Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1211/10.6BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:11/07/2024
Relator:CRISTINA COELHO DA SILVA
Descritores:PROVA DO PREÇO EFETIVO DE VENDA
VIOLAÇÃO PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
ADMISSIBILIDADE AÇÃO ADMINISTRATIVA
EXIGÊNCIA DECLARAÇÕES AUTORIZAÇÃO LEVANTAMENTO SIGILO BANCÁRIO
Sumário:I– O artigo 58º-A do CIRC (atual artigo 64º) estabelece, no seu nº 2, uma presunção de acordo com a qual o valor de transação dos imóveis relevante para efeitos de apuramento do lucro tributário dos sujeitos passivos deste imposto, terá de corresponder, no mínimo, ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação de IMT ou que serviria no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.
II– Por força do disposto no artigo 73º da LGT, bem como do artigo 104º, nº 2 da CRP, as presunções em matéria de incidência tributária têm de puder ser ilididas.
III- A ilisão da presunção mencionada no nº 2 do artigo 64º do CIRC, é efetuada nos termos do disposto no artigo 129º do CIRC, na redação em vigor à data dos factos (atual artigo 139º), que podem, deste modo, efetuar a prova do preço efetivo da venda, sendo que no seu nº 6 se prevê que os requerentes têm de juntar ao requerimento inicial os documentos de autorização de acesso às suas contas bancárias, bem como dos seus gerentes ou administradores, no ano em que ocorreu a transação e no ano antecedente.
IV– O disposto no nº 6 do artigo 129º (atual 139º), afasta o regime de segredo consagrado no artigo 78.º do Regime Jurídico das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RJICSF), dispensando a AT de lançar mão do procedimento instituído no artigo 63º-B da LGT.
V- Esta obrigatoriedade constitui uma condição necessária de apreciação do mencionado pedido, sem que com isso se mostrem afrontados os Princípios Constitucionais da Reserva da Vida Privada, da Proporcionalidade, da Igualdade, da Tributação pelo Lucro Real e do Acesso aos Tribunais e à Tutela Jurisdicional Efetiva.
VI– A ação administrativa será o meio jurisdicional adequado para sindicar a validade dum ato que determine o arquivamento, o indeferimento por intempestividade ou inadmissibilidade do pedido mencionado no ponto antecedente, mas já não do seu indeferimento por improcedência. Nesta última situação aludida, o meio adequado será a impugnação judicial que deverá ser dirigida contra o ato de liquidação, desde logo, por força do princípio da impugnação unitária dos atos em matéria fiscal, constante do artigo 54º do CPPT, bem como do disposto no artigo 86º, nº 4 da LGT, para onde nos remete o nº 4 do artigo 129º (atual 139º) do CIRC, uma vez que este preceito determina que este ato não é contenciosamente recorrível, apenas sendo recorrível o ato de liquidação do mesmo decorrente.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tibutária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul



I – RELATÓRIO

S......., S.A., sociedade que incorporou por fusão o T......., SA., com sede na ....., veio intentar contra o MINISTÉRIO DAS FINANÇAS E DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, ação administrativa especial, pedindo a anulação do despacho do Exmo. Sr. Diretor de Finanças de Lisboa, datado de 04/02/2010, exarado na informação n.º 07/2010 do Serviço de Apoio às Comissões de Revisão, o qual determinou o arquivamento do requerimento de prova do preço efetivo de transmissão de imóveis, apresentado pela Autora em 06/08/2009, e, cumulativamente, pede o deferimento do pedido de prova do mesmo (preço efetivo).


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O Tribunal Tributário de Lisboa, por decisão de 17 de Outubro de 2017, julgou a ação parcialmente procedente, tendo anulado a decisão impugnada e ordenado a Impugnada a proceder à apreciação do pedido de prova efetiva do preço de venda do imóvel.

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Inconformadas com a decisão, a Autoridade Tributária e a Autora interpuseram recurso da mesma, na parte em que ficaram vencidas.



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A Autoridade Tributária, nas suas alegações, formulou as seguintes conclusões:

CONCLUSÕES:

A) Destarte, salvo o devido respeito, somos da opinião que a douta sentença sob recurso padece de erro de julgamento, por incorrecta valoração da prova documental produzida e parte integrante nos autos, fazendo, por conseguinte, errónea interpretação dos normativos legais aplicáveis, designadamente, dos artigos 58c- A (actual 64°) e 129° (actual 139°) do CIRC, do artigo 342/1 do Código Civil e dos artigos 74/1 e 58° da LGT, pelo que não deve manter-se.
B) Insurge-se a recorrente contra o decidido numa dupla vertente: por um lado, na extensão ai atribuída ao princípio do inquisitório que sobre a AT impende e que entende excessivo e, por outro lado, quanto ao entendimento de que o referido princípio estaria a montante das regras do ónus da prova, quando entende que um e outras coexistem temporalmente no procedimento do art. 129° do CIRC, regulado pelos artgos 91° e 92° da LGT.
C) Ora, de acordo com o disposto no art. 58°-A do CIRC, os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adoptar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não poderão ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto (n° 1). E sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável (n° 2).
D) A prova do que a transmissão foi feita por valor inferior ao VPT cabe ao sujeito passivo.
E) Trata-se de procedimento previsto no Capitulo VIII do Código do IRC, referente às garantias dos contribuintes e que tem como objectivo a prova pelo sujeito passivo do preço efectivo na transmissão de imóveis permitindo-lhe assim obviar à aplicação do disposto no art° 58-A° n° 2 do mesmo diploma legal (correcções ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis).
F) O regime em presença tem em vista garantir o direito do contribuinte á demonstração do preço efectivo do bem alienado quando inferior ao valor de mercado. Por outras palavras, está em causa o apuramento do valor efectivo do bem alienado, tendo em vista garantir o carácter fidedigno dos registos contabilísticos do contribuinte. Seja pela possibilidade de demonstração com recurso a qualquer meio de prova idóneo, seja através do apuramento colegial, o referido regime ordena-se ao apuramento exacto do preço do bem alienado, tendo em vista a determinação correcta dos proveitos do contribuinte. Objectivo que está em linha com o imperativo da tributação do rendimento real
G) A autorização de acesso à informação bancária prevista no art° 129°, n° 6 do CIRC tinha, pois, como única finalidade a comprovação do pedido de demonstração a que alude aquele normativo.
H) E por isso mesmo o legislador fez constar do referido normativo que o acesso à informação bancária se circunscreve «ao período de tributação em que ocorreu a transmissão e ao período de tributação anterior».
I) O direito à prova do preço efectivo inferior ao valor de mercado do bem alienado, que assiste ao contribuinte, exige a demonstração eficaz e cabal do mesmo, o que postula a referida derrogação.
J) Dada a massificação das relações tributárias, assentes no principio declarativo e a concomitante massificação das relações bancárias, cujos registos servem de suporte aos lançamentos contabilísticos, dir-se-á que o acesso aos dados bancários do contribuinte e dos seus administradores constitui o meio de prova, por excelência, da veracidade das declarações e dos registos contabilísticos. De forma que o cumprimento eficaz do ónus da demonstração da efectividade de certa operação económica e do valor implicado depende muito mais dos registos bancários do que apenas dos registos contabilísticos.
K) O acesso aos dados referidos coloca-se, pois, como medida idónea, necessária e proporcionada ao fim em vista, porquanto estando em causa demonstração de que o preço efectivo foi inferior ao preço de mercado, importa garantir o acesso aos dados bancários da autora e dos seus administradores, tendo em vista assegurar a veracidade do declarado, (neste sentido vide acórdão do TCA Sul proferido no âmbito do processo n.° 06599/13).
L) Ora, era sobre a autora, ora recorrida, que recaía o ónus de provar que o preço efectivo da venda do imóvel em causa foi aquele por si declarado, pelo que se impunha que providenciasse à junção imediata dos atinentes meios de prova ao seu dispor, para que o debate contraditório entre peritos decorresse em igualdade de armas e munido de toda a prova a considerar.
M) Sendo que, conforme consta do probatório:
G-Em 9/10/2009, o SACR da Direcção de Finanças de Lisboa, solicitou junto da Autora a apresentação de “(...) documentos que autorizem a Administração Fiscal a aceder à informação bancária da empresa e dos respectivos administradores referente ao exercício em que ocorreram as transmissões e ao exercício anterior (...) “ - cf. cópia do oficio n.° 096899, de 11/11/2009 (Doc 1 junto com a p.i.j;
H- Em 30/10/2009 a Direcção de Finanças de Lisboa vem conceder à Autora o prazo de 10 dias para proceder ao envio das declarações do levantamento do sigilo bancário dos respectivos administradores para o período de 2006/2007 - cfr. doc. Junto a fls. 30 a 32 do p.a
N) Não tendo a autora procedido à remessa das declarações do levantamento do sigilo bancário dos respectivos administradores.
O) Pelo que; ao contrário do que foi entendido na decisão recorrida, e perante a factualidade descrita, não recaia sobre a AT um qualquer dever, ou imposição de colmatar a insuficiência probatória inicial da sociedade requerente.
P) Estava em causa o acesso aos dados bancários dos administradores da sociedade alienante de prédio, cujo preço inscrito na contabilidade é inferior ao valor de mercado e que pretende fazer prova da efectividade do mencionado preço.
Q) Ora, correspondendo o VPT do prédio a uma aproximação ao valor de mercado do mesmo, a asserção de que o proveito obtido com a sua venda não há-de ser inferior ao VPT constitui uma presunção cuja ilisão requer a prova em contrário (artigo 3500 do Código Civil).
R) Prova cuja assertividade deve estar para além de qualquer dúvida e cujo ónus de demonstração recai sobre a requerente, na medida em que fez inscrever na sua contabilidade preço inferior ao preço do mercado (artigo 74/1, da LGT).
S) De referir também que sendo o preço a contrapartida monetária da venda, o qual origina fluxos financeiros entre pelo menos duas partes, então segue-se que os dados bancários da recorrida e dos seus administradores, surgem como elementos determinantes no apuramento do mencionado preço.
T) Donde se infere que o acesso aos referidos dados bancários oferece-se como mecanismo adequado à comprovação do preço declarado do bem e inscrito na contabilidade da recorrida.
U) Perante estes dados, resulta claro que esta exigência não coloca em causa a Lei Fundamentai, pois que está em causa um mecanismo que visa beneficiar a própria requerente, em que o elemento em apreço surge no âmbito do principio da cooperação que incide sobre o mesmo, sendo algo natural neste processo enquanto meio de controlo da pretensão formulada, não se afigurando desproporcionada para o efeito em apreço e estando devidamente balizada pela lei. E por isso mesmo o legislador fez constar do referido normativo que o acesso à informação bancária se circunscreve "ao período de tributação em que ocorreu a transmissão e ao período de tributação anterior" (cfr.ac. S.T.A-2a.Secção, 5/9/2012, rec.837/12; ac.T.C.A.Sul-2ª Secção, 19/2/2013, proc.6091/12).
V) Ora, no seu próprio interesse, deveria a sociedade recorrida ter junto ao requerimento inicial, apresentado junto da AT. as autorizações para acesso à informação bancária dos seus administradores, ou posteriormente após instada expressamente para o efeito, conforme prescreve o comando legal aplicável, não merecendo assim qualquer censura o despacho de arquivamento do pedido de prova de preço efectivo em apreço.
W) O acesso aos dados referidos coloca-se, pois, como medida idónea, necessária e proporcionada ao fim em vista, porquanto estando em causa demonstração de que o preço efectivo foi inferior ao preço de mercado, importa garantir o acesso aos dados bancários da autora e dos seus administradores, tendo em vista assegurar a veracidade do declarado.
X) Ao decidir no sentido apontado, o despacho recorrido não merece a censura que lhe é deferido.
Y) Como se escreveu no Acórdão n° 3872/10 de 21/09/2010 do Tribunal Central Administrativo "IX)-Em direito tributário: existem várias situações de pré-contencioso, de que são exemplos os sctuais art. 86/5 e 91° da LGT e os artigos 117/1. 131/1, 133'2 e 134/7 do CPPT e a doutrina e a jurisprudência sempre entenderam tais normas (já existentes no anterior CPT) como opções legislativas fiscais sem inconstitucionalidade associada, permitindo o debate de determinadas matérias no seio de órgãos colegiais que, pela sua composição, representatividade e tecnicidade, melhor estarão habilitados a discuti-las, ainda em sede graciosa." O) No artigo 139° n° 6 do CIRC, o legislador entendeu que as escrituras públicas não constituem prova suficiente do preço efetivamente praticado no negócio, para efeitos de afastamento da norma anti abuso do artigo 64° do CIRC o que veio refletir alguma jurisprudência, nomeadamente o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul n° 3101/01 de 29/04/2003 (anterior portanto aos artigos 64° e 139° do CIRC), a propósito de correções de valores suportados em escrituras públicas. Face aos valores em presença, considerou-se pois neste Acórdão que a possibilidade de acesso às contas bancárias seria o meio adequado e necessário à obtenção do fim visado (de tributação pelo lucro real e o afastamento duma norma anti abuso), não tendo assim considerado o disposto no art. 139º, nº 6 do CIRC como uma medida excessiva relativamente ao fim a obter, o que significa que o princípio da proporcionalidade foi respeitado.
Z) Efectivamente, face à deslocação sistemática de fases do procedimento de determinação, liquidação e cumprimento das obrigações fiscais para os particulares, assiste-se atualmente a uma transformação funcional da administração tributária, relegada fundamentalmente para funções de controlo e fiscalização dos impostos, tornando-se inevitável que o Estado reforce os poderes de inspeção da administração tributária.
AA) Ora, "...esse reforço não deverá deixar de compreender o acesso da administração tributária a informações protegidas pelo segredo bancário...".
BB) Outro aspeto a considerar é o de que, de acordo com o artigo 104° n° 2 da CRP, a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real (em detrimento do modelo de tributação pelo lucro normal), visto como afloração dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, sendo que "A natureza do principio da tributação pelo lucro real...articulada com a natureza subsidiária do recurso a presunções como forma de determinar o rendimento real, recomenda que a administração tributária esteja dotada de amplos poderes de controlo e de investigação, por forma a «averiguar se a contabilidade das empresas - relembre-se, a forma preferencial pela qual é determinado o lucro real - se mostra ou não adequada para a determinação do lucro real".
CC) A decisão de recusa de apreciação de requerimento em apreço resulta do facto de o requerente não ter instruído o pedido com todos os elementos necessários à sua apresentação e apreciação (a saber, documentos de autorização de acesso às contas bancárias), verificando-se a falta de requisitos legais de admissão do pedido; pelo que se tratou não de uma decisão sobre o pedido ou o objeto do procedimento, mas de uma decisão sobre a viabilidade da própria "instância" procedimental, sendo esta uma das situações em que pode ser pedida a condenação à prática de acto administrativo devido (artigos 37° n° 1 alínea b) e 67° n° 1 alínea b) do Código de Processo nos Tribunais);
DD) sendo que, se "... a recusa de apreciação..."se "....basear em motivos de ordem formal ... pode ser contestada com fundamento na inexistência de facto dos motivos de ordem formal ou na falta de fundamento normativo que permitisse a sua invocação...".
EE) Acontece que, na petição inicial não se provou nem a inexistência dos motivos de ordem formal que fundamentaram a decisão de recusa de apreciação (inexistência da falta de apresentação dos documentos de autorização de acesso às contas bancárias), nem a inexistência de norma legal que imponha esses requisitos de ordem formal (inexistência do artigo 139° n° 6 do CIRC).
FF) Assim não existiam fundamentos para que a ora recorrente seja condenada a admitir e apreciar o requerimento para prova do preço efectivo apresentado pelo ora Autor;
GG) Por tudo quanto ficou exposto, não se vislumbra como poderia ter sido outra a actuação da ora Recorrente.
HH) Além do mais, não estamos em presença de qualquer violação de direitos, liberdades e garantias pois o que está em causa é apenas a privacidade, não a vida íntima privada;
II) O acesso, quer à justiça administrativa, quer à jurisdicional, está previsto na norma em causa, e a ponderação dos valores em causa foi tida em conta na elaboração da norma, a qual, não nos podemos esquecer, visa afastar a aplicação de uma norma especial anti abuso.
JJ) Destarte, o acto impugnado não padece de qualquer ilegalidade.
KK) Pois que a autora devia partir para o procedimento que requereu, numa atitude de total colaboração e transparência, juntando, desde logo, todos os elementos de prova ao seu dispor, sem guardar "trunfos probatórios" para posterior apresentação e, mesmo assim, condicionada ao exercício da faculdade legal (e não imposição) ao dispor da AT de aceder à informação bancária.
LL) No procedimento do art 139°, face à prova ai produzida, a AT dispõe da faculdade ou possibilidade de, complementarmente, aceder à informação bancária da requerente e seus gerentes no penedo de tributação em que ocorreu a transmissão e ao período de tributação anterior, na condição de a requerente juntar ao requerimento inicia! as correspondentes autorizações.
MM) Mas, este quadro não faz recair sobre a AT um qualquer dever, ou imposição, de colmatar a insuficiência, ou inércia, probatória inicial da sociedade requerente.
NN) Sufragar entendimento contrário implica interpretar o princípio do inquisitório que sobre a AT impende, no sentido de obrigá-la a investigar meras pretensões do contribuinte quanto às quais este não cuidou de apresentar o correspondente suporte (s) probatórios, numa situação em que sobre si recaía totalmente o ónus probatório e que aquele incumpriu.
OO) Tal interpretação constitui um ónus excessivo imposto à AT e não atende a que as regras, do ónus probatório e o princípio do inquisitório coexistem no procedimento do art.°129° (139.°) do CIRC.
PP) Pelo contrário, deve entender-se que não tendo a autora, no aludido, requerimento, junto a atinente, necessária e imprescindível prova do preço efectivo de venda do imóvel em causa (tal como não vem, aliás, realizada nos presentes autos), a questão deve contra aquela ser decidida, em obediência às regras legais do ónus da prova, nomeadamente, do art.342°/1 do Código Civil e do art.74°/1 da LGT.
QQ) Pelo que a sentença sob recurso padece de erro de julgamento, por deficiente avaliação da prova documental, fazendo, por conseguinte, desacertada fixação e valoração do probatório e errónea interpretação dos normativos legais aplicáveis, designadamente, dos artigos 58°-A e 129° do CIRC, do artigo 342°/1 do Código Civil e dos artigos 74°/1 e 58° da LGT, pelo que não deve manter-se.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, e consequentemente ser anulada a decisão proferida nos autos, nos termos acima expostos PORÉM V. Ex.a (s) DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA “


