Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 1702/23.9BELSB |
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Secção: | CA |
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Data do Acordão: | 07/11/2024 |
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Relator: | PEDRO NUNO FIGUEIREDO |
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Descritores: | INTIMAÇÃO PARA PROTEÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS DESPACHO LIMINAR CONTRADITÓRIO DEFERIMENTO TÁCITO AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA PARA INVESTIMENTO PRINCÍPIO DA EQUIPARAÇÃO RESIDENTES EM TERRITÓRIO NACIONAL |
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Sumário: | I. A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, logo que distribuída, é conclusa ao juiz para despacho liminar, apenas se impondo o cumprimento do contraditório caso a petição seja admitida, conforme decorre do disposto no artigo 110.º, n.º 1, do CPTA. II. A Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, que regula a entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional, não prevê qualquer situação geradora de deferimento tácito do pedido de concessão de autorização de residência, mas apenas do pedido de renovação de autorização de residência, cf. artigo 82.º, n.os 5, 6 e 7. III. De acordo com o disposto no artigo 109.º, n.º 1, do CPTA, o recurso àquela intimação apenas se justifica perante a indispensabilidade do exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, numa situação jurídica individualizada. IV. Aos requerentes de autorização de residência para investimento não residentes em território nacional não tem aplicação o princípio da equiparação, constitucionalmente consagrado no artigo 15.º, n.º 1, da CRP. |
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Votação: | Unanimidade |
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Indicações Eventuais: | Subsecção COMUM |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção de Contencioso Administrativo – Subsecção Comum do Tribunal Central Administrativo Sul C... e J....instauraram a presente ação de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias contra o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (atualmente Agência para a Integração, Migrações e Asilo, I.P. – AIMA), na qual pedem: i) a intimação da entidade requerida a deferir o pedido de concessão de autorização de residência que apresentaram e emissão dos respetivos títulos de residência ou, caso assim não se entenda, ii) a intimação da entidade requerida a decidir os referidos pedidos e agendar a recolha dos seus dados biométricos no prazo máximo de 10 dias. Por decisão datada de 28/05/2023, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa rejeitou liminarmente o requerimento inicial. Inconformados, os autores interpuseram recurso, terminando as alegações com a formulação das conclusões que seguidamente se transcrevem: “1. Os Recorrentes candidataram-se à Autorização de Residência para Atividade de Investimento (ARI) por via de investimento através da aquisição de bem imóvel de valor igual ou superior a 500.000,00€. 2. Para o que submeteram devidamente todos e cada um dos documentos exigidos para a referida candidatura. 3. Não tendo o Réu SEF, até à presente data, nem aceite, nem validado todos esses documentos, uma vez que, conforme consta do portal do SEF, a candidatura dos Recorrentes, que deu origem ao Processo n.º 02296/ARI/010/22, encontra-se com a informação de “Em análise”. 4. Os Recorrentes decidiram pedir este tipo de autorização de residência por ser o único que lhe permite ausentar-se de Portugal por mais de seis meses consecutivos para cumprir todos os seus afazeres e todas as suas obrigações nos Estados Unidos da América. 5. Sem que se vejam prejudicados, ou mesmo impedidos, de exercer os direitos que com esta autorização de residência pretende obter. 6. Acontece, porém, que a Recorrente Cecília e o Recorrente J.... candidataram-se à autorização de residência para investimento, respetivamente, em 21/11/2022 e 22/11/2022. 7. Decorreram mais de 7 (sete) meses após as referidas candidaturas. 8. Os Recorrentes continuam a aguardar, quer a análise dos documentos por si submetidos, quer a realização dos seus biométricos. 9. Mantêm-se há mais de 7 meses a aguardar a decisão do SEF ao seu pedido de concessão de autorização de residência. 10. Estabelece o artigo 82.º da Lei n.º 102/2017, de 28 de Agosto, que: “1 — O pedido de concessão de autorização de residência deve ser decidido no prazo de 90 dias” (sublinhado nosso). 2 – O pedido de renovação de autorização de residência deve ser decidido no prazo de 60 dias. “3 — Na falta de decisão no prazo previsto no número anterior, por causa não imputável ao requerente, o pedido entende-se como deferido, sendo a emissão do título de residência imediata”. 