Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 9378/16.3BCLSB |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 06/05/2025 |
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Relator: | MARIA DA LUZ CARDOSO |
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Descritores: | A.A.E. – QUESTÃO ADUANEIRA LIQUIDAÇÃO DE TAXA DE “FAZENDAS DEMORADAS” |
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Sumário: | I - As mercadorias importadas no território nacional, ficando em situação de depósito temporário no respetivo entreposto fiscal aduaneiro, dispõe de um prazo de 45 dias para o importador indicar o destino aduaneiro de tais mercadorias. II - Caso não cumpra o supra determinado prazo, fica o importador sujeito à designada “taxa de fazendas demoradas”, que se constitui como medida administrativa compulsória, destinada a compelir o importador ao desalfandegamento das mercadorias e sua submissão aos direitos aduaneiros devidos (assim designada como “pauta aduaneira comum” comunitária). III - Tal medida compulsória não impede o interessado de prescindir das ditas mercadorias, que podem ser colocadas à venda por hasta pública, o que está de acordo com as disposições aplicáveis do Regulamento Alfandegário e nas normas do C.A.C. IV - A aplicação de uma taxa “ad valorem” sobre o valor das mercadorias, a titulo de “fazendas demoradas”, é vinculativo para a Administração Aduaneira, e não viola qualquer disposição constitucional ao abrigo do princípio da proporcionalidade, ou do tratado da U.E., nem contende com as disposições do GATT, quanto aos emolumentos, taxas e outros encargos de efeito semelhante, tidos como suscetíveis de afetar o livre comércio entre os estados signatários, atento a referida natureza jurídica de tal medida. |
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Votação: | Unanimidade |
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Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul I - RELATÓRIO P......., S.A. (doravante Autora), com os demais sinais dos autos que se dão por reproduzidos, vem apresentar, nos termos dos artigos 46º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais (CPTA), IMPUGNAÇÃO, SOB A FORMA DE ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL, DO DESPACHO N.º 5/2012-XIX DE 02/01/2012, PROFERIDO PELO SENHOR SECRETÁRIO DE ESTADO DOS ASSUNTOS FISCAIS (SEAF), QUE INDEFERIU O PEDIDO DE ANULAÇÃO DO ACTO DE LIQUIDAÇÃO DE FAZENDAS DEMORADAS PRATICADO PELO CHEFE DA DELEGAÇÃO ADUANEIRA DE SINES, com os seguintes fundamentos: A Autora foi objeto de liquidação de fazendas demoradas no montante de €1. 134. 737,19, por alegada violação do prazo de atribuição de destino aduaneiro à remessa de óleos pesados, designadamente gasóleo, fornecida por B....... Ltd., procedente dos Estados Unidos. A Petrogal fundamenta o seu pedido principal na circunstância de o ato em causa, alegadamente, violar o pressuposto legal do artigo 639°, § 2° do RA; padecer de inconstitucionalidade e de ilegalidade, por violar o princípio da boa-fé, da proporcionalidade e da igualdade, designadamente por, segundo defende, a liquidação de fazendas demoradas constituir sanção materialmente contra-ordenacional e ainda de violar o artigo 53°, nº 1, articulado com o 49°, nº 1, alínea a), ambos do CÀÑ. A Autora apresenta como pedido subsidiário a submissão por esse Tribunal de várias questões ao Tribunal de Justiça da União Europeia, através do sistema de reenvio prejudicial de interpretação, previsto nc: artigo 267° da TFUE, relacionadas com o artigo VIll do GATT e com os artigos 49°, n° 1. alínea a) e 53°, nº 1, do CAÑ. Conclui pugnando pela procedência da ação, suscitando a questão da submissão da mesma ao TJUE, a título prejudicial na vertente da sua conformidade com as normas do GATT, vinculativas no âmbito comunitário. * Citado par o efeito, o MINISTÉRIO DAS FINANÇAS, na contestação, veio pugnar pela improcedência da presente ação, por não provada, assim se mantendo na ordem jurídica o Despacho n° /2012-XIX DE 02/01/2012 - XIX do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais que confirmou o indeferimento do pedido de anulação do ato de liquidação de Fazendas Demoradas praticado pelo Chefe da Delegação Aduaneira de Sines. Juntou o original do processo administrativo. * Proferido despacho saneador, em 18.03.2021, por este TCA, foi determinado a notificação das partes para apresentação de alegações escritas, tendo o A. e R. apresentado as mesmas, em que reiteram as razões subjacentes aos respetivos articulados. (cfr requerimentos de 26.04.2021(fls.11 a 87 da paginação eletrónica/Sitaf), e de 19.05.2021, (fls.91 a 113 da paginação eletrónica/Sitaf) respetivamente). * II. FUNDAMENTAÇÃOII.1. - DE FACTO Factos Apurados “(texto integral no original; imagem)” - cfr. doc.2, junto com a p.i.; E) Sobre este pedido, e na mesma data, foi exarado despacho do Chefe da Delegação Aduaneira de Sines, no sentido de: “(texto integral no original; imagem)” - cfr. doc.2, junto com a p.i.; F) Em 31.05.2011 deu entrada na Delegação Aduaneira de Sines, um requerimento da Galp energia, informando a origem do erro: “(texto integral no original; imagem)” - cfr. doc.3, junto com a p.i.; G) Em 17.06.2011 foi apresentado o DAU com o nº 20…….., tendo sido então declarado o regime 0700 - livre prática para entreposto fiscal, para os 38 041 916 Kg de gasóleo – facto não controvertido. H) Na mesma DAU foram liquidadas as fazendas demoradas, correspondentes a 5% sobre o valor da mercadoria, no montante de €1.134.737,19, registado com o nº 20……. de 21.06.2011 – facto não controvertido. I) Em 06.07.2011, a Petrogal apresentou junto da Alfândega de Setúbal requerimento registado com o nº 547 a solicitar a prestação de garantia no montante total da liquidação em causa com a finalidade de suspender a execução da liquidação - cfr.doc.5 junto com a p.i.; J) Em 07.07.2011, a Petrogal apresentou junto da Alfândega de Setúbal a Reclamação Graciosa daquele ato de liquidação e requereu a prestação da garantia, nos termos do artigo 69º f) do CPPT, tendo em vista obter o efeito suspensivo até decisão, o que foi autorizado, encontrando-se prestada uma fiança bancária com data de início de 15.07.2011, no montante de €1.134.735.44 - cfr.docs.4 e 5, juntos com a p.i.; L) A Diretora da Alfândega de Setúbal confirmou a manutenção do ato de liquidação de fazendas demoradas, com base na legalidade