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A Autora contra-alegou formulando as seguintes conclusões:
IV. CONCLUSÕES
1.ª A douta decisão recorrida julgou parcialmente procedente a ação administrativa especial deduzida pela ora Recorrida contra o despacho do Exmo. Senhor Diretor de Finanças de Lisboa, datado de 04.02.2010, exarado na Informação n.º 07/2010 do Serviço de Apoio às Comissões de Revisão (SACR) da Direção de Finanças de Lisboa, notificado através do Ofício n.º 010470, de 05.02.2010, o qual determinou o arquivamento do requerimento de prova do preço efetivo na transmissão de imóveis, apresentado pela ora Recorrida em 06.08.2009, nos termos do disposto no artigo 129.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) (atual artigo 139.º), com referência à alienação do prédio urbano sito na freguesia de Rebordões, concelho de Santo Tirso, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ..........;
2ª Da sentença recorrida resulta a condenação da administração tributária ao recebimento e análise do requerimento de prova do preço efetivo apresentado pela ora Recorrida;
3ª Entende a ora Recorrida que o presente recurso deve ser julgado improcedente;
4ª Tendo a sentença suportado a sua decisão na circunstância de a administração tributária não ter fundado a necessidade de apresentação das declarações de acesso à informação bancária, há, desde logo, que salientar o facto de, nas suas alegações de recurso, o Réu, ora Recorrente, não ter controvertido a ausência de avaliação da sua parte relativa à necessidade de apresentação da autorização de derrogação de sigilo bancário dos administradores do banco, face aos elementos resultantes da prova já carreada para os autos;
5ª Motivo pelo qual, não sendo feita uma contestação concreta da estrita e impreterível avaliação da suficiência da prova carreada aos autos a ser efetuada pela administração tributária, não vê a Recorrida como pode este recurso não estar senão condenado ao insucesso;
6.ª Com efeito, o que a administração tributária faz mais não é do que limitar-se a repetir o seu entendimento relativo à idoneidade, necessidade e proporcionalidade da medida prevista no n.º 6 do artigo 129.º do CIRC (atual artigo 139.º), sem nunca aferir, no caso concreto, da mesma, limitando-se a reiterar que, a fim de asseverar a veracidade do declarado, indispensável se torna o acesso aos dados bancários da autora e dos seus administradores, mas nunca esclarecendo em que medida, dos elementos de prova apresentados pelo contribuinte, resultava qualquer dúvida concernente à sua veracidade;
7ª Pelo que, bem andou a sentença ora Recorrida em considerar que “ (…) ao determinar o arquivamento do pedido de prova do valor efetivo da transmissão do imóvel em causa, sem proceder à análise da suficiência da prova oferecida e da efetiva necessidade de acesso às informações bancárias dos administradores, atuou de forma ilegal, contrária ao espírito do referido artigo, fazendo uma errada interpretação do aludido dispositivo legal.” (cf. página 18 da sentença recorrida);
8ª Razão pela qual, em face de todo o exposto, com este fundamento deve ser julgado improcedente o recurso apresentado pela ora Recorrente, mantendo-se a douta sentença recorrida;
9.ª Ainda que assim não se considere, nenhuma razão poderá também ser reconhecida à Recorrente quando esta realça que (…) a autora devia partir para o procedimento que requereu numa atitude de total colaboração e transparência, juntando, desde logo, todos os elementos de prova ao seu dispor, sem guardar “trunfos probatórios” para posterior apresentação e, mesmo assim, condicionada ao exercício da faculdade legal (e não imposição) ao dispor da AT de aceder à informação bancária.” (cf. página 12 das alegações de recurso);
10.ª Desde logo, atente-se que, no caso concreto, a Requerente, aqui Recorrida, notificada para fazer a junção das autorizações fez juntar as suas autorizações de derrogação de sigilo bancário, em total colaboração com a administração tributária (cf. decorre do ponto H. da sentença recorrida);
11.ª Nessa medida, não assiste qualquer razão a esta última quando se afirma que a ora Recorrida guarda “(…) trunfos probatórios” (cf. página 12 das alegações de recurso);
12.ª Note-se que o que a administração tributária parece exigir à aqui Recorrida é que a mesma obtenha essas autorizações dos seus administradores, desconsiderando que a mesma não tem ao seu dispor quaisquer meios coativos para exigir destes que a facultem ou para se substituir aos mesmos na emissão dessas autorizações;
13.ª Finalmente, saliente-se que não assiste, com o devido respeito, qualquer razão à Recorrente, devendo manter-se, a sentença recorrida, quando invoca a Recorrente que o princípio do inquisitório funcione a montante das regras do ónus da prova;
14.ª Com efeito, ainda que, nos termos conjugados dos artigos 342.º, n.º 1, do Código Civil e 74.º, n.º1, da LGT se preceitue que o ónus da prova em relação ao direito que se alega é da obrigação de quem faz essa mesma alegação, dita o princípio do inquisitório que apenas quando o dever de investigação que recai sobre a administração se encontra cumprido, é que a falta de prova de um determinado facto funciona contra o contribuinte;
15.ª Assim, o facto de no caso sub judice vigorar a regra geral do ónus da prova para o sujeito passivo não demite a administração do cumprimento do princípio do inquisitório.
16.ª Nestes termos, dúvidas não restam de que se impõe que o princípio do inquisitório vigore na sua plenitude no processo tributário, independentemente de sobre quem recai o ónus da prova.
17.ª Razão pela qual, em face de todo o exposto, se impõe a manutenção da sentença recorrida e o decaimento do recurso apresentado pelo Réu, na medida em que se exige que exercício do seu dever de investigação seja feito na medida da utilidade e pertinência das aludidas diligências;
18.ª Com efeito, não dispondo a Recorrida de todos os meios de prova que lhe foram solicitados, mormente das autorizações de levantamento de sigilo bancário de terceiros, e verificando a administração tributária que os elementos instrutórios relevantes poderiam encontrar-se na posse dos administradores, impor-se-ia que a mesma os pudesse diretamente requisitar, ao abrigo do princípio do inquisitório;
19.ª Repare-se que, o princípio do inquisitório encontra justificação na obrigação de prossecução do interesse público imposta à atividade da administração tributária (plasmada nos artigos 266,º. n.º1, da CRP, e 55.º da LGT), sendo corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua atividade, nos termos do disposto no artigo 266.º, n.º 2, da CRP;
20.ª Sendo que, ao abrigo do referido princípio, se impunha, no presente caso, que a administração tributária intentasse conduzir ao procedimento todas as provas relativas à situação fáctica em que iria assentar a sua decisão, mesmo que elas tivessem em vista demonstrar factos cuja prova pudesse vir a revelar-se contrária aos seus interesses patrimoniais;
21.ª Não o tendo feito, não poderia, no entanto, a sua própria falta de diligência ser fundamento de arquivamento do requerimento apresentado pela aqui Recorrida;
22.ª Neste sentido, considera a ora Recorrida que era, de facto, exigível que a administração tributária tivesse adotado um comportamento de maior empenho na busca da verdade material, certa de que está no desempenho de funções públicas, em estrito cumprimento da lei e com o único objetivo de arrecadar a receita tributária que for devida, em face das normas legais aplicáveis ao caso concreto;
23.ª Pelo que, em suma, não pode deixar de concluir-se senão pela ilegalidade da decisão de arquivamento de tal pedido, motivo pelo qual a douta sentença sob recurso deverá manter-se na parte em que condena a administração tributária a aceitar o requerimento de pedido de prova de preço efetivo apresentado pela Requerente, ora Recorrida, apreciando a prova carreada para o mesmo procedimento por esta última.
Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a sentença recorrida, na parte em que condena a ora Recorrente, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!

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A Autora, no seu recurso, formula as seguintes conclusões:


III. CONCLUSÕES

1.ª A douta decisão recorrida julgou parcialmente improcedente a ação administrativa especial deduzida pelo ora Recorrente contra o despacho do Exmo. Senhor Diretor de Finanças de Lisboa, datado de 04.02.2010, exarado na Informação n.º 07/2010 do Serviço de Apoio às Comissões de Revisão (SACR) da Direção de Finanças de Lisboa, notificado através do Ofício n.º 010470, de 05.02.2010, o qual determinou o arquivamento do requerimento de prova do preço efetivo na transmissão de imóveis, apresentado pelo ora Recorrente em 06.08.2009, nos termos do disposto no artigo 129.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) (atual artigo 139.º), com referência à alienação do prédio urbano sito na freguesia de Rebordões, concelho de Santo Tirso, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ..........;
2.ª O Tribunal recorrido julgou a ação administrativa especial apresentada pelo Recorrente parcialmente improcedente, com fundamento na inexistência de restrição ilegítima do direito à reserva da vida privada, do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, do princípio da proporcionalidade e, bem assim, do princípio da tributação das empresas pelo rendimento real e da igualdade contributiva;
3.ª Salvo o devido respeito, não pode proceder o entendimento da sentença a quo;
4.ª Com efeito, e desde logo, incorre a sentença recorrida em erro de julgamento quanto à invocada inconstitucionalidade do artigo 139.º, n.º 6, do Código do IRC, por violação do princípio da reserva da intimidade da vida privada, constitucionalmente consagrado no artigo 26.º da Lei Fundamental;
5.ª No que concerne à violação do princípio da reserva à intimidade da vida privada, tal consubstancia-se, desde logo, na circunstância de o eventual acesso à informação bancária do sujeito passivo e dos seus administradores, como condição necessária do deferimento do requerimento apresentado nos termos do artigo 139.º do Código do IRC, determinar o alargamento do núcleo de pessoas que tomam conhecimento de informações protegidas, relativas ao sujeito passivo, sem que este último tenha à sua disposição qualquer garantia de defesa ou alternativa que não seja a de autorizar o levantamento do sigilo bancário;
6.ª Efetivamente, e muito embora se reconheça o direito do Estado à cobrança de impostos, assim como o objetivo de combate à fraude e evasão fiscal, tal não pode restringir, sem mais, o direito à intimidade da vida privada, quer do sujeito passivo, quer dos terceiros envolvidos;
7.ª Ora, o legislador pretendeu consagrar, naquele n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC um regime especial de derrogação do sigilo bancário que visou exigir ao sujeito passivo a apresentação das autorizações para aceder à sua informação bancária e à dos seus administradores, renunciando voluntariamente ao sigilo bancário e providenciando pela renúncia voluntária ao mesmo sigilo de um terceiro, seu administrador à data da transmissão, não tendo, para esse efeito, acautelado minimamente a possível violação daquele direito à reserva da intimidade da vida privada;
8.ª Pelo que, uma vez que não se vislumbra qualquer justificação para a consagração, no n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC, de um regime legal com tais implicações na esfera de direitos do sujeito passivo e de terceiros, nada justifica, também e neste caso, a sobreposição dos referidos objetivos de combate à fraude e evasão fiscal e do próprio direito do Estado de cobrar impostos ao direito à reserva da intimidade da vida privada consignado naquela norma, razão pela qual é, desde logo, evidente que o preceito sob análise incorre em violação do direito à reserva da intimidade da vida privada, previsto no artigo 26.º, n.º 1, da CRP;
9.ª Mas, para além da violação do referido princípio/direito, uma outra ocorre em consequência da concretização do comando ínsito naquele n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC, qual seja, a violação dos princípios do Estado de Direito e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva;
10.ª Efetivamente, o efeito imediato da consagração do regime legal previsto na referida norma é o de que o sujeito passivo, ainda que absolutamente convicto da razão que lhe assiste, se retraia no que respeita à utilização do expediente legal em causa, sob pena de sacrificar o seu direito à reserva da intimidade da vida privada;
11.ª Com efeito, o sujeito passivo depara-se, perante aquele n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC, com uma situação dilemática em que ou autoriza a derrogação do seu sigilo bancário e obtém de terceiros as autorizações relativas a essa derrogação ou se vê irremediavelmente privado de afastar a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 64.º do Código do IRC e, inclusive, de impugnar judicialmente a própria liquidação de imposto ou, se a este não houver lugar, as correções ao lucro tributável efetuadas por efeitos da aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 64.º do Código do IRC;
12.ª Pelo que, não pode deixar de concluir-se, em sintonia com a jurisprudência firmada pelo TC no Acórdão n.º 442/2007, que o disposto no n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC origina que o sujeito passivo renuncie a “(…) um instrumento fundamental de tutela dos direitos (…)”, daí resultando uma evidente violação do princípio do Estado de Direito e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, a qual se materializa na decisão sub judice, que, por isso, deverá ser anulada com fundamento na violação das normas constantes dos artigos 2.º, 20.º, n.º 1 e n.º 4, e 268.º, n.º 4, todos da CRP;
13.ª Para além das violações acima aludidas, a norma prevista no n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC e a sua aplicação, nos termos em que o fez a decisão sub judice, incorre, igualmente e ainda tendo por referência o direito fundamental de reserva à intimidade da vida privada, na violação do princípio da proporcionalidade;
14.ª Desde logo, no que se refere às mencionadas vertentes da adequação e da necessidade porquanto, embora se reconheça que o eventual controlo e acesso à informação bancária do sujeito passivo poderá, em face do objetivo mediato de combate à evasão e à fraude fiscal que presidiu à consagração do regime legal previsto no artigo 139.º, justificar aquele acesso, já nada poderá justificar que o mesmo se concretize da forma absurda que resulta da aplicação do n.º 6 daquele preceito, inexistindo, assim, na previsão daquele n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC, qualquer razoabilidade mas, ao invés, uma manifesta desadequação dos meios em face dos fins a atingir;
15.ª Efetivamente, das informações constantes da documentação apresentada pelo Recorrente, resulta inequívoco o preço efetivo da transmissão do imóvel em causa, o que claramente demonstra não ser a aludida derrogação imprescindível para a prova do preço efetivo; 16.ª Pelo que se constata, assim, que o recurso àquele mecanismo se afigura manifestamente desadequado e desnecessário e, por esse motivo, inteiramente desproporcional;
17.ª A violação do princípio da proporcionalidade ocorre também na sua vertente mais estrita, face à circunstância de se exigir ao sujeito passivo que apresente, para efeitos da utilização do expediente previsto no artigo 139.º do Código do IRC, as autorizações de levantamento do sigilo bancário relativo a terceiros, quais sejam, os seus administradores, quando não está na sua esfera de decisão e de poderes autorizar o acesso à informação bancária daqueles;
18.ª Nessa medida, e em face do exposto, deve a decisão sub judice ser anulada, também com fundamento na violação do princípio da proporcionalidade;
19.ª Sem prejuízo do exposto, entende o Recorrente que, além das demais inconstitucionalidades invocadas, não assiste razão, com o devido respeito, ao Tribunal recorrido, também no que respeita à sua desconsideração da inconstitucionalidade do artigo 139.º, n.º 6, do Código do IRC, por violação do princípio da tributação pelo lucro real previsto no artigo 104.º da CRP;
20.ª Entende o Recorrente que o normativo constante do artigo 139.º, n.º 6 do Código do IRC, quando interpretado e aplicado no sentido de que a autorização de derrogação do sigilo bancário dos administradores ou gerentes constitui um requisito imprescindível ao afastamento da presunção de rendimento do contribuinte pessoa coletiva prevista no artigo 58.º-A (atual artigo 64.º) do Código do IRC, padece de inconstitucionalidade por violação do princípio da tributação pelo rendimento real (artigo 104.º, n.º 2 da CRP) e do princípio da igualdade contributiva (previsto, entre outros, nos artigos 13.º e 104.º, n.º 1 e n.º 2, ambos da CRP);
21.ª Com efeito, a presunção, quer do rendimento, quer do próprio valor de alienação do imóvel a considerar para efeitos de determinação do rendimento tributável em IRC, apenas poderá ser admissível se consubstanciar uma presunção relativa, ou seja e in casu, se for, na prática, possível efetuar a demonstração do valor real e efetivo da transmissão, razão pela qual, não o sendo, ocorre, no entendimento do Recorrente e salvo melhor opinião, uma manifesta violação do princípio constitucional da tributação pelo rendimento real, previsto no artigo 104.º, n.º 2, da CRP;
22.ª Sucede que, à luz da redação do mencionado anterior artigo 139.º, n.º 6, do Código do IRC, de 29 de Dezembro, aplicada pela administração tributária, o legislador tributário veio tornar, na prática, inilidível a presunção de rendimento consagrada no artigo 64.º, enformando aquela norma, no entendimento do Recorrente, da inconstitucionalidade;
23.ª Efetivamente, a mencionada Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, ao proceder ao aditamento ao artigo 139.º, n.º 6, do Código do IRC, da menção “(…) devendo para o efeito ser anexados os correspondentes documentos de autorização”, veio, na prática, converter o preço efetivo de alienação numa demonstração potencialmente impossível e, nessa medida, suscetível de violar, desde logo, não só o princípio da tributação pelo rendimento real, mas também, o princípio da igualdade contributiva;
24.ª Pelo que, em suma, o artigo 139.º, n.º 6, do Código do IRC, quando interpretado e aplicado da forma em que o fez a administração tributária no caso vertente, ou seja, no sentido de que a autorização de derrogação do sigilo bancário dos administradores ou gerentes constitui um requisito imprescindível ao afastamento da presunção de rendimento prevista no artigo 64.º do Código do IRC, padece de inconstitucionalidade por violação do princípio da tributação pelo rendimento real consagrado no artigo 104.º, n.º 2, da CRP e do princípio da igualdade contributiva, previsto, entre outros, nos artigos 13.º e 104.º, n.º 1 e n.º 2, ambos da CRP, impondo-se, também com esse fundamento, a imediata anulação da decisão em crise;
25.ª Estando por demais evidenciadas as referidas inconstitucionalidades, deve a presente sentença ser revogada, por aplicação de norma inconstitucional;
26.ª Caso não se entendam verificadas as enunciadas inconstitucionalidades, o que apenas por cautela e dever de patrocínio se concebe, sem conceder, ainda assim o ato em crise infringiu, contrariamente ao que se entendeu na sentença recorrida, o disposto no artigo 63.º - B da LGT;
27.ª Isto porque, estabelecendo a referida norma os limites até aos quais o legislador ordinário entendeu que o regime da derrogação do sigilo bancário por razões de ordem fiscal estaria conforme com os princípios e direitos constitucionais, nomeadamente, restringindo aquele acesso, mesmo quando o sujeito passivo não dê o seu consentimento, às situações em que haja indícios concretos da prática de um crime fiscal ou da falta de veracidade do declarado e exigindo a autorização judicial prévia nos casos de derrogação do sigilo bancário de terceiros, é por demais evidente que a previsão e aplicação daquele n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC, tal como preconizado pela administração tributária na situação sub judice, extravasou, e muito, os princípios e os limites implícitos no artigo 63.º-B da LGT;
28.ª Com efeito, não constituindo os factos tributários a apreciar no âmbito do procedimento desencadeado ao abrigo do disposto no artigo 139.º do Código do IRC uma situação que exija um especial controlo por parte da administração tributária, nomeadamente mais apertado do que aquele se verifica, por exemplo, com referência a uma situação de apuramento da matéria coletável através de métodos indiretos, a qual se rege pelas regras previstas naquele artigo 63.º-B da LGT, nada justifica, também, que o acesso às informações bancárias do sujeito passivo e dos terceiros se processe, no âmbito daquele artigo 139.º, ao arrepio das regras e dos princípios constantes do artigo 63.º-B da LGT;
29.ª Fica, assim, demonstrada, também por este motivo, a ilegalidade do disposto no n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC e, nessa medida, da decisão sub judice;
30.ª Deste modo, e em face de todo o exposto, resultam improcedentes os argumentos invocados na sentença recorrida, razão pela qual a mesma deve ser revogada atenta a sua ilegalidade;
31.ª Sendo anulada, nos termos acima peticionados, a decisão em crise, e uma vez que se verificam no caso vertente todos os pressupostos de que depende o deferimento do pedido de prova do preço efetivo, deve ser o mesmo deferido para efeitos de validação do montante declarado pelo Recorrente, com referência à transmissão do imóvel em causa;
32.ª Isto porque, à luz da factualidade dada como provada na decisão recorrida e que se encontra assente entre as partes, assim como das normas e princípios aplicáveis, a condenação à prática do ato devido no caso sub judice deveria consistir na imposição da emissão de um ato de deferimento daquele pedido de prova do preço efetivo;
33.ª De facto, o Recorrente invocou e demonstrou o preço efetivo de transmissão do imóvel em questão, juntando a apresentação do pedido de prova do preço da transação, a cópia da escritura pública de compra e venda realizada, assim como dos documentos bancários comprovativos do recebimento do preço declarado na mesma (cf. cópias que foram juntas como documento n.º 2 ao requerimento apresentado nos termos do disposto no art. 129.º do Código do IRC e que integra o processo administrativo instrutor), impugnando-se a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, na parte em que não julgou como provados esses factos;
34.ª Posteriormente, a 30.10.2009, o Recorrente procedeu à junção da declaração destinada a autorizar a administração tributária a aceder à sua informação bancária. (cf. ponto H) da matéria de facto dada como provado na sentença recorrida);
35.ª Ora, tendo em consideração que, daqueles documentos, resulta inequivocamente demonstrado, e sem ser necessária a produção de qualquer prova adicional, que, por um lado, aquele foi o preço pelo qual o ora Recorrente transmitiu o imóvel em questão e que, por outro lado, o mesmo foi praticado por um montante inferior ao valor patrimonial tributário apurado pela administração tributária, encontra-se no caso sub judice demonstrado e comprovado o preço efetivo de transmissão do imóvel em apreço para efeitos do disposto no artigo 139.º do Código do IRC;
36.ª Motivo pelo qual, é, pois, inequívoca a ilegalidade da decisão ora posta em crise, impondo-se a sua integral anulação e o reconhecimento de que o preço praticado pelo Recorrente foi o preço efetivo do imóvel;
37.ª De facto, subjaz ao alcance da condenação à prática do ato devido, também, a apreciação da situação material controvertida, podendo o Tribunal fixar à administração tributária os elementos do ato que deve emitir;
38.ª Efetivamente, mais do que reconhecer a ilegalidade da atuação ou omissão da administração tributária, prescrevendo o conteúdo dos atos que esta não está autorizada a emitir, a decisão condenatória tem também um conteúdo positivo, assente na determinação do que é um ato administrativo devido;
39.ª Ora, atendendo aos pressupostos de facto e de direito dados como assentes na decisão recorrida, é possível concluir que o ato legalmente devido no caso em apreço é o reconhecimento da demonstração do preço efetivo de transmissão dos imóveis em causa;
40.ª Incorreu, assim, a sentença recorrida em erro, quando se limitou a condenar a administração tributária apenas à reção e apreciação do pedido de prova efetiva do preço do imóvel transmitido pela autora, sem que, à luz das circunstâncias do caso concreto, houvesse determinado o conteúdo do ato a emitir;
41.ª Tendo em consideração que, resulta dos documentos apresentados pelo Recorrente, de forma inequívoca o preço pelo qual foram transmitidos os imóveis em questão, bem como a inferioridade desse montante face aos valores patrimoniais tributários apurados pela administração tributária, a conclusão que deveria ter sido retirada era a de que não persistem motivos para continuar a negar o direito ao pedido de prova do preço efetivo.
42.ª Em face de todo o exposto, resulta evidente o erro de julgamento em que incorreu a sentença recorrida, a qual deve ser anulada, julgando-se a ação administrativa especial procedente e condenando à administração tributário ao deferimento do pedido de prova do preço efetivo feito pelo Recorrente.
Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da decisão recorrida na parte ora objeto de recurso e, nessa medida, condenando-se a administração tributária à prática do ato devido que defira o pedido de prova do preço efetivo, assim cumprindo com o Direito e a Justiça!”


