Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:319/24.5BEFUN
Secção:CT
Data do Acordão:03/20/2025
Relator:TERESA COSTA ALEMÃO
Descritores:MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA
ÓNUS DA PROVA
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
FUNDADA DÚVIDA
Sumário:I - Cabe à AT (artigo 74.º, n.º 1, da LGT e artigo 342.º, n.º 1, do C. Civil) provar o facto que, segundo a lei, constitui uma manifestação de fortuna e ao sujeito passivo cabe o ónus de provar que os rendimentos declarados correspondem à realidade e que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo do património ou da despesa efectuada (ou seja, ocorre uma inversão do ónus da prova).

II - Não tendo os Recorrentes demonstrado a origem dos depósitos na conta bancária no ano de 2022, também não demonstraram que esses valores não careciam de ser declarados em sede de IRS, fosse porque já tinham sido declarados, fosse porque disso estavam legalmente dispensados;

III - Apesar de se entender que a actuação da AT está sujeita ao princípio do inquisitório, devendo realizar todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade material e do rendimento real, a verdade é que esse princípio não se pode sobrepor nem descaracterizar as regras legais de repartição da incumbência probatória nesta matéria.

IV - Existindo normas específicas para as situações de determinação da matéria tributável por métodos indirectos – o n.º 3 do art. 74.º e o n.º 3 do art. 89.º-A da LGT – é por aplicação destas, e não da norma geral do art. 100.º do CPPT, que devem resolver-se os casos de persistência de dúvida fundada quanto aos pressupostos ou à justificação para o recurso a tais métodos.

Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

J......... e mulher, A......... , com os demais sinais nos autos, vieram interpor recurso da sentença, proferida em 13 de Dezembro de 2024, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal que, no âmbito do recurso por eles deduzido da decisão da Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira (AT-RAM), de que foram notificados em 14 de Junho de 2024, de fixação do rendimento colectável de IRS relativo ao ano de 2022, através de métodos indirectos, no valor global de € 848.526,79, que resultará no valor de IRS a pagar de € 475.277,84, julgou parcialmente procedente tal recurso, anulando parcialmente a respectiva decisão, no que diz respeito ao valor de € 31.276,79.

Os Recorrentes terminam as alegações de recurso formulando as conclusões seguintes:

«Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou parcialmente procedente o recurso da decisão da Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira de fixação do rendimento coletável de IRS relativo ao ano de 2022, através de métodos indiretos, anulando parcialmente a respetiva decisão, apenas no que diz respeito ao valor de € 31.276,79.

No entender dos AA., o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto e de direito, na douta sentença recorrida, uma vez que:

a) o Tribunal a quo andou mal ao aceitar apenas a justificação do valor de € 31.276,79, recebido pelos AA. por transferência bancária, e ao não aceitar as justificações dos valores depositados em numerário no ano de 2022;

b) a Administração Fiscal não impugnou especificamente quaisquer factos ou documentos apresentados pelos AA. nos autos;

c) o Tribunal a quo não podia ter dado como não provados os factos 1 a 4 da matéria dada como não provada;

d) os Recorrentes comprovaram a origem/fonte dos valores depositados na conta bancária no ano de 2022, no montante de € 848.526,76;

e) a ideia do legislador foi a de obrigar o sujeito passivo a demonstrar, perante um acréscimo de património de valor superior a € 100.000,00, que os rendimentos declarados naquele ano de 2022, correspondem à realidade e que os depósitos em causa foram efetuados através de meios cuja fonte não estavam obrigados a declarar para efeitos de lRS no ano em questão;

f) o legislador pretendeu sobretudo salvaguardar e confirmar a origem e proveniência dos depósitos realizados em numerário, dado que, por natureza, é desconhecida a sua origem ou proveniência, sem qualquer prova ou esclarecimento adicional;

g) ficou provado que os valores depositados em numerário pelos AA., no ano de 2022, visaram essencialmente a aquisição, em 29/06/2022, do prédio urbano, destinado a habitação, inscrito na matriz sob o artigo 3........., da freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz, pelo preço total de € 946.812,14, bem como, visaram a aquisição de mobiliário, decoração e a realização de algumas obras na sua nova habitação sita no Caniço (vide Doc. 4 da pi e Facto Assente P);

h) ficou demonstrado que o preço de aquisição foi pago através de uma transferência de € 95.000,00, no dia 13/05/2022, da conta bancária dos AA. para a conta dos vendedores igualmente da C........., e através de 8 cheques bancários no valor total de € 851.812,14, pagos no dia 29/06/2022, igualmente sacados da conta da C......... e devidamente identificados na escritura de compra e venda;

i) ficou comprovado o motivo para o depósito em numerário dos referidos valores na conta bancária dos AA. no ano de 2022;

j) ficou demonstrado que todos os depósitos em numerário efetuados na conta bancária da C......... n.º 01........., titulada pelos ora AA., com exceção da operação n.º 11 (transferência bancária da P...........), resultam dos levantamentos, que foram efetuados pelos próprios entre 01/06/2016 e 01/09/2022, no valor total de € 941.315,07, comprovados através do requerimento apresentado no dia 13/07/2023, e assumidos e reconhecidos pela Administração Fiscal no quadro junto a fls. 9 do relatório de inspeção;

k) a Administração Fiscal jamais colocou em causa que esses valores foram efetivamente levantados pelos AA. nas datas indicadas;

l) ficou demonstrado que, em 06/05/2015, os AA. eram titulares de um saldo na conta bancária da C......... n.º 01......... no valor de € 1.167.271,39 (Facto Assente A);

m) ficou demonstrado que os AA. já eram titulares desse saldo há largos anos;

n) ficou comprovado que, até 07/02/2011, os AA. tinham parte desse saldo, no valor de € 1.001.074,28, aplicado num produto da Fidelidade (FIDMUND) que foi resgatado nessa data (Doc. 6 pi);

o) ficou demonstrado que, ao longo dos anos, pelo menos, desde 2011, os AA. tinham depósitos a prazo que venciam juros elevados, que eram sucessivamente colocados a prazo e reembolsados (vide Docs. 6 a 19 pi) e que os mesmos auferiram, pelo menos, durante esse período, o valor de € 129.001,65, a título de juros, que foram objeto de retenção na fonte à taxa liberatória pelo próprio Banco e não careciam de ser declarados em sede de IRS (vide docs. 6 a 18 pi);

p) ficou igualmente provado que, no dia 01/06/2016, os AA. abriram um cofre junto da C........., tendo para o efeito celebrado o contrato n.º ..........08 (Doc. 20 pi e Facto Assente B);

q) ficou comprovado que, entre essa data (01/06/2016) e 01/09/2022, os AA. procederam ao levantamento, em numerário, da quantia total de € 941.315,07 da sua conta bancária da C......... n.º 01......... (vide Docs. 21 a 26 e relatório de inspeção) – Factos Assentes n.ºs C, D, E, F, G, H e I;

r) ficou provado que, na mesma data em que os AA. abriram o cofre, os mesmos levantaram a quantia de € 410.000,00 para a colocar no dito cofre (Factos Assentes B e C);

s) ficou comprovado que todos os valores levantados, em balcão, no montante global de € 941.315,07, foram guardados no cofre dos AA.;

t) ficou provado que as ditas quantias sempre foram guardadas pelos AA. no referido cofre, tendo apenas vindo a ser depositadas na conta bancária, em 2022, por obrigação legal face à pretensão de aquisição do prédio urbano, destinado a habitação, inscrito na matriz sob o artigo 3........., e à necessidade dos AA. adquirirem mobiliário, decoração e realizarem algumas obras nessa nova habitação;

u) ficou demonstrado que a abertura do cofre bancário e o levantamento de quantias da conta bancária surge por sugestão do próprio gestor de conta dos AA., perante o receio que tinham de perder as suas poupanças, na sequência das falências do B........., do B......... e do B.........;

v) não era nem é, ainda hoje, legalmente proibido as pessoas guardarem dinheiro em cofres bancários (note-se, sitos dentro do próprio Banco) ou mesmo em suas casas, como admite o próprio Tribunal a quo na douta sentença recorrida;

w) não há nem nunca haverá qualquer obrigação legal para as pessoas guardarem ou depositarem os seus dinheiros em contas bancárias;

x) os cidadãos são livres de guardarem os seus rendimentos e as suas poupanças onde quiserem;

y) ficou comprovado que foram precisamente esses valores guardados pelos AA. no cofre bancário, que permitiram que os AA. efetuassem os depósitos em questão nos autos, durante o ano de 2022;

z) a Administração Fiscal sabe e tem perfeito conhecimento, quando inspecionou os AA., ao verificar as suas contas bancárias e o seu património, que, entre 2016 e 2022, os AA. não fizeram outras compras ou investimentos de valor elevado nesses anos nem deram outro destino a essas quantias;

aa) se os AA. tivessem utilizado ou dado outro destino às quantias que levantaram entre 2016 e 2022, certamente não teriam essas quantias para voltar a depositá-las na sua conta bancária e certamente que os AA. evidenciariam manifestações de riqueza, aumento ou incremento do património, o que não sucedeu;

bb) o E-fatura e todos os programas de faturação certificados pela Autoridade Tributária permitem que esta verifique, tenha conhecimento e confirme todas as aquisições e compras realizadas pelos cidadãos;