do ato praticado - cfr. doc.7, junto com a p.i.; M) Convolada oficiosamente a reclamação graciosa em recurso hierárquico, o mesmo viria a ser indeferido pelo Despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais ora impugnado judicialmente - cfr. doc.7 junto com a p.i. * Factos não provados:1º - O gasóleo importado pela Autora foi integralmente afectado aos seus circuitos produtivos através de saídas de entreposto fiscal ocorridas nos dias 15, 17 e 22 de Janeiro de 2011. * Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir. * Motivação da matéria de facto: Assenta a convicção deste Tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e no processo instrutor, não impugnados, referidos a propósito de cada alínea do probatório. O facto não provado resulta da insuficiência de prova do alegado, tanto mais, que foi a própria Autora que em 17.06.2011 apresentou o DAU com o nº 20……, tendo sido então declarado o regime 0700 - livre prática para entreposto fiscal, para os 38 041 916 Kg de gasóleo, admitindo ter decorrido o período de 45 dias previsto no artigo 49º, nº1, alínea a), do Código Aduaneiro Comunitário [alínea G) dos factos provados]. * Mediante a interposição da presente ação administrativa especial, visa a Petrogal obter a anulação do Despacho nº 5/2012 – XIX, proferido pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que negou provimento ao recurso hierárquico em que foi convolada a reclamação graciosa, que, a ora Autora, interpusera do ato de liquidação da taxa de fazendas demoradas, no montante de €1.134.737,19, praticado pelo Chefe da Delegação Aduaneira de Sines, nos termos do artigo 639º § 2º do Regulamento das Alfândegas (RA), por incumprimento do prazo de armazenagem em depósito temporário, previsto no artigo 49º, nº 1, alínea a) do Código Aduaneiro Comunitário (CAC). A Autora apresenta como pedido subsidiário a submissão por este Tribunal de várias questões ao Tribunal de Justiça da União Europeia, através do sistema de reenvio prejudicial de interpretação, previsto no artigo 267º do TFUE, relacionadas com o artigo VIII do GATT e com os artigos 49º nº1 alínea a) e 53º nº 1, do CAC. Flui claramente do probatório fixado que, em 08.01.2011 a Autora recebeu, via marítima e proveniente dos Estados Unidos, granel líquido de gasóleo, o qual foi descarregado para o entreposto fiscal de que a Autora é titular em Sines, e só em 17.06.2011, (portanto, decorrido o período de 45 dias previsto no artigo 49º, nº1, alínea a), do Código Aduaneiro Comunitário), é que foi apresentada a Declaração Aduaneira de Importação para livre prática, tendo a delegação aduaneira de Sines liquidado a “taxa de fazendas demoradas”, correspondente a 5% sobre o valor da mercadoria. Vejamos então. Diga-se antes de, mais, que sobre esta questão, já se pronunciou este Tribunal Central Administrativo Sul, designadamente no seu Acórdão de 16.12.2020, tirado no processo nº 6775/13.0BCLSB e, não existindo razão para dele divergir, bem como por forma a obtermos uma interpretação e aplicação uniformes do direito, em obediência ao artigo 8º do Código Civil, passamos a transcrever, com as devidas adaptações: «Importa em 1º lugar afirmar que os referidos preceitos do R. A.- os mencionados artigos 638.° a 678.° do Regulamento das Alfândegas foram revogados pela Lei n.° 66-B/2012, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2013),sendo que das novéis disposições legais constantes dos artigos 678.°-A a 678.°-T do Regulamento das Alfândegas (doravante RA), do título IV-A, aditado ao livro VI, do mesmo RA, pela referida Lei do OE, resulta, expressamente, da letra do artigos 678.°-A, n.° 1, alínea b), conjugado com o artigo 678.°-B, n.° 1 e n.° 2, que a atribuição de um destino aduaneiro, após o decurso do prazo de sujeição das mercadorias às formalidades destinadas a atribuir-lhes um destino aduaneiro fixado em conformidade com o disposto no artigo 49.° do Código Aduaneiro Comunitário (CAC), está condicionada ao pagamento de um montante correspondente a 5% sobre o valor aduaneiro da mercadorias, sem prejuízo do pagamento de todos os encargos e imposições devidos, salvo se se o interessado se desinteressar de tais mercadorias por abandono, sem que o interessado tenha efectuado um pedido de atribuição de destino, ou quando o destino for o da inutilização da mercadoria ( cfr artigos 678.°-A,,n.° 1, alínea b), 678.°-B, n.° 1, n.° 2 e n.° 3). Daí que, Conforme dispõe o n.° 1 do artigo 678.°-A, decorrido o prazo previsto no artigo 49.° do CAC, que pode ser de quarenta e cinco dias ou de vinte dias consoante se trate de mercadorias chegadas por via marítima ou por outras vias, para sujeição a um destino aduaneiro das mercadorias que tenham sido objecto de uma declaração sumária, constituem mercadorias abandonadas a favor do Estado, a não ser que o interessado, de acordo com o estabelecido no n.° 1 e n.° 2, do artigo 678.°-B, vier requerer, até ao momento da venda, a atribuição de um destino aduaneiro mediante o pagamento dos descritos montantes. De resto, Confrontada a norma do RA que, articulada com o artigo 49.°, n.° 1, alínea a) do CAC, fundamentou a liquidação da taxa de fazendas demoradas, conclui-se que, não obstante a existência desta alteração ao referido RA, não resulta da mesma uma mudança ao regime que já se encontrava definido. Portanto, É legitima a conclusão de que a aplicabilidade das ditas normas do R.A. não se atêm à questão de se tratar de simples armazenagem das mercadorias, mas sim da necessidade de se proceder atempadamente, à atribuição de um destino aduaneiro que obvie à detenção, em interpostos aduaneiros, incerta quanto à respectiva submissão aos direitos aduaneiros devidos- autêntica obrigação “incertus quando”, no brocado latino. As alterações legislativas que ocorreram quanto ao tipo de armazéns ou de locais de depósito temporário de mercadorias não afastam a liquidação e cobrança da taxa de fazendas demoradas, a qual é exigível tanto na redacção vigente à data dos factos, como após a entrada em vigor das alterações introduzidas ao RA pela Lei do OE. É que, As taxas de armazenagem e as taxas de fazendas demoradas, têm natureza jurídica diferente, e podem ser devidas separadamente, independentemente uma da outra. Mais, As taxas que possam ser devidas pela armazenagem das mercadorias, independentemente do seu estatuto aduaneiro, são alheias às atribuições das autoridades aduaneiras. Já no que concerne à dita taxa de fazendas demoradas, Trata-se de “cobrança da taxa administrativa de natureza compulsória “, que se traduz numa percentagem de 5% prevista no artigo 639.