***

A Autoridade Tributária contra-alegou formulando as seguintes conclusões:
“C - Face ao exposto, devem retirar-se as seguintes conclusões:
a) No âmbito do procedimento de prova de preço efectivo de um imóvel, importa reter o seguinte:
b) Em primeiro lugar, a administração tributária visa aferir da realidade subjacente ao negócio, no sentido de eventualmente prevenir a emissão de uma liquidação.
c) Segundo, por via da presunção prevista no artigo 64.º do CIRC, é ao contribuinte que cumpre efectuar a prova de que o preço declarado é o preço efectivo da transmissão do imóvel.
d) Terceiro, não estamos perante uma derrogação de sigilo bancário de iniciativa da Administração Tributária mas sim da iniciativa do contribuinte, se este pretender ilidir a presunção ínsita no artigo 64.º do CIRC.
e) Importa reiterar a este propósito que a renúncia à derrogação ao sigilo bancário é, nos termos do artigo 139.º do CIRC, um acto voluntário. Não é a Administração Tributária que acede à informação bancária sem autorização do contribuinte.
f) Lembramos que, a protecção constitucional da reserva da vida privada, ao nível dos direitos liberdades e garantias fundamentais, só tem razão de ser na medida em que o acesso a dados bancários pode revelar as escolhas, os gostos e o estilo de vida do indivíduo e do seu perfil enquanto ser humano. Ora, tal finalidade, está ligada à protecção da dignidade humana e daí que não se estenda às entidades colectivas que actuam limitadas pelo princípio da especialidade do fim que prosseguem e que, assim, não têm a possibilidade de se autodeterminarem livremente.
g) Quanto aos administradores ou gerentes do Recorrente, mesmo que se considere que o direito ao segredo bancário é um direito fundamental e que está abrangido pela reserva de intimidade da vida privada – o que não é líquido, veja-se, neste sentido, o voto de vencido do Exmo. Conselheiro Gil Galvão no Acórdão n.º 442/07, de 07.08.14, do Tribunal Constitucional – facto é que o segredo bancário não pode ser abrangido pela tutela constitucional da reserva à intimidade da vida privada nos mesmos termos de outras áreas da vida pessoal.
h) Citando Saldanha Sanches: «O primeiro ponto que deve ser considerado ao tratarmos do segredo bancário e do segredo fiscal é o de que não estamos perante aquilo que a constituição tutela como “reserva da intimidade da vida privada e familiar”, ou seja aquele núcleo central de características e comportamentos de natureza pessoal (maxime sexual e familiar) que a lei deverá proteger para proporcionar “garantias efectivas contra a utilização abusiva ou contrária à dignidade humana» (n.º 1 e n.º 2 do artigo 26.º da CRP).»
i) Isto é, estamos perante dados de natureza patrimonial (rendimentos, aquisições, alienações) que podem respeitar à esfera de privacidade, mas não da intimidade da vida privada.
j) Conforme se refere no próprio Acórdão n.º 442/2007 do Tribunal Constitucional, o segredo bancário situa-se no âmbito da vida de relação, fora da esfera mais estrita da vida pessoal, daí que ocupe uma zona de periferia, com uma necessidade de menor tutela e mais complacente com restrições advindas da necessidade de acolhimento de outros valores e interesses contrastantes.
k) É ainda de importância extrema sublinhar que a informação bancária, não é divulgada a uma qualquer entidade, mas sim à Administração Tributária, o que significa que esses dados continuam a estar abrangidos por um dever de sigilo – o sigilo fiscal –, cuja violação é tipificada como crime de violação de segredo profissional (cf. artigos. 62.º da LGT, 91.º do RGIT e 195.º e 383.º, ambos do Código Penal).
l) Citando, uma vez mais, o Acórdão n.º 442/2007, do Tribunal Constitucional: «Constata-se, pois, que, não só o sigilo bancário cobre uma zona de segredo francamente susceptível de limitações, como a sua quebra por iniciativa da Administração tributária representa uma lesão muito diminuta do bem protegido.»
m) Ora se a lesão do bem jurídico – o direito da reserva à intimidade da vida privada – se tem por muito diminuta em caso de quebra do sigilo bancário por iniciativa da Administração Tributária, forçosamente se deve considerar inexistente quando por iniciativa do contribuinte, como é o caso do n.º 6 do artigo 139.º do CIRC.
n) Acresce o facto de o sacrifício desse bem se justificar pelos interesses superiores, de natureza pública, que a Administração Fiscal visa atingir através da derrogação do sigilo bancário.
o) Tal como se decidiu no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 442/07, atrás referido «Atendendo ao peso relativo dos interesses aqui ligados à tutela da privacidade e ao diminuto grau da sua afectação, em concreto, pelo levantamento do sigilo bancário, por um lado, e à intensidade da exigência de efectivação da justiça fiscal, por outro, pode concluir-se que, em certas condições, é constitucionalmente legítima a restrição, com este fundamento, do direito à privacidade.», «... a exigência da autorização dos acessos à informação bancária dos administradores ,…, não viola o art. 104.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) na medida em que a tributação da empresa incide fundamentalmente sobre o rendimento real, concedendo margem para a tributação por métodos indirectos, manifestações exteriores de riqueza, regime simplificado e presunções. È entendimento do Tribunal Constitucional e da jurisprudência do STA que os princípios da capacidade contributiva e da tributação pelo lucro real não são absolutos. Estas têm como limites outros valores constitucionalmente protegidos, …, devendo dar-se prevalência à protecção do interesse público no combate á fuga e à evasão fiscal, subjacente às exigências de natureza formal.»
p) É, face ao exposto, evidente que o n.º 6 do artigo 139.º do CIRC, não incorre em violação do direito à reserva da intimidade privada, previsto no n.º 1 do artigo 26.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
q) Importa, ainda, sublinhar que como ratio legis do artigo 64.º do CIRC, está a tensão dialéctica entre o combate à evasão e à fraude fiscal e a autorização da derrogação de sigilo bancário por parte do sujeito passivo e seus administradores.
r) Ora, parece evidente que a autorização de acesso à informação bancária se constitui como uma medida adequada à obtenção da verdade material que porventura possa estar oculta pelo sigilo bancário.
s) Mais, considerando o legislador que o dever fundamental de pagar impostos está posto em causa – ratio do disposto no artigo 64.º do CIRC –, face a uma alienação de imóvel que sai necessariamente dos padrões de normalidade da actividade económica, parece-nos evidente a adequação da medida face ao fim visado.
t) De igual forma se encontra preenchido o conceito de necessidade, pois que demonstrada que está a pertinência do conhecimento dos dados bancários para a decisão da administração tributária – até para um eventual ilidir da «presunção de evasão fiscal» prescrita pelo artigo 64.º. do CIRC –, fica na disponibilidade do contribuinte a preservação ou não do segredo bancário.
u) Por fim, relativamente à proibição do excesso, e reiterando o acima exposto, considerando que a decisão última cabe sempre ao contribuinte, não podemos aceitar a alegação que se possa estar perante um “excesso”, pois a autorização de acesso à informação bancária será sempre resultado de um consentimento prévio do sujeito passivo.
v) O recorrente não só não concedeu acesso à informação bancária dos seus administradores, como também não efectuou qualquer prova, ou sequer solicitou qualquer diligência, no sentido de demonstrar que o valor da venda do imóvel corresponde efectivamente ao preço constante do contrato.
w) Nesse contexto, dir-se-á ainda que o princípio da tributação do rendimento real não é incompatível com as regras de normalização do apuramento da matéria colectável, facto sobejamente confirmado pela introdução de um moderador de sentido na redacção do n.º 2 do artigo 104.º da CRP, que é o advérbio «fundamentalmente».
x) Não pode o tribunal anular a sentença, conforme o pedido formulado pelo Recorrente.
y) Isto porque a faculdade que a Administração Tributária tem de aceder à informação bancária do requerente e dos respectivos administradores ou gerentes do período em que ocorreu a transmissão e do exercício anterior é uma mera condição do procedimento.
z) Do acesso à informação bancária – ou até da inconstitucionalidade da condição do procedimento defendida pelo Recorrente – não resulta uma prova absoluta de que o preço efectivamente praticado corresponde ao valor constante do contrato.
aa) Assim, a prova de que o preço efectivo corresponde ao valor constante do contrato depende, não só do acesso à informação bancária, mas também da justificação das condições anormais de mercado em que se realizou a transmissão, de que resultou a fixação de um preço inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do bem imóvel transmitido.
bb) Disso mesmo nos dá conta o disposto no n.º 2 do artigo 139.º do CIRC, ao determinar: «Para efeitos do disposto no número anterior [para efeitos prova do preço efectivo na transmissão de imóveis], o sujeito passivo pode, designadamente, demonstrar que os custos de construção foram inferiores aos fixados na portaria a que se refere o n.º 3 do artigo 62.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, caso em que ao montante dos custos de construção deverão acrescer os demais indicadores objectivos previstos no referido Código para determinação do valor patrimonial tributário.»
cc) É, deste modo, patente que a eventual revogação da sentença, conforme a pretensão do Recorrente implica, necessariamente, a emissão de um juízo de valor, de índole técnica, inserido na margem de livre apreciação da Administração Tributária.
dd) Assim andou bem o Tribunal a quo ao decidir como decidiu.
Nos termos supra expostos, e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado totalmente improcedente.”

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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificado para o efeito, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colheram-se os vistos dos Juízes Desembargadores adjuntos.

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DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, em consonância com o disposto no art. 635º do CPC e art. 282º do CPPT, são as conclusões apresentadas pelo recorrente nas suas alegações de recurso, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer, ficando, deste modo, delimitado o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem.

No caso que aqui nos ocupa, as questões a decidir consistem em saber:
Recurso da Fazenda Pública:
- A sentença recorrida enferma de erro de julgamento por errada valoração da prova produzida, designadamente por entender que sobre a AT recai o ónus, ao abrigo do princípio do inquisitório, de obter a informação bancária que a A. não juntou ao pedido efectuado ao abrigo do art. 129º do CIRC;
Recurso da Autora:
- A sentença incorreu em erro de julgamento por erro de Direito ao entender que ao processo de prova do preço de venda efectivo, estabelecido no art. 129º do CIRC, devem ser juntos os extractos bancários dos seus administradores em violação os princípios constitucionais da reserva da vida privada, do Estado de Direito, da proporcionalidade e tributação pelo lucro real, bem como violação do art. 63º-B da LGT e a não condenação da AT a deferir o pedido formulado.


***

II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

Compulsados os autos e analisados os documentos e processo administrativo juntos ao processo e não contestados, dão-se como provados, com interesse para a decisão os factos infra indicados:

A) A autora é uma instituição de crédito que, no âmbito da sua atividade comercial, celebrava contratos de locação financeira de imóveis;

B) A sociedade T.......o S.A., foi incorporada por processo de fusão, no Banco S......., S.A. – cfr. doc. junto a fls. 140 e 141 dos autos;

C) No dia 27/09/2007, a autora celebrou um acordo, denominado de “Compra e venda”, reduzido a escritura pública no Cartório Notarial do Notária M........., o qual se dá aqui por integralmente reproduzido – cfr. doc. de fls. 7 a 11 do PA, não contestado;

D) Naquela escritura pública, pela representante da autora foi declarado que pela mesma se vendia, pelo valor global de 242.000,00€, o prédio urbano sito na freguesia de Rebordões, concelho de Santo Tirso, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ….. – cfr. doc. junto a fls. 7 a 11 do PA, não contestado;

E) Em 09/06/2009, a autora tomou conhecimento de que o Valor Patrimonial Tributário (VPT) definitivo do imóvel identificado em C), fora fixado em 252.820,00€ - não contestado;

F) Em 06/08/2009 a autora foi junto do Serviço de Finanças de Lisboa 10, solicitar que para efeitos de VPT fosse considerado o valor constante da escritura pública identificada em B) – cfr. doc. junto a fls. 3 a 15 do PA, não contestado;

G) Em 09/10/2009, o SACR da Direção de Finanças de Lisboa, solicitou junto da Autora a apresentação de "( ... ) documentos que autorizem a Administração Fiscal a aceder à informação bancária da empresa e dos respectivos administradores referente ao exercício em que ocorreram as transmissões e ao exercício anterior ( ... )" - cf. cópia do oficio n.º n." 096899, de 11/11/2009 (Doc. 1 junto com a p.i.;

H) Em 30/10/2009, a autora procedeu à junção da declaração destinada a autorizar a administração tributária a aceder à sua informação bancária – cfr. doc. a fls. 24 a 29 do PA ;

I) Em 12/11/2009 a Direção de Finanças de Lisboa vem conceder à Autora o prazo de 10 dias para proceder ao envio das declarações do levantamento do sigilo bancário dos respetivos administradores para o período de 2006/2007 – cfr. doc. junto a fls. 30 a 32 do PA;

J) Pelo despacho n.º 010470 de 05/02/2010 foi proferida decisão de arquivamento do Pedido de Prova do Preço Efetivo na transmissão do prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de Rebordões, Concelho de S. Tirso, sob o artigo .......... – cfr. doc. junto com a p. i. - fls.62 a 67 dos autos;

K) A autora deduziu em 10/05/2010 a presente ação administrativa especial – cfr. fls. 2 dos autos.”



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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:
Dos autos não resulta provado que a autora tenha procedido ao envio das declarações de levantamento do sigilo bancário dos respetivos administradores para o período de 2006/2007, conforme lhe foi solicitado pela Direção de Finanças de Lisboa (ponto I do probatório).

Não existem outros factos não provados com relevo para a decisão da causa.