cc) ficou igualmente comprovado que, ao longo de toda a sua vida activa, os AA. sempre declararam os seus rendimentos e sempre pagaram os seus impostos em Portugal (conforme liquidações de IRS de 1989 a 2022 juntas como Doc. 27), e que estes obtiveram, nesse período, rendimentos globais no montante total de, pelo menos, € 903.798,13, rendimentos esses que nunca foram colocados em causa pela Administração Fiscal;

dd) ficou provado que todos os valores existentes na conta bancária dos AA., que foram levantados entre 2016 e 2022, referem-se a valores e a rendimentos legítimos, declarados e tributados oportunamente em sede de IRS;

ee) ficou demonstrado que, em 18/06/2019, os AA. venderam a Fração “C” do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 4.......... da freguesia e concelho de Câmara de Lobos pelo preço recebido de € 190.000,00 (Doc. n.º 28 da pi e Facto Assente J), venda essa oportunamente declarada em sede de IRS (Doc. 29 pi);

ff) ficou comprovado que, em 05/01/2012, os AA. venderam, pelo preço recebido de € 12.500,00, os prédios rústicos inscritos na matriz sob os artigos 28 e 29, da secção W, da freguesia da Quinta Grande (Doc. 30), venda essa igualmente declarada no IRS dos AA. do ano de 2012 (Doc. 31). – vide Facto Assente K.;

gg) ficou demonstrado que os AA. venderam, em 20/01/2016, pelo preço recebido de € 9.000,00, os prédios rústicos inscritos na matriz sob os artigos 27 e 3, da secção W, da freguesia da Quinta Grande (Doc. 32), e, em 17/07/2017, pelo preço recebido de € 2.000,00, o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ……, da secção W, da freguesia da Quinta Grande (Doc. 33) – Facto Assente K.;

hh) ficou comprovado que os AA. alienaram imóveis pessoais, entre 2012 e 2019, no valor de, pelo menos, € 213.500,00 (€ 12.500,00 + € 9.000,00 + € 2.000,00 + + € 190.000,00), tributados em sede de IRS;

ii) ficou provado que os AA. receberam dividendos em 2018 e 2020, no valor total líquido de € 225.530,88 (já objeto de retenção na fonte em sede de IRS) - (Doc. 34 pi e Facto Assente L);

jj) ficou demonstrado que o valor recebido de € 31.276,79, por transferência bancária, no dia 05/12/2022, refere-se ao valor da liquidação da sociedade P..........., que pertencia aos ora AA. (Doc. 36), e que foi dissolvida em 01/10/2020, como aliás viria a admitir e a reconhecer o Tribunal a quo na sua decisão;

kk) ficou comprovado que, pelo menos, entre 07/02/2011 e 2022, os AA. eram legítimos titulares de valores e rendimentos no valor total de, pelo menos, € 2.290.681,45 (€ 1.001.074,00 + € 129.001,65 + € 225.530,88 + € 903.798,13 + € 31.276,79), o que justifica a origem e proveniência lícita das quantias que foram levantadas, em numerário, entre 01/06/2016 e 01/09/2022, da conta bancária dos AA.;

ll) a própria Administração Fiscal admite e reconhece no seu relatório que os valores (capitais próprios) existentes na conta bancária dos AA., antes dos levantamentos efetuados entre 2016 e 2021, não são colocados em causa;

mm) ficou provado que, uma vez que os AA. iriam adquirir, em 29/06/2022, o prédio urbano, inscrito na matriz sob o artigo 3........., da freguesia do Caniço, pelo preço total de € 946.812,14, os mesmos tiveram necessidade de retirar o dinheiro do cofre (que apenas foi aberto em 2016) e de efetuar os depósitos na sua conta bancária da C......... para estarem em condições de concretizar essa aquisição, isto porque, com a entrada em vigor da Lei n.º 92/2017, o pagamento do sinal e o pagamento do preço na escritura de compra e venda não podia ser feito em numerário, por se tratarem de valores superiores a € 3.000,00;

nn) ficou comprovado que aproximando-se a data da assinatura do contrato promessa, os AA. fizeram de imediato 3 depósitos bancários, no valor total de € 800.350,00, um no valor de € 5.000,00 em 22/04/2022, outro no valor de € 790.800,00 em 09/05/2022 e outro de € 4.550,00 em 10/05/2022;

oo) ficou provado que o contrato promessa do imóvel foi assinado no dia 12/05/2022, e o sinal, no montante de € 95.000,00, foi pago pelos AA. Aos vendedores no dia seguinte, 13/05/2022 (Docs. 4 e 39 pi);

pp) ficou comprovado que, tendo em conta o valor remanescente a pagar de € 851.812,14 na data da outorga da escritura de compra e venda, os AA. Viriam a efetuar, após a assinatura do contrato promessa, mais 6 depósitos entre 17/05/2022 e 22/06/2022, no montante total de € 10.200,00 (€ 2.000,00 + € 2.000,00 + € 2.000,00 + € 1.500,00 + € 1.200,00 + € 1.500,00);

qq) ficou provado que, após a escritura de compra e venda, realizada no dia 29/06/2022, os AA. viriam a efetuar apenas mais 3 depósitos em numerário, no valor total de € 6.700,00, um no montante de € 2.000,00 em 20/07/2022, outro no montante de € 2.500,00 em 07/12/2022 e ainda outro no montante de € 2.200,00, em 23/12/2022;

rr) ficou comprovado que, no período compreendido entre Agosto e Dezembro de 2022, os AA. viriam a ter inúmeras despesas com a aquisição de mobiliário, decoração e algumas obras na sua nova habitação (Docs. 41, 42 e 43 pi);

ss) os AA. lograram demonstrar nos autos a origem e o motivo dos valores depositados em numerário na sua conta bancária no ano de 2022, bem como que esses valores não careciam de ser declarados em sede de IRS nesse ano, por se tratarem de rendimentos e poupanças legítimas já declarados e tributados em anos anteriores;

tt) exigir aos AA. mais prova do que aquela que foi produzida nos autos, quanto à origem e motivo dos valores depositados, seria exigir aos AA. uma prova diabólica, impossível, seria exigir algo que não é razoável e que não está ao alcance de qualquer cidadão, violando os princípios gerais do Direito, tais como o princípio da Boa Fé, o Princípio da Confiança, o Princípio da Legalidade, o Princípio da Igualdade, o Princípio da Proporcionalidade e o próprio Princípio da Justiça, o que não se pode admitir;

uu) o circuito dos valores levantados pelos AA. entre 01/06/2016 e 01/09/2022, foi simples e bem demonstrado nos autos, passando pelo levantamento dos valores da sua própria conta bancária da C......... e a sua colocação num cofre bancário da C......... e, posteriormente, pela retirada desses valores do cofre e o seu depósito novamente na sua conta bancária da C........., sem os mesmos terem saído do Banco;

vv) não há qualquer prova ou evidência de que os depósitos em questão têm proveniência duvidosa ou oculta;

ww) a origem e proveniência dos valores depositados foi devidamente comprovada, nos termos gerais de Direito;

xx) não há qualquer evidência ou prova dos valores levantados entre 01/06/2016 e 01/09/2022 terem sido utilizados na compra ou aquisição de outros bens;

yy) não há qualquer prova ou evidência de que os valores depositados em 2022 referem-se a rendimentos obtidos pelos AA. naquele ano;

zz) o Tribunal a quo não podia ter concluído que os AA. não demonstraram que os valores depositados não careciam de ser declarados em sede de IRS ou ter presumido que os valores depositados se tratavam de rendimentos;

aaa) o Tribunal a quo não podia ter concluído que não foi demonstrado pelos AA. o circuito do dinheiro que foi depositado ou se se trata do mesmo dinheiro que tinha sido levantado e que esse dinheiro esteve guardado num cofre;

bbb) o Tribunal a quo deveria ter dado como provado que, no dia 01/06/2016, data da abertura do cofre bancário da C........., os AA. levantaram e colocaram no cofre a quantia de € 410.000,00;

ccc) o Tribunal a quo deveria ter dado como provado que o cofre bancário foi fechado em 2022, após o levantamento e o depósito do último valor;

ddd) o Tribunal a quo deveria ter dado como provado que para o cofre ser fechado, o dinheiro que lá se encontrava teve que ser retirado do cofre;

eee) o Tribunal a quo deveria ter dado como provado que apenas tinham autorização para abrir o cofre a Sra. A......... e o Sr. J........, ora Recorrentes – conforme contrato junto como Doc. 20 da pi;

fff) o Tribunal a quo deveria ter dado como provado que as filhas M........ ou D........ acompanhavam habitualmente a mãe nas idas ao cofre em questão;

ggg) o Tribunal a quo deveria ter dado como provado que os valores levantados ao balcão (caixa) da C......... eram colocados no cofre na mesma data;

hhh) o Tribunal a quo deveria ter dado como provado que os valores levantados ao balcão (caixa) da C......... e colocados no cofre nem sequer saíram do próprio Banco;

iii) o Tribunal a quo deveria ter dado como provado que os valores recolhidos do cofre foram de imediato depositados sem saírem do próprio Banco;

jjj) o Tribunal a quo deveria ter dado como provado que apenas foram colocados no cofre os valores levantados entre 2016 e 2022;

kkk) o Tribunal a quo certamente não pretendia que os AA. entre 2016 e 2022 tivessem pintado, fotografado ou filmado as notas e valores que levantaram da sua conta bancária e colocaram no cofre e que, em 2022, fotografassem ou filmassem de novo essas mesmas notas a saírem do cofre e a serem de novo depositadas na conta bancária para, agora, demonstrarem que os valores depositados são exatamente os mesmos valores que tinham levantado e guardado no cofre bancário;

lll) ficou provado que, entre 2016 e 2021, os AA. nem sequer imaginavam ou tinham intenções de adquirir um novo imóvel;

mmm) se o dinheiro que foi depositado na conta bancária em 2022 não era o dinheiro que estava guardado no cofre bancário e que tinha sido anteriormente levantado com o propósito de lá ser guardado, então que explique a Administração Fiscal e o Tribunal por que razão os AA. fecharam o cofre nesse ano? Onde é que se encontram os valores que estavam dentro do cofre? Para onde foram os € 941.315,07 levantados pelos AA.? Desapareceram?