°, § 2.° do RA, estabelecida “ad valorem” por se tratar de mercadorias extra-comunitárias mantidas em regime de suspensão de direitos aduaneiros devidos, para lá do prazo máximo previsto na lei para a atribuição de destino aduaneiro à mercadoria. Assim As normas que fundamentaram o acto ora em crise estavam em vigor à data dos factos e ainda que tivessem ocorrido na vigência da redacção actual do RA, sempre estariam em conformidade, quer com o direito interno, quer com o Direito Comunitário/Direito da União Europeia. Quanto à alegação que a aplicação das ditas fazendas demoradas não deveriam ter sido aplicados ao caso concreto porque as mercadorias não se encontravam em regime de hasta pública, requisito indispensável à aplicação do artigo 639.° do Regulamento das Alfândegas, resulta dos factos descritos no processo administrativo, que, tendo a administração aduaneira constatado, em 03.05.2011, que a declaração sumária relativa à contra marca n° 280/2011 se encontrava por apurar, e que o prazo de depósito temporário previsto no artigo 49.° do CAC tinha sido ultrapassado, foi imediatamente instaurado o correspondente processo de fazendas demoradas; e que, instada a Autora a indicar o regime aduaneiro atribuído à mercadoria em causa e a respectiva declaração aduaneira, a mesma apresentou, em 6 de Maio de 2011, a Declaração Aduaneira solicitando a atribuição do regime de Livre Prática e sujeição simultânea em regime de Entreposto Fiscal. Por tal razão, e porque parte da mercadoria já se encontrava a ser utilizada/ transformada pela Petrogal no seu entreposto fiscal, a alfândega concluiu que não seria do interesse da recorrente que a administração aduaneira procedesse à venda da mercadoria, tendo antes sido regularizada a respectiva situação aduaneira.- portanto não pode a A. “venire contra factum próprio”, ao pretender que se procedesse à venda da mercadoria, que, de resto, já não se encontrava na totalidade em “stock”, por ter sido utilizado indevidamente. –daí que se tenha considerado a dita infracção de descaminho, essa sim, de cariz contra-ordenacional.- cfr sobre as duas figuras e no sentido ora pugnado por este Tribunal vd Ac. do STA, de 24.09.2003, proferido no Proc. Nº 24108. Nos termos do artigo 639.° do RA, a administração está vinculada à aplicação da referida taxa “ad valorem”, nem pode graduar a aplicação da medida, antes está obrigada à aplicação da taxa de 5% sobre o valor das mercadorias que excederam o prazo de depósito temporário. Quanto aos alegados princípios constitucionais e legais relativos à boa-fé reportado aos valores fundamentais do direito e da confiança suscitada na A. pela actuação em causa nos autos, não se descortina, face à circunstância de a aplicação da taxa de 5% resultar de um poder vinculado da administração, que não de um poder discricionário, qual a legitima expectativa que poderia o A. acalentar de um outro comportamento por parte do R.. Quanto aos ditos valores fundamentais do direito, assenta a A. nos ditos princípios da proporcionalidade, sendo certo que a jurisprudência comunitária, constitucional e da Instância judicial superior dos TAF, tem vindo a afastar a questão da sua alegada desproporcionalidade, já que tal ponderação implicaria a violação do principio da legalidade, atenta a formulação do artigo 639.° do Regulamento das Alfândegas “As mercadorias despachadas ao abrigo do disposto neste artigo [as demoradas] estão sujeitas ao pagamento de todos os encargos e imposições devidas acrescidos da percentagem de 5% sobre o seu valor”. Para mais resultando do Acórdão de 07.12.2000, Processo n.° C-213/99 do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, que “o artigo 53° [do CAC] não se opõe à aplicação automática, sem notificação prévia, dum processo como o previsto pela legislação portuguesa que prevê a venda das mercadorias demoradas para além dos prazos legais previstos para a declaração de colocação em livre prática ou do pedido de atribuição doutro destino aduaneiro”, cfr., Nuno Aleixo, Pedro Rocha e Ricardo de Deus in Código Aduaneiro Anotado e Comentado, 2007, anotação 3 ao artigo 53.°, pág. 360, Ed. Rei dos Livros, no mesmo sentido se pronunciando o acórdão doutrinal de 06.06.2001 do Supremo Tribunal Administrativo, recurso n.° 23 231. De igual modo o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.° 414/99, de 26.06.99, veio considerar igualmente que “dado que a finalidade da medida é a de promover o respeito dos prazos de desalfandegamento, é manifesto que os operadores económicos que incumpriram esses prazos verão as mercadorias vendidas, com o consequente prejuízo. Porém, a lei admite que possam obviar a tal venda e prejuízo pagando, além das despesas, a referida percentagem”, para concluir pela proporcionalidade e consequente constitucionalidade da medida administrativa compulsória. Por sua vez, o Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão doutrinal de 06.06.2001, aprecia a alegada desproporcionalidade da medida, referindo que é colocado “na disponibilidade do importador o pagamento respectivo, para obter o desálfandegamento e obstar à venda em hasta pública” (derradeira medida consentida pelo artigo 75.° do CAC). E no mesmo sentido, no Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 24.9.2003, Processo n.° 24108,supra mencionado, considerou-se que à taxa de 5% foi atribuída “natureza compulsória, de índole processual ou procedimental, visando promover o normal desenvolvimento do processo de desalfandegamento das mercadorias”. E mais adiante, no mesmo aresto, citando o Acórdão de 19.12.2001, Recurso 23529, do mesmo Supremo Tribunal Administrativo “o operador económico é livre de escolher entre o pagamento dos direitos aduaneiros e da sanção pecuniária compulsória ou deixar ir os bens para venda em hasta pública.” Ora, O produto em causa, com o estatuto de mercadoria em depósito temporário, conservou esse estatuto até lhe ter sido atribuído um destino aduaneiro, nos termos do artigo 50.