***
A decisão da matéria de facto fundou-se no seguinte:
Motivação

A factualidade apurada não se mostra controvertida em face das posições assumidas pelas partes nos autos.

Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos, no processo administrativo em apenso e nos factos alegados e não contestados, conforme indicado em cada uma das alíneas.

Quanto ao facto dado por não provado, o mesmo resulta da alegação de ambas partes e extrai-se igualmente da fundamentação da decisão de arquivamento do Pedido de Prova do Preço Efetivo na transmissão do prédio identificada na alínea J) do probatório. Com efeito, face à posição das partes e aos documentos juntos pelas mesmas, pode-se inferir que a autora não procedeu à entrega das declarações de levantamento do sigilo bancário dos respetivos administradores para o período de 2006/2007.”



***

III . Da Fundamentação De Direito

Nos presentes autos são apresentados dois recursos; um apresentado pela Fazenda Pública e outro pela Autora.
Argui a Recorrente Fazenda Pública que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento por incorreta valoração da prova o que determina, bem como erro de julgamento de Direito pela extensão que atribui ao princípio do inquisitório ordenando que seja a própria Autoridade Tributária a obter a informação bancária que seja relevante para apreciar o pedido formulado pela Autora, aqui recorrida.
Por outro lado, advoga a Recorrente autora nesta ação que o Tribunal a quo fez uma errada interpretação do Direito, ao não ter considerado violados os princípios constitucionais da reserva da vida privada, proporcionalidade e tributação pelo lucro real, bem como violação do art. 63º-B da LGT e a não condenação da AT a deferir o pedido formulado.
Por questões de precedência lógica, vamos começar por apreciar o recurso da Autora, onde é suscitada a questão da violação dum conjunto de princípios constitucionais supra aludidos, na parte em que impõe a autorização de acesso à informação bancária do sujeito passivo/requerente e, mormente, de terceiros (os seus administradores/gerentes), como condição de acesso ao procedimento previsto no artigo 129.º, n.ºs 1 a 3, do CIRC, na redação conferida pela Lei n.º 53-A/2006 de 29 de dezembro e, consequentemente, para a elisão da presunção prevista no artigo 58.º-A, n.º 2, do Código do IRC (atual artigo 64.º do mesmo código) .
Sobre a questão em apreço é vasta a jurisprudência do Tribunal Constitucional e toda no sentido de considerar que o nº 6 do artigo 129º do CIRC, não padece dos vícios que lhe são aqui assacados.
Por concordarmos, sem reservas, com a interpretação reiterada daquele Tribunal, e tendo em vista obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito, como determina o art. 8º, nº 3 do Código Civil, transcrevemos, o Aresto nº 176/2023, de 30/03/2023, tirado no processo nº 1213/2021, onde são tratadas todas as questões aqui suscitadas.
Assim, e sobre o princípio da Reserva de Intimidade da Vida Privada, Estado de Direito, Tutela Jurisdicional Efetiva e da proporcionalidade, discorre aquele Acórdão do seguinte modo:
11.1. O direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar (artigo 26.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa) integra o catálogo de direitos, liberdades e garantias, estando dotado da especial eficácia que deriva do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa. É habitual desdobrar este direito fundamental em três dimensões: o direito à solidão, o direito ao anonimato e o direito à autodeterminação informativa. Este último, por sua vez, é entendido como “o direito de subtrair ao conhecimento público factos e comportamentos reveladores do modo de ser do sujeito na condução da sua vida privada” (v. Acórdãos do TC n.º 442/2007 e 517/2015), definindo um espaço de arbítrio conferido a cada pessoa para “decidir livremente quando e de que modo pode ser captada e posta a circular informação respeitante à sua vida privada e familiar” (ibid.) e é a dimensão que mais nos interessa no contexto colocado (em sentido parcialmente convergente, v. J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Almedina, 2007, pp. 467-468).
A grande dificuldade na compreensão deste direito, logo numa primeira abordagem, reside em distinguir, de entre o vasto espectro de informação relativa a uma pessoa, qual a que se inscreve no espaço de confidencialidade definido pelo seu perímetro defensivo e, dentro dele, em que medida se estabelecem graus de permeabilidade a exposição a publicidade entre categorias (v. J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, op. cit., p. 468). Se parece certo que a reserva de informação variará em função de estratos de natureza polarizada – entre a sua natureza íntima ou indiferenciada – é igualmente desafiante definir com segurança em que medida se pode entender que interesses jurídicos ou direitos justificarão limites ao direito e em função de que parâmetros.
Existirá, com toda a certeza, um núcleo de intimidade inviolável, mas a privatividade da informação relativa a uma pessoa dependerá de uma articulação multifatorial que permita compreender o contexto e dinâmicas em que está colocada: de uma parte, da sensibilidade da informação e da forma como se pode entender expressiva da personalidade e, por inerência, como uma componente da dignidade humana (artigo 26.º, n.º 2); de outra, da forma como a informação se correlaciona com terceiros ou com a comunidade jurídica e a eles também respeita, em maior ou menor medida, suscitando interesses legítimos de sinais opostos entre reserva, cognoscibilidade, publicidade e integração no domínio público.
Assim (v. g.), dada informação poderá entender-se protegida pelo direito a reserva se relativa ao comercial de uma empresa, mas não se respeitar a um deputado ou ao gestor de uma empresa de capitais públicos, atenta a relevância para a ordem pública de ambas as ocupações; dada informação relativa a uma criança estará protegida da curiosidade dos seus vizinhos, mas não dos seus pais, encarregues das respetivas responsabilidades parentais; informação haverá, relativa a todas estas pessoas, que será inviolável em qualquer caso, porque inscrita no estrito âmbito da intimidade individual, sem ramificações para terceiros e desprovida de ressonância interpessoal; e outras haverá, por oposição, cuja cobertura constitucional de reserva será inexistente, porque coevas ao contacto social e mundano. Entre estes dois extremos, imensas gradações intermédias se colocam, mesmo no plano teórico.
Assinalamos que o balizamento entre parâmetros não pretende exprimir as condições para a admissibilidade de intrusões no direito à reserva da vida privada tendo por orientação um referente legitimador, mas, a montante desse problema, sinalizar o caráter complexo da delimitação da esfera de proteção conferida pelo direito e da intensidade da sua tutela. Este deverá definir, assim um espaço de proteção conjunto, mas estratificado, social e “culturalmente adequado à vida contemporânea” (v. J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, op. cit., p. 468), que constitua manifestação da pluralidade de vetores inerente ao contexto pessoal de quem dela beneficia (e de quem pode prejudicar) e adequada concretização jurídico-constitucional das variáveis, de segurança e interpessoais, inerentes às relações entre o individuo, terceiros e a própria comunidade jurídica.
11.2. De entre as múltiplas categorias de informação cujo direito à autodeterminação se coloca, a jurisprudência constitucional veio sinalizando “uma ‘esfera privada de ordem económica’, também merecedora de tutela” (acórdão do TC n.º 442/2007 citando ALBERTO LUÍS, Direito bancário, Coimbra, 1985, p. 88; v. também acórdãos do TC n.ºs 278/95 e 517/2015), que compreenderá a reserva de informação sobre o património e sobre operações económico-financeiras, agasalhando do ponto de vista jurídico-constitucional o segredo bancário, este o problema de charneira colocado pelo recorrente:
“a situação económica do cidadão, espelhada na sua conta bancária, incluindo as operações activas e passivas nela registadas, faz parte do âmbito de protecção do direito à reserva da intimidade da vida privada, condensado no artigo 26º, nº 1, da Constituição, surgindo o segredo bancário como um instrumento de garantia deste direito. De facto, numa época histórica caracterizada pela generalização das relações bancárias, em que grande parte dos cidadãos adquire o estatuto de cliente bancário, os elementos em poder dos estabelecimentos bancários, respeitantes designadamente às contas de depósito e seus movimentos e às operações bancárias, cambiais e financeiras, constituem uma dimensão essencial do direito à reserva da intimidade da vida privada constitucionalmente garantido” (acórdão do TC n.º 278/95)
A propósito de sigilo bancário, há ainda quem acrescente um enquadramento de natureza mais pessoal e proponha a sua integração num plano defensivo muito mais intenso.
Defende-se que os dados bancários contêm em si mesmos uma miríade de informação acerca do seu titular apta a expor indiretamente vertentes íntimas da sua personalidade: da análise das posições bancárias e respetivos lançamentos, diz-se, obter-se-á “um retrato fiel e acabado da forma de condução de vida, na esfera privada, do respetivo titular” (acórdão do TC n.º 442/2007), ou, por outras palavras, “são um espelho e um relatório circunstanciado do mais importante que uma pessoa moderna realiza ao longo da sua vida. Por isso, é, principalmente, no direito à reserva da vida privada que hodiernamente se baseia o segredo bancário e se procura que o regime deste seja conforme com a natureza de tal direito” (CAPELO DE SOUSA, “O Segredo Bancário – em Especial, Face às Alterações Fiscais da Lei nº 30-G, de 29 de dezembro”, in “Estudos em Homenagem ao Professor Inocêncio Galvão Telles”, Vol. II, Almedina, Lisboa, 2002, p. 177).
Numa formulação adotada pelo Tribunal constitucional espanhol que ficou famosa, pretende-se que dos registos bancários decorra “a possibilidade de que, através da investigação das contas, se penetre a zona mais reservada da vida privada, já que, na nossa sociedade, uma conta corrente pode constituir «a biografia em números»” da pessoa humana (sentença do Tribunal Constitucional espanhol n.º 110/1984 in www.informatica-juridica.com; v., também, acórdão do TC n.º 278/95). Alguma doutrina portuguesa, alinhando com esta corrente, chega a ser ainda mais ilustrativa:
“[o] acesso à (…) conta bancária permite uma devassa sem freio e em todos os azimutes a todos os passos mais comezinhos da (…) vida particular. As suas fetiches, os seus hobbies, os seus devaneios, o seu percurso de vida pessoal, profissional e familiar, está hoje espelhado na sua conta bancária”
(v. JORGE NETO, “Sigilo Bancário: que futuro?”, Fisco, n.º 107/108, 2003, pp. 47-54);
“O que cada um veste; o que oferece ao cônjuge e aos filhos; os restaurantes que frequenta; as viagens que realiza; como decora a casa; os estudos dos filhos; o volume da sua leitura; as próprias aventuras extra-conjugais, tudo é revelável através de uma consulta perspicaz a partir da sua conta bancária”
(v. LEITE DE CAMPOS, Sigilo Bancário e Direito Constitucional, in: “O Sigilo Bancário”, Instituto de Direito Bancário, Edições Cosmos, Lisboa, 1997, p. 16)
Serve por dizer, a preservação por entidades bancárias da confidencialidade da informação de que disponham ao abrigo da relação entre cliente e banco, nesta conceção, será muito mais do que uma mera prestação contratual a cargo da instituição financeira ou um dever jurídico essencialmente decorrente de opções de política legislativa: a prestação a cargo do banco ou instituição financeira concretiza um dever jurídico de segredo com respaldo constitucional, ex vi artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, que protege as vertentes da personalidade individual do ser humano mais íntimas, ficando, por inerência, dotado da inerente eficácia perante entidades públicas e privadas (cfr. artigo 18.º, n.ºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa).
Não falta, porém, quem venha alertando para as inconsistências destas duas formas de observar o problema, que, com a extensão pretendida, parecem dificilmente compatíveis com a disposição constitucional (por nela não encontrarem respaldo) ou mesmo com a realidade empírica a que reportam:
“É problemática a inclusão nestes direitos de personalidade do pretenso «direito ao segredo do ter» («segredo bancário», «segredo dos recursos financeiros e patrimoniais», «segredo de aplicações do dinheiro», sigilo fiscal). Além de não haver qualquer princípio ou regra constitucional a dar guarida normativa a um «segredo do ter» (o que obriga alguns autores a recorrem forçada e esforçadamente a «direitos fundamentais implícitos»), sempre haverá que ter em conta a necessidade de concordância prática com outros interesses (ex.: combate à criminalidade organizada, combate à corrupção e tráfico de influências, combate à fraude fiscal, combate ao branqueamento de capitais, combate ao financiamento do terrorismo, etc.). Note-se que mesmo a aceitar-se algumas refrações do «segredo do ter» como dimensões do direito de personalidade, elas terão sempre maiores restrições do que o «segredo do ser», desde logo para efeitos de benefícios e subvenções públicas. Quem se candidata a benefícios ou fundos públicos aceita implicitamente limitações nos «direitos de personalidade patrimoniais»”
(v. J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, op. cit., p. 469)
Estoutra abordagem ao problema tem de interessante, desde logo, levar em conta a complexidade da rede interpessoal do sujeito e da tensão que exprime para com direitos e interesses de terceiros – ou para com interesses de ordem pública – quando se afere da privatividade e grau de defesa da informação sob reserva no plano constitucional, a que acima nos referimos e que se aconselha pela natureza do valor jurídico protegido.
Estoutra abordagem ao problema tem de interessante, desde logo, levar em conta a complexidade da rede interpessoal do sujeito e da tensão que exprime para com direitos e interesses de terceiros – ou para com interesses de ordem pública – quando se afere da privatividade e grau de defesa da informação sob reserva no plano constitucional, a que acima nos referimos e que se aconselha pela natureza do valor jurídico protegido.
A privatividade da informação de índole patrimonial e económica não se pode admitir equiparável à informação íntima, já que necessariamente se entrecruza com interesses de terceiros e da ordem jurídica observada na sua globalidade: se, como dissemos, certas informações apenas sinalizam os interesses pessoais do indivíduo a que respeitam ou a curiosidade frívola de outros (v. g., o culto que professa, a sua orientação sexual, preferências de doutrina filosófica, sentimentos amorosos ou de ressentimento, etc.), o património e as operações que o envolvem lançam ramificações sobre a situação de terceiros e da própria ordem jurídica, (v. g.) impondo deveres gerais de abstenção e representando a garantia geral das obrigações de que beneficia o universo de credores do indivíduo, atuais e potenciais. Inclui-se neste universo os credores de pensão de alimentos, de trabalhadores por prestações remuneratórias e da posição ativa sobre créditos fiscais: todos estes direitos estão dotados de dimensões que em muito excedem, em termos de natureza, carga ética e valor jurídico, o vínculo obrigacional de mera fonte contratual.
Por outro lado, operações de transferência de capitais, especialmente fluxos destinados a países estrangeiros, a subscrição de produtos financeiros, ações de resgate e toda uma constelação de atos e negócios jurídicos semelhantes, podem representar perigos de ordem pública, seja de descapitalização da economia, de ineficiência ou de desorganização de setores económicos, ou de potenciação de mecanismos de branqueamento de capitais de origem ilícita ou criminosa; podem também caracterizar práticas de fraude, de burla, de abuso de confiança, de frustração de créditos, de insolvência dolosa ou de evasão fiscal; significa isto que operações patrimoniais impactam em interesses regulatórios públicos, em especial, e no governo económico do país na sua globalidade, bem como em certas áreas do Direito criminal.
Quando falamos de informação sobre o património e, em especial, de informação bancária, estamos, pois claro, num locus muito distante da estrita natureza individual, endógena e personalística, própria da intimidade, dos dados informativos relativos a uma pessoa.
De sua parte, a justificabilidade do sigilo bancário ao abrigo da «esfera privada de ordem económica» quando concebida como espaço de tutela constitucional equiparável à informação da vida íntima ou familiar, tem contra si a poderosa evidência de que se limita a aplicações financeiras realizadas junto de Bancos e outras sociedades do setor (artigo 78.º do Regime Jurídico das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras). Se a informação relativa à situação económica pudesse ser entendida como a defesa do núcleo de informação mais privativo da pessoa humana, não se divisaria fundamento para um tratamento dos direitos patrimoniais de índole financeira tão mais garantístico face a outros, tanto ou mais aptos a exprimir a situação de riqueza pessoal: aplicações de capitais em bens imobiliários, propriedade de veículos, de aeronaves ou de barcos de recreio – que facilmente excederão o valor nominal da generalidade dos produtos bancários titulados pelo homem médio e que, por esse motivo, exporão de forma muito mais expressiva a sua posição económica –, não apenas não beneficiam de reserva de segredo, existe um regime legal de publicidade injuntivo por via de registo de acesso público, cuja brutal tensão com o direito constitucional à reserva da vida privada, a ser como se diz, constituiria uma enorme entropia do ordenamento nacional.
Também obras de arte e artigos de colecionador são objeto de ações de investimento em grandezas importantes (mesmo comparáveis a mercados financeiros) e, se não existe registo de conservação de acesso público quanto a eles, igualmente não se impõe (nem permite) a intermediários e a agentes fiduciários envolvidos no seu giro comercial especial dever (ou direito) de segredo que se pudesse dizer concretização daquele arquétipo da privatividade da informação económica do particular.
A exposição da informação patrimonial referente a uma pessoa é ainda mais gritante no que respeita à publicidade conferida a ações civis, designadamente de cobrança e incluindo processos executivos (cfr. artigos 163.º e 164.º, ambos do CPC). Tanto mais assim no domínio do processo insolvencial, em que a situação de colapso financeiro do sujeito, para além de pública, é anunciada (cfr. artigos 9.º, 37.º, n.ºs 7 e 8 e 38.º, todos do Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas [CIRE]) e que franqueia a terceiro (o administrador de insolvência) total acesso à informação patrimonial do insolvente, também para efeitos de gestão (cfr. artigo 81.º do CIRE). Não se conhece que alguma vez se tenha debatido a necessidade, neste panorama normativo, de resguardo por vertentes da personalidade assente na máxima privatividade da posição económica a coberto do artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
Sobre a animada defesa do sigilo bancário como instrumento de tutela da esfera íntima do indivíduo – ou seja, não tanto por se atribuir relevo constitucional maximizado ao segredo da posição económica, mas porque a informação bancária expõe vertentes efetivamente íntimas da pessoa de forma indireta –, há que notar que toda a argumentação apresentada está construída tendo por única referência «contas bancárias» e apenas quando observadas como registo histórico de pagamentos. Mesmo a ser como se propõe, teríamos por excluída da reserva de confidencialidade toda a informação referente aos demais contratos bancários e ao restante universo de atos e operações passíveis de execução por um Banco sob ordem do seu cliente. Não é com esse alcance, porém, que aquela parte da doutrina compreende o segredo bancário e seu regime de eficácia, razão por que o espaço de tutela que se pretende conferido excede, em muito, o que se diz seu fundamento.
