Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:84/24.6 BCLSB
Secção:JUÍZA PRESIDENTE
Data do Acordão:06/04/2024
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:JUSTIÇA DESPORTIVA.
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
REQUISITOS
FUMUS BONI IURIS
Sumário:
Votação:DECISÃO SUMÁRIA
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
DECISÃO

(artigo 41º, n.º 7, da Lei do TAD)



I – RELATÓRIO

C……… - Centro …………………….., com os demais sinais dos autos, intentou no Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), 03/06/24, contra a Federação de patinagem de portugal (FPP), uma ação de impugnação de ato administrativo, com requerimento de providência cautelar, pedindo nesta ação cautelar o decretamento de suspensão de eficácia da decisão proferida, em 29 de maio de 2004, pelo Vice-presidente para a Patinagem Artística, da Federação de Patinagem de Portugal, que, com fundamento em extemporaneidade do pedido, não autorizou a inscrição de dois dos seus atletas – A ……………….. e H ………… – no Campeonato Nacional de Patinagem Livre, com início no dia 03/06/24, na cidade de Paredes.

Com a presente providência cautelar pretende a Requerente que seja “decretada a suspensão do ato administrativo provisório e da sua eficácia de não admissão da inscrição dos atletas no Campeonato Nacional” e, bem assim, que seja “decretada a imediata decisão que autorize os atletas da Requerente a serem admitidos a participar no Campeonato Nacional de Patinagem Livre”. Requer, ainda, “na hipótese de deferimento das providências, e caso já se tenha iniciado a competição no escalão etário em que algum ou ambos os atletas competem, por força do decurso da tramitação do presente procedimento cautelar, nomeadamente pelo tempo necessário à prolação da decisão ou da elaboração da notificação a entregar à requerida, seja ainda assim permitida a participação do(s) atleta(s) no campeonato e a realização dos respetivos programa curto e programa longo e em momento posterior aos dos restantes atletas do mesmo escalão”.

Foram juntos 22 documentos, procuração forense e comprovativo de apresentação de pedido de proteção jurídica, junto da Segurança Social IP.

A Requerente da providência veio alegar, essencialmente, e no que concerne ao requisito do fumus boni iuris que a decisão suspendenda é inexistente, já que proveio apenas de um membro (Vice-presidente) de um órgão colegial; a nulidade da decisão por incompetência do autor do ato, porquanto a mesma cabia à Direção da Federação e não ao seu Vice-presidente; que a decisão padece igualmente de vício de forma, por preterição das regras do procedimento, em concreto a não observância do prazo mínimo de notificação do teor do Protocolo e, bem assim, a violação do princípio da igualdade, em face da aceitação da inscrição de uma atleta que a Requerente identifica.

Defende, assim, que a decisão de não aceitação da inscrição de dois atletas é ilegal, mostrando-se verificado o fumus boni iuris.

Já no que concerne ao requisito do periculum in mora, aduz que a decisão condenatória permite consolidar uma situação lesiva e restritiva dos direitos dos atletas que, por razões técnicas a eles alheios, se viram impedidos de se inscrever no Campeonato Nacional de Patinagem Livre, com treinos e provas agendadas para os dias 3, 5, 8 e 9 de junho.

Mais defende que não se pode concluir que o decretamento da providência seja suscetível de causar à Requerida um prejuízo que excede consideravelmente o dano que se pretende evitar.


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II. DA INTERVENÇÃO DO PRESIDENTE DO TCA SUL


Por despacho do Exmo. Presidente do TAD, de 03/06/24, foram os autos remetidos a este TCA Sul para apreciação e decisão, na constatação de não ser viável, em tempo útil, a constituição do colégio arbitral.

Vejamos se estão reunidos os pressupostos que justificam a intervenção do Presidente do TCA Sul.

O artigo 41.º da Lei do TAD, sob a epígrafe “procedimento cautelar”, estatui no seu n.º 7 que “consoante a natureza do litígio, cabe ao presidente do Tribunal Central Administrativo do Sul ou presidente do Tribunal da Relação de Lisboa a decisão sobre o pedido de aplicação das medidas provisórias e cautelares, se o processo ainda não tiver sido distribuído ou se o colégio arbitral ainda tiver constituído”.

