Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:26/09.9 BEBJA-A
Secção:CT
Data do Acordão:03/15/2023
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:EXECUÇÃO DE JULGADOS
DÉFICE INSTRUTÓRIO
ANULAÇÃO DA SENTENÇA E AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário:I - O circunstancialismo de facto avançado pela Recorrente não tem o menor reflexo no probatório e, muito menos, tem a factualidade exposta pelo Recorrido. O mesmo se diga do julgamento de direito, o qual não tem pressuposto o quadro factual apontado pelas partes.

II – Perante tal falta de elementos, tal deveria ter levado o tribunal a quo a instruir oficiosamente os autos de modo a esclarecer cabalmente os contornos da situação deste contribuinte, tendo presente que a lei determina que os créditos do executado resultantes de reembolso, revisão oficiosa, reclamação ou impugnação judicial de qualquer ato tributário são aplicados na compensação das suas dívidas cobradas pela administração tributária, exceto se estiver a correr prazo para interposição de reclamação graciosa, recurso hierárquico, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição à execução ou se estiver pendente qualquer destes meios graciosos ou judiciais ou se estiver a dívida a ser paga em prestações, desde que a dívida exequenda se mostre garantida nos termos do artigo 169.º do CPPT.

III - Tal insuficiência resolve-se, no caso, através da anulação da sentença, a fim de que a matéria de facto seja ampliada, em ordem a posteriormente, e já com os factos aditados, decidir sobre a execução do julgado, o reembolso de imposto peticionado e demais pedidos, no quadro legal aplicável.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

Luís …………………………… veio requerer junto do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Beja e por apenso ao processo de impugnação judicial nº29/09.9BEBJA, a execução da sentença ali proferida em 27/11/19, já transitada julgado, peticionando a condenação da Fazenda Pública a pagar, no prazo máximo de 2 meses, a quantia de €72.351.71€, a título de reembolso do imposto pago relativamente à liquidação anulada e dos juros indemnizatórios devidos nos termos do artigo 43º da LGT, acrescida de juros de mora, calculados sobre a totalidade da quantia em dívida e até integral cumprimento, se o pagamento não for efectuado no prazo máximo fixado.

Por sentença de 11/03/22, o referido Tribunal julgou a ação procedente e condenou a “Autoridade Tributária e Aduaneira a, no prazo de sessenta dias, proceder: a) à restituição do valor de IRC indevidamente pago que ainda está em falta no montante de 49.136,76 €; b) ao pagamento de juros indemnizatórios contabilizados desde 01/06/2016 até 05/05/2020, à taxa de 4%, calculado sobre o valor de 234.662,30 €; c) ao pagamento de juros moratórios calculados desde 05/05/2021, até ao momento da elaboração da nota de crédito, à taxa de 9,41 %, sob o valor de 234.662,30 €.”

Inconformada com o assim decidido, Fazenda Pública, apelou para este Tribunal Central Administrativo Sul tendo, na sua alegação, apresentado a seguinte e única conclusão:


«17.º

Face ao exposto, por força da lei, a AT não pode atuar de forma diferente, no que respeita aos créditos do Estado, uma vez que o exequente mantém dívidas para com a executada, ora recorrente.

Nestes termos e nos demais de direito aplicável que esse Tribunal doutamente suprirá, se solicita que esse Digno Tribunal conceda provimento ao presente recurso e a sentença, ora recorrida, ser revogada na parte que ordena a restituição dos valores penhorados, parte deles aplicados em processos executivos cuja reversão se mantém em discussão judicialmente


*

O recorrido, contra-alegou, concluindo assim:

«A. A Digníssima Representante da Fazenda Pública não se conformando com a sentença, aliás douta, da Meritíssima Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, proferida nos presentes autos, a 11 de março de 2022, que julgou procedente a execução de julgados apresentada pelo Recorrido para efeitos de condenação da AT no pagamento do remanescente do imposto que pagou relativamente à liquidação de IRC que foi anulada no processo principal, no montante de €49.136,76 (quarenta e nove mil, cento e trinta e seis euros e setenta e seis cêntimos) interpôs dela recurso para este Venerando Tribunal.

B. Com efeito, o motivo do desentendimento da Ilustre Representante da Fazenda Pública com o desiderato da sentença Recorrido, prende-se com o entendimento que propugna no sentido de que o valor a restituir deve constituir crédito no âmbito do processo de execução fiscal nº ……………….127 e apensos, e aí ser aplicado para efeitos de garantia,

C. ... em virtude de o mesmo se encontrar pendente, sem embargo da oposição judicial de que é objeto, a qual corre termos no âmbito do processo n. 2523/14.4BEBJA junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja.