° do CAC, o que veio a acontecer, por acto voluntário da então reclamante, quando foi apresentada e aceite a declaração para livre prática. A circunstância de estar fisicamente em entreposto fiscal de produção não alterou o referido estatuto, antes o novo estatuto de produto comunitário em suspensão de IEC só foi adquirido após aceitação do DAU em 06.05.2011, data em que já havia passado à situação de mercadoria demorada e, consequentemente, sujeita juridicamente ao regime de venda. Acresce que o artigo 53.° do CAC, norma que, na interpretação comunitária da compatibilidade da taxa de fazendas demoradas com o direito comunitário, constitui a base jurídica que fundamenta o juízo interpretativo da sua conformidade com o direito comunitário, na medida em que permite às autoridades aduaneiras a aplicação de uma medida mais gravosa, a venda, tem por objecto as mercadorias em relação às quais não foram cumpridas as formalidades destinadas a atribuir-lhes um destino aduaneiro nos prazos fixados no artigo 49.° Ora, nos termos dos ditos princípios gerais do direito, “quem permite o mais, permite o menos”, encontrando-se sempre ressalvado o direito do interessado de deixar prosseguir o processo de venda de tais mercadorias Por isso, Toda a jurisprudência produzida, quer comunitária, quer nacional, considera sempre a aplicação da taxa de 5%, tendo-a como proporcional, entre outros motivos, porque o seu pagamento não é obrigatório, antes está dependente de um acto de vontade de quem devia ter cumprido o prazo previsto no artigo 49.°, alínea a) do CAC e não o fez. E esse acto de vontade traduz-se, efetivamente, no caso concreto, pela apresentação do DAU para livre prática. Quanto ao alegado pela Autora relativo à pretensa desconformidade da taxa de fazendas demoradas prevista no § 2º, do artigo 639°, do RA, com a alínea a), do n.° 1, do artigo VIII do GATT, assenta num pressuposto que não se verifica, porquanto a taxa de fazendas demoradas não constitui uma taxa pela prestação de qualquer serviço pelas autoridades aduaneiras, sendo, como sobredito, e jurisprudencialmente se firmou, uma medida administrativa de carácter compulsório. Quanto à dita violação pelo artigo 53.°, n° 1, em articulação com o artigo 49.°, n° 1 alínea a), ambos do CAC, por não respeitar os critérios consagrados no n.° 3 do artigo VIII do GATT, dir-se-á que a mesma se refere a emolumentos e taxas aplicadas no âmbito de serviços prestados, o que, no presente caso é igualmente imprestável para os presentes autos, porque, como também já se mencionou, a taxa de fazendas demoradas não constitui uma taxa pela prestação de qualquer serviço pelas autoridades aduaneiras. Finalmente, quanto à eventual submissão da questão suscitada nos autos ao TJUE, reitera-se aqui expressamente o consignado a seu propósito nas alegações apresentadas pelo R., por se concordar plenamente com o seu conteúdo, que aqui se acolhe e se dá por reproduzido, e do qual consta o seguinte: “… Formulado um pedido de reenvio prejudicial ao abrigo do previsto no artigo 267.° do Tratado de Funcionamento da União Europeia, para o efeito enunciando várias questões, as quais espelham o raciocínio… que atribui, designadamente, natureza sancionatória à taxa de fazendas demoradas, confundindo-a com a coima aplicada no contexto do processo de infracção aduaneira.” E mais adiante refere que, “…Contudo, independentemente do teor das questões formuladas e sua adequabilidade ao caso concreto, importa referir que só os tribunais que julgam em última instância estão obrigados a submeter ao TJUE as questões de interpretação de direito da União Europeia que forem suscitadas no processo, ficando, no entanto, dispensados de efectuar o reenvio quando haja jurisprudência europeia sobre o assunto, a questão for impertinente ou seja clara a interpretação do direito comunitário. Quanto a esta questão, não obstante a extensa jurisprudência, nacional e comunitária, atente-se no Acórdão de 15.09.2005, proferido no Processo C-495/03, ainda com referência ao artigo 234.° do Tratado CE: “(...) no que se refere aos órgãos jurisdicionais nacionais cujas decisões não são susceptíveis de recurso judicial de direito interno, deve recordar-se que o terceiro parágrafo do artigo 234.º CE, na sequência de uma jurisprudência constante, deve ser interpretado no sentido de que tais órgãos jurisdicionais são obrigados a cumprir o seu dever de reenvio sempre que uma questão de direito comunitário neles seja suscitada, a menos que concluam que a questão não é pertinente ou que a disposição comunitária em causa foi já obiecto de uma interpretação por parte do Tribunal de Justiça ou que a correcta aplicação do direito comunitário se impõe com tal evidência que não dá lugar a qualquer dúvida razoável. A verificação desta hipótese deve ser avaliada em função das características próprias do direito comunitário, das dificuldades particulares de que a sua interpretação se reveste e do risco de surgirem divergências jurisprudenciais no interior da Comunidade.(...). (Sublinhado nosso). Assim, além de não estarmos perante um tribunal nacional cuja decisão é insusceptível de recurso, não existem quaisquer dúvidas quanto à interpretação das normas em questão, tendo, as mesmas, já sido objecto de interpretação por parte do Tribunal de Justiça (e pelos tribunais nacionais), pelo que a correcta aplicação do direito comunitário se impõe com tal evidência que não dá lugar a qualquer dúvida razoável.”. Assim, entende-se que carece de fundamento a solicitação dirigida a esta instância judicial para submeter as questões suscitadas nos autos ao TJUE, sendo a mesma rejeitada atento o juízo formulado supra a seu propósito.»Volvendo ao caso concreto, constata-se que, uma vez que já decorrera o prazo de 45 dias que a Autora tinha para sujeitar a mercadoria às formalidades destinadas a atribuir-lhe um destino aduaneiro (artigo 49º, nº1, al.a), do CAC), essa mercadoria fica num estado de abandono, recaindo sobre a Administração Aduaneira o ónus de regularizar a sua situação, designadamente através da venda. Findo aquele prazo, o destinatário da mercadoria só podia proceder ao seu desalfandegamento mediante a sua sujeição à designada “taxa de fazendas demoradas” pelo que, independentemente de a mercadoria se encontrar em entreposto fiscal de que a Autora é titular, ou de a Administração Aduaneira não ter iniciado o procedimento de venda em hasta pública, a referida taxa é sempre devida caso o desalfandegamento seja efetuado decorrido aquele prazo de 45 dias. E a essa conclusão não obsta o facto alegado pela Autora de que a mercadoria já não se