Refere o Exmo. Presidente do TAD, no despacho por si proferido, que:

«Texto no original»

No caso sub judice afigura-se como seguro o entendimento assumido da impossibilidade de constituição do colégio arbitral em tempo de dar resposta útil ao que vem cautelarmente peticionado, atentos os prazos legalmente estabelecidos (v. supra). Face aos prejuízos que a ora Requerente alega e à sua imediata continuidade temporal, terá que concluir-se que está preenchida a condição de que depende a intervenção do Presidente do TCA Sul, ou seja, a verificação da impossibilidade da constituição do colégio arbitral em tempo útil (cfr. artigo 41.º, n.º 7 da Lei do TAD).

Tenha-se presente que, nos termos do artigo 4º, nº3 da Lei nº 74/2013, de 6 de setembro, que cria o Tribunal Arbitral do Desporto, o acesso ao TAD só é admissível em via de recurso de: a) Deliberações do órgão de disciplina ou decisões do órgão de justiça das federações desportivas, neste último caso quando proferidas em recurso de deliberações de outro órgão federativo que não o órgão de disciplina; b) Decisões finais de órgãos de ligas profissionais e de outras entidades desportivas.

No caso, a decisão recorrida apresenta-se como decisão final proferida pelo Vice-presidente da direção da FPP, posto que não está legalmente prevista “reclamação ou recurso” necessário (cfr. artigo 185º do CPA).


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III. DA DISPENSA DA AUDIÇÃO DA REQUERIDA


De acordo com o n.º 5 do artigo 41.º da Lei do TAD, “[a] parte requerida é ouvida dispondo, para se pronunciar, de um prazo de cinco dias quando a audição não puser em risco sério o fim ou a eficácia da medida cautelar pretendida”.

E o artigo 366.º, n.º 1, do CPC estabelece que: “[o] tribunal ouve o requerido, exceto quando a audiência puser em risco sério o fim ou a eficácia da providência”.

Como ensina José Lebre de Freitas, a “[u]tilidade, fim ou eficácia apontam no mesmo sentido: a audiência do requerido não deve ter lugar quando, com ela, haja o risco de se frustrar o efeito prático que concretamente se pretende atingir, isto é, quando o conhecimento da pretensão cautelar pelo requerido ou a demora no deferimento da providência resultante da observância da contraditoriedade aumente o perigo da lesão grave e de difícil reparação que a providência visa evitar” (cfr. Código de Processo Civil Anotado, vol. 2, 2001, p. 24).

A dispensa de audição da parte contrária, que integra um poder-dever do juiz, exige, também, a explicitação das razões que sustentam o entendimento de que essa audição colocará “em risco sério o fim ou a eficácia da providência”.

Donde, considerando que a audição da entidade requerida, por força do prazo injuntivamente fixado no artigo 41.º, n.º 5 da Lei do TAD neste preceito, que é de 5 dias (a que acrescerá o prazo de multa processual pela eventual prática tempestiva do ato), não pode ser legalmente encurtado e é suscetível de pôr em risco a eficácia da medida cautelar pretendida – as provas/ treinos em causa terão lugar hoje, dia 3, dia 5, dia 8 e 9 de junho – dispensa-se oficiosamente, a audição da Requerida, ao abrigo do disposto no artigo 366.º, n.º 1, do CPC, procedendo-se de imediato à apreciação do mérito da presente providência cautelar.

Considera-se, ainda, face às questões em discussão nos autos e à prova apresentada pela Requerente que nenhuma outra produção de prova se mostra necessária para a decisão da causa.


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IV. DA INSTÂNCIA


As partes são legítimas e o processo é o próprio.

Não existem exceções ou outras questões prévias que devam ser, desde já, conhecidas e que obstem à apreciação do mérito da providência requerida.

Atenta a natureza indeterminável dos interesses em discussão no presente processo, nos termos previstos no art. 34.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA, fixa-se ao presente processo o valor de EUR 30.000,01.