11. A referida lei especial determina o prazo de 90 dias para a decisão do pedido de concessão de autorização de residência. 12. A Lei Geral – artigo 86.º, n.º 1, do CPA – fixa o prazo de 10 dias para a prática dos atos pelos órgãos administrativos. 13. No caso dos autos, ambos os prazos encontram-se totalmente ultrapassados. 14. Mesmo não abarcando o n.º 3 do artigo 82.º da Lei n.º 102/2017, de 28/08 as situações em que esteja em causa conceder originariamente a autorização de residência, deve considerar-se, ter ocorrido deferimento tácito dos pedidos efetuados pelo ora Recorrentes. 15. O n.º 1 do artigo 10.º do Código Civil prevê que: “Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos.” 16. O n.º 2 da mesma disposição legal estabelece que: “Há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei.”. 17. E o n.º 3 da ainda mesma disposição legal, estipula por fim que: “Na falta de caso análogo, a situação é resolvida segunda a norma que o próprio intérprete criaria, se houve de legislar dentro do sistema.”. 18. Por sua vez, o artigo 11.º do Código Civil estipula que: “As normas excecionais não comportam aplicação analógica, mas admitem interpretação extensiva.”. 19. Admitindo-se que o n.º 1 do artigo 90.º, da Lei 23/2007, consubstancia uma norma excecional, a mesma é, como o diz a Lei, suscetível de interpretação extensiva. 20. Admitindo-se que o artigo 90.º-A, n.º 1 é uma norma excecional que admite sempre a interpretação extensiva, a sua lacuna em termos de deferimento tácito terá de ser obrigatoriamente colmatada com o previsto no n.º 3 do artigo 10.º do Código Civil, ou seja, “é resolvida de acordo com a própria norma que o intérprete criaria se houvesse de legislar de dentro do espírito do sistema”. 21. Não há dúvidas que deferimento tácito está subjacente à Lei de Imigração, não podendo o cidadão imigrante tornar-se “um refém” da Administração Publica, nem podendo esta condicionar, com a sua inércia, a vida daquele e as suas expectativas. 22. E, até porque, vigora um princípio taxativo na lei de 90 dias para o Réu tomar uma decisão previsto no artigo 82º, n.º 1 da atual Lei de Imigração. 23. Ou por interpretação extensiva ou por analogia, o certo é que existe uma lacuna em matéria de deferimento tácito. 24. E tal lacuna deverá ser integrada pelo intérprete de acordo com o espírito da Lei. 25. Sendo que o Espírito da Lei, quer na atual Lei de Imigração, quer no CPA, é no sentido de existir deferimento tácito. 26. Encontrando-se o Réu/Recorrido em clara violação, para além do mais, do disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo 82.º da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho. 27. Face ao tempo decorrido, os Recorrentes já deviam ter o cartão ARI. 28. Devendo ser considerada deferida e concedida a autorização de residência requerida pelos Recorrentes. 29. Deve, em consequência, proceder-se de imediato ao agendamento dos biométricos para que o título de residência lhe possa finalmente ser emitido e entregue. 30. A impossibilidade de marcação de agendamento de biométricos e a não entrega do cartão de residência até à presente data, consubstancia uma expressa violação do Direito a uma boa administração, nos termos do disposto no artigo 41.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas a), b) e c) da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. 31. Não existe qualquer justificação para a necessidade de se ter de aguardar todo este tempo, uma vez que nada foi aos Recorrentes comunicado até à data. 32. Os Recorrentes mostram-se privados da possibilidade de beneficiar da aplicação do princípio da Equiparação ou do tratamento nacional, previsto no artigo 15.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa. 33. Aos Recorrentes, está, por analogia, a ser vedado o Direito de deslocação e de emigração previsto no artigo 44.º da Constituição da República Portuguesa. 34. Consubstanciando toda a descrita situação uma violação ao direito à livre circulação de pessoas na UE previsto no artigo 45.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. 35. Consubstancia também a situação exposta, uma violação do princípio da legalidade, previsto no artigo 3.º da Constituição da República Portuguesa e do correspondente direito fundamental que impõe que a Administração Pública se subordine à Constituição e à Lei, consagrado no artigo 266.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa e no artigo 3.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo). 36. Não há dúvidas que os Recorrentes pediram a autorização de residência, instruíram o seu pedido com todos os documentos exigidos, pagaram todas as taxas devidas inerentes ao deferimento do seu pedido e não obtiveram decisão decorridos 7 meses. 