encontrava em armazém, pois o que é verdadeiramente determinante é o procedimento de desalfandegamento, que abrange toda a mercadoria sem prejuízo da relevância em sede contraordenacional do comportamento da Autora ao dar-lhe o destino anunciado. Do mesmo modo, também não assiste razão à Autora ao invocar a violação do princípio da proporcionalidade, em termos de necessidade da medida perante o fim visado, pois como operador autorizado e titular de entreposto fiscal tinha perfeito conhecimento das consequências da ultrapassagem do referido prazo de desalfandegamento da mercadoria, motivo pelo qual não se impunha à Administração a concessão de prazo para regularizar a situação, a não ser que o mesmo tivesse sido requerido pela Recorrente, em função de causas justificativas, o que não foi o caso. A Autora alega ainda, que o artigo 639º, §2º do RA, padece de inconstitucionalidade, por violação do princípio da proporcionalidade e da igualdade, em razão da natureza materialmente contraordenacional da sanção, e por se tratar de lei restritiva de Direitos, Liberdades e Garantias (ou direitos análogos) decorrente de se tratar de uma norma que comprime e viola de forma abusiva o direito de propriedade privada, em violação do artigo 18º e 62º da CRP, porque a lei não impõe qualquer limite à fixação em concreto, bem como de o disposto nos artigos 638º e 639º, nº2, do RA, por violação do princípio do Estado de Direito, nos subprincípios da proporcionalidade e proibição do excesso. Sobre a temática em referência aderimos de pleno, à doutrina consagrada no acórdão deste STA de 08/03/2001, proferido no recurso nº 023254 e que se pode consultar em https://dre.pt/application/file/a/4081910 de harmonia com a qual a taxa prevista no §2º do artigo 639º do Regulamento das Alfândegas, “não tem carácter sancionatório, constituindo um condicionamento à utilização da faculdade de dar um destino aduaneiro às mercadorias depois de decorrido o prazo legal, com o que se quer desincentivar o tardio desalfandegamento, sem envolver qualquer juízo de censura sobre a conduta do agente”, sendo que «Mesmo que se entenda estar-se perante uma sanção, será, então, uma sanção de tipo processual, como a jurisprudência a tem qualificado. A distinção reside no objectivo do estabelecimento da sanção, que não é o de censurar o agente por ter deixado decorrer o prazo sem dar destino à mercadoria, o de reagir à violação do valor ou interesse tutelado pala norma que fixa o prazo, mas o de incentivar o tempestivo desalfandegamento por parte dos operadores económicos, de modo a que os procedimentos tenham um regular desenvolvimento, como convém à boa administração, exigindo um sacrifício económico correspondente à permissão da prática de um acto procedimental depois de esgotado o respectivo prazo». Cfr. também nesse sentido os acórdão de 9 de maio de 2001, recurso nº 023383 – disponível em https://dre.pt/application/file/a/4077602; de 19/12/2001, recurso nº 23529 (disponível em https://dre.pt/application/file/a/4064862); de 25/06/1998, recurso nº 020982 (disponível em https://dre.pt/application/file/a/4100473); e de 11/10/1995, recurso nº 016659 (disponível em https://dre.pt/application/file/a/4106217).” Essa constelação jurisprudencial, está em linha com o já referido acórdão do Pleno de 24/09/2003, que outorga à taxa sub judice uma “natureza compulsória, de índole processual ou procedimental, visando promover o normal desenvolvimento do processo de desalfandegamento das mercadorias”, não sendo comparável a sanção pecuniária de natureza contraordenacional. Acresce que, como bem denota o supra referido acórdão deste TCA Sul, no acórdão nº 414/99 (jurisprudência sufragada igualmente nos acórdãos nº 564/2001 e 393/02) o Tribunal Constitucional já afastou o vício de inconstitucionalidade do artigo 639º do RA, por violação do princípio da proporcionalidade, o mesmo acontecendo no mais recente acórdão n.º684/2023 de 12 de outubro de 2023, desse Tribunal Constitucional, onde se escreve: «… 12. O litígio que dá origem ao presente recurso de constitucionalidade enquadra-se na aludida fase das mercadorias demoradas, resultando da liquidação da enunciada percentagem de 5% motivada pela apresentação da declaração aduaneira e definição do regime aduaneiro das mercadorias importadas em momento ulterior ao prazo de 45 dias fixado no artigo 49.º do CAC. Assim, a recorrente visa discutir a constitucionalidade da norma contida no artigo 639.º, § 2.º, do Regulamento das Alfândegas, «interpretado no sentido de permitir que seja aplicada uma percentagem de 5% sobre o valor das mercadorias às quais tenha sido atribuído um destino aduaneiro depois de decorrido o prazo de 45 dias previsto no art.º 49.º, n.º 1, al. a), do Código Aduaneiro Comunitário ("CAC")», por violação «dos princípios da proporcionalidade, proibição do excesso e da igualdade previstos nos art.ºs 2.º,13.º,18.º, n.º 2 e 266.º, n.º 2, da CRP». Deve sublinhar-se que não existe qualquer dúvida quanto à compatibilidade da norma objeto do recurso e o direito da União Europeia. Com efeito, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) já se pronunciou sobre esta mesma questão no Acórdão de 26 de outubro de 1995, SIESSE c. Diretor da Alfândega de Alcântara, proc. C-36/94, ali tendo concluído que o direito da União «não se opõe a que a autoridade aduaneira exija o pagamento de uma importância para além dos direitos aduaneiros e dos eventuais encargos ocasionados pela armazenagem temporária das mercadorias para aceitar uma declaração destinada à sua colocação em livre prática depois de expirados os prazos previstos no artigo 15.º, n.º 1, do mesmo regulamento, na condição de o montante dessa importância ser fixado no respeito do princípio da proporcionalidade e em condições análogas às existentes em direito nacional para infrações da mesma natureza e gravidade. Compete ao tribunal nacional apreciar se o adicional controvertido está conforme com estes princípios» (n.º 25). 13. Tal como expressamente referido pelo tribunal a quo, o Tribunal Constitucional já teve oportunidade de se pronunciar, por diversas vezes, sobre a conformidade constitucional da norma contida no artigo 639.º, § 2.º, do Regulamento das Alfândegas, que prevê e regula a taxa por fazendas demoradas, à luz dos parâmetros invocados pela ora recorrente. Fê-lo nos Acórdãos n.