Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:57/19.0BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:04/24/2024
Relator:MARIA ISABEL FERREIRA DA SILVA
Descritores:LGT- ARTIGO 86º E 91º.
CPPT- ARTIGO 117º
CPTA- ARTIGO 89º Nº 4 AL. I)
PEDIDO DE REVISÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL FIXADA POR MÉTODOS INDIRETOS
INIMPUGNABILIDADE DO ATO DE LIQUIDAÇÃO
Sumário:I- A inimpugnabilidade do ato é uma exceção dilatória insuprível e de conhecimento oficioso (cf. artigo 89º nº 4 al. i) do CPTA, ex vi artigo 2º al. c) do CPPT).
II– A falta de reclamação do ato de fixação da matéria tributável por métodos indiretos, no procedimento de revisão (artigos 117º do CPPT, 85º nº 6 e 91º da LGT), com fundamento em erro nessa fixação/quantificação, ou nos pressupostos da utilização dessa metodologia avaliativa, torna o ato de liquidação inimpugnável (artigo 89º nº 4 al. i) do CPTA ex vi artigo 2º al. c) do CPPT).
III- Não tendo havido procedimento de revisão da matéria tributável fixada por métodos indiretos, não é pelo facto de ter sido deduzida reclamação graciosa contra as liquidações, ainda que nela se decida do mérito relativamente às questões atinentes aos pressupostos de aplicação de métodos indiretos e erro na quantificação, que fica suprida a exceção da inimpugnabilidade das liquidações, que não é suprível.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:



I - RELATÓRIO

O impugnante, P…….. (ora recorrente) veio interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, datada de 19.06.2023, que julgou verificada a exceção de inimpugnabilidade por não ter sido feito pedido de revisão da matéria tributável, em sede de IRS de 2014, 2015 e 2016 (nos montantes de 22.266,62 Euros, de 13.437,19 Euros e de 23.745,16 Euros, respetivamente, no montante global de € 59.448,97), tendo absolvido a Fazenda Pública (ora recorrida) da instância.

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O Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, com as seguintes conclusões:
“A. O Tribunal a quo andou mal ao ter julgado totalmente procedente a exceção dilatória de inimpugnabilidade das liquidações impugnadas, bem como, ao ter concluído que não foi alegado o vício de falta de fundamentação.
B. A tramitação do processo administrativo que originou os presentes autos ocorreu de forma diferente daquela sobre a qual a doutrina e a jurisprudência assentaram o seu entendimento, e que é referida na sentença recorrida.
C. No caso em apreço, o Recorrente reclamou graciosamente das liquidações de IRC e de IVA, que foram emitidas pela Autoridade Tributária na sequência da ação inspetiva, com base no erro nos pressupostos de utilização da avaliação indireta e no erro na quantificação da matéria tributável por métodos indiretos.
D. A Autoridade Tributária, ao invés de ter rejeitado liminarmente a reclamação graciosa por erro no meio processual adequado, analisou o mérito da mesma, tendo indeferido a reclamação graciosa, por entender que as liquidações de IVA e de IRC não se encontravam inquinadas com qualquer vício, defendendo o recurso aos métodos indiretos em razão de não ser possível confiar na contabilidade do Recorrente, por se terem verificado a existência de omissões de registos de compra e venda de viaturas (vide ponto 8, da Petição Inicial).
E. Assim sendo, o Recorrente tinha direito a ver a sua impugnação judicial apreciada judicialmente, incluindo os fundamentos referentes ao erro nos pressupostos de utilização da avaliação indireta e ao erro na quantificação da matéria tributável por métodos indiretos, em virtude de a Autoridade Tributária ter decidido de mérito e sobre tais questões, no âmbito da reclamação graciosa cuja decisão de indeferimento consubstancia o objeto dos presentes autos.
F. Apesar de a Autoridade Tributária ter o poder de rejeitar liminarmente a reclamação graciosa – apenas na parte sobre o erro nos pressupostos de utilização da avaliação indireta e do erro na quantificação da matéria tributável por métodos indiretos –, por esta não ser o meio processual adequado para se verificar de tais erros, a Autoridade Tributária decidiu sobre o mérito do pedido do Recorrente, tendo indeferido a sua pretensão, mas por entender que o mesmo não tinha razão, e não por aquele não ser o meio processualmente adequado para o efeito.
G. Assim sendo, abriu-se a possibilidade de o Recorrente ver decidida a sua impugnação.
H. Por conseguinte, e salvo o devido respeito por melhor opinião, o Tribunal a quo andou mal ao ter declarado procedente a exceção arguida pela Fazenda Pública.
I. Por outro lado, diga-se ainda que, o Recorrente alegou ainda a falta de fundamentação do relatório de inspeção tributária – ainda que de forma não individualizada –, no ponto 32, da petição inicial, quando referiu que: “Tendo tal Autoridade se bastado a dizer que a contabilidade do Impugnante não podia servir de base para o apuramento dos impostos pelos meios directos, em razão de ter omissões.”
J. Com este ponto, o Recorrente afirmou que a fundamentação exposta pela Autoridade Tributária para promover a aplicação de métodos indiretos era deficitária.
K. De acordo com o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no âmbito do processo n.º 06556/13, a 17.03.2016, relatado por CATARINA ALMEIDA E SOUSA – que foi proferido no âmbito de uma impugnação judicial de uma reclamação graciosa de liquidações adicionais emitidas na sequência de um procedimento de inspeção tributária, em que o sujeito passivo não apresentou processo de revisão –, a falta de fundamentação, no relatório de inspeção tributária, da razão que levou à tributação por métodos indiretos, pela Autoridade Tributária, consubstancia fundamento de impugnação judicial da reclamação graciosa das liquidações adicionais emitidas na sequência de inspeção tributária.
L. Tendo este Venerando Tribunal Central Administrativo Sul, no âmbito do acórdão supra melhor identificado, entendido que tal justificação (omissões de contabilidade) não é suficiente para se aplicar os métodos indiretos, situação que determinava a anulação do Relatório de Inspeção em que assentavam as liquidações impugnadas.
M. Assim sendo, e salvo o devido respeito por melhor opinião, o Tribunal a quo andou mal ao ter concluído que não foi alegado o vício de falta de fundamentação, pelo Recorrente, em sede da sua Petição Inicial. N. Normas jurídicas violadas: artigos 97.º, n.º 1, al. c), e 99.º, al. c) e d), do CPPT. “
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Notificada, a Recorrida não apresentou resposta às alegações.
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Os autos tiveram vista do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, nos termos do art. 288.º, n.º 1 do CPPT, o qual emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, nos termos do art. 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, vem o processo à Conferência para julgamento.