37. Com a sua conduta violou o SEF, para além de outros e, em especial, os princípios da decisão (artigo 13.º CPA), da eficiência (artigo 5.º do CPA) e da celeridade (artigo 59.º do CPA), da confiança e da boa administração. 38. O Recorrido SEF nada decidiu no prazo de 90 dias, nem tão pouco nos sete meses subsequentes, pelo que omitiu claramente o seu dever de decisão consagrado no artigo 52.º, n.º 1, parte final, da Constituição e no artigo 13.º do CPA sob a epígrafe “Princípio da Decisão”. 39. Os Recorrentes tratam-se de pessoas já reformadas que alteraram toda a sua vida para poderem proceder ao investimento que serve de base a este pedido. 40. Nomeadamente, tendo procedido à venda da sua casa nos Estados Unidos da América, tudo com o intuito de virem viver para Portugal. 41. Tendo a certeza que rapidamente obteriam as autorizações de residência, pois sabem, através da ora mandatária subscritora, que a Lei estipula um prazo de 90 dias para o SEF decidir pela respetiva concessão. 42. Estando convictos, no momento da sua candidatura, de que em Portugal as Leis são respeitadas e aplicadas e que os prazos legais também são cumpridos. 43. Percebendo agora e sentindo que em Portugal não há respeito pelos seus direitos, sendo os mesmos violados, e sentindo-se, por isso, completamente, defraudados, pois não podem viver em Portugal como meticulosamente planearam, vendo esse seu direito diariamente violado. 44. Encontrando-se totalmente transtornados, pois, a casa que venderam nos Estados Unidos da América é uma casa que se vende com facilidade e de forma célere, tendo a sua venda ocorrido muito pouco tempo depois dos Recorrentes terem publicitado a sua venda. 45. Sendo que se imaginassem que o Requerido iria demorar tanto tempo a analisar a sua candidatura e, em consequência, a emitir a autorização de residência para investimento, os Recorrentes não tinham decidido vendê-la já, aguardando mais tempo. 46. Pois agora têm estado em casa de familiares e amigos, tendo deixado de ter a sua própria casa, com os seus objetos e pertences, apenas e tão só por o Requerido não cumprir os prazos legais a que está obrigado. Sendo que, 47. Os Recorrentes enquanto não possuírem um atestado de residência em Portugal não podem trazer os seus pertences para o imóvel que adquiriram aqui nem podem cá viver, 48. Isto porque a falta de atestado obsta a que os pertences possam ser relocados para Portugal, pois é um documento obrigatório, e a falta de visto obsta a que possam viver em Portugal mais do que 3 meses seguidos. 49. Por conseguinte, os recorrentes têm todos os seus pertences armazenados até obterem o atestado de residência, a fim de os poderem transportar para a casa nova em Portugal. 50. Ora, Tal situação tem acarretado transtornos no dia-a-dia dos recorrentes, que são facilmente entendidos pelo senso comum, sendo que estão numa situação totalmente inconcebível para a sua idade, impedidos de viver na casa que compraram e impedidos de viver no país que escolheram viver a sua reforma. 51. Acresce que os ora Recorrentes também se encontram muito preocupados com os vários anúncios recentemente feitos pelo Governo porque não sabem se até à publicação da nova Lei, novas alterações não serão anunciadas pelo Governo, de forma que fiquem ainda mais prejudicados com toda esta situação. 52. É certo que o Governo, através da Proposta de Lei n.º 75/XV1.ª da Presidência do Conselho de Ministros, não anunciou alterações que possam afetar o pedido já feito pelos ora Recorrentes, no entanto, nada garante que não o possa vir ainda a fazer. 53. Como é público e notório, mesmo as autorizações para imigrantes empreendedores, têm requisitos e têm um regime diferente daquele para o qual os Recorrentes se candidataram. 54. Não é justo para os Recorrentes que a meio de um processo de candidatura, o qual, como se disse, foi meticulosamente planeado, vejam as condições do mesmo serem alteradas. 55. O que tudo provoca uma grande insegurança e intranquilidade aos ora Recorrentes, que já não têm idade para andar perturbados com este tipo de problemas. 56. Sendo estes anúncios e todas estas mudanças, ainda que possam a não vir prejudicar os ora Recorrentes, sentidos e vistos pelos investidores e seus familiares como uma ideologia preconceituosa e discriminatória contra cidadãos estrangeiros. 57. Que por investirem em Portugal também devem ser protegidos pelo Estado de Direito que vigora em Portugal e tal está a pôr em causa a proteção e a segurança não só jurídica, como dos seus próprios investimentos, com medidas que são injustificadas e discriminatórias. 