ºs 414/1999, 564/2001 e 393/2002, tendo decidido sempre «não julgar inconstitucional a norma do artigo 639.º, § 2.º, do Regulamento das Alfândegas, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 483-E/88, de 28 de Dezembro». A recorrente defende, porém, que a jurisprudência constitucional citada não é transponível para o seu caso concreto, por desta não decorrer o «esclarecimento total e cabal a todas as dúvidas que a medida em causa coloca na sua concreta aplicação ao caso em apreço». Sustenta, concretamente, que: (i) o Tribunal Constitucional teria partido erradamente do pressuposto de que a situação jurídica das mercadorias demoradas era já a da sua desapropriação a favor do Estado (conclusão k.); (ii) que o Tribunal não se debruçou sobre o problema da automaticidade da medida compulsória, cuja aplicação tem lugar sem qualquer procedimento prévio por parte das autoridades aduaneiras que permita ao dono das mercadorias cumprir com as suas obrigações (conclusão o.); (iii) nem se pronunciou sobre a adequação e a necessidade de ser estabelecido um teto máximo e mínimo para a medida (conclusão u.), tudo levando à violação do princípio da proibição do excesso. Defende ademais que: (iv) a medida não permite diferenciar entre a «gravidade (o atraso de 1 dia no cumprimento de formalidades aduaneiras tem a mesma gravidade que um atraso de 6 meses, ou de 2 anos) ou a censurabilidade (desconsidera o cenário em que exista uma causa para exclusão da culpa do operador económico no atraso desse mesmo cumprimento)» (conclusão y.). Já no que respeita ao princípio da igualdade, entende a recorrente que o recurso a uma taxa fixa sobre o valor das mercadorias conduz ao pagamento de «montantes muito díspares entre importadores que se encontrem na mesma situação, sem que exista propriamente uma razão justificativa para tratar de forma diferente situações que são objetivamente iguais» (conclusão ii.). Não tem razão, quanto a qualquer um dos argumentos formulados. Vejamos. 14. Em primeiro lugar, importa definir a natureza desta imposição pecuniária, recorrentemente apelidada de taxa por fazendas demoradas. Em causa está a aplicação de uma percentagem de 5% — uma taxa ad valorem — sobre o valor da mercadoria tardiamente desalfandegada, havendo que saber se é possível reconhecer-se a tal imposição caráter contraordenacional, que convoque as garantias constitucionais dos arguidos em processo sancionatório, decorrentes do n.º 10 do artigo 32.º da Constituição. Como resulta do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 483-E/88 —– que, ao introduzir a enunciada percentagem no ordenamento jurídico nacional, declara a intenção de promover uma maior celeridade do procedimento de resgate de mercadorias que ultrapassem os prazos legais de armazenagem (vide ponto 11.1 supra) —, e tal como sublinhado nos Acórdãos n.ºs 414/1999, 564/2001 e 393/2002, a taxa por fazendas demoradas tem a natureza de medida administrativa compulsória, «cuja finalidade é a de promover o respeito dos prazos de desalfandegamento de mercadorias por parte dos operadores económicos» (Acórdão n.º 414/1999), surgindo como «alternativa à venda em hasta pública das mercadorias armazenadas» (Acórdão n.º 393/2002). Nas palavras do Tribunal Constitucional: «[v]isa-se, assim, o desalfandegamento célere das mercadorias e a fixação de um destino para os bens armazenados que não são desalfandegados (evitando-se desse modo a eternização do armazenamento)» (Acórdão n.º 393/2002). Ora, ao contrário do que alega a recorrente, a taxa por fazendas demoradas não consubstancia uma sanção penal, contraordenacional, administrativa ou disciplinar; nem está em causa qualquer processo sancionatório a que se refere no n.º 10 do artigo 32.º da Constituição. A premissa decisiva para esta conclusão reside na circunstância de, como se disse no Acórdão n.º 393/2002, a taxa de fazendas demoradas consubstanciar uma alternativa à venda em hasta pública — o que explica, de resto, a sua integração num capítulo do Regulamento das Alfândegas especificamente dedicado à regulação da venda em hasta pública. Com efeito, a taxa é devida apenas nos casos em que o dono da mercadoria a pretender resgatar, atribuindo-lhe, ainda que tardiamente, um destino aduaneiro; caso decida não empreender tal ato de despacho, uma vez concretizada a sua venda, ao produto da arrematação – passível de reclamação pelo dono da mercadoria no prazo de um mês – apenas são deduzidos «os recursos próprios comunitários, os direitos aduaneiros nacionais e outras imposições», não havendo qualquer menção no artigo 675.º, § 2.º, do Regulamento das Alfândegas, à dedução de qualquer taxa adicional. Ora, a ser uma sanção, sempre seria devida, porquanto estaria em causa penalizar um comportamento de incumprimento já perpetrado. Mas não é assim: a taxa de fazendas demoradas apenas é paga em alternativa à venda em hasta pública, e o seu valor agrava-se com o decurso do tempo (concretamente decorridos os 6 meses de armazenagem, passando para 10%), incentivando os operadores ao cumprimento da tramitação aduaneira. A finalidade declarada pelo legislador e estrutura da medida deixam claro que não se pretende sancionar os operadores económicos; antes, visa assegurar a tramitação sem entraves do procedimento de desalfandegamento de mercadorias. Trata-se, pois, de uma medida de ordenação ou de conformação processual, que tem por finalidade incentivar o comportamento dos operadores quanto às formalidades legais do processo aduaneiro no sentido da célere tramitação do procedimento aduaneiro de desalfandegamento, encarecendo o custo da importação quando aquele não flua nos tempos estabelecidos. Constitui, deste modo, um ónus jurídico associado ao entorpecimento do procedimento alfandegário, de que o importador se pode eximir ao concluir a tramitação da importação nos prazos fixados pelo CAC. O que resulta especialmente notório no confronto das disposições constantes dos artigos 639.º, § 2.º e 638.º, § 5.º, do Regulamento das Alfândegas, cujo efeito jurídico é o agravamento da taxa ad valorem a pagar ao fim de 6 meses. De resto, a conformidade constitucional de figuras afins vem sendo afirmada pelo Tribunal Constitucional. É o que sucede com a “multa” a que se referem os n.ºs 5 e 7 do artigo 145.