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II -QUESTÕES A DECIDIR:

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas as questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer [cf. artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5 do CPC, ex vi artigo 2.º, alínea e) e artigo 281.º do CPPT].
Nesta conformidade, cabe a este Tribunal apreciar e decidir: - Se a decisão recorrida padece de erro de julgamento quanto à inimpugnabilidade das causas de pedir da petição inicial e ao concluir que não havia sido alegada a falta de fundamentação.
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III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:


A decisão recorrida proferiu a seguinte decisão relativa à matéria de facto:


“A) O Impugnante, nos anos de 2014, 2015 e 2016 exerceu a actividade de comércio de veículos automóveis ligeiros e, no ano de 2016, desenvolveu, também, a actividade de prestação de serviços de intermediação financeira em contratos de financiamento automóvel (cfr. facto que se extrai do ponto II.3.3. do relatório de inspeção a fls. 53 do processo administrativo junto aos autos a fls. 47 a 141);
B) O Impugnante foi objecto de uma acção inspectiva externa, credenciada pelas ordens de serviço com os n.ºs ………/…/…, de âmbito geral, com incidência nos anos de 2014, 2015 e 2016 (cfr. facto que se extrai do ponto II.1. do relatório de inspeção a fls. 53 do processo administrativo junto aos autos a fls. 47 a 141);
C) Em 22.09.2017 foi elaborado relatório final de inspecção tributária no qual, para o que aqui importa, e no que respeita aos anos de 2014, 2015 e 2016 apurou o rendimento colectável, destes anos, com recurso à aplicação de métodos indirectos (cfr. documento de fls. 45 a 68 do processo administrativo junto aos autos a fls. 47 a 141);
D) No seguimento das correções efectuadas no âmbito do mencionado procedimento inspectivo, foram emitidas liquidações de IRS n.ºs ………, ……., ………….., referentes aos anos de 2014, 2015 e 2016 e juros compensatórios (cfr. facto não controvertido);
E) Em 16.08.2018, o Impugnante apresentou reclamação graciosa na qual peticionou que fossem declaradas nulas ou anuladas as liquidações adicionais de IRS referidas na alínea anterior (cfr. documento a fls. 25 a 35 do processo administrativo junto aos autos a fls. 47 a 141);
F) Em 11.10.2018, por despacho do Chefe de Divisão, por subdelegação de competências da Directora de Finanças de Setúbal foi indeferida a reclamação referida na alínea anterior (cf. documento a fls. 84 do processo administrativo junto aos autos a fls. 47 a 141).


