Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:690/06.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:07/15/2025
Relator:MARGARIDA REIS
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IRS
CURADOR ESPECIAL
ART. 7.º DO CPPT
DIREITO À NOTIFICAÇÃO VÁLIDA
Sumário:I - O disposto no art. 7.º n.º 2 deve ser interpretado no sentido de que, para além da promoção de nomeação de representante legal nos casos de incapacidade judicialmente declarada, a Administração fiscal deve igualmente requerer a designação de curador especial (cf. art. 17.º do CPC) – sem prejuízo da nomeação de um curador provisório, quando a urgência da situação o justifique - sempre que se verifique a existência de uma incapacidade de facto do sujeito passivo para compreender o alcance das notificações ou citações, ainda que a referida incapacidade não tenha sido judicialmente declarada.
II - A lei não impõe qualquer prazo para que os sujeitos passivos solicitem à Administração fiscal a nomeação de curador nestas circunstâncias.
III - A não nomeação de curador, quando era patente que o Recorrente se encontrava numa situação de incapacidade de facto para compreender o alcance das notificações de que foi objeto, resultou na violação do seu direito à notificação válida dos atos emitidos ao longo do procedimento de inspeção e da própria liquidação, assim comprometendo indelevelmente o seu direito ao contraditório, consagrado no artigo 268.º da CRP.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I. Relatório

J… e L…, inconformados com a sentença proferida em 2021-03-22 pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente o recurso que interpuseram tendo por objeto a liquidação adicional de IRS n.º 2006 5004385538, relativa ao ano de 2001 e respetiva liquidação de juros compensatórios, no valor total de € 85.321,97, vêm dela interpor o presente recurso.

Os Recorrentes encerram as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

CONCLUSÃO:

1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que decidiu “julgar a presente impugnação judicial improcedente, por não provada, mantendo-se, em consequência, o acto de liquidação adicional de IRS impugnado e respectiva liquidação de juros compensatórios, referido na letra I do probatório, na ordem jurídica”.

2. Com efeito, o presente procedimento tributário não podia ter prosseguido sem que antes a entidade que conduziu o mesmo tivesse promovido a nomeação de legal representante para o recorrente marido pela via judicial;

3. Não colhendo o argumento de que pelo facto de se encontrar também a mulher do impugnante como sujeito passivo na liquidação efectuada, e não se encontrando esta incapaz, tal circunstância supre o referido vício, pois que a pretensão tributária que está a ser feita sobre os recorrentes incide sobre a actividade do recorrente marido e não sobre a da recorrente mulher;

4. Igualmente não colhe o argumento de que o recorrente marido havia já constituído procurador, pois os actos com relevância para a questão em análise não foram comunicados ao referido procurador, mas ao próprio recorrente.

5. O referido procurador não foi expressamente citado nessa qualidade e a recorrente mulher também não foi expressamente citada nessa qualidade.

6. Aliás, a interpretação das normas constante na douta sentença recorrida contende com a norma constante no artº 268º, nº3 da CRP, na parte em que impõe que “os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados”, inconstitucionalidade que vai aqui arguida para todos os legais efeitos.

7. Também a não consideração pela DGCI do direito de audição exercido tempestivamente pelos recorrentes é uma omissão apenas imputável à DGCI, a qual equivale ao não ter sido concedida efectivamente aos recorrentes a possibilidade de verem apreciadas as suas razões, pelo que não deveria o MMº Juiz a quo ter considerado não estar verificado tal vício.

8. Os recorrentes foram notificados para exercer o seu direito de audição no dia 02/08/2006, e exerceram tal direito no dia 09/08/20069. Por outro lado, o acto impugnado foi praticado por um órgão administrativo, mas a autoria da respectiva fundamentação não pertenceu a tal órgão, mas sim a um - ou a vários - funcionários subalternos, pelo que a validade jurídica desta situação não é sustentável e a consequência a retirar é a sua nulidade.

9. Por outro lado, o acto impugnado foi praticado por um órgão administrativo, mas a autoria da respectiva fundamentação não pertenceu a tal órgão, mas sim a um - ou a vários – funcionários subalternos, pelo que a validade jurídica desta situação não é sustentável e a consequência a retirar é a sua nulidade.