nnn) a atuação da Administração Fiscal ultrapassou os limites da razoabilidade, da boa fé, da tutela da confiança e demais princípios gerais do Direito;

ooo) a não admissão da prova produzida pelos AA. será admitir que estes voltem a ser tributados, novamente, por rendimentos sobre os quais já pagaram muitos impostos e, agora, sejam de novo tributados à TAXA DE 60%;

ppp) a Autoridade Tributária, ao abrigo do princípio do inquisitório ou oficiosidade, nunca se dignou a solicitar à C........ quaisquer informações sobre o cofre bancário com vista a confirmar as informações prestadas pelos AA. nos autos;

qqq) nos termos do artigo 79.º n.º 2 alínea g) o dever de sigilo bancário cessa quando os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo são solicitados pela Administração Tributária no âmbito das suas funções;

rrr) a Autoridade Tributária pura e simplesmente não solicitou quaisquer elementos à C........., nem nunca esteve interessada em fazê-lo;

sss) a Administração Fiscal nunca quis saber se eram ou não verdadeiros os factos alegados e comprovados pelos AA., sendo o seu objetivo apenas e só o de cobrar 60% de imposto sobre os valores depositados em numerário, sabendo da extrema dificuldade de prova da proveniência e origem desses valores;

ttt) a C......... nunca contactou ou solicitou aos AA. autorização para revelar quaisquer factos ou elementos cobertos pelo dever de segredo;

uuu) os AA. nunca, em momento algum, recusaram ou negaram conceder qualquer autorização;

vvv) os Recorrentes expuseram por completo a sua vida com este processo, apresentando o seu histórico fiscal desde 1989 e os seus extractos bancários desde 2011;

www) a Administração Fiscal violou o princípio do inquisitório vigente no âmbito do direito tributário, e a que se encontra adstrita, designadamente, nos termos do art.º 58.º da LGT, quando determina que se encontra vinculada a “(...) realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material (...)”;

xxx) a violação deste princípio tem necessariamente que desfavorecer quem tinha a obrigação de o cumprir, a Autoridade Tributária;

yyy) a Administração Fiscal, ao agir como agiu, violou também, de forma flagrante, o princípio do in dúbio contra fiscum previsto no artigo 100.º do CPPT;

zzz) o Tribunal a quo andou mal ao não ter aplicado o artigo 100.º do CPPT, que expressamente refere que existindo fundadas dúvidas quanto à existência dos factos tributários, cabia à Administração Fiscal “abster-se de praticar o acto tributário, dando assim cumprimento ao princípio in dubio contra fiscum”, o que, infelizmente, também não sucedeu;

aaaa) o Tribunal a quo andou mal ao considerar que não existia fundada dúvida no caso em apreço;

bbbb) o Tribunal a quo andou mal ao invocar o artigo 100 n.º 2 do CPPT para não aplicar o princípio do in dúbio contra fiscum;

cccc) a fundada dúvida é mais do que evidente no caso em apreço perante toda a prova documental e testemunhal produzida nos autos;

dddd) o Tribunal a quo errou no seu julgamento, mediante uma apreciação e valoração inapropriada e incorreta dos factos e do Direito aqui aplicáveis, valoração essa que, no entender dos mesmos, deveria ter conduzido a uma decisão diversa da encontrada, designadamente, à procedência da ação sub judice, total ou parcialmente, nos termos e com os fundamentos atrás indicados.

Termos em que, dando-se provimento ao presente recurso e com o douto suprimento de V. Exas., deve a douta sentença recorrida ser anulada, com todas as consequências legais, designadamente, julgando procedente a presente ação, total ou parcialmente, assim se fazendo a tão acostumada JUSTIÇA!!!»

****
A Recorrida, notificada para o efeito, optou por não apresentar contra-alegações
****
O Dignissimo Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
****
Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que os Recorrente rematem a sua alegação (art. 639.º do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.
Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que no caso concreto, as questões fundamentais a decidir são as de saber se a sentença recorrida sofre de erro de julgamento:
a) de facto, por errada apreciação da prova documental e testemunhal;
a) de direito, por erro nos pressupostos de facto e de direito, por ter ficado demonstrado o motivo e origem dos valores depositados na conta bancária dos AA no ano de 2022; por ter havido violação do princípio do inquisitório por parte da AT e por violação do princípio in dubio contra fiscum.

****

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

****

II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. De facto

«Em face da prova carreada para os autos, o Tribunal julga provados os factos seguintes:

A. Em 06/05/2015, os Recorrentes eram titulares de um saldo na conta bancária da C......... n.º 01......... no valor de € 1.167.271,39 (cfr. documento n.º 5 junto com a p.i.);

B. No dia 01/06/2016, os Recorrentes abriram um cofre junto da C........., tendo para o efeito celebrado o contrato n.º ..........08 (cfr. documento n.º 20 junto com a p.i.);

C. Nessa mesma data, os Recorrentes transferiram e procederam ao levantamento da sua conta bancária da C......... n.º 01........., da quantia de € 410.000,00 (cfr. documento n.º 21 junto com a p.i.);

D. No dia 09/11/2018, os Recorrentes procederam ao levantamento da quantia de € 130.000,00 da mesma conta bancária (cfr. documento n.º 22 junto com a p.i.);

E. No dia 24/06/2019, os Recorrentes procederam ao levantamento da quantia de € 50.000,00 da mesma conta bancária, justificando o levantamento com a menção “despesas de saúde” (cfr. documento n.º 23 junto com a p.i.);

F. No dia 07/10/2019, os Recorrentes procederam ao levantamento da quantia de € 32.766,45 da referida conta bancária (cfr. documento n.º 24 junto com a p.i.);

G. Nos dias 04/12/2020, 06/01/2021, 15/02/2021 e 01/09/2021, e em cada um dos dias, os Recorrentes procederam ao levantamento da quantia de € 10.000,00 da referida conta bancária (cfr. documento n.º 25 junto com a p.i.);

H. Mais procederam ao levantamento das quantias de € 18 548,62 (15/12/2020), € 15 000 (16/03/2021, 23/11/2021, 15/12/2021, 04/01/2022 e 06/02/2022) e € 5 000 (11/08/2021) (cfr. documentos n.ºs 25 e 26 juntos com a p.i.);

I. Procedendo ainda ao levantamento de € 100 000 (30/05/2022) e € 80 000 (01/09/2022)

(cfr. documento n.º 26 junto com a p.i.);

J. Em 18/06/2019, os Recorrentes venderam a Fração “C” do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 4.......... da freguesia e concelho de Câmara de Lobos pelo preço de € 190.000,00 (cfr. documento n.º 28 junto com a p.i.);

K. Entre 2012 e 2017, os A. venderam igualmente alguns prédios rústicos de que eram proprietários, pelo valor total de € 23 500 (cfr. documentos n.º 30, 32 e 33 juntos com a p.i.);

L. Entre 2018 e 2020, os Recorrentes receberam dividendos da sociedade U..........., Lda. no valor de € 225.530,88 (cfr. documento n.º 34 junto com a p.i.);

M. A sociedade P........... foi dissolvida em 01/10/2020 (cfr. documento n.º 36 junto com a p.i.);

N. Da conta bancária n.º 01..........., cuja titularidade não foi possível apurar, foi feito, em 05/12/2022, um pagamento para a conta dos A. no valor de € 31 276,79 (cfr. documento n.º 37 junto com a p.i.);

O. No dia 21/06/2024, os Recorrentes submeteram uma declaração de substituição para o ano de 2022, onde declararam no quadro 9 do Anexo G esse valor de € 31.276,79 (cfr. documento n.º 38 junto com a p.i.);

P. Em 29/06/2022, os A. procederam à aquisição do prédio urbano, destinado a habitação, inscrito na matriz sob o artigo 3........., da freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz, pelo preço total de € 946.812,14 (cfr. documentos n.ºs 4 e 39 juntos com a p.i.);

Q. A Direção de Serviços de Investigação da Fraude e de Ações Especiais (DSIFAE) enviou à Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira o relatório de difusão com a referência NAI 37..........., que corria termos na Unidade de Informação Financeira (UIF) da Polícia Judiciária, dando conhecimento de operações financeiras suspeitas realizadas na conta bancária identificada com o IBAN ...........72, titulada pelo casal A......... (NIF 1..........) e J.........(NIF 1..........), aqui A.