Mesmo quanto a contas bancárias, o segredo apenas se justificaria, na aceção proposta, quanto ao seu registo de movimentos, não quanto às demais informações a elas respeitantes (v. g., saldos, contitularidade e identidade de outros beneficiários, de procuradores, condições de juro, de vencimento, de comissionamento, etc.), sendo que contas de depósito imobilizadas ou que não sejam objeto de operações de caixa regulares (v. g., contas de depósitos a prazo), jamais se justificaria ficassem acobertadas por sigilo, já que são impassíveis de exprimir o quotidiano do titular.
Caberia ainda aos partidários desta posição explicar a distância de tratamento que reservam para o sigilo sobre a informação bancária face a toda a demais que seja obtida e conservada por empresas fora do setor financeiro no âmbito das relações contratuais que estabelecem com o público. A análise dos instrumentos de faturação ou de extratos da conta de clientes de (v. g.) uma concessionária de troços rodoviários, de uma empresa de viaturas de aluguer, de serviços de entretenimento, ou de compras online, pode exprimir, de forma semelhante ao extrato de uma conta bancária e com valor enciclopédico, dados de natureza muito pessoal do respetivo cliente, incluindo quanto às suas rotinas, as suas presenças, deslocações e consumos, preferências literárias e hábitos de lazer. Os dados contratuais de um cliente de uma operadora de serviço web, para oferecer apenas mais um exemplo, poderão permitir identificar o autor de um «blog» político anonimizado no espaço web, ou, ao menos, adquirir uma constelação de informação sobre ele que permita singularizá-lo de entre um universo indiferenciado pelo cruzamento com dados circunstanciais.
De radical e por fim, se o segredo bancário tivesse por subjacente o nível de tutela constitucional que lhe é atribuída, teríamos também por francamente intrigante a total disponibilidade dessa informação que é permitida ao Banco, uma vez deflagre litígio com o seu cliente. Pense-se nas ações de cobrança com fundamento em contrato de cartão de crédito, incidência abundante no giro judiciário. Nestas ocasiões, dir-se-ia, ocorre com total impunidade a penalizadora «devassa» da vida privada do cliente que se pretende repelida, deixando-o à mercê da exposição da sua vida pessoal e íntima pela documentação no processo judicial, com inerente publicidade, do seu histórico de pagamentos (constitutivo da obrigação de reembolso e de juro à instituição financeira), sem que se observe no regime processual qualquer peculiaridade que traduzisse um esforço de concordância prática com o direito à reserva sobre essa informação, na aceção que se defende.
Em face de todo o exposto, ainda que uma esfera de privacidade de ordem económica se possa entender acobertada pelo artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, esta localizar-se-á num espaço altamente periférico do direito à autodeterminação informativa, resultando fragmentária quanto a objeto (de tal forma que não se afigura defensável um princípio geral de reserva sobre informação patrimonial) e particularmente permeável a fórmulas de intrusão quando em presença de interesses constitucionais (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa).
O sigilo bancário, por conseguinte, “não é, não pode ser, uma concretização do princípio constitucional do direito à intimidade privada” (COSTA ANDRADE, “Manual da Liberdade de imprensa e inviolabilidade pessoal – uma perspetiva jurídico-criminal”, Coimbra, 1996, pp. 98-100, apud VANESSA RAQUEL FERREIRA COELHO, “Sigilo Bancário, Problemas Fiscais e Constitucionais”, 2012, Porto, p. 33), precisamente porque não respeita a “questões claramente íntimas, no sentido de questões conexas com as escolhas e vivências mais impregnadas de subjetividade de um qualquer cidadão” (SALDANHA SANCHES, in “Segredo Bancário, Segredo Fiscal: uma perspetiva funcional”, in “Medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira”, CEJ, Coimbra, 2004, pp. 33-42, apud VANESSA RAQUEL FERREIRA COELHO, ibid.). Dito de outra forma, o sigilo bancário não conforma um regime jurídico de cobertura aos valores jurídico-constitucionais a que, de forma mais intensa, o artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa oferece proteção. Este, abrangerá apenas “aqueles domínios que, sendo emanação da personalidade humana, expressam valores ou opções do foro íntimo que não têm de ser conhecidas relacionalmente por encarnarem valores de dignidade do Homem enquanto Homem, visto como dono exclusivo do seu corpo, do seu espírito e das suas manifestações segundo a concepção civilizacional vigente (opções filosóficas, religiosas, políticas, sexuais, etc.)” (BENJAMIM RODRIGUES, “O sigilo bancário e o sigilo fiscal - Segredo Bancário”, Lisboa, Edições Cosmos, 1997, p.104), já não os movimentos de tesouraria ou de investimento de uma qualquer pessoa.
Foi com este alcance que, no acórdão n.º 42/2007, o Tribunal Constitucional definiu a tutela jurídico-constitucional que subjaz ao segredo bancário, sinalizando a medida relativizável por que atinge o direito à autodeterminação informativa e, por inerência, excluindo-o dos atos sob reserva necessária de juiz em processo criminal:
“O âmbito da privacidade atingido pelo levantamento do sigilo bancário não é equiparável à liberdade pessoal (afectada com a aplicação de medidas de coacção) ou ao núcleo da reserva de privacidade que é afectado com uma escuta telefónica ou com uma busca domiciliária. O segredo bancário não é abrangido pela tutela constitucional da reserva da intimidade da vida privada nos mesmos termos de outras áreas da vida pessoal (…) o segredo bancário não é um direito absoluto, podendo sofrer restrições impostas pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. (…) o levantamento do sigilo bancário é instrumento especialmente relevante em matéria de criminalidade económica; por outro lado, abrange uma dimensão da vida do investigado diversa daquela que reclama necessariamente do ponto de vista constitucional a intervenção do Juiz”
(acórdão do TC n.º 42/2007; v., também, acórdão do TC n.º 602/2005)
Abordando matéria mais próxima do caso sub iudicio, este Tribunal Constitucional, em linha com o exposto, já antes fez ver que “o bem protegido pelo sigilo bancário cabe no âmbito de proteção do direito à reserva da vida privada consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República”, mas impõe-se assinalar que “se localiza no âmbito da vida de relação, à partida fora da esfera mais estrita da vida pessoal, ocupando uma zona de periferia, mais complacente com restrições advindas da necessidade de acolhimento de princípios e valores com ele conflituantes.”. Por isso se afirma que “[o] segredo bancário não é abrangido pela tutela constitucional de reserva da vida privada nos mesmos termos de outras áreas da vida pessoal” e é mais suscetível a “restrições (…) impostas pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”. (v. Acórdão do TC n.º 145/2014 e, também, Acórdãos do TC n.ºs 442/2007 e 517/2015).
À guisa de remate, concluímos que a verdadeira complexidade ao definir “um conceito de esfera privada de cada pessoa culturalmente adequado à vida contemporânea” (v. J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, op. cit., p. 468) reside no processamento e apreensão da dinâmica da atual condição de existência humana, observando-a em perspetivas auto - e heterocêntricas e abarcando as peculiaridades e desafios que coloca, bem como em apreender a tangibilidade da noção de individualidade do ser humano que ainda subsiste, do seu direito ao isolamento e a impedir a exposição da sua informação pessoal a terceiros, também no âmbito patrimonial quando seja essa individualidade humana que esteja em causa, não apenas uma ambição (ou obsessão) por clandestinidade.
Este problema é particularmente candente quando se debate segredo bancário e os interesses que subjazem ao Estado fiscal, e ultrapassa as fronteiras nacionais, sem que por isso a solução seja mais difícil da que subjaz a outros problemas relativos a direitos, liberdades e garantias:
“O futuro provavelmente não nos reserva outro caminho senão o da crescente abertura da informação bancária às administrações tributárias dos estados. Pois, manda o bom senso, que não podemos querer simultaneamente os com moda da sociedade de informação, que por toda a parte escancara portas, e os com moda de amplos domínios reservados ou sigilosos, que insistem em manter-se ou até reforçar-se. O que, claro está, coloca em novos moldes o velho (e sempre novo) problema do Estado de Direito, que é, como sabemos, o problema do justo equilíbrio entre os direitos dos cidadãos, de um lado, e os poderes da administração, de outro.
Por isso, há que enfrentar este novo desafio com coragem e sem maniqueísmos. Pois entre o segredo absoluto, que tudo sacrifica nos altares da arcana praxis, e a devassa, própria do mais descarado voyeurismo, há uma infinidade de oportunidades de realização do justo equilíbrio. Ou por outras palavras entre o oito e o oitenta há, afinal de contas, setenta e duas hipóteses de concretização de um tradeoff que não debite todos os custos e ónus a uns e credite todos os proveitos e benefícios a outros. Ousemos, pois, enfrentar os extremos e buscar o juste milieu, onde, segundo reza um aforismo bem conhecido, reside a virtude.”
(v. CASALTA NABAIS, Estudos de Direito Fiscal…, pp. 78-79)
De outra parte e também com interesse para o caso sub iudicio, já resulta do que ficou dito que o direito à reserva de privacidade recenseado no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa tem como perspetiva e objeto de observação o Ser Humano, na sua individualidade, intimidade e endogenia, pelo que, em princípio, dir-se-ia que as pessoas coletivas, ao menos quando se trate de entidades instrumentais ao desenvolvimento de uma atividade económica (maxime, sociedades comerciais), estariam excluídas do âmbito de tutela do direito. Estes entes coletivos são apenas uma forma de organização de interesses empresariais, achando-se por isso distantes, por sua própria natureza e pelos princípios ordenadores do seu escopo jurídico, do núcleo de valores constitucional em que assenta o direito à reserva de intimidade da vida privada, razão por que a respetiva proteção resulta excluída (cfr. artigo 12.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa).
O Tribunal Constitucional expressou já dúvidas sobre esta matéria, assinalando que a inclusão no espaço de defesa da privacidade “é problemática em relação às pessoas coletivas, muito particularmente as sociedades comerciais, pelo facto de não valerem (ou, pelo menos, de não valerem de igual modo), em relação a elas, as considerações fundamentadoras acima aduzidas, que se apoiam na possibilidade de acesso à esfera mais pessoal” da pessoa humana (v. Acórdão n.º 442/2007). Frontalmente contra, já se defendeu:
“Considero que a inclusão do sigilo bancário de que sejam titulares pessoas colectivas no âmbito de protecção do direito à reserva da intimidade da vida privada, consagrado no n.º 1 do artigo 26.º da Constituição, não será apenas problemática, como o acórdão concede (n.º 16.2, último parágrafo), mas é, mais radicalmente, de afastar. E, como só na medida em que constitui refracção deste direito à reserva da privacidade se me afigura possível dar guarida ao sigilo bancário no elenco dos direitos fundamentais, entendo que o legislador não está subordinado, no reconhecimento e conformação do sigilo bancário relativamente a pessoas colectivas (e entes equiparados), ao regime constitucional dos direitos, liberdades e garantias.
Efectivamente, os direitos fundamentais são primordialmente direitos de indivíduos, de pessoas singulares. (…)
(…) o que pode justificar que aspectos do "segredo do ter" da pessoa, patentes na conta e noutros dados da situação económica do titular em poder de uma instituição bancária, sejam assimilados ao "segredo do ser" protegido pela reserva da intimidade da vida privada é o que esses elementos podem revelar das escolhas ou contingências de vida do indivíduo, dos seus gostos e propensões, do seu perfil concreto enquanto ser humano, que cada um deve ser livre de resguardar do conhecimento e juízo moral de terceiros. Esta teleologia intrínseca surge eminentemente ligada à protecção da dignidade da pessoa humana, não sendo extensível a entes que apenas tem uma capacidade jurídica funcional, limitada pelo princípio da especialidade do fim que estatutariamente prosseguem, que não têm projecto de vida livremente determinado, pelo que o direito ao segredo bancário que contratual e legalmente se lhes reconheça não goza da protecção constitucional especificamente conferida pela inclusão do bem protegido pelo sigilo no âmbito do direito à reserva da intimidade da vida privada, consagrado no n.º 1 do artigo 26.º da Constituição.”
(voto de vencido do Cons. Vítor Gomes ao Acórdão do TC n.º 442/2007)
Esta posição, porém, não é congruente com a aceitação de uma dimensão de ordem económica do direito à privacidade, que, ainda que volúvel e permissiva a ingerências quando em presença de valores constitucionais, se reconhece contida no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, como acima assinalado. Não se perceberia que, de um lado, fosse reconhecida a uma pessoa privatividade sobre informação relativa a titularidade de bens e a atos e negócios de natureza económica, quando observada ou agindo singularmente, e, de outro, se lhe negasse qualquer forma de tutela constitucional quanto às mesmas informações quando se ache associada a outras numa estrutura jurídica de organização de interesses, ou quando, agindo singularmente, se enroupe de uma fórmula jurídica de idêntica natureza (v. g., sociedades unipessoais).
Poder-se-ia contrapor que certas entidades coletivas – dotadas de personalidade jurídica, ou de subjetividade bastante para que lhes seja possível atuar no tráfego jurídico com autonomia: (v. g.) sociedades de capitais, fundos de investimento ou fiduciários, fundações e estabelecimentos estáveis, etc. – não possuem substrato pessoal tangível que permitisse caracterizar a titularidade do negócio e a prática de atos por pessoas, antes se reduzindo a formas de organização de acervos patrimoniais ou a fórmulas de investimento financeiro de caráter estrito, tornando ainda mais fantasiosa a sua equiparação, para efeitos de tutela, ao Ser Humano.
A nosso ver, o problema aqui está invertido: em último termo, qualquer uma destas entidades tem por atributo essencial a titularidade de bens e a realização de operações económicas por uma (ou mais) pessoa humana, por vezes apelidada de beneficiário efetivo (cfr. Lei n.º 89/2017, de 21 de agosto), que, de uma maneira ou de outra, será também a última responsável pela respetiva gestão; o exposto, porém, já se pode entender altamente ilustrativo da insipidez e da tibieza da informação económica para que a sua exposição possa impactar na integridade do indivíduo e se possa entender abarcada por um direito fundamental dirigido à tutela da confidencialidade sobre a vida pessoal e familiar: quando destilada para o seu estado purificado, como é o caso quando a encontramos associada a uma estrutura jurídica de interesses e de investimento, obtemos prova de que a informação económica pouco ou nada revela sobre os conteúdos humanos do indivíduo a que respeita e que se acobertam pelo artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
Assim, se se pode admitir que as entidades coletivas beneficiem de privacidade e exclusividade gestionária sobre a sua informação pessoal, designadamente a detida por entidades bancárias, a sua natureza exclusivamente económica e a sua estrita contextualização nesse âmbito colocará a tutela num espaço ainda mais periférico do espectro de defesa definido pelo artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, resultando tanto mais permeável a ingerências fundadas em valores constitucionais (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa).
9.3. Regressando ao caso sub iudicio e observando a alegação do recorrente de forma integrada, este suporta o vício de inconstitucionalidade material que aponta ao artigo 129.º, n.º 6, do CIRC, no direito à reserva da informação privada (artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), que viemos de analisar, que depois articula com os princípios de Estado de Direito (artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa), de efetividade da tutela jurisdicional (artigo 20.º, n.ºs 1 e 4 e 268.º, n.º 4, também da Lei Fundamental) e da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa).
O argumento do recorrente reside no seguinte: ao subordinar-se a validade da instauração do procedimento para prova efetiva do preço do imóvel (artigo 129.º, n.º 6, do CIRC) à apresentação, com o requerimento inicial, de documentos autorizando o acesso a informação protegida por segredo bancário (do sujeito passivo e seus administradores), o requerente é colocado perante um dilema que se diz incomportável à luz da Lei Fundamental: ou se conforma com esse acesso, ou vê precludido o seu direito a ilidir a presunção de valor do imóvel por aplicação do VPT, nos casos em que este valor seja superior ao preço declarado na operação (cfr. artigo 58.º-A, n.ºs 1 e 2 do CIRC, hoje artigo 64.º, n.ºs 1 e 2, do diploma). É este o efeito que o recorrente entende abusivo e que diz violação dos citados princípios constitucionais.
Ora, desde logo ressalve-se que a norma apenas permite, não obriga, a AT a aceder a dados bancários, pelo que a linha argumentativa da recorrente logo por aqui surge enviesada.
Há que conceder, porém e sem receios, que, fora de situações particularmente evidentes, será, na prática, inevitável que se controlem, no âmbito do procedimento administrativo em referência, os movimentos financeiros verificados no período da operação geradora da mais-valia e nas suas cercaduras, o que apenas será possível acedendo à informação detida por instituições bancárias. O controlo destes fluxos será, de resto, a única forma de ver comprovada uma intensa improbabilidade, a de que um imóvel tenha sido transacionado abaixo do VPT.
Em condições normais, este resultado apenas se verificará em três situações: quando a fórmula do CIMI se mostre inflacionária face aos indicadores de mercado (processo de subvalorização estatisticamente muito infrequente); quando o negócio possua atipicidades face à natureza da operação, estando dotado de caráter de liberalidade em alguma medida (v. g., preços com desconto, de índole promocional ou consequência de táticas agressivas de mercado, estratégias de valorização de propriedades circundantes, criação de lojas-âncora em superfícies comerciais, etc.); ou quando as necessidades de tesouraria do vendedor imponham a conversão do ativo em liquidez de forma imediata, tornando gerível o encaixe da perda do ponto de vista económico.
Ainda que situações desta natureza sejam, naturalmente, equacionáveis e legítimas, a jurisprudência constitucional vem fazendo ver (v. Acórdãos do TC n.ºs 145/2014, 442/2007, 517/2015, 514/2022, 392/2022 e 393/2022) que a erosão da base de tributação verificada nestes casos não deixa de sinalizar a possibilidade (ou a probabilidade) de arquiteturas evasivas de imposto, ou seja, a adoção de construções que conduzam a que a formalização do negócio não manifeste o verdadeiro quantitativo da contrapartida económica do vendedor, seja, v. g., por simulação da cláusula de preço ou por esquemas mais complexos, caracterizados pela ocultação ou enviesamento da substancialidade económica do negócio (cfr. artigos 39.º e 38.º, n.ºs 2, 3 e 4, da LGT). O exposto é o bastante para expor a evidente tensão que a situação exprime para com a adequação da carga fiscal no âmbito do IRC, que se impõe e deriva diretamente de fonte constitucional (artigo 12.º, n.º 1, 2.ª parte, 13.º, 103.º, n.º 1 e 104.º, n.º 2, todos da Constituição da República Portuguesa).