A decisão recorrida, quanto aos factos não provados consignou o seguinte:


“1) Não ficou provado ter o impugnante reclamado para a Comissão de Revisão.


Com interesse para a decisão não resultaram provado outros factos com interesse para a decisão”.


A Mª juiz a quo, motivou a decisão de facto do modo seguinte:


“A convicção do Tribunal para dar os presentes factos como provados assentou na análise crítica do teor dos documentos constantes do processo administrativo e dos restantes documentos constantes dos autos, os quais não foram impugnados pelas partes, de acordo com o indicado em cada uma das alíneas do probatório.
No que respeita aos factos não provados não foi junto aos autos pelo impugnante nem tal resulta do processo instrutor junto ter o impugnante apresentado qualquer reclamação para a Comissão de Revisão”.

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IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:


Percorrendo as conclusões de recurso, constatamos que o recorrente centra todo seu inconformismo com a decisão recorrida, à qual imputa erro de julgamento de direito, pelo facto do Tribunal a quo entender que se verificava a exceção de inimpugnabilidade, obstando ao conhecimento do mérito da impugnação.
Discorda do assim decidido, essencialmente por duas ordens de razões: (1) – Por ter alegado no ponto 32 da PI a falta de fundamentação, e (2) por ter sido conhecido o mérito da reclamação graciosa que antecedeu a impugnação.


