Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 958/23.1BELRS |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 11/13/2025 |
| Relator: | PATRÍCIA MANUEL PIRES |
| Descritores: | CESE DO ANO DE 2022 INCONSTITUCIONALIDADE ARTIGO 2.º RJCESE VIOLAÇÃO DO ARTIGO 13.º DA CRP |
| Sumário: | I) O artigo 2.º, alínea d), do regime jurídico da CESE, na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo a que se refere o n.º 1 do artigo 3.º, da titularidade das pessoas coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2022, sejam concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural, viola o artigo 13.º da CRP. II) A anulação da CESE do ano de 2022, não deriva de “erro imputável aos serviços”, mas sim de um juízo de inconstitucionalidade, subsumindo-se na alínea d), do n.º 3, do artigo 43.º da LGT. |
| Votação: | UNANIMIDADE |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO
I-RELATÓRIO R……… G…………., S.A. (doravante Recorrente) veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial tendo por objeto o ato tributário de autoliquidação da Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE) referente ao exercício de 2022, no valor de €4.897.589,09. A Recorrente apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem: “A. Os Acórdãos do Tribunal Constitucional (TC), citados na Sentença recorrida, erram ao pressupor que a discussão em causa nos autos se encontra praticamente esgotada em controvérsias resolvidas desde o Acórdão n.º 7/2019, também do TC, e que assim é porque a questão da conformidade constitucional da CESE estaria fundamentalmente dependente de se saber se aquela constitui um verdadeiro imposto ou antes uma contribuição financeira. B. Com efeito, após aquele Acórdão n.º 7/2019, relativo à CESE em vigor em 2014 (o primeiro ano de vigência do tributo), este Tribunal foi construindo, reiterando e consolidando uma jurisprudência, relativa inicialmente aos anos de 2015 a 2017, da qual resulta que a justificação da CESE – mesmo admitindo que ela é uma contribuição financeira – se manteria apenas enquanto se mantivessem também as obrigações internacionais do Estado português ligadas à emergência do reequilíbrio das contas públicas, obrigações essas vertidas primeiro no Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF) e depois no Procedimento por Défice Excessivo (PDE). Ora, como nem um nem outro estavam já em vigor em 2018, a consequência lógica e previsível daquela jurisprudência seria a de que a partir daquele ano a CESE teria perdido a sua razão de ser. C. O Acórdão n.º 101/2023 (com o qual os referidos Acórdãos estão em oposição declarada e frontal) – relativo a 2018 mas aplicável a todos os períodos posteriores –, tem por subjacente o conteúdo dessa 75/87 jurisprudência. Em parte, é um corolário ou uma consequência lógica da mesma. Isto significa que os Acórdãos não foram proferidos em contradição apenas com o Acórdão n.º 101/2023: apesar de relativamente a este a contradição ser directa e completa, porque existe um contraste quanto à argumentação e ao sentido da decisão, essa contradição existe igualmente, na dimensão da argumentação, relativamente a todo o percurso jurisprudencial que desembocou naquele aresto. D. No entanto, além de dar importância ao facto de a partir de 2018 se terem deixado de se verificar as condições gerais de excecionalidade financeira que, segundo a jurisprudência anterior, justificavam a vigência extraordinária da CESE (designadamente a vigência do PAEF e do PDE), o Acórdão n.º 101/2023 acrescenta um outro elemento de análise fundamental: no que concerne ao contexto específico do sector energético que justificou a criação da CESE, o TC sublinha que, de novo a partir de 2018, também a trajetória de redução da dívida tarifária do SEN – o principal objetivo concreto da medida – significa que o tributo deixou de ter o mesmo sentido de urgência que tinha quando foi criado. E. Essa aceleração da redução da dívida tarifária resultou da decisão política de transferir em 2018 a receita necessária para o Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético, entidade à qual cabe aplicar a receita da CESE aos fins legalmente previstos (segundo o Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de Abril) – isto na sequência de uma alteração ao seu regime produzida pelo Decreto-Lei n.º 109A/2018, de 7 de Dezembro. Antes de tal intervenção legislativa, o Fundo estava obrigado a dirigir apenas um terço daquela receita para o objetivo de redução da dívida tarifária do SEN, enquanto dois terços da mesma seriam destinados a outras políticas gerais de sustentabilidade energética. Após a alteração legal, o Fundo passou a poder aplicar à redução da dívida tarifária dois terços da receita da CESE, podendo utilizar até um terço da mesma no financiamento de outras medidas. F. Daqui o Acórdão retira que a CESE é inconstitucional a partir de 2018 por referência às empresas que não integram o sector da produção de eletricidade. Isto é: dado que a receita da CESE passou a servir maioritariamente para financiar a redução da dívida tarifária do SEN, não faz sentido exigi-la às empresas que não são do sector eletroprodutor. G. Neste sentido, a alínea d) do artigo 2.