É neste contexto e inspirada por estas preocupações que surge a necessidade de correção da matéria coletável para o VPT do imóvel para efeitos de fixação do valor de realização presumido da mais-valia (cfr. artigo 58.º-A, n.ºs 1 e 2 do CIRC, na redação em vigor à altura) e será nesse domínio e nesse pressuposto que se aferirá o limiar probatório que permitirá ao sujeito passivo ilidir essa presunção.
Ora, se não merece dúvidas que a base empírica que justifica a presunção legal radica, precisamente, na insuficiência da informação documental que formaliza a operação e que a suporta contabilisticamente para que exista segurança sobre a adequação da carga fiscal sobre a mais-valia, temos por óbvio que o procedimento para ilisão do preço efetivo seria absurdo (e inútil) se pudesse ser apreciado e decidido limitando-se, no plano probatório, à análise dessas mesmas informações documentais. Dito de outra forma, a natureza cooperativa do procedimento administrativo-tributário, de um lado, e, de outro, o padrão de prova exigível para ilidir a presunção face às peculiaridades da situação colocada, impõem que sejam trazidos à AT outros dados probatórios que não aqueles de que a administração já dispõe ou a que pode aceder em condições gerais.
É neste âmbito que surge a informação sobre fluxos financeiros em instituições bancárias relacionados com o sujeito passivo como elemento essencial de prova, já que apenas por essa via será possível compreender racionalmente de que forma a situação de riqueza foi transferida no período da operação e de concluir que os movimentos de cash flow são compatíveis com a natureza e efeitos das operações declaradas e documentadas.
O acesso à informação bancária relativa a administradores em funções à data da operação e aos exercícios económicos que a envolvem será condição não menos importante da aquisição de um juízo de convicção mínimo sobre o objeto do procedimento. Impõe-se levar em conta o caráter tendencialmente anómalo do valor de realização declarado e que a proximidade para com a gestão da empresa dos instrumentos financeiros de que os executivos disponham conferem-lhes especial aptidão para constituírem veículos de fluxos de capitais periféricos à operação, mas potencialmente assimiláveis à noção de contrapartida. Pense-se na utilização de «side letters» ou de estipulações em contratos particulares vestibulares à formalização da alienação (v. g., promessas ou acordos atípicos) e na facilidade com que se podem estabelecer, paralelamente ao negócio que realiza a mais-valia, formas de contrapartida formalmente classificáveis como rendimentos de outra categoria, mas em substância complementares a preço, bem como estipulações que as transfiram do território para efeitos de conexão à Lei fiscal, ou que lhes confiram outro destino aparente. Em todos estes casos, obtém-se a externalização do input financeiro, erodindo a base de tributação em IRC da empresa alienante. Operações posteriores poderão permitir, mais tarde, o ingresso desta parte da mais-valia, marginal ao lucro do exercício, na empresa, porventura com registo como dívida ou capital (v. g., realização de suprimentos, de prestações acessórias ou complementares, subscrição de capital ou de obrigações, etc.) e, assim, persistindo subtraída a tributação em aparência. A operacionalização deste tipo de arquiteturas terá de encontrar em contas bancárias exteriores ao sujeito passivo um interposto e canal de passagem do fluxo financeiro, surgindo, por isso, as contas bancárias dos seus executivos como especialmente adequadas para esse propósito, em face da sua proximidade para com a atividade social, da relação fiduciária que mantêm para com a entidade empresarial gerida e do seu compromisso para com os seus interesses patrimoniais.
Isto não significa que o procedimento em causa se destina a ilidir uma presunção de fraude, precipitadamente extraída, sobre empresa e administradores, de nada mais que da alienação de um imóvel por valor abaixo do VPT, ou que fosse nesse tipo de esquema mental que se buscasse fundamento para a intrusão no direito a privacidade. Algumas destas arquiteturas, mesmo no âmbito dos exemplos acima elencados, poderão constituir meras opções de gestão ou modelos jurídico-económicos permitidos e é também possível que nem sequer existam (relembre-se os exemplos supra oferecidos de situações em que imóveis são transacionados abaixo do VPT). Em todo o caso, a situação, em toda a sua extensão e qualquer que seja, terá de ser adequadamente compreendida na sua globalidade e de acordo com uma visão panorâmica da realidade da empresa. Só assim será possível concluir pelo equilíbrio da tributação, também porque é a substancialidade dos atos e negócios jurídicos que importam para efeitos de apuramento da matéria coletável, não tanto a arquitetura formal que lhes subjaz.
Dito de outra forma, poderá não existir qualquer prática do sujeito passivo e seus administradores paralela à operação; existindo, algumas serão legítimas, outras serão fraudulentas e outras ainda serão descaracterizadas para efeitos de incidência fiscal, reconduzindo-se da sua forma à sua substancialidade económica por mediação de institutos anti-abuso; impõe-se, não obstante, que todas elas, e o problema em toda a sua extensão, possam ser suficientemente compreendidos, já que, no âmbito do procedimento a que reporta o artigo 129.º, n.º 6, do CIRC, o que se visa é a equidade e legalidade da tributação. Assim, a análise e confronto com informação bancária, do sujeito passivo e dos seus administradores, é pouco menos do que uma inevitabilidade na ilisão da presunção legal e constitui condição indissociável da apreciação do objeto do procedimento, também (ou especialmente) quando se pretenda poder concluir pela verificação de uma situação excecional que evidencie a racionalidade subjacente a um negócio de contrapartida altamente improvável, derrubando vitoriosamente a presunção estabelecida no artigo 58.º-A, n.ºs 1 e 2, do CIRC (na redação em vigor à altura).
A melhor doutrina vem alertando, desde há muito, para a necessidade de reforço do acesso a dados bancários pela AT neste tipo de situações:
“a administração fiscal, na grande maioria das situações, não administra os impostos, antes se limita a fiscalizar se os particulares desempenham corretamente essa tarefa. Ora, para levar a cabo adequadamente esta sua missão fiscalizadora ou inspetiva, a administração fiscal há-de dispor dos correspondentes instrumentos ou meios.
Meios esses que, numa economia em que se generalizaram as relações bancárias com os indivíduos e com as empresas, ao ponto de a grande maioria das relações económicas passarem pelas instituições bancárias, dificilmente serão conseguidos, em numerosíssimas situações, se insistirmos no bloqueio quase total no domínio do acesso às informações guardadas por tais instituições.”
(v. CASALTA NABAIS, Estudos de Direito Fiscal…, pp. 75-76)
De resto, in casu, a não ser assim e não sendo disponibilizada à AT informação bancária, seria provável que a generalidade (senão a totalidade) dos procedimentos propostos ao abrigo do artigo 129.º, n.º 5, do CIRC tivessem por desfecho um árido juízo de fracasso, pelo insucesso do contribuinte em ilidir a presunção estatuída pelo artigo 58.º-A, n.º 2, do diploma, em face da quantidade de hipóteses plausíveis que os atos formais colocam (non liquet probatório).
Associa-se ainda ao exposto o facto de o acesso a informação bancária não significar a sua integração no domínio público ou, ao contrário do que sucede nos processos judiciais, a sua sujeição a um princípio-regra de publicidade. Nos antípodas, os elementos disponibilizados à AT ficarão sob a reserva de confidencialidade conferida pelo sigilo fiscal (artigos 64.º e 64.º-A, ambos da LGT) e com garantia de tutela criminal (artigo 91.º, n.ºs 3 e 2, do Regime Geral das Infrações Tributárias), ou, por outras palavras, ficarão confinados ao domínio administrativo, inacessíveis ao público e impassíveis de serem instrumentalizados para saciar a curiosidade caprichosa de terceiros.
Esta não é uma observação de somenos importância, por significar a minimização do alcance da intrusão na esfera de privatividade das pessoas afetadas pela norma. Este Tribunal Constitucional já fez ver:
“quando a quebra do sigilo bancário promana da Administração Fiscal, não pode esquecer-se que ela não implica a abertura desses dados ao conhecimento geral, visto que os conhecimentos obtidos pelo exercício da função tributária estão sujeitos ao dever de confidencialidade (artigo 64.º da Lei Geral Tributária) e a sua violação está tipificada de forma mais gravosa, face ao crime de violação do sigilo profissional (cfr. o artigo 91.º, n.º 1, do Regime Geral das Infrações Tributárias e o artigo 195.º do Código Penal, por um lado, e artigo 383.º deste Código e os n.ºs 2 e 3 daquele artigo 91.º, por outro)”
(v. Acórdão do TC n.º 145/2014 e, também, Acórdãos do TC n.ºs 442/2007 e 517/2015)
Assim, não apenas o direito a reserva da informação bancária se integra num espaço francamente periférico do perímetro defensivo definido pelo artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, especialmente no que respeita aos sujeitos passivos do IRC, como vimos, temos que o acesso a essa informação no âmbito do procedimento a que reporta o artigo 129.º, n.º 6, do CIRC constitui uma forma de ingerência no direito de impacto minimal, que, para mais, depende de uma iniciativa procedimental (do requerente) e de um ato declarativo subsequente (de todos os sujeitos jurídicos afetados), ao contrário do que sucederia, por exemplo, em procedimentos oficiosos desencadeados por entidades públicas por mero exercício de autoridade.
É também de sublinhar que a medida de intrusão é realizada por tributo a princípios constitucionais de primeira água, seja o dever fundamental de pagar impostos (artigo 12.º, n.º 1, 2.ª parte, da Constituição da República Portuguesa), sejam os princípios essenciais da Constituição fiscal, de tributação das empresas pelo rendimento real (artigo 104.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa), de igualdade (horizontal e vertical) tributária e sua subvertente da capacidade contributiva (artigos 13.º e 103.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), e, em face da reduzida exposição da informação que importa, a norma acha-se em evidente obediência a critérios de necessidade, adequação e proporcionalidade (proibição de excesso) face aos referentes legitimadores (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa).
Assim, concluímos que o artigo 126.º, n.º 6, do CIRC não merece a censura constitucional por violação dos princípios da reserva da intimidade privada (artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), do Estado de Direito (artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa).
11.4. Finalmente, resulta do que ficou já dito que tanto menos se observa qualquer forma de cerceamento do direito a um processo jurisdicional (ou procedimento administrativo) justo e equitativo neste plano, entendido como a fórmula processual que garanta direito a prova e que dote de efetividade o exercício de direitos pela recorrente (e no plano administrativo-tributário) (artigo 20.º, n.ºs 1 e 4 e 268.º, n.º 4, também da Lei Fundamental).
Sobre a noção e alcance do princípio de tutela jurisdicional, é entendimento deste Tribunal Constitucional:
“o direito de acesso aos tribunais é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos a que se deve chegar em prazo razoável e com observância das garantias de imparcialidade e independência, mediante o correto funcionamento das regras do contraditório (acórdão n.º 86/88, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 11º, pág. 741). Como concretização prática do princípio do processo equitativo e corolário do princípio da igualdade, o direito ao contraditório, por seu lado, traduz-se essencialmente na possibilidade concedida a cada uma das partes de “deduzir as suas razões (de facto e de direito)”, de “oferecer as suas provas”, de “controlar as provas do adversário” e de “discretear sobre o valor e resultados de umas e outras” (entre muitos outros, o acórdão n.º 1193/96).
Importa reter, no entanto, que o legislador dispõe de uma ampla margem de liberdade na concreta modelação do processo, cabendo-lhe designadamente ponderar os diversos direitos e interesses constitucionalmente relevantes, incluindo o próprio interesse de ambas as partes; em qualquer caso, à luz do princípio do processo equitativo, os regimes adjetivos devem revelar-se funcionalmente adequados aos fins do processo e conformar-se com o princípio da proporcionalidade, não estando o legislador autorizado a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproprocionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva (LOPES DO REGO, Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil, in «Estudos em homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa», Coimbra, 2003, pág. 839, e ainda os acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 122/02 e 403/02).”
(v. Acórdão do TC n.º 145/2014)
Em face do que dissemos, não é razoável a defesa de que estes parâmetros sejam desrespeitados pela solução legal do artigo 129.º, n.º 6, do CIRC: como já assinalámos, o acesso a dados bancários, em face da situação colocada, é pouco menos que uma inevitabilidade para que o sujeito passivo possa ilidir o onus probandi que o vincula e, nos casos (necessariamente contados) em que os dados financeiros sejam desnecessários, a Lei não impõe que esse acesso suceda (sem prejuízo da disponibilidade dos instrumentos de autorização necessariamente juntos pelo requerente).
Considerando os interesses substantivos que se entrecruzam na previsão legal e a natureza cooperativa do procedimento, temos que a solução legal exibe um equilíbrio entre interesses ponderado, sem que se denote qualquer forma de rutura com os direitos constitucionais e respetivas prerrogativas de defesa conferidas aos administrados, tanto menos com o seu direito a tutela jurisdicional subsequente à conclusão do procedimento administrativo.
Sobre esta questão, este Tribunal já fez ver sobre norma aqui fiscalizada:
“No caso vertente – recorde-se -, houve lugar a uma correção oficiosa do valor da transmissão de bem imóvel nos termos previstos no artigo 58º-A do CIRC por ter sido detetado que o valor constante do contrato era inferior ao valor tributário do imóvel. A lei permite nessa circunstância que o interessado faça prova, através do procedimento especial previsto no artigo 129º do CIRC, do preço efetivamente praticado, mas com a sujeição, como requisito prévio, à junção de autorização para consulta de dados bancários da requerente e dos seus administradores ou gerentes.
O procedimento é, por isso, desencadeado por iniciativa e no interesse do sujeito passivo do imposto e destina-se a ilidir a presunção – de que parte a norma do artigo 58º-A – de que o preço da venda não foi inferior ao valor tributário do prédio.
Sendo essa a finalidade do procedimento tributário, seria inteiramente inconsequente que a prova do contrário fosse efetuada, por simples iniciativa do interessado, e – como preconiza a recorrente -, através dos próprios documentos que titulam o contrato, dos meios de pagamento utilizados e dos elementos de contabilidade, quando o documento contratual é o mesmo que evidenciou a existência de uma possível simulação do preço e justificou a correção do valor da transmissão, e os outros meios de prova, em caso de ter havido a intenção de praticar fraude fiscal, deverão revelar uma aparente conformidade com o que consta do contrato.
Para além disso, o consentimento do interessado para permitir à Administração Fiscal confrontar esses elementos probatórios com outros dados cobertos pelo sigilo bancário é uma medida que se mostra consentânea com o dever de cooperação que incumbe ao contribuinte, tanto mais que o procedimento foi instaurado, no seu interesse, para repor a verdade material. A derrogação do sigilo bancário constitui, por outro lado, um meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei, tendo em conta que se trata de uma diligência dirigida à descoberta da verdade fiscal; é um meio necessário já que a demonstração da não veracidade do facto dificilmente poderia ser alcançada através de outros elementos probatórios que o interessado estivesse na disposição de divulgar; e não é um meio desproporcionado ou excessivo se se considerar que a quebra de privacidade é inerente ao exercício do direito e ajusta-se aos objetivos do procedimento tributário utilizado (cfr. artigo 350º, n.º 2, do Código Civil).”
(v. Acórdão do TC n.º 145/2014)
Em face de todo o exposto e por fim, resta concluir que a norma do artigo 129.º, n.º 6, do CIRC, na interpretação normativa sindicada, não viola os princípios do acesso a tutela jurisdicional efetiva (artigos 20.º, n.º 1 e n.º 4 e 268.º, n.º 4, todos da Constituição da República Portuguesa) ou da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa), razão por que improcede o recurso, também neste segmento.
Fazendo nossos os argumentos esgrimidos pelo Tribunal Constitucional, julgamos que a sentença recorrida ao ter considerado como não violados os princípios em referência, não enferma do erro de julgamento que lhe vem assacado.
Passando agora a questão da violação Princípio da Tributação das empresas pelo rendimento real e da igualdade contributiva, o mesmo Aresto que temos vindo a seguir, sustenta o seu juízo de improcedência do seguinte modo:
10. Tributação das Empresas pelo Rendimento Real e Igualdade Contributiva
10.1. A igualdade fiscal conforma uma dimanação do princípio da igualdade quando colocado no domínio tributário, impondo por isso não apenas uma proibição absoluta de discriminação negativa (artigo 13.º, n.º 2 da Constituição da República), mas também um tratamento legal-fiscal uniforme de situações substancialmente iguais e diferenciador quanto a situações dissemelhantes. Resulta assim vedado um primado universalista que se reduzisse a uma paridade de mero cunho formal entre sujeitos dotados de personalidade tributária, antes se impondo um padrão de critério que alcance uma situação de equilíbrio funcional conforme com a substancialidade assimétrica das situações reguladas (cfr. artigos 13.º e 103.º, n.º 1, parte final, da Constituição da República).
Afirmada por esta via a igualdade material em sede tributária, o princípio da capacidade contributiva assinala-se como limite e fundamento da tributação, constituindo-se como seu pressuposto (ou substrato) e critério (ou parâmetro): na dimensão limitativa, por aqui se postula a isenção fiscal do mínimo de subsistência e, ao mesmo passo, a proibição de máximo confiscatório; de outra parte, a constituição fiscal impõe que o imposto seja construído, no patamar infra constitucional, em consideração de indicadores efetivos de aptidão para suportar a prestação tributária, que se arvoram assim como a fonte da incidência do imposto; finalmente e enquanto princípio de parametrização da incidência, por ele se impõe que a carga económica inerente ao imposto seja regulada de modo a acompanhar as variações de poder económico, garantindo uma situação de igualdade material entre sujeitos e entre categorias de rendimentos (v., sobre o assunto, CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 2.ª ed., Almedina, 2004, pp. 148-153 e, de forma mais desenvolvida, CASALTA NABAIS, O Dever Fundamental de Pagar Impostos, Col. Teses, Almedina, 2004, pp. 435-524 e acórdãos do TC n.ºs 55/2022 e 100/2022).
O artigo 104.º, n.º 2 da Constituição da República recorta ainda um paradigma de tributação das empresas pelo seu rendimento real, afastando o arquétipo de definição de base de incidência pelo rendimento normalizado, ou seja, aquele que poderia ser obtido pelo operador em condições medianas (levando em conta aptidões médias de gestão e as condições genéricas no sector, período e lugar). Compreende-se a adoção deste modelo em consonância com os supra citados postulados sobre igualdade fiscal e capacidade contributiva, por a abordagem concreta e individualizada à realidade económica da empresa representar o melhor registo de otimização desses princípios normativos.