10. Em procedimento tributário, o acto de notificação será nulo no caso de falta de indicação do autor do acto e, no caso de este o ter praticado no uso de delegação ou subdelegação de competências, da qualidade em que decidiu, do seu sentido e da sua data (artigo 39.º, n.º 12 do CPPT).

11. Como se pode constatar, o acto de notificação não contêm a indicação dos requisitos estabelecidos com carácter de obrigatoriedade por aquele preceito legal concreto, pelo que aquele acto de notificação será, naturalmente, NULO.

12. Acresce ainda que a DGCI não alegou -- encontrando-se por isso impedida de o provar -- que o valor dos cheques tenham sido lançados numa conta corrente dos recorrentes nem, tão pouco, provou a existência de qualquer deliberação dos sócios que sustentasse aquele putativo adiantamento por conta de lucros.

13. Não obstante a douta sentença recorrida tenha dado provimento ao argumento dos ora recorrentes de que houve vício no procedimento quando desconsiderou o efeito suspensivo do recurso interposto da decisão de derrogação do sigilo bancário, todavia, não retirou daí as devidas consequências.

14. Considerando que a decisão da derrogação do sigilo bancário apenas transitou em julgado em 23/10/2006, data esta em que o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo - 2a Secção tirado no processo n.º 854/06 se cristalizou na ordem jurídica, até à decisão com trânsito em julgado a DGCI não podia ter acesso à documentação bancária dos impugnantes.

15. Pelo que, sendo nula a prova obtida até tal data, toda a matéria resultante da mesma não poderá ser considerada para efeitos de liquidação de imposto.

16. Ou seja, deverá ser considerada a factualidade alegada pelos recorrentes de que a conta bancária do recorrente marido era um mero meio de passagem de verbas, as quais entravam nos cofres da sociedade, já que os valores que eram depositados na conta do recorrente eram transferidos para a conta da S... (a conta de destino final era da S... e não do recorrente marido).

17. Os ora recorrentes insistem, por mera cautela e dever de patrocínio, que terá de reconhecer-se a existência de fundada dúvida, quer sobre a existência, quer sobre a quantificação do facto tributário.

18. A DGCI não provou, em concreto, a existência de facto tributário ou o modo através do qual chegou à concreta quantificação da obrigação de imposto plasmada na impugnada notificação de liquidação e à míngua de factos e normas fundadoras do acto impugnado, aos recorrentes apenas resta continuar a negar a existência de qualquer facto tributário.

19. E essa prova teria de ser cabal e desprovida de incertezas.

20. Pois, em matéria tão delicada, não poderá o julgador bastar-se com um mero juízo de probabilidade da omissão.

21. E, principalmente, não se pode basear em provas inadmissíveis.

22. Na ausência de tal certeza, a incerteza sobre o facto terá necessariamente, de resolver-se a favor dos ora recorrentes, não só por aplicação das regras gerais sobre a repartição do ónus da prova, mas também porque actualmente o brocardo in dubio contra fiscum [ou odiosa restringenda] exprime um princípio estruturante, quer do processo administrativo tributário, quer do processo contencioso tributário, de que é, precisamente, expressão, o artigo 100.º, no 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

23. Em suma, não estão verificados in casu os pressupostos de facto e de direito para a liquidação adicional constante no acto tributário objecto da presente impugnação.

24. Para além do exposto o acto tributário impugnado padece do vício de falta de fundamentação.

25. Acresce, ainda, ao exposto, que o acto tributário de liquidação adicional de IRS impugnado nos presentes autos se encontra não só caducado como também prescreveu.

26. Em face de tudo o que se alegou, deverá a presente impugnação ser declarada provada e procedente, determinando-se, em consequência, a total anulação do acto de liquidação de imposto e de juros compensatórios e tudo o mais com as consequências legais, designadamente ordenando-se o reembolso da quantia indevidamente paga, acrescida dos correspondentes juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento indevido e até à data da emissão da respectiva nota de crédito.