º do regime da CESE vigente em 2022 é inconstitucional, por quebra do nexo causal entre os objectivos do tributo e os operadores abrangidos por essa norma, como a Recorrente. H. A Recorrente adere ao conteúdo do Acórdão n.º 101/2023, que no seu entender deve prevalecer na ordem jurídica sobre a decisão aqui em crise, por constituir uma melhor subsunção da realidade da CESE de 2022 aos princípios constitucionais aplicáveis. I. De resto, assim é porque todos os demais pressupostos em que os Acórdãos assentam – e que no seu conjunto constituem uma tentativa de refutar a tese central do Acórdão n.º 101/2023 (a de que que o Decreto-Lei n.º 109-A/2018 produziu a mudança fundamental identificada pelo Acórdão n.º 101/2023) – são igualmente erróneos. J. Desde logo, os Acórdãos não têm razão quando diz que o Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de Dezembro, não introduziu qualquer alteração à finalidade das receitas geradas pela CESE, mas apenas à finalidade de todas as disponibilidades financeiras integradas no património do Fundo, advenientes das cinco fontes de receita legalmente previstas. Não tem razão porque a CESE é a única receita do Fundo: não só é a única que se encontra realmente prevista (todas as demais receitas se encontram inscritas na lei enquanto meramente hipotéticas ou potenciais, em termos simplesmente programáticos) como não se conhecem que outras fontes geraram efectivamente receita para o Fundo. K. Saliente-se, ademais, que a criação do Fundo é contemporânea da criação da CESE. Ambos foram criados no mesmo ensejo legislativo (o tributo na Lei do Orçamento do Estado para 2014, para vigorar a partir do início do ano e ser cobrado até Outubro; o Fundo no Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de Abril, a tempo de vir a gerir a receita da CESE). Ora, antes da existência deste Fundo, o Estado já assumia a responsabilidade de políticas no sentido da sustentabilidade do sector energético, sem que para tal tenha tido a necessidade de criar semelhante instrumento jurídico. Só o criou então para lhe atribuir a gestão desta nova receita, a provinda da CESE. Por isso, analisar a CESE como se se tratasse de simplesmente mais uma receita do Fundo é um erro. Sem a CESE, o Fundo pura e simplesmente não existiria. L. Essa relação é evidente no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 55/2014, seja na identificação indubitável da relação causal entre a criação da CESE e a necessidade de criar o fundo, seja no facto de apenas se referir à receita daquele tributo. Mas importa referir também que, na parte normativa do Decreto-Lei, mais concretamente na alínea b) do artigo 2º, se estatui expressamente que é “mediante a receita obtida com a contribuição extraordinária sobre o sector energético prevista no artigo 228º da Lei n.º 83C/2013, de 31 de Dezembro” que se deve garantir o objectivo “da redução da dívida tarifária do Sistema Eléctrico Nacional (SEN)”. No artigo 5º, concretiza-se depois, em pormenor, a forma como a “contribuição” deve ser aplicada àquele objectivo: segundo os n.ºs 1 e 2, o montante da CESE consignada à redução da dívida tarifária “é deduzido aos custos de interesse económico geral (CIEG) a repercutir em cada ano na tarifa de uso global do sistema aplicável aos clientes finais e comercializadores”. M. Perante a vontade legislativa traduzida quer no preâmbulo quer na parte dispositiva do Decreto-Lei, não se percebe como pode o TC pensar que, quando falamos do destino das receitas do Fundo, não é do destino das receitas da CESE que estamos realmente a falar. Mais: revela-se que é errada a afirmação dos Acórdãos segundo a qual “nunca o artigo 4.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de abril, nem na sua redação originária, nem na introduzida pelo Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de dezembro, alguma vez estabeleceu uma regra de afetação da receita da CESE a determinadas despesas do Fundo para a Sustentabilidade do Setor Energético”. N. O TC diz a esse propósito que ‘a prioridade definida no sobredito preceito respeita às “verbas do FSSSE”, ou seja, a todas as disponibilidades financeiras integradas no património do Fundo, advenientes das cinco fontes de receita legalmente previstas (cfr. artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de abril, acrescidas dos excedentes transportados de exercícios anteriores – cfr. n.