º do Código de Processo Civil: também aí, face ao esgotamento do prazo processual pelo interessado, lhe é conferida uma alternativa ao efeito jurídico daí proveniente (ali, a caducidade do direito a praticar o ato processual; aqui, a venda em hasta pública das mercadorias) mediante o pagamento de uma importância pecuniária. Sem que o Tribunal Constitucional houvesse concluído pela necessidade de defesa prévia do interessado que decide pagar aquela importância (cfr. Acórdãos n.ºs 17/91, 37/99, 356/2007 e 10/2009). Deste modo, dúvidas não restam que se trata de regime não abrangido pelo disposto no n.º 10 do artigo 32.º, inerentes a um processo sancionatório. Como se concluiu no Acórdão n.º 393/2002, a taxa não consubstancia qualquer penalidade — sendo, antes, uma medida de incentivo à célere conclusão dos trâmites alfandegários, materializada em um ónus associado à possibilidade de, em alternativa à venda em hasta pública, dar destino tardio às mercadorias. 5. Importa, pois, apreciar se — tal como alegado pela recorrente — a norma fiscalizada estabelece um ónus manifestamente desproporcionado pelo exercício do desalfandegamento tardio das mercadorias. A matéria foi especificamente ponderada no Acórdão n.º 414/99 (para o qual remeteram os Acórdãos n.ºs 564/2001 e 393/2002), ali se escrevendo o seguinte: «A atuação da Administração está efetivamente vinculada à observância do princípio da proporcionalidade, de modo particularmente relevante no âmbito do desenvolvimento de uma atividade discricionária, da qual constitui um dos limites jurídicos (artigo 266º, n.º 2 da Constituição e artigo 5º, n.º 2 do Código de Procedimento Administrativo). O princípio da proporcionalidade impõe que exista uma adequação não só entre o fim da lei e o fim do ato como entre o fim da lei e os meios escolhidos para alcançar tal fim. A adequação terá ainda de manter-se entre as circunstâncias de facto que ocasionam o ato e as medidas que vierem a ser efetivamente tomadas. A proporcionalidade abrange assim não só a congruência, adequação ou idoneidade do meio ou medida para realizar o fim que a lei propõe como também a proibição do excesso. Admitindo que no caso em apreço se está no domínio de intervenção do princípio da proporcionalidade, a fixação de uma percentagem fixa de 5% sobre o valor das mercadorias em causa, já sujeitas ao regime de venda em hasta pública, é medida adequada e idónea para realizar o fim da lei – a liberação das mercadorias do referido regime – passando-as de novo à livre prática? A resposta é indubitavelmente afirmativa: num momento em que o fim das mercadorias é a sua venda pública, com a consequente perda para o respetivo dono, pode este desembaraçar a mercadoria pagando o quantitativo fixado legalmente. Este quantitativo tem o seu valor pré-fixado na lei, dependendo o quantitativo a desembolsar de mera operação aritmética de acordo com o valor declarado das mercadorias. Dado que a finalidade da medida é a de promover o respeito dos prazos de desalfandegamento, é manifesto que os operadores económicos que incumpriram esses prazos verão as mercadorias ser vendidas, com o consequente prejuízo. Porém, a lei admite que possam obviar a tal venda e prejuízo pagando além das despesas a referida percentagem. O valor da quantia a pagar depende do valor das próprias mercadorias, e a opção, entre o seu pagamento ou não, está na disponibilidade do respetivo dono, dependendo apenas de sua vontade em dispor das mercadorias, pois a administração, feito o pedido de despacho, está obrigada a desembaraçar as mercadorias. Não existe, assim, no caso em apreço uma situação relativamente à qual se possa afirmar que a estipulação da medida administrativa compulsória em causa seja intoleravelmente desproporcionada ou exorbitante e, por isso, seja constitucionalmente inadmissível.» É esta jurisprudência que importa reiterar: a norma extraída do artigo 639.º, §2.º, do Regulamento das Alfândegas, que determina o pagamento de uma percentagem de 5% sobre o valor da mercadoria pelo seu desalfandegamento tardio, não pode considerar-se desproporcionada, em face dos objetivos que pretende alcançar. A imposição de uma percentagem (5% do valor da mercadoria importada) sobre o valor aduaneiro da mercadoria – tal como uniformemente calculado nos termos do Capítulo 3, do Título II, do CAC – assegura uma proporção entre o montante devido e o valor das próprias mercadorias importadas: quanto maior o valor da mercadoria, maior o custo do seu desembaraço tardio, incentivando de forma uniforme o desalfandegamento nos tempos legalmente estatuídos. Numa estrutura em tudo semelhante, aliás, à da própria PAC, que prevê, na sua maioria, direitos aduaneiros calculados através de taxas ad valorem. 15.1. A recorrente alega, procurando demonstrar a violação do princípio da proibição do excesso, que a irrelevância da natureza privada (não pública) das instalações alfandegárias ocupadas; a desconsideração da medida da culpa, do número de dias em atraso e a ausência de teto máximo do valor a pagar, levou a que no seu caso concreto tivesse sido fixado um valor em dívida, a título de fazendas demoradas, que ascende a mais de 3 milhões de euros (cfr. conclusão v.), o que seria, no seu entender, um valor exorbitante e manifestamente desproporcional (cfr. conclusão z). Defende ainda que o princípio da igualdade resulta violado pela circunstância de a taxa ad valorem originar «montantes muito díspares entre importadores que se encontrem na mesma situação, sem que exista propriamente uma razão justificativa para tratar de forma diferente situações que são objetivamente iguais» (conclusão ii.). A este propósito importa, em primeiro lugar, sublinhar que o Tribunal Constitucional tem os seus poderes de cognição limitados à norma que fixa uma taxa de 5% sobre o valor da mercadoria pelo seu resgate. A questão que se põe é a de saber se a sua aplicação pode implicar um valor de tal forma elevado que se haja de concluir pela desproporcionalidade da regra jurídica em crise. No caso dos autos, a taxa de 5% do valor da mercadoria — que ascende a mais de 67 milhões de euros — ascende, pois, a mais de 3 milhões de euros, o que a recorrente considera um valor exorbitante e manifestamente desproporcional. Não tem razão. A mobilização da norma não infirma — mas antes confirma — o juízo a que se chegou quanto à proporcionalidade da restrição. Com efeito, quanto maior o valor da mercadoria importada, mais elevado haverá de ser o valor do ónus associado, enquanto condição da eficácia do incentivo à sua célere