o que infirma os pressupostos do relatório inspectivo.
d) No que respeita ao fundamento referido em iv), do probatório resulta o seguinte:
i) A produção de borras depende de vários fatores, nomeadamente os inerentes às variedades, estado de maturação e estado sanitário das uvas, fatores climáticos e técnicas de vinificação (alínea F).
ii) Um número elevado de trasfegas de vinho aumenta a quantidade de borra obtida, embora à medida que aumenta o número de trasfegas a quantidade de borras tenderá a reduzir-se (alínea G).
As alegadas incoerências entre a produção de vinho e a produção de subprodutos não resistem à análise dos factores que influenciam a produção de subprodutos. Atenta a variabilidade dos mesmos não pode a aludida discrepância ser usada como factor de descredibilização da contabilidade.
e) No que respeita ao fundamento referido em v), do probatório resulta o seguinte:
i) Em 2004, a Impugnante era proprietária de 64,78 ha, constituídos por vários artigos matriciais, localizados no Ribatejo, adquiridos de 1995 a 2004, e dedicados à produção de vinho, nos quais existiam vinhas com características diferentes, vinha velha, vinha nova, e de castas diferentes, assim como alguns hectares em pousio, sem produção (alínea B).
ii) Entre 1995 e 2007, a Impugnante procedeu à recuperação das vinhas velhas e ao plantio de novas vinhas, adquirindo para o efeito direitos de plantio a terceiros, tendo obtido, em 1998, o estatuto de depositário autorizado e de entreposto fiscal, (alínea D).
iii) Do total da área dedicada à produção de vinho, 64,78 ha, propriedade da Impugnante, foram plantados, em 2006, 5 hectares de vinha nova, e outros 8 hectares, em 2007, existindo ainda uma área de mais 5 hectares sem plantação (alínea E).
A comparação da média do concelho onde se inscreve a área de implantação da contribuinte com a produção da mesma deixa na sombra os factores de diferenciação, elencados no probatório, como sejam as diferentes fases de produção ou os diferentes tipos de vinha cultivados, em que se inserem as parcelas em causa, factores que permitem explicar as diferenças no decréscimo da produção.
Pelo que o fundamento em exame não permite justificar o recurso à avaliação indirecta da matéria colectável.
Do exposto resulta que a AT não logra demonstrar as alegadas incongruências que inquinariam a contabilidade da contribuinte. Ao invés, os pressupostos em que assenta o recurso à avaliação indirecta são postos em crise pelos elementos recolhidos no probatório, o que significa que a presunção de veracidade da contabilidade não logra ser afastada. Assim, a AT não logrou comprovar a impossibilidade do recurso à avaliação directa da matéria colectável, porquanto não demonstrou, como era seu ónus, que os erros e vícios detectados na contabilidade são de tal modo graves que impossibilitam a avaliação directa da matéria colectável (artigo 74.º/3, da LGT). Pelo que as liquidações adicionais em apreço devem ser anuladas, nesta parte, com este fundamento.
Ao decidir no sentido apontado, a sentença recorrida deve ser confirmada, nesta parte, ainda que com a presente fundamentação.
Em face do exposto, fica prejudicado o conhecimento do recurso da FP.
2.2.3. Do recurso da impugnante.
2.2.3.1. A presente intenção rescisória centra-se sobre o alegado erro que inquinaria o segmento relativo às amortizações referentes ao “Complexo Habitacional e Tertúlia”.
A sentença julgou improcedente o presente fundamento da impugnação, considerando, em síntese, que,
«[D]a factualidade assente resulta demonstrado que o imóvel designado por “Complexo Habitacional e Tertúlia” sito na Quinta do S…………., propriedade da Impugnante estava destinado ao desenvolvimento de atividades de promoção e comercialização de vinhos, as, vulgo, “provas de vinho”, cfr facto C). // Contudo, da prova constante dos autos e em especial da prova produzida em audiência de inquirição de testemunhas não ficou demonstrada a indispensabilidade dos custos relativos ao imóvel designado por “Complexo Habitacional e Tertúlia”. Da prova testemunhal produzida resultou que tal imóvel é usado esporadicamente para a realização de provas de vinhos, mas que existem igualmente outros locais na quinta preparados para tais atividades. // Ao que acresce a descrição do referido imóvel, com quartos e piscina, constante do ponto V.1.6 do relatório de inspeção, a qual, igualmente afasta indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos decorrentes da atividade desenvolvida pela Impugnante. // Concluindo-se assim pela não verificação da indispensabilidade das amortizações relativas ao imóvel designado por “Complexo Habitacional e Tertúlia”»