58. Acresce que há urgência na decisão da concessão em causa, pois, sem o referido Visto os Recorrentes ficam sem possibilidade de se deslocar livremente pela Europa. 59. Sendo Tarefas fundamentais do Estado garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de direito democrático, conforme estabelece o artigo 9.º, alínea b) da Constituição da República Portuguesa. 60. E estando e devendo o Princípio da igualdade a vigorar para todos os cidadãos, não pode ninguém ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão, conforme artigo 13º da Constituição da República Portuguesa. 61. É urgente e premente que a candidatura dos ora Recorrentes seja analisada pelo Recorrido SEF e, no caso de o SEF considerar a mesma aceite, urgente é ainda que sejam realizados os biométricos dos Recorrentes e lhes seja concedida a autorização para a qual se candidataram. 62. É urgente ter uma decisão da concessão da autorização de residência por parte do SEF, pois, conforme consta Artigo 44.º, n.º 1 da referida Proposta de Lei: “ 1 - Não são admitidos novos pedidos de concessão de autorização de residência para atividade de investimento, previstos no artigo 90.º-A da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, a partir da data da entrada em vigor da presente lei”. 63. Pelo que, se os Recorrentes obtiverem uma decisão célere por parte do SEF podem ainda beneficiar, pelo menos, durante dois anos – período a partir do qual ocorre a renovação – de todas as condições para as quais se candidataram. 64. Mais, se por qualquer eventualidade, a candidatura dos Recorrentes não for considerada aceite por parte do SEF e não puder ser corrigida de forma a ser aceite, podem ainda os Recorrentes, caso isto aconteça antes da entrada da nova Lei, procederem a nova submissão de candidatura. 65. O que tudo não é possível se o SEF continuar sem analisar a candidatura dos ora Recorrentes e a protelar a sua decisão de concessão de ARI aos ora Recorrentes, não atuando de acordo e em respeito pelos prazos legalmente estabelecidos, e se o fizer só após a publicação da nova Lei. 66. Motivo pelo qual se torna ainda mais premente e urgente que o visto dos ora Recorrentes sejam aceites e emitidos e que sejam realizados os biométricos dos Recorrentes, dentro dos termos legais relativamente à lei subjacente à qual os seus vistos foram submetidos. 67. Pode ler-se na Douta sentença, que “Sucede que o Requerente não alega, nem demonstra (…) qualquer situação de urgência, para lá dos normais incómodos associados à incerteza de estar a aguardar uma decisão da Administração há já cerca de 46 meses, relativamente à decisão do seu pedido de autorização de residência”. 68. Pode ler-se na Douta sentença, quanto a este aspeto que “ (…) pertence ao requerente o ónus de alegar os factos que, a provarem-se, permitem concluir que carece de uma decisão urgente definitiva para prevenir ou reprimir uma ameaça iminente dos seus direitos. No caso concreto os requerentes não cumprem este ónus”. 69. E ainda que “A alegação de que a lei poderá vir a ser alterada em seu desfavor não é suficiente para sustentar a necessidade de uma tutela principal urgente, na medida em que se trata de um evento futuro e incerto. Por outro lado, os requerentes alegam que a requerente vendeu a sua casa nos EUA com a intenção de vir viver para Portugal, porém nada alegam que permita concluir pela urgência na realização desse projeto de vida.”. 70. Mas a verdade é que os Recorrentes encontram-se há 7 meses à espera de uma decisão do SEF, totalmente coartados nos seus direitos. 71. Os Recorrentes candidataram-se para a concessão de autorização de residência para investimento há mais de 7 meses e agora, por falta de resposta do Recorrido dentro do prazo legal e por causa das novas alterações legislativas, podem ver-se obrigados a ver tal autorização de residência convertida automaticamente numa autorização para imigrantes empreendedores, não tendo sido para isto que se candidataram. 72. Esta espera ultrapassa qualquer prazo legal, nomeadamente e, em especial, o prazo legal de 90 dias estabelecido para a decisão de um pedido de concessão de ARI. 73. Torna-se importante a concessão deste visto também para a imagem e a reputação internacional do nosso país que ficam fortemente abaladas, caso a lei nova entre em vigor nos termos anunciados. 74. Porquanto, Portugal, deixará de ser visto como um país estável e amigo do investimento estrangeiro e um país onde a segurança jurídica impera. 75. Deve o Tribunal a quo ter em consideração o tempo pelo qual todo este processo se vem arrastando desde o dia da sua submissão, ocorrida a 21/11/2022, de forma injustificada e penosa para os Recorrentes, que lhe veem negados vários direitos fundamentais. 