27. Em suma, decidindo de modo contrário a todo o exposto, a douta decisão recorrida erra por violação de lei, ao não ter considerado a legislação vigente, entre o plano das normas e princípios constitucionais e o da aplicação concreta, violando, entre outras do douto suprimento desse Tribunal as normas constantes nos artºs 267º, nº5, 268º, nº3, 269º, nº3 da CRP, 7º, 36º, 37º, 38º, 39º, nº12, 175ºdo CPPT, 150º, 250º, 257º do CC, 240º, nº6 do CPC 1961,36º, 60º, 61º e 62º do RCPIT, 45º, 46º, 48º, 60, nº1, al. e), 63º-B,nº2, al.c), nº3 e nº4, 74º, 77º da LGT, 1º, 2º, nº5, 8º, 100º e ss. do CPA (DL 442/91), 5º, nº1 e nº2, al. h), 6º, nº4 do CIRS e 143º e 150º do CPTA.

Terminam pedindo:

TERMOS EM QUE, e demais de Direito, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, concomitantemente, ser a douta decisão recorrida substituída por outra que julgue a presente impugnação provada e procedente, determinando-se, em consequência, a total anulação do acto de liquidação de imposto e de juros compensatórios e tudo o mais com as consequências legais, designadamente ordenando-se o reembolso da quantia indevidamente paga, acrescida dos correspondentes juros indemnizatórios de mora contados desde a data do pagamento indevido e até à data da emissão da respectiva nota de crédito, assim se fazendo JUSTIÇA.


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A Recorrida não apresentou contra-alegações.

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A Digna Magistrada do M.º Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Questões a decidir no recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, tal como decorre do disposto nos arts. 635.º nºs 4 e 5 e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), disposições aplicáveis ex vi art. 281.º do CPPT.

Assim sendo, no caso em apreço, atentos os termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso, há que apurar se a sentença recorrida padece dos erros de julgamento de direito que lhe são imputados pelos Recorrentes.


II. Fundamentação

II.1. Fundamentação de facto

Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz:

III. Com interesse para a decisão a proferir, consideram-se provados os factos referidos no ponto I supra e, bem assim, os seguintes factos:

A. O Impugnante era, à data dos factos, Administrador da sociedade S... Empreendimentos Imobiliários, Lda., com o NIPC 5… (cf. fls. 326 e 330 do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

B. No sentido de dar cumprimento à Ordem de Serviço n.º OI200506315, de 27 de Setembro de 2005, foi determinada a realização de uma inspecção ao Impugnante, tendo o procedimento de inspecção sido concluído com a elaboração, em 25 de Julho de 2006, de Projecto de relatório de inspecção, com o seguinte teor (cf. doc. 12, junto com a p. i. a fls. 92 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido):


(IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS)


C. Em 27 de Julho de 2006, foi emitida Certidão de notificação pessoal do Projecto de relatório de inspecção referido na letra anterior (Idem e fl. 274 do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

D. Dá-se por integralmente reproduzido o teor da Procuração emitida em 9 de Maio de 2005, através da qual o Impugnante constituiu seu Procurador E..., para “prestar esclarecimentos sobre a situação tributária referente ao ano de dois mil e um, nos termos do n.º 4, do art.º 59.º da LGT e art.º 9º do RCPIT, junto da Direcção de Finanças de Lisboa” (cf. fls. 163 e segs. do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

E. Em 7 de Agosto de 2006, foi elaborado Relatório final de inspecção, com o seguinte teor essencial (cf. fls. 277 e segs. do PAT penso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido):

(…)


(IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS)

F. Dá-se por integralmente reproduzido o teor dos 22 Anexos ao Relatório final de inspecção referido na letra anterior, a fls. 285 e segs. do PAT apenso, designadamente os Anexos dos quais consta que:

a) Entre a sociedade S... – Empreendimentos Imobiliários, Lda., representada pelo Impugnante e S… foi celebrado acordo escrito em 2 de Julho de 2001, pelo qual a primeira prometeu vender e a segunda prometeu comprar, pelo preço total de 22.500.000$00, a fracção autónoma designada pela letra “C”, parte integrante do imóvel urbano constituído por dez fracções e sito na freguesia de Famões, concelho de Odivelas, actualmente inscrito na matriz da mesma freguesia sob o artigo 4… e descrito na Conservatória do Registo Predial de Odivelas sob o n.º 1…, da freguesia de Famões (cf. Anexo 6);