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V. FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

Compulsados os autos, julgo suficientemente indiciados os seguintes factos com relevo para a decisão:

decisão:

A) A Requerente, C………-Centro ……………., é uma Associação Artística, Cultural e Desportiva, de utilidade pública, que tem como objetivo dinamizar a prática do desporto, promovendo, entre outras modalidades desportivas, a Patinagem Artística - cfr. consulta https://associativismo.guimaraes.pt/associacao/1407/centro-de-actividades-recreativas-taipense-cart/historia,

B) A Requerente encontra-se filiado na Associação de Patinagem do Minho, que por sua vez integra a Federação de Patinagem de Portugal. cfr. consulta, respetivamente, https://www.apminho.pt/conteudos/downloads/dados_clubes.pdf. e https://fpp.pt/associacoes-territoriais/

C) A ……………….., representa o clube Requerente, na modalidade de patinagem artística e com a categoria de juvenil e está inscrito na Federação Portuguesa de Patinagem, com o nº FPP ………, conforme documento nº2, junto com a p.i. que infra se reproduz:

«Imagem no original»

D) Em 31/05/2024, o atleta referido em C) ocupa a 2ª Posição Geral no Ranking 2023 (Em atualização) Juvenil Masculino da Federação Portuguesa de Patinagem, conforme documento nº3, junto à p.i. e site da requerida, que infra se reproduz:

«Imagem no original»


E) O atleta referido em C) obteve o 1º lugar no Campeonato Distrital de APMinho 2024 - Patinagem Livre - Juvenil /Masculino– cf. Documento nº4 junto à p.i.


F) H …………….., representa o clube Requerente, na modalidade de patinagem artística e com a categoria de júnior e está inscrito na Federação Portuguesa de Patinagem, com o nº FPP 69366, conforme documento nº6, junto com a p.i. que infra se reproduz:

«Imagem no original»

G) Em 31/05/2024, o atleta referido em F) ocupa a 2ª Posição Geral no Ranking 2023 (Em atualização) Júnior Masculino da Federação Portuguesa de Patinagem, conforme documento nº7, junto à p.i. e site da requerida, que infra se reproduz:

«Imagem no original»

H) O atleta referido em F) obteve o 1º lugar no Campeonato Distrital de APMinho 2024 - Patinagem Livre – Júnior /Masculino – cf. Documento nº8 junto à p.i.ª,.

I) O Protocolo do Campeonato Nacional de Patinagem Livre e Torneio Nacional de Benjamins de 2024, tem o seguinte teor:

«Imagem no original»


- cfr. consulta in https://partistico.pt/files/documentos//2024/Provas/07-CNPL%20e%20TNB/Protocolo%20-%20CNPL+TNB.pdf

J) Do Guia Normativo de Acesso a Provas Nacionais de 2004, referido em I) consta o seguinte:

«Imagem no original»

- cfr. doc. 2 junto à p.i. consultável in:

https://partistico.pt/files/documentos//2023/Regulamentos/Regulamento%20Geral%20da%20Patinagem%20Art%C3%ADstica%202023.pdf

K) Os atletas A ……………….. e H ……….., representados pela Requerente, reuniam os requisitos de acesso direto ao Campeonato Nacional de Patinagem Livre (cfr. estabelecido nas alíneas D) , G) e J)).

L) Em 29 de maio de 2024 a Federação Portuguesa de Patinagem, na pessoa do seu Vice-Presidente, remeteu Requerente um email do seguinte teor.

«Imagem no original»

- Cfr. doc.1 junto com a p.i.

M) A requerente não procedeu à inscrição dos atletas A ………………. e H ………………, no Campeonato Nacional de Patinagem Livre e Torneio nacional de Benjamins – 100 anos FPP, na Plataforma Oficial da Patinagem Artística da FPP, denominada Partistico até às 21.00horas (hora continental) do dia 21 de maio - facto confessado.

Facto não provado

1) Que a não inscrição dos atletas A ………………….. e ………………., na Plataforma denominada Partistico. se ficou a dever a razões relacionadas com problemas técnicos, entre 18 de maio e 21 de maio.