D. Não pode o Recorrido concordar e aceitar a posição da Ilustre Representante da Fazenda Pública, em virtude de não ser legítimo que a AT mantinha cativo o montante de € 49.136,76, quando a suposta dívida exequenda do processo de execução fiscal nº …………….127 e apensos - a que a Ilustre RFP se refere - é de apenas € 6.099,15 (seis mil, noventa e nove euros e quinze cêntimos), reportada à liquidação do IMI dos anos de 2006 a 2008, facto que não é posto em causa pela Ilustre Representante da Fazenda Pública.

E. De mencionar que o processo de execução fiscal n.s ……………….127 e apensos, revertido contra o aqui Recorrido, na qualidade de responsável subsidiário, procede(u) à cobrança coerciva do montante global de € 141.782,48 (cento e quarenta e um mil, setecentos e oitenta e dois euros e quarenta e oito cêntimos) com referência aos seguintes impostos:

a) Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) dos anos de 2006, 2007 e 2008, no montante de €6.099,15;

b) Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) dos períodos de 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011,2012 e 2013, no montante de € 11.150,55;

c) Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) do exercício de 2006, no montante de € 124.622,78.

F. Relativamente aos quais, o aqui Recorrido reagiu judicialmente, enquanto revertido, sendo que:

i. Apresentou uma Oposição judicial quanto ao IMI de 2006 a 2008, (€ 6.099,15) que se encontra em apreciação judicial no âmbito do processo n.º523/14.4BEBJA junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja;

ii. Apresentou uma impugnação judicial contra a liquidação de IVA dos anos de 2006 a 2012, (€ 11.150,55) a qual correu termos âmbito do processo nº38/15.3BEBJA junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, e relativamente à qual foi proferida sentença, datada de 13.12.2021, já transitada em julgado;

iii. Apresentou uma impugnação judicial contra a liquidação de IRC do exercício de 2006, (€ 124.622,78) a qual correu termos âmbito do processo nº39/15.1BEBJA que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, e relativamente à qual foi proferida sentença, datada de 20.03.2020, já transitada em julgado;

G. Ora, não se compreende por que razão entende a Ilustre RFP que deve manter cativo na sua esfera o remanescente do imposto pago indevidamente pelo Recorrido, no montante de €49.136,76, sem contar com os juros indemnizatórios, ainda, não restituídos sobre o valor total pago pelo contribuinte, para fazer face a um imposto, alegadamente em dívida, de € 6.099,15. O qual sublinhe-se encontra-se em apreciação judicial, através da Oposição que corre termos sob o nº de processo 523/14.4BEBJA no âmbito do qual se discute a (i)legitimidade do aqui Recorrido.

H. Mais, não prova, nem demonstra, a Ilustre Representante da Fazenda Pública a necessidade de manter cativa a verba que a AT foi condenada a pagar, no âmbito de diversas decisões judiciais proferidas relativamente ao aqui Recorrido, todas com obtenção de ganho de causa, quando, apenas, falta decidir o destino de € 6.099,15. Acresce que o Estado incorre em juros de mora pelo atraso na execução da sentença cuja contagem este recurso não suspende.

I. Salvo o devido respeito que é muito, não se logra ver qualquer sentido nessa posição mais não seja, porque revela uma total desproporção e excesso, em clara e manifesta violação do disposto no artigo 217º do CPPT, bem como dos princípios constitucionais da proporcionalidade, previstos no n.º2 do artigo 266º da Constituição da República Portuguesa, e artigo 1° do Código de Procedimento Administrativo.

J. Entende o Recorrido que a sentença andou bem, quando determinou a restituição do valor do IRC indevidamente pago que ainda se encontra em falta no montante de € 49.136,76, bem como, o pagamento dos juros indemnizatórios e moratórios que a AT ainda não promoveu.

K. Sentido este a que a Mma Juiz a quo chegou suportada na correta interpretação da Lei, da prova carreada para os autos e do bom senso e razoabilidade, não sendo por isso, merecedora de qualquer censura ou crítica.

L. Salvo o devido respeito por opinião diversa, entende o ora Recorrido que não assiste razão à Recorrente nas alegações que apresentou, dado que a Mma Juiz a quo não cometeu qualquer erro de julgamento, nem claudicou a sentença Recorrido na apreciação da matéria de facto e de direito.