b) O pagamento do preço acordado para a prometida compra e venda seria feito do seguinte modo: no acto da assinatura do contrato-promessa, a título de sinal e princípio de pagamento do preço da prometida venda, a quantia de 1.500.000$00, de que a promitente compradora recebeu logo quitação; o remanescente do preço ainda em dívida (21.000.000$00) relativo à prometida venda, seria pago no acto da outorga da escritura pública de compra e venda (Idem);

c) Em 26 de Outubro de 2004, a gestora de negócios de S… efectuou o pagamento de sisa adicional “resultante da acção inspectiva efectuada pela Direcção de Finanças de Lisboa” (Idem);

d) Também o adquirente da fracção “J” do mesmo prédio efectuou o pagamento de sisa adicional “resultante da acção inspectiva efectuada pela Direcção de Finanças de Lisboa” (Anexo 7);

G. Sobre o Relatório final de inspecção, foi emitido parecer e proferido despacho, com o seguinte teor (cf. fls. 275 e 276 do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido):


(IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS)


H. Em 8 de Agosto de 2006, foi emitida Certidão de notificação pessoal do Relatório de inspecção (cf. fl. 307 do PAT apenso);

I. Em 9 de Agosto de 2006, a Administração Tributária emitiu liquidação adicional de IRS n.º 2006 5004385538, relativo ao exercício de 2001 e respectiva liquidação de juros compensatórios, no valor total de € 85.321,97 (cf. fl. 387 do PAT apenso e acordo das partes – cf. artigo 1.º da p. i. e introito da informação dos serviços para que remete a contestação);

J. Em 9 de Agosto de 2006, os Impugnantes exerceram o seu direito de audição prévia, através de requerimento com o seguinte teor (cf. doc. 14, junto com a p. i. a fls. 129 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido e acordo das partes – cf. artigos 95.º da p. i. e 106.º da contestação):

K. Ao requerimento referido na letra anterior, os Impugnantes juntaram Informação Clínica do Hospital Pulido Valente que atesta que o Impugnante foi vítima de “acidente vascular cerebral isquémico do hemisfério esquerdo em 2001 de que resultou, como sequela: alterações cognitivas, disartria, hemiplegia do membro superior direito e hemiparesia do membro inferior direito, com dependência para actividades de vida diária”;

L. A p. i. da presente impugnação judicial foi enviada a juízo via correio registado em 5 de Dezembro de 2006 (cf. carimbo dos CTT aposto a fl. 137, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

M. No processo n.º 633/05.9BELRS, que correu termos neste Tribunal - recurso da decisão do Director Geral dos Impostos que, ao abrigo do disposto no artigo 63.º- B, n.º 2, alínea c) da LGT, na redacção originária, introduzida pela Lei n.º 30- G/2000, de 29 de Dezembro, autorizou que os funcionários da inspecção tributária pudessem aceder a todas as contas e documentos bancários existentes em instituições bancárias portuguesas em nome do Impugnante -, foi ainda proferido acórdão pelo STA que não admitiu o recurso de revista interposto do acórdão do TCA Sul que negou provimento ao recurso interposto da sentença que julgou improcedente o recurso; acórdão do STA que foi notificado ao Mandatário do Impugnante por Ofício enviado sob registo de 10 de Outubro de 2006 (cf. doc. 1 junto com a p. i. a fls. 40 e segs., fls. 415 e segs. do PAT apenso e consulta no SITAF);

N. Em 6 de Agosto de 2007, foi elaborado Relatório médico que atesta que o Impugnante “iniciou terapêutica em fisiatria que ainda mantém, sendo nesta altura relevante o quadro neurológico, que é disartria, hemiparesia do membro inferior direito e hemiplegia do membro superior direito com atrofia retráctil de todo o membro. O doente, hoje com 81 anos, mantém alguma autonomia em termos de locomoção, ajudado por canadianas; no que se refere às alterações da fala, não houve recuperação, tendo na maior parte um discurso ininteligível. Do ponto de vista mental, apresenta desorientações no espaço e no tempo, com raros períodos de lucidez, diria antes laivos de lucidez, sempre perturbados por franca emotividade” (cf. doc. junto a fl. 176, cujo teor se dá por integralmente reproduzido):