2) Que a requerente tentou realizar a inscrição dos atletas, por via não eletrónica, através de entrega em formato físico documental das inscrições.


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Motivação dos factos provados e não provados:

A convicção do Tribunal, encontra-se fundamentada nos documentos juntos aos autos e na consulta ao site da Federação Portuguesa de Patinagem.

Quanto aos factos não provados, tal conclusão resulta da total ausência de prova quanto a esse circunstancialismo de facto, impedindo, assim, o Tribunal de aferir da veracidade e do alcance das alegadas “impossibilidades técnicas” da Requerente em aceder à plataforma online denominada Partistico, desde 18 de maio a 21 de maio. Também não foi junto qualquer elemento demonstrativo da tentativa frustrada de proceder à inscrição dos atletas em formato físico documental.


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- De Direito

Como se deixou dito na decisão do Presidente do TCA Sul, de 20/01/23, no processo nº 17/23.7 BCLSB, consultável em https://www.dgsi.pt, “Nos termos do disposto no art. 41.º, n.º 1, da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto, aprovada pela Lei n.º 74/2013, de 6 de Setembro, “[o] TAD pode decretar providências cautelares adequadas à garantia da efetividade do direito ameaçado, quando se mostre fundado receio de lesão grave e de difícil reparação, ficando o respetivo procedimento cautelar sujeito ao regime previsto no presente artigo”. E, de acordo com o n.º 9 desse artigo, “[a]o procedimento cautelar previsto no presente artigo são aplicáveis, com as necessárias adaptações, os preceitos legais relativos ao procedimento cautelar comum, constantes do Código de Processo Civil”.

Dispõe o art. 368.º do CPC:

1- A providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão.

2 - A providência pode, não obstante, ser recusada pelo tribunal quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar.

3 - A providência decretada pode ser substituída por caução adequada, a pedido do requerido, sempre que a caução oferecida, ouvido o requerente, se mostre suficiente para prevenir a lesão ou repará-la integralmente.

4 - A substituição por caução não prejudica o direito de recorrer do despacho que haja ordenado a providência substituída, nem a faculdade de contra esta deduzir oposição, nos termos do artigo 370.º.

Como já se deixou estabelecido anteriormente, são requisitos essenciais destas providências cautelares (cfr., i.a., a decisão de 5.11.2021, proc. n.º 130/21.5BCLSB):

a) A titularidade de um direito que releva do ordenamento jurídico desportivo ou relacionado com a prática do desporto; e

b) O receio fundado da lesão grave e de difícil reparação desse direito.

Sendo que esta titularidade do direito, deve ser séria; ou seja, no sentido de que ao requerente da providência lhe venha a ser reconhecida razão, ainda que essa análise deva ser feita – como não podia deixar de o ser, face à natureza deste meio processual – sob os ditames próprios de uma summario cognitio. Dito de modo diverso, é pressuposto (cumulativo) do decretamento da providência a probabilidade séria (fumus boni juris), embora colhida a partir de análise sumária (summaria cognitio) e de um juízo de verosimilhança, de o direito invocado e a acautelar já existir ou de vir a emergir de acção constitutiva, já proposta ou a propor.

Por sua vez, na demonstração do grau de probabilidade ou verosimilhança em relação à existência do direito invocado pelo requerente da providência, concorre não só o acervo probatório constante do processo e que se revele adequado a formar a convicção do julgador quanto ao grau de probabilidade de existência do direito invocado, como a jurisprudência tirada sobre casos análogos e cuja decisão seja proferida por referência ao mesmo quadro normativo. Não poderá afirmar-se a “probabilidade séria da existência direito” invocado, se esse mesmo direito não é reiteradamente reconhecido nas acções principais que sobre ele versam.

É certo que o fumus boni iuris decorre da suficiência da mera justificação dos fundamentos do mesmo. Mas, como se escreveu no ac. de 19.09.2019 do TR de Guimarães, proc. n.º 97/19.0T8VNC.G1: “na aferição de tal requisito, bem como dos demais, deve ter-se sempre presente uma perspectiva de instrumentalidade hipotética, isto é, de que a composição final e definitiva do litígio no processo respectivo possa vir a ser favorável ao requerente”.