M. Segundo entende firmemente o ora Recorrido, deverá ser este último entendimento -e não o sustentado nas alegações de recurso - que deverá ser sancionado por este Venerando Tribunal, no sentido da manutenção da sentença Recorrido.

Termos em que não deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, mantida a decisão Recorrido no sentido da procedência da acção de execução de julgados apresentada.

CONFORME É DE INTEIRA E COSTUMADA JUSTIÇA


*

O Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, aderindo ao parecer e sentença proferidos em 1ª instância.
*

Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.



*

II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«A) Em data não apurada foi emitida a nota de liquidação com o nº 0015749, relativa a IRC do exercício de 2005, no valor de 202.626,59€, da sociedade comercial “F………….. & S…….., Investimentos …………….., Lda” - cfr. documento n.º 1 junto com o requerimento inicial;

B) A sociedade comercial em questão não procedeu ao pagamento da referida liquidação – cfr. informação oficial junta de fls. 116 a 128;

C) Em data não determinada foi instaurado no Serviço de Finanças de Évora o processo de execução fiscal com o nº ………………..877 com vista à cobrança coerciva daquele montante liquidado - cfr. informação oficial junta de fls. 116 a 128;

D) Atenta a impossibilidade de satisfação da dívida, pelo devedor originário, preparou o órgão de execução fiscal o processo para reversão contra o ora exequente, Luís Filipe Guedes Salgado - cfr. informação oficial junta de fls. 116 a 128;

E) Vindo a ser efetivamente revertida a execução fiscal antes mencionada contra o Exequente - cfr. informação oficial junta de fls. 116 a 128;

F) Neste âmbito o Exequente procedeu aos seguintes pagamentos:
-penhoras nos montantes, respetivamente, de 34.135,89 € e 3.935,65 € – cfr. doc. nº 1 junto com o ri;
-o reembolso de IRS:
-referente ao ano de 2016 no montante de 1.173,51 € - cfr. doc. nº 2 junto com o ri;
-referente ao ano de 2017 no montante de 1.379,90 € - cfr. doc. nº 3 junto com o ri;
-referente ao ano de 2018, no montante de 1.877,62 € - cfr. doc. nº 4 junto com o ri;
-pagamento, em 01/06/2016, por via de cheque com o nº 8200210905, da conta nº5000001193 do Banco Santander Totta, no montante de 193.333,33 € - cfr. doc. nº 5 junto com o ri e informação oficial junta de fls. 116 a 128;

G) Assim perfazendo o pagamento do montante de 234.662,36 € - cfr. docs. nºs 2, 3, 4 e 5 juntos com o ri;

H) Em 22/01/2009, o Exequente deduziu impugnação judicial contra a liquidação identificada na alínea A), a qual correu termos sob o n.º 26/09.9 BEBJA no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja - cfr. doc. nº 6 junto com o ri;

I) Em 22/11/2019, no âmbito do processo identificado na alínea que antecede, foi proferida decisão nos termos da qual:
III- DECISÃO
10.
Em consequência do exposto, julga-se a impugnação procedente, anulando-se a liquidação impugnada.
- cfr. doc. nº 6 junto com o ri;
J) A decisão ora transcrita transitou em julgado em 13/01/2020 – cfr. doc. nº 6 junto com o ri;
K) Em 17/11/2020 a Autoridade Tributária a Aduaneira transferiu para a conta bancária do Exequente, a título de quantia a restituir no âmbito do processo de execução fiscal nº ………………..877, o valor de 185.525,44 €- cfr. doc. nº 7 e informação oficial junta de fls. 116 a 128;
L) Na presente data encontra-se pendente processo de execução fiscal com o nº ………………127, no Serviço de Finanças de Évora, ao qual se encontram apensos diversos outros processos entretanto instaurados contra a mesma sociedade comercial antes citada, e que foram globalmente revertidos com o aqui Exequente, encontrando-se em cobrança nos mesmos o valor global de 230.330,16 €- cfr. informação oficial junta de fls. 116 a 128;
M) A diferença de 49.136,76 € encontrada na subtração do valor de 234.662,30 € pago pelo Exequente, no processo com o nº ……………….877, ao valor restituído pela Executada de 185.525,44 €, foi aplicada por esta nos demais processos executivos pendentes, e referidos na alínea que antecede esta - cfr. informação oficial junta de fls. 116 a 128;
N) O pedido de análise de pagamento de juros indemnizatórios efetuado junto da Executada pelo Serviço de finanças de Évora não foi concretizado - cfr. informação oficial junta de fls. 116 a 128;
O) Em 26/02/2021, o Exequente apresentou a presente ação de execução no âmbito do qual requereu:

5.1.
FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram quaisquer outros factos, com relevância para a decisão da causa.
6.
MOTIVAÇÃO
A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.»