Apreciação. A fundamentação da correcção consta do ponto 4. de “VIII.2. Da posição da Administração Fiscal”, do Relatório Inspectivo.
«São aceites como custos as reintegrações e amortizações de elementos do activo sujeitos a deperecimento, considerando-se como tais os elementos do activo imobilizado que, com carácter repetitivo, sofrerem perdas de valor resultantes da sua utilização, do decurso do tempo, do progresso técnico ou de quaisquer outras causas» (artigo 28.º/1, do CIRC, versão vigente). «Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes: (…) [r]eintegrações e amortizações (Artigo 23.º/1/g), do CIRC). «Podem ser objecto de reintegração e amortização os elementos do activo imobilizado sujeitos a deperecimento» (5). «[A]s reintegrações e amortizações só podem praticar-se: // a) Relativamente aos elementos do activo imobilizado corpóreo, a partir da sua entrada em funcionamento» (6).
As amortizações são custos associados ao deperecimento dos activos afectos à actividade económica do contribuinte. Por isso, se afirma que «percorrendo todo Decreto-Regulamentar n.º 2/90, constatamos que o legislador não deixou de enquadrar a regulamentação das reintegrações e amortizações na perspectiva da actividade que o sujeito passivo desenvolve e na utilização dos bens que lhe afecta»(7).
Os termos da correcção são os seguintes(8):
«Nos termos do artigo 23º do CIRC são aceites como custos ou perdas do exercício os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos do exercício sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
No direito de audição o sujeito passivo vem alegar que a construção da habitação e tertúlia se justifica, ainda hoje, como permanência de convidados que se deslocam às salas de prova no espaço da Adega. // Em termo de declarações (anexo XIII-1/8) o sujeito passivo referiu que o complexo está reservado a visitantes, em geral estrangeiros. A única venda para o estrangeiro foi realizada em Junho de 2004 e foi no montante de € 15.300,00. As restantes vendas são para supermercados e restaurantes nacionais. Referiu ainda que o apartamento se destinava a habitação do guarda da quinta. // Quando da visita dos técnicos da inspecção à Quinta do Sampaio, marcada com a devida antecedência, foi-nos permitido ver o complexo industrial, a casa dos equipamentos agrícolas, incluindo a casa do guarda da quinta, que nos foi indicada logo à entrada da mesma. Quanto ao Complexo Habitacional e Tertúlia, apesar de termos solicitado para vermos, tal não nos foi permitido, deduzimos que seria porque esta nada teria a ver com a actividade do sujeito passivo, pois caso contrário estaria à disposição dos técnicos assim como as restantes componentes do complexo industrial e agrícola. // Até porque daquilo que nos foi permitido ver, à distância, o complexo encontra-se cercado por uma vedação e por um portão, perfeitamente separado do resto da quinta, muito embora esteja no seu espaço circundante. // Assim, entendemos que as amortizações contabilizadas não constituem um custo indispensável ao exercício da actividade e em nada contribui para os proveitos declarados».