No caso concreto, a Requerente alega, nos termos que melhor constam da p.i., que a decisão final da demandada, Federação de Patinagem de Portugal, que rejeitou, por extemporaneidade, a inscrição de dois atletas do C …………………., no Campeonato de Patinagem Livre 2024, é ilegal.

Defende a Requerente, em suma, que a decisão em causa proveio de um membro (Vice-presidente) de um órgão colegial, pelo que não houve a manifestação de vontade da Direção da FPP enquanto órgão e “não havendo manifestação de vontade, não há ato”. Mais sustenta que a decisão é ilegal por incompetência do seu autor, o Vice-presidente da FPP. Considera, ainda, ter havido preterição do procedimento que levou à decisão, uma vez que a Requerida violou o disposto no artigo 45º, nº3 do Regulamento Geral da Patinagem Artística que obriga a que a mesma notifique os clubes do teor do Protocolo (do campeonato nacional de patinagem livre) com uma antecedência mínima de 30 dias, o que não se verificou. Para mais, não foram conferidos aos clubes prazos iguais de inscrição dos seus atletas, para ambas as vertentes da Patinagem. Invoca, ainda, a violação do princípio da igualdade, considerando que foi aceite a inscrição de uma determinada atleta que identifica. Em defesa da sua posição, alega a Requerente que, por dificuldades técnicas, não conseguiu inscrever os atletas atempadamente no Campeonato de Patinagem Livre, através da plataforma partistico.

Vejamos, então, se ocorre, ou não, probabilidade séria da existência do direito invocado.

Em primeiro lugar, cumpre sublinhar que estamos no domínio cautelar, por definição de natureza instrumental, com prova sumária e perfunctória. A apreciação que é feita em sede de procedimento cautelar assenta, assim, num mero juízo de verosimilhança. Ao apreciar a providência, o tribunal “não se baseia sobre a certeza do direito do requerente, mas apenas sobre uma probabilidade séria da existência desse direito (fumus boni iuris; summaria cognitio; não verdadeira prova, mas simples justificação)” (cfr. Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, reimpressão, 1993, p. 9).

A Requerente pretendeu inscrever dois dos seus atletas – A........................ … e H................... – no Campeonato Nacional de Patinagem Livre, cuja promoção está a cargo da Requerida. Tal campeonato teve início no dia de ontem, 3 de junho, na cidade de Paredes, terminando no dia 10 seguinte. De acordo com o calendário do campeonato, as provas/treinos em que A........................ pretendia participar coincidem com os dias 3 de junho, às 14.10m e 5 de junho às 11.10m; quanto ao H..................., as provas em que o mesmo pretendia participar coincidem com os dias 8 de junho, às 13.35m, e 9 de junho, às 9.20m.

De acordo com o Protocolo do Campeonato de Patinagem Livre, tal como consta do probatório, “todas as inscrições devem dar entrada na plataforma até as 21horas (hora continental) do dia 21 de maio de 2024”, devendo a inscrição “ser realizada na Plataforma Oficial da Patinagem Artística da FPP”.

Alegando dificuldades técnicas no registo/ inscrição, dentro do prazo estipulado, dos dois atletas no Campeonato de Patinagem Livre, a Requerente recebeu, via correio eletrónico, a decisão proferida pelo Senhor Vice-Presidente da FPP que reputa de ilegal. Tal como resulta dos factos provados, a inscrição dos atletas não foi admitida por extemporânea, nos seguintes termos que, em parte, se recuperam:

Vejamos, então, lembrando que a Requerente defende a inexistência do ato por a decisão ter provindo da Direção da FPP enquanto órgão e “não havendo manifestação de vontade, não há ato”. Em abono da sua tese invoca jurisprudência do STA (acórdão de 17 de março de 1988), segundo a qual “é inexistente a decisão subscrita pelo Presidente do órgão colegial como se fosse deliberação colegial”. Refere, ainda, que se trata de um ato aparente, inexistente do ponto de vista jurídico, por lhe faltarem “certos elementos estruturais constitutivos que permitam identificar um tipo de ato legal do ato administrativo”.