O. O Impugnante nunca mais teve discernimento após o acidente vascular cerebral de que foi vítima, nem nunca mais exerceu qualquer tipo de actividade (cf. depoimento da primeira testemunha inquirida);

P. A sociedade S... Empreendimentos Imobiliários, Lda., é titular da conta bancária n.º 65616505.000.001, junto do Banco BPI (cf. doc. 11, junto com a p. i. a fls. 73 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

Q. O valor de 10.000000$00 – idêntico ao titulado no cheque n.º 5431039594, do Banco BNU, um dos que se encontram relacionados no Relatório final de inspecção referido na letra E supra -, foi depositado na conta do Impugnante e depois transferido para a conta da sociedade (cf. docs. juntos a fls. 236 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

R. O valor de 15.036.150$00 foi depositado na conta do Impugnante e depois transferido para a conta da sociedade (Idem).

Não foi possível estabelecer a relação directa entre os cheques que se encontram relacionados no Relatório final de inspecção referido na letra E do probatório e os movimentos entre as contas do Impugnante e da sociedade, mesmo quanto ao valor de 10.000000$00, titulado no cheque n.º 5431039594, do Banco BNU, uma vez que a transferência deste valor para a conta da sociedade (e do montante de 15.036.150$00 – cf. últimas duas letras do probatório) pode ter tido como causa jurídica/económica a emissão desse cheque ou qualquer outra causa jurídica/económica, não sendo a prova realizada através desses documentos, só por si, suficiente, em termos de segurança e certeza jurídica exigida, para os pretendidos efeitos probatórios.

Assenta a convicção do tribunal no exame dos documentos constantes dos autos e do PAT apenso, atenta a fé que merecem e o facto de não virem impugnados, no depoimento da primeira testemunha inquirida, que se revelou isento e credível e prestado com conhecimento directo dos factos, na parte relevada e dada a sua relação com estes factos e na posição processual assumida pelas partes nos articulados, tal como referido em cada letra do probatório. O depoimento da segunda testemunha inquirida apenas teve em vista a interpretação de prova documental (cf. acta referida acima). Vejamos se a liquidação adicional impugnada padece dos vícios que lhe vêm assacados pelos Impugnantes na p. i., pela ordem indicada (cf. artigo 124.º do CPPT).


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II.2. Fundamentação de Direito

Alegam os Recorrentes, em síntese, que a sentença padece de erro de julgamento de direito, porque o ato de liquidação que impugnam é ilegal, e deveria ter sido anulado, por padecer de vícios procedimentais, pois deveria ter sido nomeado um representante legal para o Recorrente marido, e foi ilegalmente preterido o seu direito de audiência prévia; porque o ato impugnado foi praticado por um órgão, mas a sua a sua fundamentação produzida por outros; porque a respetiva notificação é nula, não preenchendo os requisitos legais; porque a Administração tributária não fez a prova que lhe cabia da verificação dos pressupostos da correção efetuada; porque a Administração lançou mão do levantamento do sigilo bancário quando não estava ainda autorizada a fazê-lo; porque o ato de liquidação não se encontra devidamente fundamentado; porque deveria ter sido aplicado ao caso o regime do art. 100.º do CPPT, e, por fim, porque o ato tributário caducou e prescreveu.

Antes de mais, e no que se refere à invocação que agora fazem da prescrição da dívida de IRS em causa, e acolhendo jurisprudência deste Tribunal Central Administrativo Sul na qual nos revemos, não constando dos presentes autos os meios de prova necessários para fixar os factos que interessam à apreciação da prescrição, não é possível concluir de forma evidente que a dívida se encontra prescrita, pelo que a questão não é de conhecimento oficioso (cf. neste sentido o Acórdão proferido em 2025-02-20 no proc. 1786/06.4BELSB, disponível para consulta em www.dgsi.pt).