76. Pugnando-se assim pela celeridade da tramitação dos presentes autos, sendo admitida as referidas candidaturas de autorização de residência para investimento, as quais já se devem considerar como tacitamente deferidas. 77. Devem ser de imediato agendados os biométricos do Recorrentes para que finalmente possam ter o cartão de autorização residência para investimento. 78. Casos semelhantes ao descrito nos presentes autos existem e que obtiveram provimento, ainda que parcial, por parte do Tribunal, conforme consta da sentença junta ao presente processo e que condenaram o SEF a: “À luz dos poderes confiados pelo artigo 202.º, n.ºs 1 e 2, da CRP e pelo congregado do ante exposto: - Julgo parcialmente procedente a presente intimação e, em consequência (i) intimo a Entidade Requerida a dar andamento à pretensão despoletada pela Requerente, nos moldes sobreditos em (a) e (b), no prazo de 20 (vinte) dias úteis; (ii) absolvo a Entidade Requerida dos demais pedidos; - Sem custas.” Sendo que as referidas alíneas (a) e (b) referem que: “Os atos a praticar pela Entidade Requerida consistem, por ora, no seguinte: (a) confirmação e aprovação do registo da Requerente, se a tal nada obstar; (b) agendamento para entrega do pedido de ARI no local de atendimento do SEF e para tramitação subsequente (v.g., entrega da documentação legalmente exigida, recolha de dados biométricos e pagamento das taxas requeridas)”. 79. Decidiu o Tribunal neste sentido, para além de mais, para dar cumprimento ao princípio da boa administração. 80. Mas também porque entendeu que a inexistência de prazo para a prática dos atos ofenderia os artigos 13.º, n.º 1 (“Princípio da decisão”)1, 53.º (“Iniciativa”)2 e 59.º (“Dever de celeridade”)3, todos do CPA. 81. Sendo que para reforçar a sua tese, convocou a fundamentação e o decidido no processo n.º 1608/22.9BELSB, que se transcreve: “Recorde-se que o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras dispõe, actualmente, de um sistema específico de recepção dos requerimentos iniciais de procedimentos, in casu, de renovação de autorização de residência, o qual pressupõe ─ para que o interessado possa dar início ao seu procedimento apresentando a sua pretensão junto da Administração ─ um prévio agendamento junto dos serviços que terá de ser feito através de uma plataforma on-line, a qual vai indicando aos interessados quais os postos de atendimento do SE e as respectivas disponibilidades (dia/hora). Bem se percebe que, fruto deste sistema, sem prévio agendamento não pode o interessado apresentar a sua pretensão junto da Administração nem dar início ao procedimento. E, no caso em apreciação, o Autor dá conta ─ e o SEF não contraria ─ que aquela plataforma não disponibiliza de momento e, pelo menos, desde Maio de 2022 qualquer dia/hora para o agendamento dos pedidos de renovação da autorização de residência. Significa isto que a Administração se encontra de “portas fechadas” àqueles pedidos, que nem sequer os aceita ou lhes dá entrada, impedindo os interessados de manifestar as suas pretensões e, dessa forma, darem início ao procedimento legalmente previsto [cfr. ainda art.º 53.º do Código do Procedimento Administrativo ─ CPA]. Ora, se está previsto o direito a uma decisão e o dever de a Administração «se pronunciar sobre todos os assuntos da sua competência que lhe sejam apresentados e, nomeadamente, sobre os assuntos que aos interessados digam diretamente respeito» [cfr. art.º 13.º do CPA], a situação descrita corresponde a uma denegação desse direito e ao defraudar desse dever por constituir um obstáculo de facto a que os interessados apresentem sequer os seus “assuntos” à Administração”. 82. Caso se entenda pela manutenção do indeferimento da presente ação, deve, pelo menos, a Douta sentença decidir pelo deferimento liminar do requerimento inicial de intimação para a proteção de Direitos, Liberdades e Garantias e, consequentemente, ordenar a citação do Réu Serviços de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) para responder no prazo de sete dias. 83. É que segundo o princípio do contraditório consagrado no artigo 3.º, n.º 3 do CPC, aplicável por força do artigo 1.º do CPTA, o juiz não deve decidir qualquer questão, de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem, pois só assim se assegura a participação efetiva das partes no desenvolvimento do litígio e na busca da justiça da decisão. 84. A falta de cumprimento do contraditório, concretizada na não notificação do recorrido SEF para se pronunciar, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 110.