Principia o recorrente as alegações afrontando a decisão ao considerar que os atos de liquidação são impugnáveis, desde logo porque deduziu reclamação graciosa, que foi indeferida e onde o mérito da mesma foi conhecido, sem ter sequer havido lugar à sua convolação em pedido de revisão da matéria tributável, pelo que, afirma, deveria ser conhecido também o seu mérito em sede de impugnação.
Mas, não é assim.
Ora vejamos.
Importa, antes de enfrentar a nossa apreciação, dar conta que a matéria de facto fixada em 1ª instância não foi alvo de reparo por parte do recorrente.
Prosseguindo.
O recorrente não coloca em questão que, havendo avaliação com recurso a métodos indiretos, as causas de pedir se centram nos erros de quantificação e nos pressupostos que levaram à avaliação pelo método presuntivo.
Consultando a matéria de facto fixada em 1ª instância, constatamos que o recorrente foi alvo de uma ação inspetiva através da qual foi fixada a matéria coletável em sede de IRS de 2014, 2015 e 2016 por métodos indiretos (cf. pontos B) C) e D) dos factos provados).
Noticia ainda o probatório que o recorrente não pediu a revisão da matéria tributável fixada por métodos indiretos, nos termos dos artigos 91º da LGT e 117º do CPPT (Cf. ponto 1) da factualidade considerada não provada), faculdade essa que lhe assistia.
A outro passo, extrai-se também do probatório que o recorrente optou por deduzir reclamação graciosa a qual veio a ser indeferida (Cf. ponto E) e F) da matéria assente). E, na sequência daquele despacho de indeferimento, deduziu impugnação judicial.
Levada a impugnação judicial ao conhecimento da Mª Juiz do Tribunal a quo, a mesma, após ter fixado a factualidade pertinente para apreciar a matéria excetiva, conclui pela inimpugnabilidade das liquidações de IRS de 2014, 2015 e 2016, louvando-se do seguinte discurso fundamentador:
“(…) alega a Fazenda Pública que, estando em causa a aplicação de métodos indiretos, a discussão de tal matéria em sede impugnatória, tal como vem invocada pelo Impugnante, encontra-se condicionada à prévia apresentação de pedido de revisão da matéria tributável, previsto nos artigos 91.º e seguintes da LGT, não tendo o Impugnante procedido à apresentação de tal pedido. Mais alega que, resultando dos n.ºs 3 e 5 do artigo 86.º da LGT que a avaliação indirecta não é suscetível de impugnação contenciosa directa, dependendo da prévia apresentação do pedido de revisão previsto no artigo 91.º do mesmo diploma, tal como determina o n.º 1 do artigo 117.º do CPPT, não pode o Impugnante vir, nesta sede, atacar as liquidações decorrentes da tributação por métodos indirectos com os fundamentos por si invocados. Já o impugnante alega que tendo apresentado reclamação graciosa, com fundamento em erro nos pressupostos de utilização da avaliação indirecta e erro na quantificação da matéria tributável por métodos indiretos, e não tendo a mesma sido rejeitada liminarmente, tendo, inclusive, havido decisão sobre o mérito da mesma, abriu-se a possibilidade de o Impugnante recorrer à impugnação judicial.
Cumpre apreciar e decidir.
A inimpugnabilidade do acto impugnado constitui uma excepção dilatória de conhecimento oficioso e que, a verificar-se, importa a absolvição da Entidade Impugnada da instância e obsta a que o Tribunal conheça o mérito da causa, nos termos do preceituado no n.º 1 e 2, e na alínea i) do n.º 4, do artigo 89.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (doravante CPTA), ex vi alínea c) do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante CPPT).
No contencioso tributário vigora o princípio da impugnação unitária, ou seja, só há impugnação contenciosa do acto final do procedimento que afecte imediatamente a esfera patrimonial do contribuinte. Assim, preceituam os n.ºs 3 a 5 do artigo 86.º da Lei Geral Tributária (doravante LGT), sob a epígrafe Impugnação Judicial, o seguinte: “(…) 3 - A avaliação indireta não é suscetível de impugnação contenciosa direta, salvo quando não dê origem a qualquer liquidação. 4 - Na impugnação do ato tributário de liquidação em que a matéria tributável tenha sido determinada com base em avaliação indireta, pode ser invocada qualquer ilegalidade desta, salvo quando a liquidação tiver por base o acordo obtido no processo de revisão da matéria tributável regulado no presente capítulo. 5 - Em caso de erro na quantificação ou nos pressupostos da determinação indireta da matéria tributável, a impugnação judicial da liquidação ou, se esta não tiver lugar, da avaliação indireta depende da prévia reclamação nos termos da presente lei.”
Ora, a prévia reclamação a que se refere aquele n.º 5 do artigo 86.º da LGT encontra-se prevista no artigo 91.º do mesmo diploma, sob a epígrafe Pedido de revisão da matéria tributável, preceituando o n.º 1 deste artigo o seguinte:
“1 - O sujeito passivo pode, salvo nos casos de aplicação do regime simplificado de tributação em que não sejam efetuadas correções com base noutro método indireto, solicitar a revisão da matéria tributável fixada por métodos indiretos em requerimento fundamentado dirigido ao órgão da administração tributária da área do seu domicílio fiscal, a apresentar no prazo de 30 dias contados a partir da data da notificação da decisão e contendo a indicação do perito que o representa. (…)”.
No mesmo sentido, estatui o artigo 117.º do CPPT, sob a epígrafe Impugnação com base em erro na quantificação da matéria tributável ou nos pressupostos de aplicação de métodos indiretos, que: “1 - Salvo em caso de regime simplificado de tributação ou quando da decisão seja interposto, nos termos da lei, recurso hierárquico com efeitos suspensivos da liquidação, a impugnação dos atos tributários com base em erro na quantificação da matéria tributável ou nos pressupostos de aplicação de métodos indiretos depende de prévia apresentação do pedido de revisão da matéria tributável. (…)”