A este propósito, constitui jurisprudência fiscal assente a seguinte:
i) «A indispensabilidade de um custo é um conceito que reclama um preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspectiva económica-empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à AT actuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo». (9)
ii) «Entendemos, pois, que são custos fiscalmente dedutíveis todas as despesas que se relacionem directamente com o processo produtivo (para o nosso caso, não interessa considerar as de investimento), designadamente, com a aquisição de factores de produção, como é o caso do trabalho. E que, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, a Administração só pode excluir gastos não directamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objectivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objectivas da empresa». (10)
iii) «No entendimento que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a adoptar quanto à indispensabilidade como requisito, para que um custo seja dedutível na determinação da matéria tributável para efeitos de IRC (cfr. art. 23.º do CIRC na redacção anterior a 2014) impõe-se que, num juízo reportado ao momento em que foi efectuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros e a AT apenas pode desconsiderar os custos fiscais por não verificação da indispensabilidade se os mesmos não se inscreverem no âmbito da actividade do sujeito passivo e tiverem sido contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objectivos alheios».(11)
iv) «O conceito de indispensabilidade dos custos, a que se reporta o artº 23º do CIRC refere-se aos custos incorridos no interesse da empresa ou suportado no âmbito das actividades decorrentes ao seu escopo societário. Só quando os custos resultarem de decisões que não preencham tais requisitos, nomeadamente quando não apresentem qualquer afinidade com a actividade da sociedade, é que deverão ser desconsiderados» (12).
No caso em exame, os argumentos aduzidos, seja pela AT, seja pela sentença recorrida não logram pôr em crise o preenchimento do requisito em apreço. Trata-se de custos associados ao deperecimento de uma casa destinada ao turismo, concretamente, ao enoturismo (13), actividade económica que se insere no objecto societário da recorrente, independentemente da sua repercussão nos proveitos obtidos no exercício. Pelo que a sua não aceitação redundaria numa ingerência inaceitável na liberdade de gestão económica da mesma, descaracterizando o seu objecto societário, o qual consiste na produção e venda de produtos agrícolas, incluindo, vinhos próprios (14), na qual se insere a actividade de prova e de promoção dos vinhos por si produzidos, de que é suporte o imóvel em referência. Motivo por que se impõe julgar procedente a impugnação, nesta parte.
Termos em que se julgam procedentes as presentes conclusões de recurso.


Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da subsecção do juízo comum da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul no seguinte:
i) Não conhecer do recurso da Fazenda Pública;
ii) Prover o recurso subordinado da impugnante, e confirmar a sentença, na parte referida em 2.2.2.2.
iii) Conceder provimento ao recurso interposto pela impugnante, revogar a sentença nesta parte e julgar procedente a impugnação, nessa parte, nos termos referidos em 2.2.3.

Custas pela recorrente no recurso da Fazenda Pública e pela recorrida no recurso da impugnante, sem prejuízo da dispensa de taxa de justiça, dado não ter contra-alegado, nesta instância.
Registe.
Notifique.

(Jorge Cortês - Relator)

(1ª. Adjunta –Isabel Silva)

(2 ª. Adjunta - Ângela Cerdeira)
(1) Elisabete Louro Martins, O ónus da prova no Direito Fiscal, Coimbra Editora, 2010, p. 131.
(2) Acórdão do TCAS, de 21.05.2015 P. 07637/14.
(3) Acórdão do TCAS, de 10.07.2014, P. 07149/13.
(4) V., supra, ponto VIII.2 do relatório inspectivo.
(5) Artigo 1.º/1, do Decreto-Regulamentar n.º 2/90, de 12/01 [regime das reintegrações e amortizações
(6) Artigo 1.º/2/a), do Decreto-Regulamentar n.º 2/90, citado.
(7) Acórdão do TCAS, 14-11-2019, P. 85/05.3BESNT
(8) Ponto 4. de “VIII.2. Da posição da Administração Fiscal”, do Relatório Inspectivo.
(9) Acórdão do TCAS, de 03-12-2020, P. 418/08.0BEBJA
(10) Acórdão do STA, de 29-03-2006, P. 01236/05
(11) Acórdão do STA, de 08-11-2023, P. 0411/16.0BEPNF. No mesmo sentido, v. Acórdão do STA, de 15-11-2017, P. 0372/16.
(12) Acórdão do STA, de 27/06/2018, P. 01402/17.
(13) V. ponto “V.1.6. – Amortizações não aceites fiscalmente” do relatório inspectivo.
(14) Alínea A), do probatório.