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, reconduz-se à omissão de um ato exigido por lei que, porque suscetível de influir na decisão da causa, constitui a sua nulidade. TERMOS EM QUE E NOS MAIS DE DIREITO deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogada a sentença recorrida, devendo a presente intimação para direitos, liberdades e garantias ser deferida. Ainda que assim não se entenda, deve o Tribunal a quo decidir pelo menos pelo deferimento liminar do requerimento inicial de intimação para a proteção de Direitos, Liberdades e Garantias com vista a ordenar a citação do Réu Serviços de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) para responder no prazo de sete dias, tudo com todas as legais consequências.” A entidade requerida não apresentou contra-alegações. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, por sufragar a fundamentação factual e jurídica constante da decisão ora sindicada, que segue a corrente jurisprudencial que se vem sedimentando em primeira e segunda instância, e também no STA, sendo largamente dominante, sem padecer de nulidade ou erro de julgamento de direito. * Perante as conclusões das alegações dos recorrentes, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre aferir do erro de julgamento da decisão de rejeição liminar. Dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir. * Consta da decisão recorrida a seguinte fundamentação: “[N]ão basta que seja alegada a violação de direitos com respaldo na Constituição nem que o pedido careça de provisoriedade para se admitir o recurso ao meio processual do artigo 109.º, pertence ao requerente o ónus de alegar os factos que, a provarem-se, permitem concluir que carece de uma decisão urgente definitiva para prevenir ou reprimir uma ameaça iminente dos seus direitos. No caso concreto os requerentes não cumprem este ónus. Com efeito, do alegado no requerimento inicial não se retira que caso os pedidos fossem concedidos em sede de ação administrativa os requerentes não retirariam utilidade na tutela, na medida em que nada é alegado sobre os concretos motivos pelos quais não podem aguardar o desfecho de uma ação principal. A alegação de que a lei poderá vir a ser alterada em seu desfavor não é suficiente para sustentar a necessidade de uma tutela principal urgente, na medida em que se trata de um evento futuro e incerto. Por outro lado, os requerentes alegam que a requerente vendeu a sua casa nos EUA com a intenção de vir viver para Portugal, porém nada alegam que permita concluir pela urgência na realização desse projeto de vida. Dito de outro modo, estas alegações são insuficientes para concluir pela indispensabilidade do recurso à presente intimação, uma vez que são insuficientes explicar porque os requerentes não podem aguardar pelo desfecho de uma ação administrativa. Finalmente, o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão do processo n.º 036/22.0BALSB, de 07/04/2023, explica que do artigo 110.º-A do CPTA «…não resulta uma obrigação de convolação do processo de intimação numa providência cautelar, mas apenas uma possibilidade de o fazer, quando o Tribunal entenda que a tutela requerida se basta com a adoção da mesma providência.», a qual não opera quando os requerentes «… não alegam factos que demonstrem a indispensabilidade, nem tão pouco a urgência da intimação – e por maioria de razão de uma providência cautelar - para prevenir ou reprimir uma ameaça iminente dos seus direitos, liberdades e garantias.». Pelos motivos expostos, o requerimento inicial deverá ser rejeitado”. Dois pontos prévios. Inexiste nulidade por falta de cumprimento do contraditório. Conforme decorre do disposto no artigo 110.º, n.º 1, do CPTA, a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, logo que distribuída, é conclusa ao juiz com a maior urgência, para despacho liminar, a proferir no prazo máximo de 48 horas, no qual, sendo a petição admitida, é ordenada a citação da outra parte para responder no prazo de sete dias. Vale isto por dizer que a lei impõe ao juiz uma apreciação liminar da intimação, apenas se impondo o cumprimento do contraditório, caso a petição seja admitida. No caso não o foi, tendo a Mma. Juiz a quo decidido pela não admissão da petição, pelo que não tinha lugar o cumprimento do contraditório. Tal como inexiste ato tácito de deferimento no presente caso. Com efeito, de acordo com o estatuído no artigo 130.º, n.º 1, do CPA de 2015, a formação de deferimento tácito tem de estar expressamente prevista em lei ou regulamento extravagante. E nos preceitos invocados, não se prevê qualquer situação geradora de deferimento tácito do pedido de concessão de autorização de residência, mas apenas do pedido de renovação de autorização de residência, cf. artigo 82.º, n.os 5, 6 e 7, da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, que regula a entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional. Vejamos então quanto ao mais objeto de recurso. Estabelece o artigo 109.º, n.