Não será, por isso, apreciada a questão da prescrição da dívida.

Prosseguindo.

Alegam os Recorrentes que a sentença padece de erro de julgamento de direito na interpretação e aplicação que faz ao caso do disposto no art. 7.º do CPPT, defendendo que o procedimento tributário não podia ter prosseguido sem que antes a entidade que o conduziu tivesse promovido a nomeação judicial de legal representante para o Recorrente marido, e que a tanto não obstava o facto de se encontrar também a mulher do impugnante como sujeito passivo na liquidação efetuada, pois a pretensão tributária em causa incide sobre a atividade do recorrente marido, nem o facto de o recorrente marido ter constituído procurador, pois os atos com relevância para a questão em análise não foram comunicados ao referido procurador, mas ao próprio Recorrente.

Acrescentam ainda que a interpretação do direito que é feita na sentença nesta matéria contende com a norma constante no art. 268.º, n.º 3 da CRP, na parte em que impõe que “os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados”.

Vejamos então.

Quanto a esta questão entendeu-se na sentença em crise que do art. 7.º do CPPT decorre “que a Administração Tributária tem legitimidade para requerer a nomeação de um curador (e não de um representante legal) ao incapaz”, mas que uma vez que “o Impugnante já tinha Procurador constituído no procedimento para suprir a sua incapacidade” e “as pessoas com legitimidade para requerer a sua interdição ou inabilitação, nos termos da respectiva disciplina civil (que não a Administração Tributária, note-se), não o fizeram”, a conduta da Administração fiscal não merece censura.

Recordemos antes de mais a redação do art. 7.º do CPPT:


Artigo 7.º
Curador especial ou provisório

1 - Em caso de, no procedimento tributário, se apurar a inexistência de designação de um representante legal do incapaz e sem prejuízo dos poderes legalmente atribuídos ao Ministério Público, deve a entidade legalmente incumbida da sua direcção requerer de imediato a sua nomeação ao tribunal competente e, em caso de urgência, proceder simultaneamente à nomeação de um curador provisório que o represente até à nomeação do representante legal.

2 - O disposto no número anterior aplica-se às pessoas singulares que, por anomalia psíquica ou qualquer outro motivo grave, se mostre estarem impossibilitadas de receber as notificações ou citações promovidas pela administração tributária ou ausentes em parte incerta sem representante legal ou procurador.

3 - O curador a que se refere o presente artigo tem direito ao reembolso pelo representado das despesas que comprovadamente haja efectuado no exercício das suas funções.

Ora, e sendo certo que da factualidade provada resulta, efetivamente, que o Recorrente marido designou um procurador (cf. ponto D, da fundamentação de facto), o que se constata é que na procuração que passou se ateve a conceder ao procurador poderes para “prestar esclarecimentos sobre a situação tributária referente ao ano de dois mil e um, nos termos do n.º 4, do art.º 59º da LGT e art.º 9º do RCPIT, junto da Direcção de Finanças de Lisboa(cf. ponto D, da fundamentação de facto).

Ou seja, não se pode considerar que o Recorrente tenha, dessa forma, designado representante com a amplitude prevista no supracitado n.º 1 do art. 7.º do CPPT, tendo por isso razão os Recorrentes quando alegam que os atos relevantes no procedimento não foram, sequer, notificados ao procurador.

E não o foram porque o âmbito da procuração se restringiu à supracitada prestação de esclarecimentos, motivo pelo qual não se pode concluir, como na sentença, que o procurador constituído pelo Recorrente era seu representante legal com efeitos similares aos da citada norma.

Por outro lado, também não é inteiramente correta a asserção efetuada na sentença a propósito da nomeação de curador.

Com efeito, o disposto no art. 7.º n.º 2 deve ser interpretado no sentido de que, para além da promoção de nomeação de representante legal nos casos de incapacidade judicialmente declarada, a Administração fiscal deve igualmente requerer a designação de curador especial (cf. art. 17.º do CPC) – sem prejuízo da nomeação de um curador provisório, quando a urgência da situação o justifique - sempre que se verifique a existência de uma incapacidade de facto para compreender o alcance das notificações ou citações, ainda que a referida incapacidade não tenha sido judicialmente declarada (cf. neste sentido, SOUSA, Jorge Lopes de - Código de procedimento e de processo tributário. Anotado e comentado. 6.ª edição. Volume I. Lisboa: Áreas Editora, 2011, pág. 105).