º 2), não à coleta obtida de uma delas, fosse o caso da CESE. Todavia, o TC esquece o que resulta da alínea b) do artigo 2º e do artigo 5º: no que concerne às receitas do Fundo destinadas à redução da dívida tarifária do SEN, o legislador impôs que elas fossem especificamente as receitas da CESE. Em face disto, é também errada a afirmação dos Acórdãos de que o valor de receita anual da CESE é apenas um “parâmetro de limitação de certas categorias de despesa do Fundo, tendo em vista garantir o equilíbrio da sua orçamentação e da sua conta final”, ou um “valor de referência para o limite à despesa com políticas do setor energético”. O. De qualquer modo, sempre se diga que, mesmo que considerássemos como válida a interpretação dos Acórdãos, no sentido formalista e artificial de que a alteração legal de 2018 implicou uma mudança da chave de repartição das receitas do Fundo, e não da receita da CESE, não se compreende porque é que a conclusão quanto à inconstitucionalidade do tributo relativamente aos operadores que não são do sector eléctrico haveria de ser distinta da retirada pelo Acórdão n.º 101/2023. É que, nessa hipótese, então pelo menos a título potencial ou nocional a receita da CESE teria passado de estar afecta em um terço à redução da dívida tarifária da electricidade para está-lo na proporção de dois terços. O que, em rigor, significaria o mesmo que a Recorrente aqui defende (à semelhança do Acórdão n.º 101/2023) quanto à importância na análise da constitucionalidade da CESE da mudança no peso relativo da sua receita na prossecução dos objectivos do Fundo. P. Mas mais: independentemente do teor do Acórdão n.º 101/2023, convém ainda acrescentar que, posteriormente, o TC, numa outra secção (a 1ª Secção), veio proferir o Acórdão n.º 338/2023, no qual se verteu o entendimento de que da alteração às finalidades das receitas da CESE, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de Dezembro (no sentido de que elas passaram a ser dirigidas maioritariamente ao objectivo de redução da dívida tarifária da electricidade), não se pode retirar a 78/87 conclusão do Acórdão n.º 101/2023 – de que, a partir de 2018, se verificou uma extinção ou diminuição do nexo causal entre a CESE e os sujeitos passivos que não actuam no sector da produção de electricidade, pela simples razão de que a alteração só entrou em vigor no final daquele ano, não tendo qualquer relevância por reporte ao mesmo. Apesar de a Recorrente discordar deste entendimento, por razões que nesta sede não importa desenvolver, o que aqui interessa é dizer que este Acórdão n.º 338/2023 concorda com o Acórdão n.º 101/2023 no que concerne aos períodos após 2018. Q. Ou seja, neste momento existe jurisprudência do TC, subscrita por uma maioria de juízes (da 1ª e 3ª Secções), no sentido de que, pelo menos a partir de 2019 – incluindo ano aqui em causa, 2020 –, a CESE aplicável ao sector do gás natural é inconstitucional. R. Prosseguindo, é igualmente errado o que os Acórdãos dizem quanto ao facto de a CESE ter um nexo relevante com os operadores do Sistema Nacional de Gás Natural (SNGN) por o regime legal do tributo prever a utilização da receita em fins específicos ligados à sustentabilidade daquele sistema, ou seja, por a receita contributiva obtida das empresas daquele sector, tendo por fonte o valor e excedentes de contratos de aprovisionamento em regime de “take-or-pay” estar alocada ao alívio dos encargos tarifários inerentes à utilização global do sistema (UGS) de gás natural pelos operadores das respetivas redes de transporte e de distribuição. S. Aqui, o Tribunal omite algo que é essencial e inviabiliza totalmente a conclusão retirada: é que a receita identificada não resulta do tributo em causa nestes autos, mas de um outro, em cuja base de incidência subjectiva o legislador nem sequer integrou os operadores das redes de transporte, distribuição ou armazenamento de gás natural (os sujeitos passivos abrangidos pela alínea d) do artigo 2º do regime da CESE), como a Recorrente. Esse outro tributo especificamente dirigido ao alívio dos encargos tarifários inerentes à UGS de gás natural foi enxertado no regime da CESE após criação desta no artigo 228º da Lei n.º 83º-C/2013, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2014). T. O tributo em causa nos presentes autos é a CESE original ou propriamente dita, criada pela Lei do Orçamento do Estado (para simplificar, podemos chamá-la de “CESE I”). Por sua vez, o tributo que serve especificamente, e em exclusivo, para a atenuação dos encargos tarifários do SNGN (um tributo que tem características que o tornam decisivamente distinto daquele primeiro, até porque diz respeito a factos que nada têm a ver com aqueles em que assenta) – chamemos-lhe “CESE II” – foi criado pela Lei n.º 33/2015, de 27 de Abril, para ser cobrada uma só vez, tendo depois sido estipulado um adicional, igualmente para ser cobrado apenas uma vez, pelo artigo 264º da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2017). 79/87 U. A CESE II foi dirigida ao (único) comercializador do SNGN titular de contratos de aprovisionamento de longo prazo em regime de take-or-pay, previstos no artigo 39º-A do Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de Julho, celebrados em data anterior à entrada em vigor da Directiva n.