*

- De Direito

A presente execução de julgados foi, em 1ª instância, julgada totalmente procedente, tendo a ATA sido condenada nos termos expostos supra, ou seja, não apenas à restituição do imposto indevidamente pago, no montante de € 49.136,76, mas também ao pagamento de juros indemnizatórios contabilizados desde 01/06/16 até 05/05/20, à taxa de 4%, calculados sobre o valor de €234.662,30 e, bem assim, ao pagamento de juros moratórios calculados desde 05/05/21 e até ao momento da elaboração da nota de crédito, à taxa de 9,41 %, sob o valor de €234.662,30.

Nas suas alegações de recurso, resumidas numa parca conclusão, a Recorrente defende não haver lugar à restituição dos apontados € 49.136,76, já que o Recorrido mantém dívidas para com a entidade demandada - leia-se, aqui, a Recorrente - pelo que a ATA, nos termos da lei, não poderia ter atuado diferentemente daquilo que fez. Está aqui naturalmente pressuposta a invocação do artigo 89º do CPPT, preceito este que se reporta à compensação de dívidas de tributos por iniciativa da administração tributária e que no seu nº 1 estabelece que “os créditos do executado resultantes de reembolso, revisão oficiosa, reclamação ou impugnação judicial de qualquer acto tributário são aplicados na compensação das suas dívidas cobradas pela administração tributária”.

Com efeito, lê-se no corpo das alegações, além do mais, que “o referido valor de €49.136,76 foi devidamente aplicado no âmbito do PEF …………….127 e apensos, por força do artigo 89.º da Lei Geral tributária” (a referência à LGT é um lapso manifesto, já que se pretendia necessariamente mencionar o CPPT). Mais se esclarece que em “sede do referido PEF 0914200701032127 e apensos, foi o Exequente revertido por força do artigo 159.º do CPPT, e a oposição apresentada, a correr termos no TAF de Beja”, ainda não se mostra decidida. De acordo com a Recorrente, o apontando montante foi aplicado no PEF ……………..127 e apensos, o qual não se encontra suspenso com garantia prestada para esse efeito.

Contestando esta posição, ao menos na parte que excede € 6.099,15, defende o Recorrido que “não é legítimo que a AT mantenha cativo o montante de € 49.136,76, quando a suposta dívida exequenda do processo de execução fiscal nº …………………127 e apensos - a que a Ilustre RFP se refere - é de apenas € 6.099,15 (…), reportada à liquidação do IMI dos anos de 2006 a 2008…”. Detalhando, o Recorrido põe em evidência o seguinte:

- o processo de execução fiscal n.º …………….127 e apensos, revertido contra o aqui Recorrido, na qualidade de responsável subsidiário, procede(u) à cobrança coerciva do montante global de € 141.782,48, com referência a (i) IMI dos anos de 2006, 2007 e 2008, no montante de €6.099,15; (ii) IVA dos períodos de 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011,2012 e 2013, no montante de € 11.150,55; (iii) IRC do exercício de 2006, no montante de € 124.622,78,

- relativamente aos quais, o Recorrido reagiu judicialmente, enquanto revertido, tendo apresentado oposição judicial quanto ao IMI de 2006 a 2008, (€ 6.099,15) que se encontra em apreciação judicial no âmbito do processo n.º 523/14.4BEBJA junto do TAF de Beja; tendo deduzido impugnação contra a liquidação de IVA dos anos de 2006 a 2012 (€ 11.150,55), a qual correu termos âmbito do processo nº38/15.3BEBJA junto do TAF de Beja, no qual foi proferida sentença já transitada em julgado; deduziu ainda impugnação judicial contra a liquidação de IRC do exercício de 2006 (€ 124.622,78), a qual correu termos âmbito do processo nº39/15.1BEBJA, no TAF de Beja, e relativamente à qual foi proferida sentença já transitada em julgado.

Antes de avançarmos, vejamos o que foi o percurso argumentativo alinhado na sentença. Aí se lê, naquilo que para aqui importa, o seguinte:

“(…)

Através da presente execução veio o Exequente peticionar o cumprimento da decisão judicial transitada em julgado e proferida no processo principal a este e que lhe foi favorável no sentido por si propugnado, ou seja, determinando a anulação da liquidação que vinha impugnada, a restituição do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios e de mora.