(cfr. documento n.º 1 junto com a p.i. e documento n.º 1 junto com a contestação);

R. Subsequentemente, e pela ordem de serviço n.º OI202300439, tendo como motivo a manifestação de fortuna, de âmbito geral, em sede de IRS, do exercício de 2022, foi levada a cabo pela Direção de Serviços de Inspeção Tributária, Investigação de Fraude e de Ações Especiais da Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira uma ação inspetiva (cfr. Relatório de Inspeção Tributária -doc. 1 junto com a P.I. e documentos n.ºs 2, 6 e 8 juntos com a contestação);

S. No âmbito de tal Ordem de Serviço foram detetados os seguintes depósitos em numerário e o recebimento de uma transferência bancária na conta bancária identificada com o IBAN ...........72, sedeada no Banco C........ (C.........), titulada pelos dois A., no período compreendido entre janeiro e dezembro de 2022, no valor global de € 848.526,79:


“(texto integral no original; imagem)”

(cfr. Relatório de Inspeção Tributária -doc. 1 junto com a P.I. e P.A.)

T. Os A. no ano de 2022 declararam um rendimento de € 56 397,05, tendo no mesmo período procedido a depósitos (e uma transferência) na sua conta bancária junto da C......... no valor total já referido de € 848 526,79 (cfr. Relatório de Inspeção Tributária - doc 1 junto com a P.I.);

U. Em 27/06/2023 e 10/04/2024 foram os A. notificados para apresentar diversos documentos visando o esclarecimento das entradas e saídas de dinheiro verificadas em 2022 (cfr. Relatório de Inspeção Tributária -doc. 1 junto com a P.I. e documento n.º 4 junto com a contestação);

V. Os A. foram notificados do projeto de Relatório de Inspeção Tributária e exerceram o seu direito de audição prévia relativamente ao referido projeto (cfr. Docs. 2 e 3 juntos com a P.I.);

W. No dia 14 de junho de 2024, os ora Recorrentes foram notificados do relatório de inspeção e decisão de fixação do rendimento coletável de IRS, referente ao exercício de 2022, por métodos indiretos, com um valor de IRS a pagar de € 475 277,84 (cfr. documento n.º 1 junto com a p.i. e documento n.º 11 junto com a p.i.);

X. A Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira considerou que os elementos trazidos pelos A. não eram suficientes para alterar o seu entendimento, mantendo as correções já propostas, constando do Relatório de Inspeção Tributária, no que diz respeito ao direito de audição prévia, o seguinte excerto:


“(texto integral no original; imagem)”

(cfr. doc. 1 junto com a p.i. – Relatório de Inspeção Tributária)

Y. Notificados do relatório de inspeção e decisão de fixação do rendimento coletável de IRS, os A. vieram apresentar o presente recurso contencioso da decisão de fixação do rendimento coletável de IRS, do ano de 2022, por métodos indiretos (cfr. p.i.);

Z. O Tribunal, no âmbito dos seus poderes, e procurando apurar a verdade, oficiou a Unidade de Informação Financeira da Polícia Judiciária nos seguintes termos:

(cfr. despacho de fls. 47 dos autos em suporte papel);

AA. Ao que tal Entidade respondeu que tal informação lhe tinha sido transmitida pela C......... (cfr. fls. 51 dos autos em suporte papel);

BB. O Tribunal oficiou também a C........., o que fez nos seguintes termos:


“(texto integral no original; imagem)”

(cfr. despacho de fls. 46 dos autos em suporte papel);

CC. A tal solicitação, a C......... respondeu, em síntese, que só poderia prestar as informações solicitadas, se fosse autorizada pelos A. (cfr. fls. 54 dos autos em suporte papel);

DD. O Tribunal convidou então os A. para virem autorizar a prestação das informações solicitadas, mais os advertindo que em caso de silêncio, tal silêncio seria interpretado como não autorizando os mesmos a prestação das informações solicitadas (cfr. despacho de fls. 55 dos autos em suporte papel);

EE. Os A. nunca responderam ao convite do Tribunal (cfr. os autos na sua íntegra).»


****
No que respeita a factos não provados, refere a sentença o seguinte:
«Não se provou:
1- Se os A. guardaram dinheiro no cofre aberto junto da C........., e em que datas ou montantes;
2- Se os A. retiraram dinheiro do cofre aberto junto da C........., e em que datas ou montantes;
3- Em que datas e por quem foi visitado o cofre;
4- Em que data foi encerrado o cofre.
Inexistem outros factos não provados com relevo para a decisão da causa.»


****

Em matéria de convicção, refere o Tribunal a quo:

«A convicção do Tribunal assentou na apreciação crítica dos documentos autênticos e particulares juntos, os quais não foram impugnados, conforme melhor indicado em cada uma das alíneas dos factos provados e tudo fundamentado no n.º 2 do art.º 34.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e n.º 2 do art.º 76.º da Lei Geral Tributária, no n.º 1 dos art.ºs 369.º, 370.º, 371.º, todos do Código Civil (documentos autênticos) e no n.º 1 dos art.ºs 373.º, 374.º e 376.º, todos também do Código Civil (documentos particulares).

Quanto aos factos não provados, da prova produzida em audiência de julgamento, quer da prova por declarações de parte, quer da prova testemunhal, não resultou com um mínimo de certeza qual o circuito prévio do dinheiro que foi depositado na conta bancária dos A. Em 2022.

Com efeito, não só estávamos perante pessoas próximas dos A. ou os próprios A. (a própria A. no que concerne às declarações de parte, e duas filhas, que depuseram enquanto testemunhas), e sobre isto, pode ver-se a título de exemplo o lavrado no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 13-07-2017, tirado no processo n.º 00259/14.6BEPNF, disponível para consulta in www.dgsi.pt, no sentido de se dever ter especiais cuidados com a prova testemunhal produzida por pessoas com relações próximas com a parte (o que sucede in casu dado que para além da A., as aludidas testemunhas tinham relações de parentesco direto -1.º grau- com os A.), como, da restante prova testemunhal produzida, não foi possível ao Tribunal retirar factos que, não constando já da prova documental existente nos autos, se apresentassem com um grau de verosimilhança que merecessem ser levados a factos provados.

Isto é, abundaram as declarações prestadas de forma vaga e genérica, o que impossibilitou, juntamente com a não autorização dos A. para a C......... revelar a informação solicitada pelo Tribunal (recusa que se valorou nos termos da segunda parte do n.º 2 do art.º 417.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi al. e) do art.º 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário), que fosse possível responder às questões que consubstanciam os factos não provados.

Com efeito, se é certo que os A. venderam imóveis ao longo dos anos e tiveram outros rendimentos (como é o caso de dividendos), e tinham, em 2015, um valor superior a 1 milhão de euros depositado na sua conta bancária, a prova produzida e a não autorização dos A. para a C......... revelar informação, determinaram que fosse impossível apurar, com um mínimo de certeza, qual a origem e circuito do dinheiro depositado pelos A. na sua conta ao longo do ano de 2022.

Tampouco se se tratava do mesmo dinheiro antes levantado pelos A. da sua conta bancária.

Ora, como bem se sabe, tal ónus impendia sobre os A.

Não tendo os A. logrado satisfazer o mesmo, não há como não dar como não provados os factos que se levaram a factos não provados.»


*****
II. Começando pelo imputado erro de julgamento quanto à matéria de facto, verifica-se que os Recorrentes defendem, genericamente, que o Tribunal não podia ter dado como não provados os factos I a IV da matéria de facto não provada.
Para tanto, após elencarem, nas várias alíneas das conclusões, aquilo que consideraram ter ficado demonstrado nos autos, nuns casos, afirmando singelamente, noutros, remetendo para documentos da p.i. ou para os factos do probatório ou, ainda, que tal tinha “ficado provado em audiência de julgamento”, e após terem transcrevido a quase totalidade do depoimento de parte e os depoimentos das testemunhas, entendem que o tribunal devia ter julgado provado que:
- no dia 01-06-2016, data da abertura do cofre bancário na C........., os AA levantaram e colocaram no cofre a quantia de € 410.000,00 (bbb) das conclusões);
- em 2022, após o levantamento do último valor, o cofre bancário foi fechado (ccc) das conclusões);
- apenas tinham autorização para abrir o cofre a Sra. A......... e o Sr. J........ – doc. 20 da p.i. (eee) das conclusões);
- as filhas M.......... e D.......... acompanhavam habitualmente a mãe nas idas ao cofre (fff) das conclusões);
- os valores levantados ao balcão eram colocados no cofre e nem saíram do Banco (ggg), hhh) e iii) das conclusões);
- apenas foram colocados no cofre os valores levantados entre 2016 e 2022 (jjj) das conclusões).

Quanto à prova testemunhal, defendem que “Tratando-se de um assunto da máxima confidencialidade, pessoalidade, privacidade e intimidade, como são as questões financeiras e rendimentos de uma família” não seria normal que “apenas as pessoas mais próximas dos AA. tivessem conhecimento da situação.
Nomeadamente, as suas duas filhas, M.......... e D........, bem como, a sua própria contabilista e o gestor de conta da C.........”
E, assim, “entendem os AA. que as declarações das testemunhas arroladas nos autos deveriam ter merecido a máxima credibilidade pelo Tribunal, atento o assunto em questão.

Importa, em primeiro lugar, ter presente que a impugnação da matéria de facto, tal como resulta do disposto no artigo 640.º do CPC, obedece a regras que não podem deixar de ser observadas. Em tal preceito se dispõe que:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.