Salvo o devido respeito, a Requerente estabelece uma confusão no entendimento que aqui defende.

Se bem percebemos o alcance da posição da Requerente, refere-se a mesma a um dos exemplos típicos de inexistência jurídica como é o caso de se pretender fazer passar por deliberação as decisões individuais de membros de órgão colegial, sem que tenha havido efetivamente a formação dessa vontade colegial. Ou seja, uma aparência de deliberação sem precedência de efetiva formação da vontade colegial nos termos procedimentais, geradora de inexistência jurídica.

Claramente não é este o caso que nos ocupa, sendo evidente que o ato em causa não se apresenta como tendo sido proferido pelo órgão colegial correspondente à direção da FPP, ou seja, não se trata de uma (aparente) deliberação que tem na sua base uma decisão individual de um membro da direção, sem a formação da necessária vontade colegial. Como é evidente pela leitura do teor do ato, de 29 de maio, proferido pelo Vice-presidente para a patinagem artística, o mesmo apresenta-se como uma decisão singular, sem a invocação da vontade de um qualquer órgão colegial.

Nessa medida, e sem necessidade de mais nos alongarmos, afasta-se a procedência do vício primeiramente invocado, alegadamente gerador de inexistência jurídica.

Coisa diversa é saber se o Vice-presidente em causa era, ou não, competente para praticar o ato em causa, defendendo a Requerente que não e, nessa medida, reputando a decisão de ilegal. Para tanto, invoca o disposto no artigo 71º dos Estatutos da Requerida, nos termos do qual

“Compete à Direção administrar a Federação e sem prejuízo das demais competências previstas nos Estatutos e regulamentos, incumbe-lhe especialmente:

a) (…);

b) (…);

c) Organizar, definir, coordenar e administrar as competições desportivas e a atividade técnico desportiva, no âmbito do fomento, desenvolvimento e progresso da modalidade, designadamente nas vertentes da definição da atividade da arbitragem, na organização e constituição das Seleções nacionais, na formação de patinadores, técnicos e outros agentes desportivos e na deteção de talentos; (…)”

Tenhamos presente que nos termos do artigo 35º (COMPETÊNCIA), do Regulamento Geral da FPP, “compete à Direção administrar a Federação e sem prejuízo das demais competências previstas nos Estatutos e regulamentos, incumbe-lhe especialmente:

a) (…);

b) (…);

c) Organizar, definir, coordenar e administrar as competições desportivas não profissionais e a atividade técnico desportiva, no âmbito do fomento, desenvolvimento e progresso da modalidade, designadamente nas vertentes da definição da atividade da arbitragem, na organização e constituição das Seleções nacionais, na formação de patinadores, técnicos e outros agentes desportivos e na deteção de talentos; (…)”

Por seu turno, o artigo 42º (VICE‐PRESIDENTES), do Regulamento geral da FPP, dispõe que “Os Vice‐Presidentes exercem as funções indicadas pelo Presidente da FPP, no início de cada mandato, sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes”.

O artigo 47º (DISCIPLINAS DA PATINAGEM) do mesmo Regulamento determina que:

“Aos vice‐presidentes que exerçam competências na área das diferentes disciplinas da patinagem, cabe o exercício das seguintes funções:

a) Assegurar, para cada época desportiva, a realização dos planos, calendários e sorteios relativos a todas as provas e competições nacionais da respetiva disciplina.

b) Cumprir e fazer cumprir o regulamento específico da disciplina, orientando, controlando e acompanhando a atividade desportiva desenvolvida e assegurando, em estreita colaboração com a direção técnica nacional, as acções e iniciativas visando o progresso técnico da disciplina, bem como a promoção e fomento da sua prática.

c) Propor ao presidente da FPP, a nomeação, exclusão e substituição dos membros do comité técnico‐desportivo da respetiva disciplina.

d) Convocar e presidir às reuniões do comité técnico‐desportivo da respetiva disciplina;

e) Assegurar a coordenação da atividade do comité técnico‐desportivo da respetiva disciplina, orientando e controlando o seu funcionamento e intervindo no desenvolvimento do plano e calendarização das provas e competições a realizar em cada época desportiva”. (sublinhado nosso)

A transcrição dos preceitos acabada de fazer revela que, contrariamente ao que defende a Requerente, a competência para apreciação das inscrições em provas e competições nacionais, cabe, nos termos da apontada alínea a) do artigo 47º do Regulamento, nas competências do Vice-presidente que exerça competências na área das diferentes disciplinas da patinagem.