Há que manter presente, porém, o facto de a praticabilidade da tributação pelo rendimento real, na sua aceção purificada, se revelar difícil ou impossível, em face da volubilidade dos modelos técnicos de valorimetria e mensuração, bem como da relativa normalização ínsita aos parâmetros de registo contabilístico. Reconhece-se por isso ao disposto no artigo 104.º, n.º 2 da Constituição da República uma operatividade postulativa de paradigma e de direcção do legislador infraconstitucional.
Na primeira aceção, a Constituição adota um modelo tendencial de tributação das empresas, expressa por advérbio de modo, “fundamentalmente sobre o seu rendimento real”; na segunda, a norma acha-se dotada de cunho proibitivo e impede a tributação normalizada onde não exista fundamento bastante, designadamente pela presença de outros valores com cobertura constitucional.
Dito de outro modo, fora do espaço proibitivo ora definido, estas duas dimensões normativas conferem ampla latitude ao legislador ordinário, que, sem ferir a moldura constitucional, gozará “de liberdade para estabelecer exceções ao princípio [ de tributação pelo rendimento real]”, desvios ao modelo cuja legitimidade terá “por suporte nomeadamente o princípio da praticabilidade das soluções” ou outros interesses atendíveis, maxime os referenciados também na Constituição fiscal (v. CASALTA NABAIS, Estudos de Direito Fiscal – Por um Estado Fiscal Suportável, Almedina, 2005, pp. 373-378, cit. in p. 378; e acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 162/2004, 85/2010, 430/2016 e 55/2022).
10.2. Como já vimos acima, a recorrente não pede a fiscalização da norma legal que, sobre mais-valias por alienação de imóveis, elege o VPT como valor de realização a título presuntivo, quando superior ao preço declarado (artigo 58.º-A, n.º 2, do CIRC, na redação em vigor à altura). Este é um apontamento importante que cabe reter, para o mais que diremos.
Cabe agora acrescentar que, também no âmbito da pretensa violação do princípio da tributação das empresas pelo rendimento real e da igualdade tributária de que agora tratamos, a recorrente não localiza o vício na acessibilidade da informação bancária do sujeito passivo e seus representantes executivos pela instauração de procedimento destinado a provar o valor efetivo da transação (artigo 129.º, n.º 6, do CIRC), mas apenas na obrigatoriedade de, com a apresentação do respetivo requerimento junto da AT, o requerente estar obrigado a juntar documentos subscritos por esses administradores autorizando o acesso à sua informação bancária (artigo 129.º, n.º 6, in fine, do CIRC). A recorrente critica, enfim, o facto de se tratar de um “requisito imprescindível” (conclusão 72.º) ou de “uma condição sine qua non para a apreciação do pedido de prova do preço efetivo” (conclusão 64.ª), já que a obtenção do documento de terceiros pode não ser possível ao requerente.
O argumento da requerente reside na conformação da Lei com o facto de, não sendo possível ao sujeito passivo produzir as declarações impostas pela norma, o procedimento para ilisão da presunção de valor de realização (equivalendo ao VPT do imóvel) ficar precludido, potencialmente importando um desvio ao que terá sido o ganho bruto real com a transmissão do ativo imobiliário, daí resultando uma carga fiscal mais onerosa para a operação da que teria lugar noutras condições.
Em primeiro lugar e à semelhança do que dissemos acima, não vemos que a norma possua o efeito criticado pela recorrente. Não se observa no artigo 129.º, n.º 6, do CIRC a natureza férrea de que dependeria afirmar que não é permeável a contextos circunstanciais caracterizados por motivos ponderosos, específicos e fundados, que tornem atendível a impossibilidade de cumprir o ónus a cargo do sujeito passivo e, como tal, como inoperante a cominação para a sua inobservância em certas situações, peculiares e devidamente justificadas.
Em segundo lugar, e ao contrário do que defende a recorrente, a putativa recusa de um administrador em subscrever o documento autorizativo, em princípio, não se poderá entender legítima (como acima vimos e para onde remetemos), razão por que não procede o argumento de que o ónus não está inscrito na disponibilidade do requente. Da anomalia associada a uma recusa ilícita em colaborar com a entidade administrada neste âmbito, à semelhança do que sucederá em qualquer outro caso em que seja necessária a colaboração de terceiros para obter dado resultado procedimental ou processual (v. supra), não vemos que resulte especial aptidão para distorcer a capacidade contributiva ou para erodir o alcance do princípio da tributação pelo rendimento real.
Em terceiro lugar, a associação de um efeito cominatório em matéria fiscal ao fracasso em apresentar ou exibir documentação ou outros elementos de prova, exigidos por Lei, tal como se observa no caso sub iudicio, é uma incidência bastamente conhecida pela ordem jurídica, sem que se debata a sua conformidade constitucional. Existe toda uma constelação de quadros normativos que, em caso de inobservância de deveres de instrução documental ou probatória, estabelecem consequências agravativas de carga fiscal ou sujeitam o contribuinte a formas de tributação baseadas em presunções ou em indicadores económicos de índole objetiva (como é o caso do VPT dos imóveis). Sinalizando, em alguma medida, tensão com o princípio da capacidade contributiva, já que não se encontra escoramento para a liquidação do imposto na declaração do sujeito passivo, nem por isso se vem firmando juízo de inconstitucionalidade quanto a estas soluções legais.
Procurando dois exemplos muito simples (mas denotativos do que se vem de afirmar), veja-se que o artigo 23.º, n.º 3, do CIRC impõe a desconsideração de custos fiscais para efeitos de apuramento de lucro tributável (com o inerente agravamento do imposto sobre o rendimento) quando os gastos não estejam devidamente documentados: isto é assim, ainda que estes custos sejam reais e ainda que a falta de evidência contabilística seja devida a ação dolosa de terceiro (v. g., um fornecedor que recusa emitir fatura, um trabalhador que recusa subscrever o recibo de vencimento) ou a caso fortuito (v. g., documento de suporte descaminhado); da mesma forma e ainda que se deva a ato ilícito de terceiro (v. g., dos serviços financeiros ou de contabilidade), também a não-exibição de registos contabilísticos à AT ou a sua indisponibilidade no âmbito de procedimentos administrativos de fiscalização podem conduzir a que o IRC seja liquidado através de uma metodologia assente numa estrutura de presunções e indícios (métodos indiretos – cfr. artigos 87.º, n.º 1, alínea e) e 88.º, n.º 1, alíneas a) e b), ambos da LGT e artigo 57.º, n.º 2, do CIRC).
Em ambas as situações, a dificuldade ou impossibilidade em apresentar elementos documentais pode conduzir a formas de tributação que, potencialmente, importarão desvios à real capacidade contributiva do sujeito passivo, sem que estas soluções legislativas venham merecendo censura (v. XAVIER DE BASTO, O princípio da tributação do rendimento real e a Lei Geral Tributária, ISG, pp. 17-27). Ressalva-se que todos estes exemplos conhecem alguma plasticidade em situações fundadas (cfr. artigo 57.º, n.º 2, parte final, do CIRC e artigo 88.º, corpo do texto, da LGT, a propósito da necessidade de inviabilização da quantificação direta da matéria tributável; em matéria de custos, a norma do artigo 29.º, n.º 3, do CIRC, não exige que a documentação de suporte satisfaça as exigências, rigorosas, do artigo 36.º do CIVA), mas nenhum deles assenta em factos mais graves, nem possui efeito menos penalizador, do que aquele que se estatui para a inobservância do ónus de instrução documental no âmbito do procedimento a que reporta o artigo 129.º, n.º 6, do CIRC.
De radical, é de notar que em contexto de organização económica assente na titularidade por privados de fatores de produção e de instrumentos de geração de riqueza, a que se associa uma progressiva «privatização» da gestão dos impostos decorrente da impraticabilidade de outras fórmulas no contexto atual, a implementação de um catálogo mais ou menos vasto de prestações e deveres acessórios à obrigação fiscal (de pagar), maxime de índole documental e comprovativa, constitui a única forma de assegurar equidade e o mínimo de eficiência da tributação. A não ser assim, o controlo da situação jurídico-fiscal de cada sujeito passivo não seria menos que uma impossibilidade absoluta, desconstruindo a viabilidade do Estado fiscal e tornando a igualdade tributária (horizontal e vertical) nada mais que um arquétipo teórico, quimérico e desprovido de efetividade (v., sobre a matéria, CASALTA NABAIS, Estudos de Direito Fiscal…, pp. 68-79 e 102-118).
No caso do artigo 129.º, n.º 6, do CIRC em especial, o ónus de apresentar documentos, subscritos pelo sujeito passivo e seus administradores (em funções à data da operação), em que se autorize o acesso à respetiva informação, é um ónus que possui relevância significativa no contexto procedimental colocado, precisamente por garantir o acesso à informação e, por essa via, admitindo e promovendo, de forma completa, integrada e célere, a melhor compreensão dos fluxos financeiros centrais e periféricos ao facto gerador de imposto.
Trata-se, pois, de uma obrigação que se alicerça também na estrutura cooperativa do procedimento administrativo-tributário, tendo em vista a conferência e compreensão da circulação de capitais coeva à atividade da empresa, que, se inclui um espaço perimétrico, este possui evidente correlação com a sua realidade operacional, por respeitar aos responsáveis pela sua governação.
Por outro lado, a única consequência estatuída para a preclusão do procedimento a que reporta o artigo 129.º, n.º 6, do CIRC para o sujeito passivo é mesmo ver a mais-valia apurada de acordo com o VPT do prédio alienado, este por sua vez aferido nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) (cfr. artigos 17.º-19.º e 38.º-46.º, todos do CIMI).
Este método de mensuração do rendimento, embora sofra de alguma estaticidade face às dinâmicas de valorização em mercado (e daí a Lei garantir um procedimento de prova passível de afastar a sua aplicabilidade – v. Acórdão do TC n.º 451/2010 e CASALTA NABAIS, O Dever Fundamental…, pp. 497-498), pretende constituir uma aproximação razoável ao valor objetivo das propriedades imobiliárias, expondo o seu processo de aquisição de valor e a forma como se consolidou na esfera do titular: não tem por escopo, de todo, a majoração da carga fiscal, nem constitui um efeito-sanção. Se a recorrente não discute, em termos de princípio geral, a compaginação constitucional da tributação nestes termos a contra-luz do princípio da capacidade contributiva ou da tributação das empresas pelo lucro real, não vemos que a solução cominatória que critica, preclusiva do procedimento para ilisão da presunção estabelecida no artigo 129.º, n.º 6, do CIRC quando os documentos não sejam apresentados, entre em rutura com parâmetros constitucionais, especialmente quando se tenha presente a importância do ónus omitido no contexto do procedimento administrativo em causa e, bem assim, a elementaridade do ato exigido do sujeito passivo para que o satisfaça, como acima fizemos ver.
O recorrente entende, porém, o efeito preclusivo do procedimento de prova como desproporcionado, apelando, em correlação com a violação do princípio da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real, à proibição de excesso patenteada no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa. Defende-se que a necessidade da documentação deveria aguardar por despacho fundamentado da AT sobre a necessidade de aceder a informação bancária e de notificação do sujeito passivo para o efeito. Apenas perante a recusa subsequente se justificaria o indeferimento do procedimento de prova com fundamento na desobediência a ónus legal.
A norma do artigo 129.º, n.º 6, do CIRC não impõe, de facto, à AT que aceda a informação bancária dos administradores em funções à data da operação, apenas o permite, quando esse acesso se revele fundado em face das circunstâncias do caso (ainda que se trate de uma quase-inevitabilidade, como adiante melhor veremos). No entanto, não vemos a sustentabilidade da argumentação do recorrente. Pois se os documentos acompanharão a requisição de informações junto das entidades bancárias quando a AT decida que é necessário ou conveniente à apreciação da questão colocada, se o acesso a essas informações decorre de Lei e se o sujeito passivo estará obrigado a prover pela sua entrega, por que motivo a vinculação a este ónus sob cominação dependeria de despacho e de interpelação para o efeito? Porque resulta excessivo impor que, a menos que ocorra causa fundada, os documentos sejam disponibilizados, desde logo, com a instauração do procedimento?
Não vemos, de todo, por que motivo a Constituição da República Portuguesa imporia que a Lei adotasse este modelo de burocratização inútil da instrução documental de um procedimento administrativo, dilatando os seus termos e impondo a prática de atos secundários desprovidos de utilidade, com evidente prejuízo para a celeridade da resposta administrativa e para a racionalidade da gestão dos seus recursos. A apresentação de elementos documentais relativos ao procedimento com a sua instauração é, de resto, uma solução lateral ao ramo do Direito em causa (cfr. artigo 116.º, n.ºs 1 e 3, do CPA) e é também nestes termos que devem ser apresentados em juízo (cfr. artigo 423.º, n.º 1, do CPC), ainda que esse acervo documental venha a revelar-se, mais tarde, inútil ou redundante para as necessidades, probatórias ou de outra natureza, do processo.
Em face do exposto, não é defensável concluir que o artigo 129.º, n.º 6, do CIRC, ao impor como condição da instauração do procedimento administrativo aí previsto a junção de documentos subscritos pelos administradores do sujeito passivo requerente, autorizando o acesso a informação bancária pessoal em conformidade com o acesso autorizado à AT pelo mesmo dispositivo legal, entre em rutura com qualquer norma ou princípio constitucional.”
Mais uma vez, tendo a decisão recorrida acompanhado o juízo efetuado pelo Tribunal Constitucional no que respeita à violação dos princípios aqui mencionados, consideramos que a mesma não enferma, também nesta parte, do erro de julgamento que lhe é imputado pela Recorrente, Autora.
Finalmente, advoga ainda a Recorrente que o artigo 129.º nº 6 do CIRC é violador dos princípios e regime estabelecidos pelo artigo 63.º-B da LGT.
Também aqui carece completamente de razão.
Como também foi decidido no Aresto a que nos temos vindo a referir, onde também aquele Tribunal se pronunciou sobre esta questão, tendo concluído do seguinte modo:
Ora, a este propósito, a principal reivindicação da recorrente respeita ao facto de a alteração ao artigo 129.º, n.º 6, do CIRC, impondo-lhe a junção com a instauração do procedimento de documentos subscritos pelos administradores do sujeito passivo autorizando o acesso a dados bancários, ter aliviado a AT de instaurar o procedimento previsto no artigo 63.º-B da LGT, que regulamentava, à data da operação de alienação, o acesso a informações e documentos bancários.
Este é, porém, entendimento sobre a norma do artigo 129.º, n.º 6, do CIRC que não vemos refletido no acórdão recorrido e que, de resto, não resulta do quadro legal aplicável.
De facto e desde logo, antes da Lei n.º 53-A/2006 de 29 de dezembro, o citado dispositivo já associava à instauração do procedimento para demonstração do preço efetivo de imóveis – e como seu efeito direto – o acesso pela AT “à informação bancária do requerente e dos respectivos administradores ou gerentes referente ao exercício em que ocorreu a transmissão e ao exercício anterior”, abrogando o regime de segredo estabelecido no artigo 78.º do Regime Jurídico das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RJICSF). Esta prerrogativa conferida à administração gozava de eficácia sobre as entidades bancárias, desprovendo-as da possibilidade de recusar o acesso à competente informação (cfr. artigo 79.º, n.º 2, alínea e), do RJICSF, na redação em vigor à altura, anterior à Lei n.º 94/2009 de 01 de setembro) e, sendo assim, não se divisa que fosse necessário ao abrigo da Lei antiga a instauração pela AT de um segundo procedimento administrativo (artigo 63.º-B da LGT) para aceder a elementos bancários: esse acesso era já autorizado por decorrência do quadro legal referente ao procedimento para demonstração do preço efetivo da transmissão de imóveis proposto, sem outros requisitos, substantivos ou procedimentais.
Senão, veja-se que o acesso a informação bancária ao abrigo do artigo 63.º-B da LGT, na redação à altura, tinha por fundamento previsivo uma de duas situações: a (i) aquisição de indícios de crime ou de falsidade das declarações fiscais apresentadas pelo sujeito passivo (n.º 1, alíneas a) e b)), ou a (ii) recusa ou a obstrução, ilegítimas, de exibição ou de permissão de consulta a elementos bancários (n.ºs 2 e 3). Sinalizam-se, pois, situações muito distantes da norma do artigo 129.º, n.º 6 do CIRC, que, nos antípodas, busca na iniciativa do particular (não na sua oposição) a fonte de legitimação para capacitar a AT a aceder a dados acobertados por segredo bancário.
De outra parte, seria incompreensível a necessidade de prolatar um despacho com “indicação dos motivos concretos” justificativos do acesso à informação (artigo 63.º-B, n.º 4, da LGT), quando esse acesso decorreria eo ipso da norma do artigo 129.º, n.º 6, do CIRC e da iniciativa do sujeito passivo afetado pela medida. Menos ainda se compreenderia o deferimento da respetiva competência para o Diretor-Geral dos Impostos (sem possibilidade de delegação) (artigo 63.º-B, n.º 4, da LGT), a necessidade de audição prévia do contribuinte num procedimento em que a iniciativa lhe cabe a ele (artigo 63.º-B, n.º 5, da LGT) e, por último, tanto menos a admissibilidade de recurso judicial da decisão de aceder a informação bancária para sindicância de um efeito material indissociável do procedimento instaurado pelo sujeito passivo e cujo efeito (devolutivo ou suspensivo), nestes casos e para mais, seria um absoluto mistério (artigo 63.º-B, n.º 6, da LGT).
Em essência, o acesso a informação sigilosa é produto decorrente da natureza cooperativa e comutativa de que se achava dotado o procedimento tributário instaurado ao abrigo do artigo 129.º, n.º 6, do CIRC, de que decorria e que justificava a abrogação do segredo bancário, assim por contraste com a natureza contenciosa que caracteriza o procedimento do artigo 63.º-B da LGT, em que se denota a indiciação de fraude e/ou a obstrução à atividade de fiscalização tributária.
Conquanto o artigo 129.º, n.º 6, do CIRC já previa a desproteção da informação bancária de administradores do sujeito passivo antes das alterações introduzidas pela Lei n.º 53-A/2006 de 29 de dezembro, não importando uma agravação da posição subjetiva dos particulares afetados pela norma, é de concluir que o novo ónus criado pelo diploma cinge-se a um ato de natureza burocrática: o sujeito passivo terá de elaborar documentos de autorização e de recolher a respetiva assinatura dos membros do seu órgão executivo (em funções à data da operação), dessa forma materializando a instrução necessária do procedimento administrativo nos termos da Lei nova.
Cumpre assinalar que a jurisprudência tributária vem compreendendo o artigo 129.º, n.º 6, do CIRC, nesta nova redação (hoje transposta, expressis verbis, para o artigo 139.º, n.º 6, do diploma), como não produzindo um efeito derrogatório, direto ou próprio, da confidencialidade bancária (v., neste sentido, os acórdãos do TCA Norte de 25 de fevereiro de 2021 no Proc. 735/12.5BEPRT e de 11 de março de 2021 no Proc. 1408/12.4BEPRT e acórdão do TCA Sul de 17 de outubro de 2019 no Proc. 387/18.9BELLE), antes deixando o levantamento do sigilo dependente de um ato declarativo dos respetivos beneficiários, que é dizer, do seu consentimento, formalizado em documento escrito e apresentado nos termos do mesmo articulado legal.”