Analisadas as conclusões do recurso, concatenadas com as alegações, verifica-se que os Recorrentes cumpriram de forma muito deficiente o determinado na norma transcrita, já que deviam, de forma individualizada, ter atacado cada um dos pontos dos probatório que consideravam incorrectamente julgado, identificando o documento e os pontos das passagens dos depoimentos que impunham decisão diversa.
Como acima se viu, a exigência das especificações previstas no n.º 1, do artigo 640.º do CPC revela, entre outras situações, a necessidade de os Recorrentes delimitarem o âmbito do recurso, indicando claramente qual o segmento da decisão proferida que consideram viciada por erro de julgamento, bem como a necessidade de fundamentar as razões pelas quais discordam do decidido, indicando os meios probatórios que implicam decisão diversa da tomada pelo tribunal. Não basta, pois, aos Recorrentes invocar que a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento na valoração da prova e apresentar a sua própria convicção da prova produzida, sem a devida concretização. Note-se que, como se viu, apesar de transcreverem o depoimento de parte e os depoimentos das testemunhas, não remetem, em nenhum dos factos, para as passagens dos mesmos que impunham a sua consideração, referindo-se aos mesmos de forma genérica e abstracta (“resultou provado em audiência de julgamento”).
Por outro lado, no caso concreto, o que fizeram os Recorrentes foi substituir-se ao Tribunal, elencando todos os factos que, no seu entender, tinham sido demonstrados no processo (o que consumiu a quase totalidade das alegações e das conclusões do recurso), sendo que tal, na sua óptica, faria com que os factos não provados não se pudessem manter.
E, assim, tirando os factos não provados, como se viu, não põem concretamente em causa nenhum dos factos do probatório.
Ora, apesar desta forma deficiente de impugnação, o Tribunal, ainda assim, vai fazer um esforço na sua apreciação, já que, apesar do que se deixou dito, nas conclusões bbb) a jjj) acabam por resumir e dizer concretamente quais os factos que consideram que deviam ter sido considerados provados, criticando a não consideração da prova testemunhal, nomeadamente, das filhas dos AA e, nalguns casos, remetendo para documentos juntos com a p.i.
No que se reporta à reapreciação da matéria de facto, dispõe o artigo 662.º do Código de Processo Civil, que “1-A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem solução diversa.” e desde que do processo constem todos os elementos que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto posta em causa.
Como é sabido, fixada a matéria de facto, através da regra da livre apreciação das provas, consagrada no artigo 607.º, n.º 4 do CPC, em princípio essa matéria é inalterável, só podendo ser alterada pela Relação nos casos previstos no artigo 662.º do CPC, onde se indicam as excepções à regra básica da imodificabilidade da decisão de facto.
Daí, é orientação jurisprudencial prevalente que “o controle da Relação sobre a convicção alcançada pelo tribunal da 1ª instância deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, sendo certo que a prova testemunhal é, notoriamente, mais falível do que qualquer outra, e na avaliação da respectiva credibilidade tem que reconhecer-se que o tribunal a quo, pelas razões já enunciadas, está em melhor posição”.
É o que decorre do disposto artigo 662.º nº 1 do CPC.
Voltando ao caso concreto, foram os seguintes, os factos julgados não provados:
1- Se os A. guardaram dinheiro no cofre aberto junto da C........., e em que datas ou montantes;
2- Se os A. retiraram dinheiro do cofre aberto junto da C........., e em que datas ou montantes;
3- Em que datas e por quem foi visitado o cofre;
4- Em que data foi encerrado o cofre.”
Quanto a estes, a motivação da sentença recorrida foi a seguinte:
Quanto aos factos não provados, da prova produzida em audiência de julgamento, quer da prova por declarações de parte, quer da prova testemunhal, não resultou com um mínimo de certeza qual o circuito prévio do dinheiro que foi depositado na conta bancária dos A. Em 2022.
Com efeito, não só estávamos perante pessoas próximas dos A. ou os próprios A. (a própria A. no que concerne às declarações de parte, e duas filhas, que depuseram enquanto testemunhas), e sobre isto, pode ver-se a título de exemplo o lavrado no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 13-07-2017, tirado no processo n.º 00259/14.6BEPNF, disponível para consulta in www.dgsi.pt, no sentido de se dever ter especiais cuidados com a prova testemunhal produzida por pessoas com relações próximas com a parte (o que sucede in casu dado que para além da A., as aludidas testemunhas tinham relações de parentesco direto -1.º grau- com os A.), como, da restante prova testemunhal produzida, não foi possível ao Tribunal retirar factos que, não constando já da prova documental existente nos autos, se apresentassem com um grau de verosimilhança que merecessem ser levados a factos provados.
Isto é, abundaram as declarações prestadas de forma vaga e genérica, o que impossibilitou, juntamente com a não autorização dos A. para a C......... revelar a informação solicitada pelo Tribunal (recusa que se valorou nos termos da segunda parte do n.º 2 do art.º 417.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi al. e) do art.º 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário), que fosse possível responder às questões que consubstanciam os factos não provados.
Com efeito, se é certo que os A. venderam imóveis ao longo dos anos e tiveram outros rendimentos (como é o caso de dividendos), e tinham, em 2015, um valor superior a 1 milhão de euros depositado na sua conta bancária, a prova produzida e a não autorização dos A. para a C......... revelar informação, determinaram que fosse impossível apurar, com um mínimo de certeza, qual a origem e circuito do dinheiro depositado pelos A. na sua conta ao longo do ano de 2022.
Tampouco se se tratava do mesmo dinheiro antes levantado pelos A. da sua conta bancária.
Ora, como bem se sabe, tal ónus impendia sobre os A.
Não tendo os A. logrado satisfazer o mesmo, não há como não dar como não provados os factos que se levaram a factos não provados
Daqui resulta que o Tribunal recorrido não desconsiderou a prova testemunhal, apenas entendeu que a mesma, atendendo ao grau de proximidade com os Autores, às declarações de parte da própria Autora, parte interessada na causa, que, para poderem ser aptas a demonstrar os factos alegados, além de terem sido vagas e genéricas, e, precisamente por isso, teriam de ser complementadas com outros meios de prova, que até identificou – informações solicitadas pelo Tribunal à C........., cujo acesso não foi autorizado pelos AA. Ou seja, como facilmente se retira do teor da sentença recorrida, o Mmo Juiz a quo, na formação da sua íntima convicção quanto à prova produzida e ao julgamento da matéria de facto, entendeu que os depoimentos prestados eram insuficientes à demonstração dos factos alegados, ou seja, revelaram-se, no caso concreto, incapazes ou parcos para demonstrar o pretendido.
Os Recorrentes, por seu turno, entendem que se devia considerar provado que:
- no dia 01-06-2016, data da abertura do cofre bancário na C........., os AA levantaram e colocaram no cofre a quantia de € 410.000,00 (bbb) das conclusões);
- em 2022, após o levantamento do último valor, o cofre bancário foi fechado (ccc) das conclusões);
- apenas tinham autorização para abrir o cofre a Sra. A......... e o Sr. J........ – doc. 20 da p.i. (eee) das conclusões);
- as filhas M.......... e D.......... acompanhavam habitualmente a mãe nas idas ao cofre (fff) das conclusões);
- os valores levantados ao balcão eram colocados no cofre e nem saíram do Banco (ggg), hhh) e iii) das conclusões);
- apenas foram colocados no cofre os valores levantados entre 2016 e 2022 (jjj) das conclusões).