Preteritamente à apresentação da presente ação a Entidade Executada havia concretizado a restituição de montante equivalente a 185.525,44 €, tendo-lhe sido comunicado referir-se ao processo de execução fiscal nº 09142007010173877.

Contudo, e como alegou o Exequente a sentença exequenda só se encontra parcialmente executada, uma vez que, a Exequente tem direito ao reembolso da totalidade das quantias pagas no âmbito do supra citado processo de execução fiscal, as quais se mostram abrangidas pela anulação operada na sentença exequenda, correspondentes ao valor de 234.662,20 €, admitido pela Executada e superior aquele que o Exequente refere existir à data da apresentação do requerimento inicial e que se situava em 234.223,36 €.

Deste modo, a Autoridade Tributária e Aduaneira tem ainda, por força da imposição legal de plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade que importou a anulação da liquidação, à luz do art.100º da LGT, de restituir o montante de 49.136,76 € (234.662,30 € - 185.525,44 €), para dar integral cumprimento à sentença proferida no processo n.º26/09.BEBJA”.

Como é fácil de ver pela leitura da sentença, o circunstancialismo de facto avançado pela Recorrente não tem o menor reflexo no probatório e, muito menos, tem a factualidade exposta pelo Recorrido. O mesmo se diga, claro está, do julgamento de direito, o qual não tem pressuposto o quadro factual apontado pelas partes. Poder-se-ia dizer, justificando esta omissão, que tal falta se ficou a dever à não apresentação de contestação por parte da ora Recorrente, entidade executada nos autos de execução de julgados. Assim aconteceu, de facto. Contudo, já na p.i o Exequente dava conta da pendência de impugnações relativas a dívidas em cobrança coerciva no processo de execução fiscal nº ………………..127, mais dizendo até que “compreendia que a AT pudesse ter reembolsado o montante correspondente à diferença que pagou, no âmbito do processo de execução fiscal nº ……………….877 (…) subtraído do montante necessário ao pagamento do montante em cobrança coerciva no processos de execução fiscal nº ………………127”, mas já não aceitava que apenas tivesse sido reembolsado do valor que foi devolvido. Por seu turno, a Executada, aqui Recorrente, já havia feito menção nos autos a penhores, penhoras e compensações, sem que o completo alcance dos mesmos se mostre evidenciado.

Ora, tudo isto deveria ter levado o tribunal a quo instruir oficiosamente os autos de modo a esclarecer cabalmente os contornos da situação deste contribuinte, tendo presente que, como já antes referimos, a lei determina que os créditos do executado resultantes de reembolso, revisão oficiosa, reclamação ou impugnação judicial de qualquer ato tributário são aplicados na compensação das suas dívidas cobradas pela administração tributária, exceto se estiver a correr prazo para interposição de reclamação graciosa, recurso hierárquico, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição à execução ou se estiver pendente qualquer destes meios graciosos ou judiciais ou se estiver a dívida a ser paga em prestações, desde que a dívida exequenda se mostre garantida nos termos do artigo 169.º do CPPT.

Por outro lado, a lei, no mencionado artigo 89º, nº 5 da LGT, estabelece que a compensação é efetuada através da emissão de título de crédito destinado a ser aplicado no pagamento da dívida exequenda e acrescido, o que, nos autos, não se mostra absolutamente demonstrado, nem tão-pouco se houve contestação a eventuais atos de compensação.

Temos, pois, que a matéria de facto constante da sentença e os elementos documentais juntos aos autos (em parte obtidos a pedido do TAF, diga-se) não são suficientes para a tomada de uma decisão esclarecida e segura, como se impõe. Trata-se, para nós, de um caso nítido da insuficiência da matéria de facto que não se confunde com falta de alegação e prova pelas partes.

Tal insuficiência resolve-se, no caso, através da anulação da sentença, a fim de que a matéria de facto seja ampliada, em ordem a posteriormente, e já com os factos aditados, decidir sobre a execução do julgado, o reembolso de imposto peticionado e demais pedidos, no quadro legal aplicável. Tal solução encontra respaldo no disposto no artigo 662º, nº2, alínea c) do CPC, nos termos do qual “2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta”.

Face ao decidido, fica prejudicado o conhecimento de qualquer outra questão.


*




III - Decisão

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em anular oficiosamente da sentença, nos termos do artigo 662º, nº2, c) CPC, para ampliação da matéria de facto nos termos apontados e posterior prolação de nova decisão.


Sem custas.

Registe e Notifique.

Lisboa, 15/03/23


(Catarina Almeida e Sousa)

(Isabel Fernandes)

(Lurdes Toscano)