tramitação. Não pode afirmar-se que a situação de uma mercadoria demorada de valor igual a escassas centenas ou dezenas de euros seja – como afirma a recorrente – objetivamente igual à situação de uma mercadoria demorada cujo valor ascenda a vários milhões de euros: por hipótese, uma mesma imposição com um valor fixo de 100 € teria um impacto preponderante nas obrigações aduaneiras do dono de uma mercadoria demorada com o valor bagatelar (desincentivando o resgate tardio e contribuindo para a opção do seu abandono) e um efeito praticamente insignificante na conduta do dono de uma mercadoria demorada com um valor igual a largos milhões de euros (perdendo-se, deste modo, o efeito de incentivo ao rápido desalfandegamento). Pode mesmo dizer-se que a aplicação de uma medida às duas situações com o mesmo valor é que poderia gerar um tratamento desigual dos operadores e conduzir, simultaneamente, à ineficácia do fim que se pretende atingir. Em consonância, e ao contrário do sustentado pela recorrente na conclusão ff. das suas alegações de recurso, não transgride a Constituição a opção legislativa de não fixar um valor máximo pelo resgate tardio — construindo a medida como uma pura taxa ad valorem. Com efeito, a sua eventual estatuição poderia implicar que o efeito incentivador da célere tramitação alfandegária fosse progressivamente perdendo expressão. Não sendo mobilizável nesta sede a jurisprudência constitucional que censura a inexistência de limites máximos em valores a pagar em tributos sinalagmáticos devidos pela prestação de um serviço constitucionalmente garantido (o acesso ao direito e a tutela jurisdicional efetiva) — Acórdãos n.ºs 361/2015, 803/2017, e 297/2018. Conclui-se, assim, reiterando a jurisprudência vertida nos Acórdãos n.ºs 414/1999, 564/2001 e 393/2002, que a opção por um mecanismo compulsório assente numa taxa ad valorem e sem limite máximo não implica a violação do princípio da proporcionalidade – em qualquer das suas dimensões –, nem do princípio da igualdade. Antes assegura uma relação de correspetividade constante entre o valor da mercadoria e o valor a pagar, assegurando, nessa medida, a sua própria eficiência, mantendo-se o incentivo ao cumprimento da tramitação aduaneira quanto a todos os operadores económicos. Incentivo este que, ao contrário do alegado pela recorrente, não depende da natureza pública ou privada da estância aduaneira. Como se demonstrou no ponto 14. supra, as finalidades da medida respeitam ao procedimento aduaneiro, independentemente do local de depósito das mercadorias. 15.2. Por outro lado, sustenta ainda a recorrente que a tese consagrada no Acórdão n.º 414/1999, favorável à proporcionalidade da medida enquanto alternativa à concretização da venda em hasta pública, só procederia se se tratasse de uma mercadoria abandonada, i.e., implicando o pagamento da percentagem de 5% o resgate de um direito de propriedade extinto (conclusões k., l., e m.). Ora, após o decurso do prazo fixado no artigo 49.º do CAC, as mercadorias consideram-se demoradas (artigo 638.º, n.º 1 e 639.º, do Regulamento das Alfândegas), só adquirindo o estatuto de mercadorias abandonadas com o decurso do período de 6 meses, contados daquela data (artigo 639.º, § 2.º, do Regulamento das Alfândegas). Não tem razão.” Em consequência, o Tribunal Constitucional decidiu não julgar inconstitucional a norma apreciada. Nos presentes autos seguir-se-á tal entendimento, por desnecessidade de maior delonga, remetendo-se, no essencial, para a fundamentação citada. * A Autora pede o reenvio dos mesmos ao TJUE. Saliente-se que, no âmbito do referido processo nº 6775/13.0BCLSB, foi proferido acórdão pelo STA a 17.07.2022, no qual se determinou o reenvio prejudicial desse processo ao TJUE, em conformidade com o requerido pela Petrogal. Por decisão do TJUE - proc.º n.º C-706/21, de 01.06.2022, “O pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), por Decisão de 27 de outubro de 2021, é manifestamente inadmissível”. Na sequência da decisão do TJUE, o STA veio a proferir um novo acórdão em 27.10.2022, no qual entendeu que: “Nesta sequência, se é certo que a aludida decisão aponta que o órgão jurisdicional de reenvio conserva a possibilidade de apresentar um novo pedido de decisão prejudicial fornecendo ao Tribunal de Justiça todos os elementos que permitam a este decidir, não é menos certo que, nos fundamentos da sua decisão, o TJUE acaba por descortinar que o Acórdão de 7 de Dezembro de 2000, de Andrade (C-213/99) se inscreve num contexto jurídico comparável ao do presente processo, uma vez que diz respeito à conformidade, tendo em conta o direito da União, das mesmas disposições de direito português. A partir daqui, perante a realidade em equação nos autos, cremos que os elementos apontados nos autos colhem aqui matéria bastante para avançar com a apreciação do presente recurso, dado que, não houve alteração da norma descrita, o que inculca a ideia de que o TJUE voltaria a reafirmar o já exposto no Acórdão de 7 de Dezembro de 2000, de modo que, não se justifica utilizar a faculdade antes apontada pelo TJUE, até porque em relação à matéria que transcendia o referido Acórdão, o TJUE utiliza uma justificação, que tem de aceitar-se, mas que é altamente discutível no plano metodológico, dado que, em lugar de proceder à análise pretendida no sentido de habilitar o órgão jurisdicional de reenvio com a ferramenta interpretativa necessária para a decisão da matéria em apreço, aparenta reclamar uma definição prévia da situação a confirmar ou infirmar em função do que vier a ser decidido por aquele Tribunal.” Na senda do entendimento do STA prolatado no referido Acórdão, também nós consideramos não existir necessidade de determinou o reenvio prejudicial dos presentes autos ao TJUE. * Destarte, improcedem as pretensões da Autora. * III. DECISÃO Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste Tribunal Central Administrativo Sul em considerar improcedente a ação intentada pela Autora, sendo confirmada a decisão controvertida que indeferiu o requerimento no sentido de anulação do ato de liquidação da taxa de fazendas demoradas, o qual se mantém na ordem jurídica. Custas pela Autora. * Notifique. Lisboa, 5 de junho de 2025. ---------------------------------- [Maria da Luz Cardoso] ---------------------------------- [Cristina Coelho da Silva] ------------------------------ [Teresa Costa Alemão] |