Decorre, assim, dos normativos legais acabados de transcrever que, quando seja invocada a existência de erro na quantificação da matéria tributável ou nos pressupostos de aplicação de métodos indirectos, a prévia apresentação do pedido de revisão da matéria tributável previsto no artigo 91.º da LGT constitui condição de impugnabilidade judicial dos actos de liquidação resultantes das correcções efectuadas por recurso a métodos indiretos. Com efeito, tem sido assim entendido pela Jurisprudência dos Tribunais Superiores, designadamente no acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do processo n.º 0499/16, em 01.06.2016, no qual se decidiu que a falta de pressupostos de aplicação de métodos indiretos, só são passíveis de aplicação na impossibilidade de avaliação directa da matéria tributável, em conformidade com o disposto nos art.º 81.º, n.º 1 e 85.º da Lei Geral Tributária, ou o erro na quantificação da matéria tributável que lhe foi consequente, não pode ser conhecida em impugnação judicial não precedida de reclamação para a comissão de revisão por força do disposto no art.º 86.º, n.º 3, 4 e 5 da Lei Geral Tributária e 117.º, n.º 1 do Código de Processo e Procedimento Tributário (veja-se, no mesmo sentido, designadamente, os Acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito dos processos n.º 01784/13, 01722/13, 01613/13, 0216/13, 0383/13, 01236/12, 01197/12, em 14/10/2015, 17/06/2015, 26/03/2014, 26/06/2013, 30/04/2013, 17/04/2013, 28/11/2012, respetivamente, todos disponíveis in www.dgsi.pt).
Ora, como resulta do probatório supra, as liquidações aqui impugnadas tiveram na sua base unicamente correcções efectuadas por recurso à aplicação de métodos indirectos, não tendo o Impugnante apresentado pedido de revisão da matéria tributável nos termos do artigo 91.º da LGT.
Será, ainda, necessário averiguar se, na petição inicial apresentada, o Impugnante invoca, efectivamente, a falta de pressupostos de aplicação de métodos indirectos e/ou o erro na quantificação da matéria tributável que lhe foi consequente. Compulsado o teor da petição inicial, resulta da mesma que o Impugnante desde logo questiona a aplicação do mecanismo da avaliação por recurso a métodos indirectos por considerar que a Autoridade Tributária tinha os elementos necessários para conseguir através de métodos directos apurar os rendimentos do Impugnante, questionando, ao longo da petição inicial a aplicação da referida forma de apuramento da matéria tributável.
Na verdade, o procedimento de revisão está vocacionado para a resolução de meras questões técnicas e não jurídicas, sem prejuízo da apreciação das questões de direito que se refiram aos pressupostos da utilização dos métodos indiretos, “que estão profundamente conexionadas com a verificação dos respetivos pressupostos de facto” (cfr. Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, in “Lei Geral Tributária anotada e comentada”, Encontro da Escrita Editora, 4.ª edição, nota 5 ao art. 86.º, pág. 746). Tal decorre, aliás, do disposto no n.º 14 do artigo 91.º da LGT, no qual se estatui que “[a]s correções meramente aritméticas da matéria tributável resultantes de imposição legal ou que possam ser objeto, de acordo com as leis tributárias, de recurso hierárquico com efeito suspensivo da liquidação e as questões de direito, salvo quando referidas aos pressupostos da determinação indireta da matéria coletável, não estão abrangidas pelo disposto neste artigo”. Com efeito, o procedimento de revisão abrange não só as operações de quantificação através de métodos indirectos, mas também a análise dos pressupostos da aplicação dos mesmos, como resulta do preceituado no n.º 1 do artigo 117.º do CPPT. Ora, no caso vertente, não restam dúvidas que vem invocada a existência de erro nos pressupostos de aplicação de métodos indirectos, nos termos supra expostos, pelo que resultando do probatório não ter sido apresentado pelo Impugnante o pedido de revisão da matéria tributável, previsto no artigo 91.º da LGT, conclui-se não ter sido observado o disposto no n.º 5 do artigo 86.º da LGT e no n.º 1 do artigo 117.º do CPPT. Posto isto, julga-se procedente a excepção dilatória de inimpugnabilidade das liquidações impugnadas invocada pela Fazenda Pública, encontrando-se vedado a este Tribunal o conhecimento dos invocados vícios de falta de pressupostos de aplicação de métodos indirectos e da existência de erro na quantificação da matéria tributável que lhe foi consequente”.
O assim decidido não merece qualquer reparo, mercê do acerto na apreciação legal ancorada que está em adequada e pertinente doutrina e jurisprudência.
Na verdade, tendo o recorrente afrontado as liquidações por erro na quantificação e nos pressupostos de aplicação de métodos indiretos, teria de ter primeiramente lançado mão do pedido de revisão da matéria fixada por métodos indiretos pois só assim via aberta a discussão daquelas questões em sede judicial, tal como é imposto pelos artigos 85º, 91º da LGT e 117º do CPPT, e o salienta o Tribunal a quo.
Não tendo havido procedimento de revisão nos termos dos normativos acabados de referir, não é pelo facto de ter sido deduzida reclamação graciosa contra as liquidações, e por, no contexto desse procedimento de reclamação, terem sido conhecidas as questões atinentes aos pressupostos de aplicação de métodos indiretos e erro na quantificação, que fica suprida a inimpugnabilidade.