Ora, quanto aos factos de que apenas tinham autorização para abrir o cofre a Sra. A......... e o Sr. J........ e de que as filhas M.......... e D.......... acompanhavam habitualmente a mãe nas idas ao cofre, trata-se de factos que, mesmo tendo natureza instrumental, não foram alegados na p.i., pelo que não tinham de ter sido considerados pelo Tribunal a quo. Acresce que, do doc. 20 da p.i., na sua cláusula 6.ª, resulta que “o locatário pode, sob sua responsabilidade, permitir a terceiras pessoas o acesso ao cofre alugado, devendo para esse fim, entregar à Caixa a devida autorização por escrito, respeitando as exigências por esta formuladas.”. Ou seja, o que resulta do doc. 20 é quem eram os locatários e não que apenas os AA tinham autorização para abrir o cofre. De notar que esta informação, bem como a informação de quem eram as pessoas que acediam ao cofre ou acompanhavam a Autora nesses acessos podiam ter resultado dos elementos solicitados à C......... e que os AA não deram o devido consentimento para serem fornecidos ao Tribunal. Acresce que apenas uma das filhas dos AA, a D.........., se pronunciou sobre quem acedia ao cofre, tendo respondido prontamente ser a mãe e, apenas após instada pelo Exmo. Mandatário, acrescentou que às vezes ia ela ou a irmã ou o pai a acompanhar.
Por assim ser, não podem tais factos ser aditados ao probatório.
Quanto aos factos do fecho do cofre após o último levantamento de dinheiro, que, na data da abertura do cofre, em 01-06-2016, foi ali colocado o valor levantado da conta bancária de € 410.000,00, que os valores levantados ao balcão eram colocados no cofre e nem saíam do banco e que apenas foram colocados no cofre os valores levantados entre 2016 e 2022 (conclusões bbb), ggg), hhh), iii) e jjj)), trata-se de factos que, percorrendo as alegações e conclusões, os Recorrentes pretendem que se dê como provados apenas recorrendo à prova testemunhal e aos factos julgados provados pelo Tribunal (nomeadamente, o saldo bancário prévio, as declarações de rendimentos, a venda dos imóveis, o pagamento de dividendo e de juros, o pagamento de um valor em resultado da liquidação de sociedade), defendendo não saber que mais poderia ter feito para demonstrar estas situações (caricaturando a realidade, perguntam se “A Administração Fiscal pretendia que os AA. entre 2016 e 2022 tivessem pintado, fotografado ou filmado as notas e valores que levantaram da sua conta bancária e colocaram no cofre e, em 2022, fotografassem ou filmassem de novo essas mesmas notas a saírem do cofre e
a serem de novo depositadas na conta bancária para, agora, demonstrarem que os valores que depositados são exatamente os mesmos valores que tinham levantado e guardado no cofre bancário”).
Ora, não se ignorando que, atendendo à sua própria natureza, a prova testemunhal é importante para a sua demonstração e que, como os Recorrentes defendem,Tratando-se de um assunto da máxima confidencialidade, pessoalidade, privacidade e intimidade, como são as questões financeiras e rendimentos de uma família” seria “normal que apenas as pessoas mais próximas dos AA. tivessem conhecimento da situação”, “Nomeadamente, as suas duas filhas, M.......... e D........”, a verdade é que, dada a sensibilidade da questão, e a necessidade de demonstrar que os valores levantados da conta eram depositados no cofre e que os valores que estavam no cofre apenas saíram dele para voltarem a ser depositados na conta bancária, bem deveriam saber os Recorrentes que, ao terem optado por realizar as operações com dinheiro “vivo”, a prova se tornava muito mais difícil. Mas, quando o Tribunal diz difícil, tal não quer dizer que seja impossível. Com efeito, havia uma diligência de prova que, no entender do Tribunal, era determinante para, coadjuvada com a prova documental já constante dos autos (e levada ao probatório) e com a prova testemunhal realizada, fazer luz sobre os factos que se impunham demonstrar: trata-se das informações solicitadas à C......... pelo Tribunal recorrido sobre o cofre ali aberto pelo AA (cfr. pontos BB., CC., DD. E EE. do probatório).
Na verdade, esta instituição financeira estava, certamente, em condições de fornecer informações (porque é exigido o seu registo – cfr. Lei n.º 58/2020, de 31-08-2020 e art. 14.º n.º 4 do Aviso n.º 1/2022, de 24-05-2022 do Banco de Portugal) sobre as visitas ao cofre, as suas datas e quem as fez, bem como a data de encerramento do mesmo, o que, conjugado com as datas dos levantamentos e dos depósitos feitos na conta bancária, poderia elucidar o Tribunal sobre a invocada coincidência entre os levantamentos do dinheiro, sua guarda no cofre e depósito dos mesmos valores novamente na conta bancária. Ora, apesar de o Tribunal, na sequência da informação da C......... de que necessitava do consentimento dos titulares, ter solicitado aos Recorrentes que o fizessem (advertindo-os de que o seu silêncio seria visto como não autorizando o acesso à informação), a verdade é que não autorizaram o Banco a fornecer essa informação. E, portanto, não podem entender que estão a ser sujeitos a uma prova diabólica e impossível, quando não permitiram o acesso a informação que poderia ter ajudado a demonstrar os factos em causa.
E, assim sendo, apesar de a prova testemunhal, principalmente, das pessoas com conhecimento directo dos factos, ou seja, neste caso, das filhas dos Recorrentes (já que nem a contabilista, nem o gestor de conta tinham conhecimento directo dos mesmos), ser importante, a verdade é que a mesma, sendo frágil, atendendo ao grau de parentesco e ao comprometimento com a causa e ao facto de terem sido depoimentos prestados de forma vaga e genérica, não se pode considerar suficiente para demonstrar as operações em causa, ou seja, o circuito do dinheiro entre a conta, o cofre e a conta novamente.
E, por isso, nem os factos não provados podem ser alterados, nem os factos pretendidos aditar o podem ser, devendo a decisão quanto à matéria de facto manter-se, por não padecer a mesma de erro de julgamento.
Nestes termos, improcede o recurso quanto à impugnação da matéria de facto, a qual se mantém.

II.3. De Direito
No caso concreto a Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira detectou uma divergência entre os valores declarados como rendimento pelos AA no seu IRS do ano de 2022, de € 56 397,05, e o valor de € 848 526,79 depositado na sua conta bancária desse ano, o qual foi entendido como não justificado.

Como se viu, os Recorrentes imputam à sentença erro de julgamento, de facto e de direito, já que entendem que, face a toda a prova documental e testemunhal produzida, ficou demonstrado que os valores depositados na conta bancária em 2022 provinham de levantamentos dessa mesma conta bancária, feitos desde 2016, guardados no cofre bancário da C......... e novamente ali depositados; que tais valores se referem a rendimentos legítimos, declarados e tributados oportunamente em sede de IRS e que, exigir mais prova do que a feita, é exigir uma prova diabólica, não sendo razoável, havendo violação dos princípios da boa-fé, da confiança, da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade e da justiça. Mais defendem ter havido violação do princípio do inquisitório por parte da AT, já que nunca esta pediu para quebrar o sigilo bancário ou autorização para revelar dados bancários, sendo que os Recorrentes nunca recusaram ou negaram essa autorização. Além disso, entendem que houve a violação do princípio in dubio contra fiscum.

A sentença recorrida, nesta matéria, e após exposição do regime legal, tece o seguinte percurso argumentativo:
Ora, relativamente aos pressupostos da sua atuação, não há dúvidas que a Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira demonstrou os mesmos, dado que se verifica uma pronunciada divergência entre o rendimento declarado e o acréscimo de património manifestado pelos A. através dos depósitos realizados na sua conta bancária.
Com efeito, foi declarado pelos A. no ano de 2022 um rendimento de € 56 397,05, tendo no mesmo período os A. procedido a depósitos (e uma transferência) na sua conta bancária junto da C......... no valor total de € 848 526,79.
Perante isto, caberia então aos A. o ónus de demonstrar a origem/fonte dos valores depositados, demonstrando o seu circuito prévio à realização de tais depósitos, e que tais valores não tinham sido declarados para efeitos de tributação porque disso estavam dispensados, isto é, que era outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo de património ou da despesa efetuada.
Neste sentido, e entre outros, pode ver-se o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 22/10/2015, tirado no processo n.º 07859/14, disponível para consulta in www.dgsi.pt.
Aliás, e como bem sintetiza o Tribunal Central Administrativo Sul no seu acórdão de 17/10/2019, tirado no processo n.º 1878/16.1BELRS:
“No quadro do regime das manifestações de fortuna, o ónus da prova de que os meios financeiros mobilizados ou de que as entradas financeiras obtidas não carecem de ser declarados, dado que não são tributáveis, postula a análise dos concretos movimentos financeiros e a demonstração da origem dos fundos em presença, caso a caso, movimento a movimento, de forma a tornar perceptível o rastro do dinheiro.”
Volvendo ao caso dos autos, temos que os A. não lograram demonstrar o circuito relativo ao dinheiro por si depositado em 2022, conforme se levou ao probatório.
Isto é, competia aos A. demonstrar todo o circuito financeiro do dinheiro desde os levantamentos por si alegados como sendo a origem, até aos depósitos (de que não provaram a proveniência) e subsequente utilização para a aquisição de um imóvel em 2022, o que estes não fizeram, arreigando-se à ideia de que são livres de guardar o seu dinheiro num cofre. É evidente que são. Mas competia-lhes o ónus da prova da origem e circuito do dinheiro, o que não lograram satisfazer.
É que, fruto da sua omissão, não é possível concluir, com um mínimo de certeza, que os valores depositados na sua conta tiveram a sua origem naqueles levantamentos por si alegados ou sequer que o dinheiro esteve guardado num cofre.
Assim, os A. não provaram, por exemplo, que os montantes por si levantados foram colocados no cofre, o que lhes incumbia, não tendo sequer aproveitado a oficiosidade do Tribunal no sentido de autorizarem a C......... a relevar a informação pertinente que se levou ao probatório.
Não se tendo sequer provado, reitere-se, que se tratava do mesmo dinheiro nas diferentes situações, e qual o valor que esteve no cofre e de quando a quando.
Isto é, e sintetizando, quanto a este ponto, e relativamente ao valor dos depósitos, era necessário que os A. reconstituissem a situação desde a origem dos valores, identificando a sua fonte, e demonstrassem todo o percurso seguido pelo dinheiro até finalmente os valores serem depositados na sua conta bancária.
O que os A. não lograram fazer.
Por outro lado, há ainda um outro ónus, também incumprido pelos A..
É que os A. não demonstraram que os valores depositados não careciam de ser declarados em sede de IRS.
Fosse porque já tinham sido declarados, fosse porque disso estavam legalmente dispensados.
Sendo que, na verdade, este segundo requisito, isto é, da demonstração que os valores depositados estavam dispensados de declaração para efeitos de tributação, acaba por ser prejudicado pela ausência de prova do primeiro requisito, por tampouco terem os A. demonstrado o circuito integral do dinheiro nos anos anteriores ao seu depósito na conta bancária.
Isto é, desconhecendo-se a origem e circuito do dinheiro, não é possível aferir se se está perante valores que carecem de ser declarados ou não.
Logo, e sintetizando, tendo a Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira demonstrado os pressupostos da sua atuação, impendia sobre os A., relativamente aos depósitos realizados em 2022, justificar a origem ou fonte de cada um dos depósitos, com a demonstração na íntegra do respetivo circuito financeiro prévio ao depósito, e, do mesmo modo, demonstrar que se tratavam de rendimentos já declarados ou de cuja declaração estavam os A. legalmente dispensados.
O que não aconteceu.
Sobre questão idêntica a esta, podem ver-se, no mesmo sentido, os recentíssimos acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 30/08/2024 e 12/09/2024, tirados nos processos n.º 401/23.6BEFUN e 392/23.3BEFUN, ambos disponíveis para consulta in www.dgsi.pt, acórdãos esses proferidos na sequência de recursos interpostos de sentenças proferidas pelo signatário.
Pelo que não pode deixar de improceder esta primeira questão.”