No caso, como não vem posto em causa, a decisão de 29 de maio foi proferida pelo Vice-presidente para a patinagem artística, pelo que fica afastado o alegado vício de incompetência.

Invoca, ainda, a Requerente que foi violado o disposto no nº 3 do artigo 45º do Regulamento Geral da Patinagem Artística, nos termos do qual se obriga a que os Clubes sejam notificados do Protocolo (no caso, do Campeonato Nacional de Patinagem Livre) com 30 dias de antecedência em relação ao início da prova, o que, segundo alega, não se verificou, considerando que “os clubes só foram notificados do Protocolo, via Telegram FPP/Clube, no passado dia 13 de maio de 2024, ou seja, a 21 dias do início da Prova”.

Sucede que o apontado artigo 45º, nº3, do REGULAMENTO GERAL DA PATINAGEM ARTÍSTICA, o que determina é que “O protocolo da prova deve ser dado a conhecer aos interessados com um prazo que permita uma correta preparação para o cumprimento do estipulado no mesmo”, não estipulando o invocado prazo mínimo de 30 dias.

Assim, falece também este fundamento nos termos em que vem invocado.

Sustenta, também, a Requerente que a Requerida tratou desigualmente situações semelhantes e respeitantes ao ato de inscrição de atletas. A este propósito refere que “a atleta Mariana Almeida (…) não realizou o Campeonato Associativo (obrigatório como se viu no ponto 54 supra), e foi admitida a participar no Campeonato Nacional”.

Como está bem de ver, independentemente da questão de saber se uma determinada atleta cumpre, ou não, “o critério material que a própria requerida impõe como condição de acesso ao Campeonato Nacional, i.e, participar no campeonato associativo”, a verdade é que tal situação nada tem a ver com a circunstância, aqui discutida, de um clube não ter inscrito, no prazo estipulado no Protocolo do Campeonato Nacional de Patinagem Livre, os seus atletas. Dito de outro modo, numa asserção simples, uma (eventual) ilegalidade não justifica outra ilegalidade, nem cabe aqui invocar a violação do princípio da igualdade, pois o princípio da igualdade não confere um direito à igualdade na ilegalidade.

O mesmo se diga, quanto à insusceptibilidade de determinar a invalidade da decisão contestada, de 29 de maio, da alegação correspondente à circunstância de, alegadamente, a Requerida não ter conferido aos Clubes prazos iguais de inscrição dos seus atletas, para ambas as vertentes da patinagem. Concretizando, refere a Requerente que, para vertente de Dança, a FPP concedeu o prazo de inscrição de 3 semanas; para a vertente de Patinagem Livre, limitou-se a fixar um prazo de 8 dias para os clubes efetuarem as inscrições dos seus atletas.

Com efeito, o que importa aqui ter presente são as condições de inscrição terem sido igualmente estabelecidas para os atletas na mesma vertente de Patinagem, o que não vem minimamente posto em causa.

Detenhamo-nos no fundamento para a não aceitação da inscrição dos dois atletas já identificados (A........................ e H...................) no Campeonato Nacional de Patinagem Livre, a saber, a extemporaneidade da mesma, cuja data limite, de acordo com o respetivo Protocolo, foi fixada no dia 21 de maio, às 21 horas (hora continental).