E isto porque, a inimpugnabilidade do ato é uma exceção dilatória insuprível e de conhecimento oficioso (cf. artigo 89º nº 4 al. i) do CPTA, ex vi artigo 2º al. c) do CPPT).
Por outro lado, havendo reclamação graciosa, não são os vícios da decisão prolatada quanto a essa reclamação (objeto imediato da impugnação) que estão na mira do Tribunal, mas, antes, os vícios próprios atos de liquidação (objeto mediato), que surgem a montante desse procedimento de segundo grau, sendo anteriores a esse procedimento (assim como todas as ilegalidades que aos mesmos são assacadas).
Assim, o ataque que o recorrente inflige ao facto da recorrida não ter convertido a reclamação graciosa em procedimento de revisão, não tem que ver com as ilegalidades das liquidações em si, mas com o próprio procedimento de revisão que lhe é posterior.
Porque assim é, improcedem as conclusões recurso nesta parte.


O recorrente dissente ainda do julgamento feito pelo Tribunal a quo, aduzindo que, na sua PI, nomeadamente no ponto 32º alegou a falta de fundamentação do relatório de inspeção, ainda que de forma não individualizada, no sentido de que a fundamentação exposta pela Autoridade Tributária para promover a aplicação de métodos indiretos era deficitária. Por essa razão, o mérito dessa questão não estava já arredado do conhecimento do Tribunal, por não depender de prévio pedido de revisão da matéria tributável fixada através de métodos indiretos.
Analisando.
Importa consultar a PI, mais precisamente o seu ponto 32), onde o recorrente alega que fez repousar a existência desta causa de pedir – falta de fundamentação (formal).
É no decorrer do “capitulo” 3 da PI, intitulado – “DA ILEGALIDADE DO RECURSO AO MECANISMO DE MÉTODOS INDIRETOS PARA APURAMENTO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL DO SUJEITO PASSIVO”, onde o recorrente manifesta a sua discórdia quanto à metodologia usada pelos serviços inspetivos (SIT) para a avaliação indireta, nomeadamente adensando razões que, segundo entende, permitiam aos SIT a contabilização direta da matéria coletável, pondo em causa, portanto, os pressupostos da mesma, nomeadamente as omissões.
Alega, com efeito, no ponto 31 daquela peça processual que a AT dispunha de todos os elementos para reconstituir a (sua) contabilidade.
Continua, no ponto 32 daquele articulado, referindo que: “ Tendo tal autoridade se bastado a dizer que a contabilidade do impugnante não podia servir de base de apuramento dos impostos pelos meios diretos em razão de ter omissões.”
Prosseguindo, no ponto 33 do mesmo articulado, referindo que a AT tinha conhecimento de todos veículos que não ficaram a constar dos elementos da contabilidade.
Resulta claro que, o assim aduzido, não se prende com a falta de fundamentação na sua dimensão formal (que seria aquela que poderia ser conhecida), mas com os seus fundamentos e/ou no erro nos pressupostos de facto em que se esteou a AT para as correções empreendidas por via de métodos indiretos.
Relendo a PI, constatamos que recorrente não alega que não compreendeu o iter percorrido pela AT para aplicação de métodos indiretos, de modo a assim a poder afrontar (até porque o faz de modo esclarecido como se vê da PI), manifestando a sua discórdia com aqueles que foram os pressupostos da AT para aplicação de métodos indiretos o que tem a ver já com o vicio de violação de lei por erro nos pressupostos de facto ou falta de fundamentação substancial.
Esclarecendo.
O direito à fundamentação dos atos administrativos, e o correspetivo dever por parte da Administração, decorre do n.º 3, do artigo 268.º, da CRP, com eco no CPA e artigo 77º da LGT, donde decorre que: “A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária”.
A lei traça os requisitos de que deve revestir-se a fundamentação, de facto e de direito: tem de ser expressa e sucinta, clara, suficiente e congruente.
Como a jurisprudência tem vindo a afirmar, o regime jurídico da fundamentação dos atos administrativos, entre os quais os atos tributários se incluem (embora possuam uma identidade e autonomia substancial própria emergente da própria matéria sobre que versam, mas que ainda assim lhes mantém os traços característicos de natureza de ato administrativo) visa, entre outros objetivos que ora não importa considerar (referimo-nos às finalidades endógenas, que visam garantir de que os agentes ponderaram de forma cuidada toda a problemática envolvente, incluindo as próprias definições legais), o do perfeito esclarecimento dos administrados sobre o iter cognoscitivo e valorativo seguido pela Administração, dando-lhes a saber quais os motivos, as razões por que se pratica um ato, em ordem a permitir-lhes optar entre a aceitação da sua legalidade ou a reação graciosa ou contenciosa contra o mesmo.