Vejamos, pois, desde já se adiantando que o assim decidido não merece censura.
A alínea f) do artigo 87.º da LGT, estabelece que a avaliação indirecta só pode efectuar-se no caso de: “Acréscimo de património ou despesa efectuada, incluindo liberalidades, de valor superior a (euro) 100.000, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados”.
Por seu turno, o artigo 89.º-A, n.º 5 da LGT, estatui que “Para efeitos da alínea f) do artigo 87.º, considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, quando não existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90.º, que permitam à administração tributária fixar rendimento superior, a diferença entre o acréscimo de património ou o consumo evidenciados e os rendimentos declarados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação” e o n.º 11 do mesmo preceito determina que “a avaliação indirecta no caso da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º deve ser feita no âmbito de um procedimento que inclua a investigação das contas bancárias podendo no seu decurso o contribuinte regularizar a situação tributária, identificando e justificando a natureza dos rendimentos omitidos e corrigindo as declarações dos respectivos períodos”.
Cabe, então, à AT (artigo 74.º, n.º 1, da LGT e artigo 342.º, n.º 1, do C. Civil) provar o facto que, segundo a lei, constitui uma manifestação de fortuna e ao sujeito passivo cabe o ónus de provar que os rendimentos declarados correspondem à realidade e que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo do património ou da despesa efectuada (ou seja, ocorre uma inversão do ónus da prova).
No caso concreto, não há dúvidas de que a AT demonstrou o facto que constitui a manifestação de fortuna, já que, e tal não é questionado, no ano de 2022 os Recorrentes declararam um rendimento de € 56 397,05, havendo um valor de € 848 526,79 depositado na sua conta bancária nesse ano não justificado.
Por isso, competia aos Recorrentes a prova de que os valores depositados não correspondiam a rendimentos que tivessem de ter sido declarados para efeitos de IRS (nomeadamente, por já terem sido tributados anteriormente).
Analisado o probatório, o que resultou demonstrado nos autos foi apenas que o saldo da conta bancária da C......... em 2015 era de € 1.167.271,39 (ponto A.), que em 2016 abriram na C......... um cofre (ponto B.), que na data da abertura do cofre fizeram um levantamento de € 410.000,00 (ponto C.), que entre 2018 e 2022 fizeram diversos levantamentos no valor total de € 471.315,07 (ponto D. a I.), que entre 2012 e 2019 procederam à alienação de diversos imóveis (pontos J. e K.), que entre 2018 e 2020 receberam dividendosno valor de € 225.530,88 (ponto L.).
Ora, tal como foi decidido pelo Tribunal a quo, nenhum destes factos é susceptível de demonstrar que os valores que foram levantados da conta bancária corresponde ao valor que foi nela depositado em 2022, nem que os valores levantados foram guardados no cofre e depois repostos na conta. Como acima se deixou dito na apreciação da impugnação da matéria de facto, os Recorrentes, ao terem inviabilizado o acesso à informação requerida pelo Tribunal à C......... inviabilizaram, do mesmo passo, que o Tribunal pudesse ter apreciado de uma eventual coincidência entre as datas dos levantamentos do dinheiro e dos depósitos e as datas das visitas ao cofre que, a ter existido, poderia, juntamente com a restante prova feita, levar à conclusão de que se trataria dos mesmos montantes.
E, por isso, não merece censura a conclusão do Tribunal a quo de que “relativamente ao valor dos depósitos, era necessário que os A. reconstituissem a situação desde a origem dos valores, identificando a sua fonte, e demonstrassem todo o percurso seguido pelo dinheiro até finalmente os valores serem depositados na sua conta bancária.” O que não fizeram.
Isto que se deixa dito, deita por terra a acusação de se estar a exigir aos Recorrentes uma verdadeira prova diabólica. Com efeito, não tendo autorizado o acesso à informação pedida pelo Tribunal à C........., não podem dizer que fizeram tudo para demonstrar a origem dos fundos depositados em 2022, sendo que em sede de Impugnação o Tribunal tentou, oficiosamente, colmatar esta falha dos Recorrentes, a qual foi por eles desperdiçada.
Não se vê, pois, nem de resto os Recorrentes substanciam, em que medida houve violação dos princípios da boa-fé, da confiança, da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade e da justiça.
Por outro lado, e apesar de tal não ter sido levado ao probatório, também não é relvante para demonstrar que os fundos em causa tiveram origem em rendimentos declarados e tributados o facto de terem declarado desde 1989 a 2022 um total de € 903.798,13 de rendimentos auferidos. Com efeito, dividindo tal valor pelo número de anos em causa (33 anos), dá uma média de € 27.388,00 por ano e cerca de € 2.300,00 por mês para ambos os Recorrentes, o que está longe de ser demonstrativo dos níveis de alegada poupança invocados e do elevado saldo existente em 2015.
Acresce, finalmente, que, não tendo demonstrado a origem dos depósitos na conta bancária no ano de 2022, também não demonstraram que esses valores não careciam de ser declarados em sede de IRS, fosse porque já tinham sido declarados, fosse porque disso estavam legalmente dispensados.
Ou seja, tudo visto e sopesado, este Tribunal tem de concluir, com o Tribunal a quo, que os Recorrentes não cumpriram o ónus que sobre si impedia de demonstrar que os rendimentos declarados correspondiam à realidade e que era outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo do património revelado.
*
Defendem, depois, que a AT violou o princípio do inquisitório, já que nunca pediu para quebrar o sigilo bancário ou pediu autorização para revelar dados bancários, sendo que os Recorrentes nunca recusaram ou negaram essa autorização. Além disso, entendem que houve a violação do princípio in dubio contra fiscum.
Ora, do que se deixou dito até ao momento, já se antevê que não têm razão, mais uma vez.
Reunidos os pressupostos elencados nos arts. 89.º-A e 87.º n.º 1 d) e/ou f) da LGT, considerados pelo legislador como manifestação de fortuna ou acréscimo patrimonial não justificado, cabe à AT desencadear um procedimento, sendo possível no seu âmbito ou a regularização da situação ou o esclarecimento da natureza dos valores em causa. Caso não se verifique nenhuma das situações mencionadas, procederá a AT à avaliação indirecta atentos os elementos de que disponha. O rendimento que se venha a apurar, por recurso a este método, é enquadrável na categoria G do IRS (incrementos patrimoniais), como decorre do art. 9.º n.º 1 al. d), do Código do IRS.
A sentença recorrida, nesta matéria, pronunciou-se nos sequintes termos:
Ora, visto o P.A., cujas diligências se levaram a factos provados, não se pode dizer que a Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira não tenha desenvolvido as diligências necessárias ao apuramento da verdade.
Com efeito, a Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira, no âmbito do procedimento, desenvolveu diversas diligências, como sejam notificações a pedir elementos ao A. ou reuniões presenciais com estes.
Mas dessas diligências não apurou a Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira o circuito exato do dinheiro que permitisse acompanhar os valores desde a sua origem ou fonte até à sua canalização para a realização dos depósitos.
Cabia então aos A. ter uma participação mais proactiva, até porque diretamente interessados no desfecho do caso, o que se traduziria em demonstrar, nomeadamente, todo o circuito prévio ao depósito do dinheiro.
É isso, aliás, que o dever de colaboração impõe aos contribuintes.
Isto é, o princípio do inquisitório por parte da Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira e o dever de colaboração dos contribuintes são duas faces de uma mesma moeda, existindo uma co-responsabilidade relativamente ao apuramento da verdade material.
Acresce, como já se disse supra, que mesmo em sede da presente instância judicial, os A. não lograram fazer a sua parte, não permitindo que fosse apurado todo o circuito do dinheiro.
Isto é, não podem os A. não autorizar a revelação de informação relevante por parte da C......... e depois virem queixar-se que a AT ou o Tribunal não cumpriram com o princípio do inquisitório.
Não se vê assim em que é que a Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira tenha violado o princípio do inquisitório, improcedendo também estoutra questão.
Concordamos com o assim decidido.
No caso concreto, na sequência de comunicação da Polícia Judiciária dando conta de operações financeiras suspeitas na conta bancária dos Recorrentes (facto Q.), foi pela AT aberto um procedimento de inspecção (facto R.) no qual foi apurada a existência de depósitos bancários em numerário, no ano de 2022, de € 848.526,79 (ponto S. do probatório) e de um rendimento declarado nesse mesmo ano de € 56 397,05 (ponto T. dos factos provados).
Nessa sequência, os Recorrentes foram notificados para apresentar diversos documentos visando o esclarecimento das entradas e saídas de dinheiro verificadas em 2022 e exerceram o direito de audição (cfr. pontos U. e V. do probatório), tendo a AT considerado que os elementos e explicações fornecidas não foram suficientes para demonstrar a origem e circuito dos valores depositados (ponto W. dos factos provados).
Ou seja, a AT, após detectar a divergência entre os valores declarados e a manifestação de fortuna ou de acréscimo de património, deu possibilidade aos Recorrentes para demonstrar aquilo que lhes competia, nos termos legais – a origem dos valores depositados e que os mesmos não estavam sujeitos a IRS ou já tinham sido anteriormente tributados. É esta a repartição legal do ónus da prova.
Os Recorrentes entendem que a AT violou o princípio do inquisitório pois não requereu a quebra do sigilo bancário nem lhes solicitou o acesso à informação bancára.
Ora, em relação a esta questão, e apesar de se entender que a actuação da AT está sujeita ao princípio do inquisitório, ou seja, deve realizar todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade material e do rendimento real, a verdade é que esse princípio não se pode sobrepor nem descaracterizar as regras legais de repartição da incumbência probatória nesta matéria. E já acima se viu que, tendo a AT demonstrado a existência dos pressupostos constantes do art.º 87.º, n.º 1, al. f), da LGT, que lhe permitiu despoletar a avaliação de métodos indirectos, nos termos do n.º 3 do já mencionado art. 89.º-A da LGT, passou a competir aos Recorrentes o ónus da prova de que correspondiam à realidade os rendimentos declarados e de que era outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo de património. Portanto, eram eles, ora Recorrentes, quem tinha de, caso entendessem que tal era útil para esclarecer a situação, fornecer à AT o acesso às suas informações bancárias, o que não fizeram, sendo que também não concretizam em que medida a quebra do sigilo bancário poderia fazer luz sobre a origem dos valores depositados, não se podendo perder de vista que, tirando o caso da uma transferência bancária – que o Tribunal a quo considerou estar justificada e que, por isso, já não faz parte do âmbito deste recurso – os depósitos nas contas foram feitos em numerário, com a sua inerente difícil rastreabilidade.
Ora, por assim ser, a sentença que decidiu que a AT não violou o princípio do inquisitório não sofre de qualquer erro de julgamento, improcedendo o recurso com este fundamento.