Ora, lendo atentamente o articulado inicial, resulta cristalino que jamais a Requerente afirma que inscreveu os atletas dentro do prazo fixado. Ao contrário, a Requerente aceita que o não fez. Alega, porém, como motivo justificativo para tal que:

- desde, pelo menos, 18 de maio de 2024 que o Clube vinha tentando, sem sucesso, aceder à plataforma online da Requerida, denominada Partistica, com vista a inscrever os seus atletas no “Campeonato Nacional de Patinagem Livre e Torneio Nacional de Benjamins – 100 anos FPP”;

- fruto dessa impossibilidade técnica, a que é alheia, acabou por não conseguir em tempo, ou seja, até às 21 horas do dia 21 de maio, inscrever os seus atletas;

- após o que tentou realizar a inscrição dos atletas por via não eletrónica, através da entrega em formato físico documental das inscrições mas em vão.

Ora, como não sofre dúvidas, nada do que vem invocado quanto às alegadas “impossibilidades técnicas”, a que a Requerente será alheia, vem minimamente demonstrado nos autos, sendo certo que tal ónus probatório competia à Requerente.

Com efeito, como decorre dos factos não provados, nenhum elemento foi junto aos autos que permita, nem indiciariamente, concluir que houve tentativas de acesso à referida plataforma, que a mesma se mostrava indisponível, que apesar de a Requerente possuir credenciais de entrada na plataforma as mesmas não se mostraram operacionais ou qualquer outra evidência de problemas técnicos alheios à Requerente. Mais. Nem se mostra evidenciado (o que seria expectável) que, entre o dia 18 de maio e o limite do prazo (21 de maio, às 21 horas), tais impossibilidades/dificuldades tenham sido reportadas à FPP e/ou a quem gere a dita plataforma, com vista a ultrapassá-las. Diga-se, ainda, que dos elementos juntos aos autos não há evidência que outros atletas não tenham podido inscrever-se por razões semelhantes.

Tenha-se presente que, nos termos do Protocolo do Campeonato Nacional, “A inscrição será realizada na Plataforma Oficial da Patinagem Artística da FPP. Os clubes deverão utilizar o acesso anteriormente fornecido, à referida plataforma, os que ainda não tenham credenciais de entrada, deverão solicitar as mesmas na página inicial. https://partistico.pt”.

Assim, regressando ao caso concreto, considerando a matéria de facto e a análise jurídica efetuada, concluímos – numa apreciação sumária e perfunctória – que os elementos evidenciados são de molde a sustentar a decisão proferida em 29 de maio, pelo Vice-presidente da FPP. Quer isto dizer que não surge como provável que a pretensão formulada no processo venha a ser julgada procedente

Tenhamos presente que estamos no domínio cautelar, “por definição de natureza instrumental, com prova sumária e perfunctória, não sendo, portanto, exigível uma prova total para a decisão cautelar. Essa tarefa instrutória e de produção e decisão da prova ficará reservada para a ação principal, sob pena de se desvirtuar a perfunctoriedade dos processos cautelares”. – cfr. decisão do Presidente do TCA, de 20/01/23, processo nº 17/23.7 BCLSB.

A apreciação que é feita em sede de procedimento de cautelar assenta, assim, num mero juízo de verosimilhança. Ao apreciar a providência, o tribunal “não se baseia sobre a certeza do direito do requerente, mas apenas sobre uma probabilidade séria da existência desse direito (fumus boni iuris; summaria cognitio; não verdadeira prova, mas simples justificação)” (cfr. Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, reimpressão, 1993, p. 9).

Por outras palavras, a providência requerida não passa o crivo do requisito do fumus boni juris.

Assim sendo, concluindo, não se dando por verificado o requisito do fumus boni iuris, desnecessário se torna, por prejudicado, conhecer do alegado a propósito do periculum in mora (bem como do requisito da proporcionalidade do decretamento da providência que sempre cumpriria apreciar) uma vez que o decretamento da providência sempre depende da sua verificação cumulativa.

Nada mais, nesta sede, cumpre apreciar.


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VI - DECISÃO

Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a providência cautelar requerida.

Custas da responsabilidade da Requerente que do processo tirou proveito (art. 539.º, n.º 1, do CPC), a atender, a final, na ação principal (art. 539.º, n.º 2, do CPC), sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.

Notifique pelo meio mais expedito; também o TAD.

Lisboa, 4 de junho de 2024 (Processo concluso à titular às 15 horas, aproximadamente, do dia 03/06/24)


A Juíza Presidente,