Deste modo, para aferir do cumprimento do dever de fundamentação, é necessário usar-se um critério prático, que consiste em saber se um destinatário normal, face ao itinerário cognoscitivo e valorativo externado como fundamentação do ato em causa, fica em condições de conhecer o motivo por que se decidiu num certo sentido e não noutro qualquer, de modo a, em consciência, poder optar entre a aceitação do ato e a sua impugnação.
Cumpre ainda ter presente que a fundamentação é um conceito relativo, variando em função do tipo concreto do ato e das circunstâncias em que o mesmo foi praticado, e que o grau de fundamentação exigível deverá estar diretamente relacionado com o grau de litigiosidade existente, isto é, com a divergência existente entre a posição da AT e a do contribuinte.
O vício da falta de fundamentação dos atos administrativos, como vem sendo acentuado pela doutrina e pela jurisprudência, é de natureza formal e não substancial, enfermando o ato de falta ou insuficiência de fundamentação quando não externa de modo claro, suficiente e congruente, as razões de facto e de direito que o determinaram e o seu sentido decisório.
É essa a fundamentação que reclamam os atos, independentemente da sua verdade, correção, da existência ou do acerto dos fundamentos elencados ou enunciados no mesmo, na medida em que, esta última dimensão contenderá já com a própria materialidade do ato, com a correção e validade dos pressupostos de facto e de direito em que o mesmo se apoia para a definição jurídica que empreende, o que é distinto da obrigatoriedade do cumprimento dos requisitos formais obrigatórios a que os atos administrativos/tributários têm que obedecer.
Não se devendo, por isso, confundir a falta de fundamentação (vício formal) com fundamentação errada (vício material).
A este propósito, Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, doutrinam que:sob o conceito de fundamentação, se encobrem duas exigências de natureza diferente: por um lado, está em causa a exigência de o órgão administrativo justificar a decisão, identificando a situação real (ou de facto) ocorrida, subsumindo-a na previsão legal e tirando a respectiva consequência; por outro lado, nas decisões discricionárias está em causa a motivação, ou seja, a exposição do processo de escolha da medida adoptada, que permita compreender quais foram os interesses e os factores (motivos) que o agente considerou nessa opção”- In, Código de procedimento administrativo, comentado, 2ª edição, Almedina, pág. 589 e ss.
Tendo em conta o acabado de expor em relação vício de falta de fundamentação, revisitando a PI, no seu artigo 32, e no contexto que se insere e que acima nos reportamos, não restam dúvidas que não era a fundamentação formal que o recorrente pretendia ver apreciada na PI, mas o acerto dos fundamentos ali vertidos, contra os quais emitiu os seus juízos de discórdia ao defender que a AT tinha como proceder à avaliação direta da matéria tributável, apesar das omissões, evidenciando que a mesma tinha conhecimento de todos os veículos que não contavam da contabilidade e que se bastou e que se bastou a considerar a mesma (contabilidade) não era fiável.
Não está, pois, em causa a falta de fundamentação formal.
Porque é assim, bem andou a Mª Juiz do Tribunal a quo ao decidir que “analisada a petição inicial não se retira da mesma que o Impugnante se tenha insurgido quanto à fundamentação, nos termos do artigo 77.º n.º 4 da LGT”.
Improcede, por conseguinte, também nesta parte o recurso.
Aqui chegados, assuma a conclusão que o recurso terá de improceder, sendo de manter a decisão recorrida.

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No que respeita a custas, considerando o princípio da causalidade vertido no artigo 122º nº 2 do CPPT e bem assim no 527º nº 1 e 2 do CPC, as custas ficam a cargo da recorrente por ser parte vencida.
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IV- DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Subsecção de Contencioso Tributário Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente.
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Lisboa, 24 de abril de 2024

Isabel Silva
(Relatora)
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Maria da Luz Cardoso
(1ª adjunta)
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Rui Santos Ferreira
(2º adjunto)
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