Finalmente, quanto à alegada violação do princípio in dubio contra fiscum, alegam os Recorrentes que “o Tribunal a quo andou mal ao não ter aplicado o artigo 100.º do CPPT, que expressamente refere que existindo fundadas dúvidas quanto à existência dos factos tributários, cabia à Administração Fiscal “abster-se de praticar o acto tributário, dando assim cumprimento ao princípio in dubio contra fiscum”” e que “o Tribunal a quo andou mal ao invocar o artigo 100 n.º 2 do CPPT para não aplicar o princípio do in dúbio contra fiscum”, já que “a fundada dúvida é mais do que evidente no caso em apreço perante toda a prova documental e testemunhal produzida nos autos”.

A sentença julgou este vício improcedente com os seguintes fundamentos:
Sucede que não se está aqui perante uma situação de “fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário”.
Com efeito, a Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira chegou a determinada conclusão, e apresentou os fundamentos para tanto (que constam do Relatório de Inspeção Tributária), e os A., querendo, sempre poderiam, mesmo na presente sede, carrear elementos que pusessem em causa o que foi assumido pela Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira.
Concretizando, poderiam os A. ter demonstrado que a Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira errou na fixação de rendimento que realizou, para o que, necessariamente, teriam que demonstrar na íntegra qual a fonte/origem dos rendimentos canalizados para a realização dos depósitos (e respetivo circuito até à realização dos depósitos).
O que os A. não lograram fazer.
A que acresce que, estando em causa métodos indiretos, o n.º 2 do referido art.º 100.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, estipular que “em caso de quantificação da matéria tributável por métodos indirectos não se considera existir dúvida fundada, para efeitos do número anterior, se o fundamento da aplicação daqueles consistir na inexistência ou desconhecimento, por recusa de exibição, da contabilidade ou escrita e de mais documentos legalmente exigidos ou a sua falsificação, ocultação ou destruição, ainda que os contribuintes invoquem razões acidentais.”
Ora, não obstante, não resultar dos autos a recusa de exibição ou a falsificação, ocultação ou destruição de documentos (embora resulte a recusa de ser facultada pela C......... informação relevante), não pode deixar de se considerar, numa interpretação extensiva, visando a harmonia do sistema jurídico no seu conjunto, que a aplicação do princípio in dubio contra fiscum, terá de ser, em sede de métodos indiretos, muito mais exigente, do que se estiver em causa a quantificação da matéria coletável através de métodos diretos.

Apreciando.
Já acima vimos que a administração cumpriu com as exigências que resultam do art. 74.º, n.º 1, da LGT, tendo, pois, afastado cabalmente a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes, que resulta do n.º 1 do art. 75.º do mesmo diploma legal (art. 75.º n.º d) da LGT).
O art. 74.º n.º 3 da LGT preceitua que “Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação.”
A somar a isto, há que recordar o regime do ónus da prova previsto no art. 89.º-A da LGT. Dispõe tal normativo que:
3 - Verificadas as situações previstas no n.º 1 deste artigo, bem como na alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º, cabe ao sujeito passivo a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo de património ou da despesa efectuada.
4 - Quando o sujeito passivo não faça a prova referida no número anterior relativamente às situações previstas no n.º 1 deste artigo, considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, no ano em causa, e no caso das alíneas a) e b) do n.º 2, nos três anos seguintes, quando não existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90.º, que permitam à administração tributária fixar rendimento superior, o rendimento padrão apurado nos termos da tabela seguinte:
(…)”
Daqui resulta que, o regime legal previsto nas normas indicadas é especial, prevendo que, nestas situações, os contribuintes têm sobre si o encargo de demonstrar, comprovar que os rendimentos declarados correspondem à realidade e que é outra a fonte da manifestação de fortuna (n.º 3), sob pena de, não o fazendo, a AT considerar como o rendimento o previsto n.º 4 da citada norma. O que significa que não se aplica a regra geral prevista no art. 100.º n.º 1 do CPPT.
Ou seja, conforme se decidiu no Acórdão do STA, de 06-03-2014, proc. n.º 0189/14 a respeito da aplicação do disposto no art. 100.º do CPPT em caso de manifestações de fortuna “(…) existindo normas específicas para as situações de determinação da matéria tributável por métodos indirectos – o n.º 3 do art. 74.º e o n.º 3 do art. 89.º-A da LGT – é por aplicação destas, e não da norma geral do art. 100.º do CPPT, que devem resolver-se os casos de persistência de dúvida fundada quanto aos pressupostos ou à justificação para o recurso a tais métodos.

No mesmo sentido, veja-se o Acórdão deste TCA Sul, de 17-09-2020, proferido no proc. n.º 1194/19.7BELRA: “Ou seja, o ónus da prova de que os meios financeiros mobilizados ou de que as entradas financeiras obtidas não carecem de ser declarados, dado que não são tributáveis, postula a análise dos concretos movimentos financeiros e a demonstração da origem dos fundos em presença, caso a caso, movimento a movimento, de forma a tornar perceptível o rastro do dinheiro. Não basta ao cumprimento do ónus da prova em apreço o suscitar da dúvida (fundada ou não) sobre o acerto da fixação da matéria colectável. É necessária uma alegação e demonstração concretas, facto a facto, fluxo a fluxo, do circuito económico-financeiro dos recursos em causa, de forma a que resulte comprovada a fonte do rendimento, a qual, por não ser passível de declaração, justifica a exclusão da tributação.

Ora, assim sendo, também a invocação da violação do princípio do “in dubio contra fiscum” não pode proceder, sendo que a sentença que assim decidiu, embora com a presente fundamentação, se tem de manter, razão pela qual o recurso improcede quanto a tal fundamento.
*

Nos termos do art.º 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), “[n]as causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.
Como referido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 07-05-2014, proc. n.º 01953/13, “A norma constante do nº7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz, ser lícito, mesmo a título oficioso, dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade”.

Na sentença recorrida foi fixado ao processo o valor de € 792 129,74.
Ora, considera-se que o valor de taxa de justiça devido, calculado nos termos da tabela I.b., do RCP, é excessivo. Assim, não obstante se entender que, face à complexidade das questões envolvidas e à tramitação dos autos, não deve haver dispensa total do pagamento da taxa de justiça, na parte que exceda os € 275.000,00, entende-se ser adequado e proporcional, face às caraterísticas concretas dos autos e à actuação das partes, dispensar o pagamento da taxa de justiça, na parte que exceda € 325.000,00.
*****

III. DECISÃO

Face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso.

Custas pelos Recorrentes, com dispensa do remanescente da taxa de justiça, na parte que exceda € 325.000,00, com os fundamentos acima indicados.


Registe e notifique.

Lisboa, 20 de Março de 2025


--------------------------------
[Teresa Costa Alemão]


-------------------------------
[Ângela Cerdeira]


--------------------------------
[Maria da Luz Cardoso – em substituição]