Ora, dos autos resulta provado que com a sua intervenção em sede de audiência prévia os Recorrentes requereram também a nomeação de representação legal (cf. ponto J, da fundamentação de facto), tendo ali juntado prova documental da incapacidade de facto do Recorrente marido (cf. ponto K, da fundamentação de facto), incapacidade essa que resulta provada à saciedade nos presentes autos, dos quais resulta assente, além do mais, que o Requerente marido – que na data em que apresentou o supra mencionado requerimento contaria com 80 anos de idade (cf. pontos J e N, da fundamentação de facto) - nunca mais teve discernimento após o acidente vascular cerebral de que foi vítima em 2001, nem nunca mais exerceu qualquer tipo de atividade (cf. ponto N e O da fundamentação de facto).

Acresce que não só a lei não impõe qualquer prazo para que os sujeitos passivos solicitem à Administração fiscal a nomeação de curador nestas circunstâncias, como sempre se dirá que cabe razão aos Recorrentes quando alegam que na sequência da nomeação do procurador (cf. ponto D, da fundamentação de facto) a Administração fiscal deveria ter diligenciado no sentido de apurar da (in)capacidade do Recorrente marido, pois que a sua atuação em sede de inspeção tributária (e não só) se deve reger pelo princípio da cooperação.

Tanto é quanto basta para que se conclua que foi não apenas violado o disposto no n.º 2 do art. 7.º do CPPT, como resultou igualmente violado o direito do Recorrente marido à notificação válida dos atos emitidos ao longo do procedimento de inspeção e da própria liquidação em que o mesmo veio a culminar, assim ficando indelevelmente comprometido o seu direito ao contraditório, consagrado no artigo 268.º da CRP.

Tanto é quanto basta para que o presente recurso seja julgado procedente, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no mesmo [cf. n.º 2 do art. 608.º ex vi n.º 2 do art. 663.º, ambos do CPC, aplicáveis ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT].


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Atento o decaimento da Recorrida, é sua a responsabilidade pelas custas, pelo presente recurso e na 1.ª instância, nos termos do disposto no art. 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT, não lhe sendo devida taxa de justiça pelo presente recurso, visto que nele não contra-alegou (cf. art. 7.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais – RCP).

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Conclusão:

Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva:

I. O disposto no art. 7.º n.º 2 deve ser interpretado no sentido de que, para além da promoção de nomeação de representante legal nos casos de incapacidade judicialmente declarada, a Administração fiscal deve igualmente requerer a designação de curador especial (cf. art. 17.º do CPC) – sem prejuízo da nomeação de um curador provisório, quando a urgência da situação o justifique - sempre que se verifique a existência de uma incapacidade de facto do sujeito passivo para compreender o alcance das notificações ou citações, ainda que a referida incapacidade não tenha sido judicialmente declarada.

II. A lei não impõe qualquer prazo para que os sujeitos passivos solicitem à Administração fiscal a nomeação de curador nestas circunstâncias.

III. A não nomeação de curador, quando era patente que o Recorrente se encontrava numa situação de incapacidade de facto para compreender o alcance das notificações de que foi objeto, resultou na violação do seu direito à notificação válida dos atos emitidos ao longo do procedimento de inspeção e da própria liquidação, assim comprometendo indelevelmente o seu direito ao contraditório, consagrado no artigo 268.º da CRP.


III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao presente recurso, revogar a sentença recorrida, julgar a impugnação judicial procedente, e, em consequência, anular a liquidação adicional de IRS n.º 2006 5004385538, relativa ao ano de 2001 e respetiva liquidação de juros compensatórios, impugnadas nos autos.

Custas pela Recorrida, não lhe sendo devida taxa de justiça.

Lisboa, 15 de julho de 2025 - Margarida Reis (relatora) – Isabel Silva – Ana Cristina Carvalho.