Mais uma vez e porque acompanhamos, tal como o fez a decisão sob escrutínio, a argumentação expendida no Acórdão transcrito, improcedente terá também de ser julgado o presente recurso, nesta parte.
Advoga ainda a Recorrente que não obstante o Tribunal a quo tenha concluído que esses princípios não haviam sido violados, conclui pela procedência parcial da ação por entender que sobre a AT impendia o dever de verificar, primeiro, da necessidade dos documentos bancários, para depois, caso considerasse que os mesmos eram indispensáveis proceder ela própria ao levantamento do sigilo e obter os documentos. Ora, assim sendo, deveria também ter concluído pela obrigatoriedade do deferimento do pedido da Recorrente, ao invés de ter considerado que deveria ser a AT a efectuar esse procedimento.
Acontece que é exatamente sobre a questão de saber se sobre a AT impende esse dever de aferir da necessidade da junção dos documentos de autorização de acesso as contas bancárias dos administradores da Recorrente e, designadamente, ao abrigo do princípio da cooperação, que se insurge a Fazenda Pública no recurso que dirigiu à decisão do Tribunal a quo.
Ora, sendo certo que, por uma questão de precedência lógica, a decisão desta questão terá reflexos na sorte do recurso interposto pela Autora, iremos, antes de analisar essa parte do mesmo, proceder à análise do recurso interposto pela Fazenda Pública.
Sustenta a Recorrente Fazenda Pública que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento por incorreta valoração da prova o que determina, bem como erro de julgamento de Direito pela extensão que atribui ao princípio do inquisitório ordenando que seja a própria Autoridade Tributária a obter a informação bancária que seja relevante para apreciar o pedido formulado pela Autora, aqui recorrida.
Adiantamos, desde já, que lhe assiste razão.
Senão vejamos.
Relembrando o regime instituído nos artigos 58º-A e 129º, na redação em vigor à data dos factos e que correspondem aos actuais artigos 64º e 139º, do CIRC, o legislador, em face das grandes dificuldades que se faziam sentir no apuramento do valor efetivo de compra e venda de bens imóveis, e aproveitando a alteração ocorrida com a entrada em vigor nos novos Impostos sobre o Património, CIMI, CIMT e IS, que permitiam uma atualização dos valores patrimoniais tributários dos imóveis, introduziu no nosso ordenamento jurídico, os aludidos preceitos.
Assim, o artigo 58º-A, atual artigo 64º, passou a estabelecer que no caso de transações de bens imóveis, deveriam os sujeitos passivos deste imposto, adotar como preço da transação o do valor de mercado dos bens, sendo que este nunca poderia ser inferior ao valor patrimonial tributário dos mesmos para efeitos de tributação em sede de IMT.
A par deste preceito, no nº 2 do art. 58º-A o legislador tributário, estabelece uma presunção afirmando que o valor relevante para efeitos de apuramento do IRC, seria sempre o valor patrimonial tributário dos mesmos que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto, quando o valor que constasse do ato ou contrato fosse inferior.
Esta norma tem o carácter duma norma anti-abuso, tal como tem vindo a ser defendido de forma pacífica quer pela doutrina (cfr. João Nuno Calvão da Silva - Elisão fiscal e cláusula geral anti-abuso, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 2006, Ano 66, Vol. II, setembro de 2006), quer pela jurisprudência, como aliás já tivemos oportunidade de ver quando analisamos o recurso da Autora, com vista a mitigar os efeitos nefastos resultantes de eventuais simulações de preços acordadas entre os contratantes (vide, também, neste sentido o Acórdão do STA de 03/12/2014, tirado no processo nº 881/12, onde é afirmado quanto à qualificação deste preceito o seguinte: “a natureza de norma especial anti-abuso, que visa corrigir, para efeitos de determinação do lucro tributável, os valores de venda/aquisição dos imóveis”) .
Naturalmente que não sendo possível a existência de presunções inilidíveis em sede de normas de incidência, desde logo por força do art. 104º, nº 2 da CRP, mas também, e sobretudo, em obediência ao disposto no artigo 73º da LGT, por forma a adequar a presente presunção à Constituição e à LGT, veio prever no seu então artigo 129º do CIRC, atual art. 139º, uma forma dos sujeitos passivos ilidirem tal presunção.
Efectuado este pequeno enquadramento, vejamos agora qual o mecanismo que permite ilidir a presunção constante do art. 58º-A, nº 2 (atual artigo 64º, nº 2).
O artigo 129º do CIRC (atual art. 139º), estabeleceu, então, o procedimento a que os sujeitos passivos devem recorrer sempre que pretendam ilidir a presunção constante do aludido preceito.
No que aqui nos importa, e não nos detendo na apreciação de todo o preceito, o seu nº 6 estabelece, desde logo, meios de prova que terão de ser juntos pelos requerentes ao procedimento, bem como o momento em que os mesmos devem ser juntos.
Assim sendo, determina o nº 6 do aludido preceito o seguinte:
Em caso de apresentação do pedido de demonstração previsto no presente artigo, a administração fiscal pode aceder à informação bancária do requerente e dos respectivos administradores ou gerentes referentes ao período de tributação em que ocorreu a transmissão e ao período de tributação anterior, devendo para o efeito ser anexados os correspondentes documentos de autorização.”
Não obstante todas a questões de conformidade constitucional que a Autora suscitou sobre o mesmo e que o Tribunal a quo considerou improcedentes, e este Tribunal acompanhou, resta a questão de saber se, como defendia a Recorrida, a não apresentação dos documentos referentes às autorizações de levantamento do sigilo bancário não obstaria à apreciação e consequente deferimento do pedido.
A questão que se coloca no presente recurso é exactamente a de saber se o Tribunal a quo fez uma correcta interpretação do aqui disposto.
Sobre ela, discorreu aquele Tribunal do seguinte modo:
Por último, alega a autora que, no caso de se entender ser a redação do n.º 6 do artigo 129.º do CIRC conforme aos princípios e normas que a mesma invoca na sua petição inicial, a exigência da autorização para levantamento do sigilo bancário apenas se mostrará aceitável após a constatação da administração tributária de que se verificam no caso fundamentos concretos que justificam a mesma consulta, argumento com o qual concordamos.
Com efeito, o n.º 6 do artigo 129.º do CIRC, a que nos vimos referindo e dispõe que “ em caso de apresentação do pedido de demonstração previsto no presente artigo, a administração fiscal pode aceder à informação bancária do requerente e dos respectivos administradores (…), devendo para o efeito ser anexados os correspondentes documentos de autorização.”
Resulta assim do normativo que a consulta à informação bancária quer do sujeito que transcrevemos supra (nota 4) diz expressamente que deverão ser apresentadas as declarações que autorizem a mesma consulta, imposição que, conforme supra se decidiu, por si, não importa a violação de qualquer princípio constitucional. Contudo, diferentemente do entendimento preconizado pela administração tributária, a falta da junção das declarações em causa, não poderá importar por si só a recusa de apreciação do pedido prova de demonstração do preço de transmissão.
Conforme resulta do texto da lei, a consulta da informação bancária afigura-se ser uma das diligências a realizar pela administração tributária, e no entendimento que supra preconizamos aquela que melhor poderá permitir lograr a finalidade do mecanismo previsto no artigo 129.º do CIRC, contudo essa é uma possibilidade que deverá ser aferida em face da análise da restante prova carreada para o procedimento de prova do preço efetivo. Sempre poderá a administração tributária entender que a prova oferecida pelo sujeito passivo é bastante para que se mostra cumprida a finalidade pretendida com o mecanismo em causa. Por outro lado, poderá a administração fiscal entender diferentemente, isto é, entendendo ser essencial a consulta à informação bancária do requerente e administradores, caso em que deve ser oferecida a autorização referida no mesmo artigo.
Porém, esse juízo deverá ter sempre por base uma análise ao pedido efetuado e prova carreada no âmbito do procedimento iniciado com a finalidade prevista no artigo 58.º-A n.º2 do CIRC.
No caso concreto, com a apresentação do pedido de prova do preço da transação, a autora juntou cópia da escritura de compra e venda realizada, cópia do meio de pagamento, juntando posteriormente, autorização de acesso à sua informação bancária. Em falta ficou a entrega de idêntica autorização relativamente aos seus administradores. Pela administração tributária, foi solicitada a entrega das declarações de consentimento de acesso às informações bancárias dos administradores do sujeito passivo. Em consequência da falta de entrega dos referidos elementos, foi arquivado o requerimento apresentado por falta de cumprimento dos requisitos legais.
Contudo, em face das normas vigentes, nomeadamente do n.º 6 do artigo 129.º do CIRC, impunha-se que a administração tributária tivesse analisado os documentos juntos com o pedido apresentado e, concluído no sentido de que mostrava impreterível a consulta à informação bancária dos administradores do sujeito passivo, e, não sendo oferecido o seu consentimento, tivesse diligenciado no sentido de derrogar o sigilo bancário.
É que, não obstante o mecanismo em causa estar na dependência e iniciativa do sujeito passivo, cabendo-lhe provar o que o preço de transmissão de um concreto bem imóvel é inferior ao seu VPT, a administração tributária está sempre vinculada ao princípio do inquisitório nos termos do artigo 58.º da LGT, visando a sua atuação a busca pela verdade material, cabendo-lhe diligenciar nesse sentido12. 12 Vide neste sentido o Ac. do STA proferido em 09/03/2016, no processo n.º 0820/15,que acompanhamos e de que se transcreve o sumário: I - Para determinação do lucro tributável do vendedor e do comprador deve ser tido em conta o valor resultante da fixação do VPT de um prédio quando seja inferior ao estipulado no contrato de compra e venda, constituindo uma presunção de rendimentos o valor constante do contrato que lhe seja inferior, art.º 64, do CIRC II - Por não serem admitidas nas normas de incidência tributária presunções inilidíveis - art. 73.º da LGT - o legislador estabeleceu no CIRC um procedimento no seu art. 139.º para prova de que o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário permitindo que aí se faça a ilisão de tal presunção. III - Tal procedimento é accionado pelo sujeito passivo e, como indica o n.º 5 do art. 139.º do CIRC rege-se pelo disposto nos artigos n.º 4 do artigo 86.º 91.º e 92.º da Lei Geral Tributária, com as necessárias adaptações. IV- Este procedimento constitui condição necessária à abertura da via contenciosa, n.º 7 do art. 130.º do CIRC. V - O sujeito passivo de imposto sobre o rendimento pode utilizar os seguintes meios contenciosos: impugnação judicial do acto que fixou o valor patrimonial tributário do imóvel; acção administrativa especial para sindicar a legalidade do acto final do procedimento tributário que instaurou com vista à prova do preço efectivo da transmissão; impugnação judicial do acto de liquidação de IRC, art. 58
Deste modo, ao determinar o arquivamento do pedido de prova do valor efetivo da transmissão do imóvel em causa, sem proceder à análise da suficiência da prova oferecida e da efetiva necessidade de acesso às informações bancárias dos administradores, atuou de forma ilegal, contrária ao espirito do referido artigo, fazendo uma errada interpretação do aludido dispositivo legal.
Os atos administrativos, em função da sua invalidade, podem ser nulos ou anuláveis, sendo que, no CPA de 1991eram nulos os atos constantes previstos no artigo 133.º e aqueles que a lei sancionasse com nulidade. No caso concreto, estando em causa o vício de violação de lei, o mesmo não se encontra previsto como causa de nulidade no artigo 133.º do CPA, nem é dessa forma sancionado de maneira autónoma por lei. Desse modo, o ato em causa é assim anulável nos termos do artigo 135.º do CPA,
Procede assim o argumento apresentado pela Autora, pelo que se julga violado pela decisão de arquivamento do pedido de prova do preço efetivo, apresentado pela autora, determinando-se a anulação do despacho de 04/02/2010 do Exmo. Sr. Diretor de Finanças de Lisboa, exarado na informação n.º 010470, por se encontrar ferido de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito.
Mas sem razão.
Senão vejamos.
Já na redação inicial do preceito se associava à instauração deste procedimento o acesso pela AT “à informação bancária do requerente e dos respectivos administradores ou gerentes referente ao exercício em que ocorreu a transmissão e ao exercício anterior”, como, aliás, já tivemos oportunidade de afirmar acima, afastando o regime de segredo bancário instituído no artigo 78.º do Regime Jurídico das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, dispensando esta de lançar mão do procedimento instituído no artigo 63º-B da LGT.
No entanto, o nº 6 do art. 129º foi alterado pela Lei n.º 53-A/2006 de 29/12, tendo dele passado a constar que os sujeitos passivos, no momento em que iniciavam o procedimento, deveriam juntar-lhe os documentos de autorização bancária, dos próprios e dos seus gerentes ou administradores. Decorre da letra do nº 6 do artigo 129º (atual art. 139º) que foi intenção do legislador evitar que tenha de ser a própria AT a requerer, oficiosamente, o levantamento do sigilo bancário dos sujeitos passivos que pretendem demonstrar a veracidade do preço de adquisição/alienação dum imóvel. Na verdade, o legislador indica que tais elementos devem ser juntos com o requerimento que dá início ao procedimento.
Tudo parece, pois, indicar que a intenção do legislador foi desburocratizar um procedimento que se pretende célere, impondo um vínculo de colaboração específico do sujeito passivo para com a AT, bem como dos seus gerentes/administradores. Efetivamente, e no que a estes últimos respeita, tal dever específico de colaboração decorre, não apenas, do seu dever de lealdade para com a entidade que administram ou administraram, designadamente na sua vertente de colaboração com a mesma. Significa isto que a obrigação de facilitar a desburocratização de todo o procedimento, mais não é do que uma concretização ou densificação, também, nos deveres de cooperação para tutela de interesses legítimos da entidade por si administrada (vide artigo 64.º, n.º 1, alínea b), do Código das Sociedades Comerciais e artigo 762.º, n.º 2, do Código Civil).
Assim, se é verdade que sobre a AT impende o dever de colaboração e do inquisitório, previstos nos artigos 58º e 59º da LGT, também não deixa de ser verdade este preceito atribui um vínculo de colaboração específico do sujeito passivo para com a AT e que, afasta o dever geral de colaboração instituído no artigo 59º da LGT.
Aliás, não podemos nunca perder de vista que quem dá início ao procedimento, pretendendo afastar a presunção constante do nº 2 do artigo 64º do CIRC, é o sujeito passivo, procurando, deste modo, alcançar uma tributação pelo seu lucro real, com prevê o art. 104º, nº 3 da CRP. Assim, não se compreenderia como impendendo sobre si o ónus da prova do preço efetivo da venda, desde logo por força do disposto no artigo 342º do CC, bem como do artigo 74º da LGT, este procure fazer inverter o ónus dessa prova para a AT, designadamente afirmando que tal obrigação de entregar as autorizações de acesso às contas bancárias, suas e dos seus gerentes, é excessiva ou desproporcionada.
Assim, entendemos que a junção de tais documentos será condição de admissibilidade do pedido de prova do preço efetivo de venda.
Neste mesmo sentido podemos ver o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 176/2023, de 30.03.2023, proferido no processo nº 1213/2021, e já acima transcrito.
Em igual sentido podemos ver o Aresto deste TCA Sul de 24/01/2024, tirado no processo nº 1810/09.9 BELSB, onde se sumariou o seguinte: “II- O artigo 129.º, nº6 do CIRC impõe a entrega das autorizações para acesso da informação bancária dos administradores e gestores referente ao período de tributação em que ocorreu a transmissão e ao período de tributação anterior, devendo para o efeito serem anexados os correspondentes documentos de autorização.
III- A imposição referida na alínea antecedente, representa uma condição sine qua non, insuscetível de ser suprida pela AT mediante convocação do inquisitório, não traduzindo, por um lado, um ónus excessivo ou desrazoável, e, por outro lado, a concreta violação do direito de acesso à reserva da vida privada, ao acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, ao princípio da tributação do lucro real das empresas e da igualdade tributária e bem assim do princípio da proporcionalidade.
Posto isto, não acompanhamos o defendido pelo Tribunal a quo quando afirma que essa obrigatoriedade apenas ocorre se e quando, das provas apresentadas no procedimento não se conseguir retirar a veracidade do valor constante do contrato ou ato se mostre indispensável a apresentação das mencionadas autorizações.
Não nos podemos nunca esquecer que a norma constante do art. 64º, nº 2 do CIRC é uma norma anti-abuso que pretende obstar a uma prática que se sabe mais ou menos generalizada de evasão fiscal nestas situações de transação de imóveis. Ora, com o presente procedimento o sujeito passivo tem de provar que não existe qualquer justificação para se aplicar a presunção.
Não será, portanto, possível que a rácio da norma se considere preenchida com a mera junção ao procedimento previsto neste artigo do ato ou contrato pelo qual se operou a transação, bem como das autorizações bancárias relativas ao próprio sujeito passivo, quando se sabe, pelas regras da experiência comum, que são utilizadas contas bancárias dos gerentes e ou administradores para ocultar o verdadeiro valor de transação dos bens.
Acresce que, e não menos importante, nada no preceito faz inculcar a ideia de que esses documentos apenas deverão ser juntos após uma análise efetuada pela AT que considere ou desconsidere tais elementos como sendo imprescindíveis para a apreciação do pedido e deferimento do mesmo. Muito pelo contrário.
O preceito em questão faz, de forma absolutamente cristalina, depender a apreciação do pedido da junção das declarações de autorização de acesso as contas bancárias.
Concluímos, deste modo, que procedente tem de ser julgado o recurso interposto pela Fazenda Pública, revogando a sentença recorrida nesta parte, e julgando improcedente a presente ação.
Ao concluir deste modo, desnecessário se torna apreciar o Recurso apresentado pela Autora, na parte em que esta ali pretende que o Tribunal conclua pelo deferimento imediato do pedido por si formulado, ora tal conclusão será impossível de retirar uma vez que o ato que determinou o arquivamento do procedimento não enferma do vício que lhe vem assacado pela Recorrente.

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CUSTAS
No que diz respeito à responsabilidade pelas custas do presente Recurso, atendendo ao seu total decaimento da recorrente Autora, as custas são da sua responsabilidade. [cfr. art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT].

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III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da 1ª Subsecção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso da Autora e conceder provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública, revogando-se a sentença recorrida na parte em que julgou procedente a ação e, em consequência, julgar totalmente improcedente a ação.


Custas pela recorrente Autora, em ambas as instâncias.

Lisboa, 07 de novembro de 2024

Cristina Coelho da Silva (Relatora)

Rui A. S. Ferreira

Ângela Cerdeira