º 1, do CPTA, o seguinte, quanto aos pressupostos da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias: “A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar.” Como bem se vê, de acordo com este normativo, o recurso à intimação apenas se justifica perante a indispensabilidade do exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia. Daí decorre a imperativa concretização da existência de uma situação jurídica individualizada que caracterize um direito, liberdade e garantia, cujo conteúdo normativo se encontre suficientemente concretizado na Constituição ou na lei para ser jurisdicionalmente exigível por esta via processual; e a ocorrência de uma situação no caso concreto, de ameaça do direito, liberdade e garantia em causa, que só possa ser evitada através da intimação (Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2017, pág. 883). No caso, invocam os recorrentes que foi violado o direito a uma boa administração, nos termos do disposto no artigo 41.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas a), b) e c) da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que se mostram privados da possibilidade de beneficiar da aplicação do princípio da equiparação ou do tratamento nacional, previsto no artigo 15.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, está-lhes vedado o direito de deslocação e de emigração previsto no artigo 44.º da Constituição da República Portuguesa, em violação ao direito à livre circulação de pessoas na UE previsto no artigo 45.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, ocorre violação do princípio da legalidade, previsto no artigo 3.º da Constituição da República Portuguesa e do correspondente direito fundamental que impõe que a Administração Pública se subordine à Constituição e à Lei, consagrado no artigo 266.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa e no artigo 3.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, dos princípios da decisão (artigo 13.º CPA), da eficiência (artigo 5.º do CPA) e da celeridade (artigo 59.º do CPA), da confiança e da boa administração, 52.º, n.º 1, parte final, da Constituição, 13.º do CPA. Acresce a preocupação com os anúncios feitos pelo Governo de alterações que possam afetar o pedido já feito pelos recorrentes. Vejamos então. Não se disputa, numa visão abrangente deste tipo de casos, que a ausência de decisão definitiva quanto à Autorização de Residência para Investimento (ARI) possa tolher a liberdade de circulação dos requerentes que a aguardam, no caso dos autos. Assim como não é de disputar o seu direito a uma decisão em prazo razoável, prazo este que se encontra manifestamente excedido. Contudo, a invocação genérica quanto à restrição da sua liberdade de circulação não permite sustentar uma situação jurídica individualizada que caracterize um direito, liberdade e garantia. Relevando que os recorrentes não residem em território nacional, pelo que não tem aplicação o princípio da equiparação, constitucionalmente consagrado no artigo 15.º, n.º 1, da CRP, quanto aos estrangeiros que se encontrem em Portugal. Mais, a exigência de apenas se justificar o recurso à intimação perante a indispensabilidade do exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, implica a caracterização de uma situação de urgência. Ora, no caso vertente, não foram alegados factos que caracterizem designadamente uma situação de perda irreversível de faculdades de exercício de um direito, ou de uma situação de carência pessoal ou familiar em que esteja em causa a imediata e direta sobrevivência pessoal de alguém. Isto para além dos notórios incómodos associados à incerteza de estar a aguardar uma decisão da Administração há muito tempo, conforme se sublinha na decisão objeto do presente recurso. Mas estes incómodos não fundam uma necessidade de tutela urgente dos seus direitos. Sendo que, como se assinala na decisão objeto de recurso, a alegação de que a lei poderá vir a ser alterada em seu desfavor não é suficiente para sustentar a necessidade de uma tutela principal urgente, na medida em que se trata de um evento futuro e incerto. Certo é, volta a sublinhar-se, que os recorrentes não gozam da equiparação de direitos, uma vez que não são residentes em território nacional, sendo inaplicável ao caso dos autos o princípio vertido no artigo 15.º da CRP. Como tal, será de manter o juízo de rejeição liminar proferido na decisão recorrida, assim se negando provimento ao recurso. * III. DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes desembargadores deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e em manter a decisão recorrida. Sem custas, atenta a isenção prevista no artigo 4.º, n.º 2, al. b), do RCP. Lisboa, 11 de julho de 2024 (Pedro Nuno Figueiredo) (Carlos Araújo) (Marta Cavaleira) |