º 2003/55/CE, do Parlamento e do Conselho, de 26 de Junho, e que fornece gás ao comercializador de último recurso grossista, no âmbito da actividade de compra e venda de gás natural para fornecimento aos comercializadores de último recurso retalhistas, aos centros electroprodutores com contrato de fornecimento outorgado em data anterior a 27 de Junho de 2006 e a outras entidades. A lei encontra se construída em termos gerais e abstractos (refere-se, no plural, às entidades que integram o sistema energético nacional como comercializadores do SNGN); porém, esta regra de incidência abrangeu efectivamente apenas um sujeito passivo, (a Galp Gás Natural, S.A. que é a única entidade que cabe na incidência do tributo. V. Portanto, em conclusão: o objectivo a que os Acórdãos aludem – a redução dos custos de acesso à rede de gás natural, incorporados nas facturas de consumo final – não é prosseguido com a receita gerada pelo tributo aqui em causa, mas por um outro tributo distinto, que não incide sobre a Recorrente nem sobre os restantes operadores que se dedicam ao transporte, distribuição ou armazenamento de gás natural. Logicamente, esse objectivo não será inviabilizado pela declaração nos presentes autos da inconstitucionalidade da norma neles analisada (a alínea d) do artigo 2º do regime da CESE). Assim sendo, é totalmente desprovida de sentido a tese dos Acórdãos, de que entre a CESE e a Recorrente existe uma relação de bilateralidade típica das contribuições financeiras, com base no pressuposto de que a receita do tributo por ela suportada reverte também para o fim da redução dos encargos tarifários do SNGN. W. Seja como for, independentemente dos argumentos dos Acórdãos referidos anteriormente, insiste-se ainda no aresto que os operadores do SNGN têm com o objectivo da dívida tarifária do SEN uma relação suficiente para que os consideremos integrados na “lógica grupal” da CESE. Isto na medida em que, resumidamente, como o gás tem um papel fundamental na produção de electricidade, as empresas do SNGN sofreriam um impacto grande com a redução da procura de electricidade que se verificaria caso o Estado não tivesse implementado as políticas de controlo dos preços ao consumidor que redundaram na criação da dívida tarifária e as que, financiadas pela CESE, posteriormente se dirigiram à redução dessa dívida. Também este pressuposto está errado. X. Para se perceber porquê, convém lembrar o que é que na realidade essa “lógica grupal” das contribuições financeiras significa. O que ela significa é que, para cumprimento do princípio da equivalência (concretizador do princípio da Igualdade), este tipo de tributos tem de representar a 80/87 contrapartida de prestações de que os respectivos sujeitos passivos são presumíveis causadores ou presumíveis beneficiários. Y. Quanto à primeira das relações aludidas – a relação de presumível causalidade existente entre uma contribuição e os seus sujeitos passivos –, ela deve ser uma relação de causalidade especial entre a actividade pública que é preciso financiar e a actividade do universo de agentes económicos que lhe dá origem. E, quando se diz que a causalidade tem de ser especial, quer-se dizer que a necessidade de intervenção regulatória dos poderes públicos tem de decorrer directamente da natureza da actividade dos particulares ou da natureza das opções estratégicas destes. Z. Portanto, se por referência devemos ter a actividade dos particulares, enquanto factor que gera a situação de desequilíbrio ou o risco de sustentabilidade que determinam a intervenção pública, então a lógica das contribuições pressupõe que os universos de sujeitos passivos considerados sejam grupos económicos bem delimitados. Isto é, necessita-se que o universo de sujeitos passivos de uma determinada contribuição se limite àqueles que, em virtude da natureza da sua actividade ou das suas opções estratégicas, forçaram directamente a intervenção das entidades públicas. Dito de modo reflexo: não tem lógica exigir a determinados operadores o pagamento desse tributo se ele servir para colmatar uma falha de mercado para a qual aqueles não contribuíram directamente. AA. Pois bem: a dívida tarifária, cuja atenuação o legislador identifica como objectivo da CESE, definese, latu sensu, como a diferença entre o custo real da geração de energia eléctrica, do seu transporte, distribuição e comercialização, e os custos recuperados pelas tarifas aplicadas em razão do consumo da mesma. É verdade que, como se diz nos Acórdãos, ela “é produto directo da forma como foi liberalizado o mercado de energia”. No entanto, não é um produto das opções dos sujeitos passivos da CESE. A dívida tarifária é o resultado de opções políticas exclusivas do Estado tomadas no âmbito dessa liberalização do mercado da energia (da energia eléctrica, bem entendido), conjugadas depois com opções políticas e legislativas no sentido de impedir a formação livre dos preços da actividade do sector eléctrico e a total repercussão de custos, também estes fixados por decisão administrativa. BB. Quer isto dizer que o que deu lugar ao problema em causa não foi a qualquer aspecto concreto da actividade dos operadores privados – qualquer aspecto intrínseco ou decorrente de decisões tomadas em regime de liberdade estratégica. Mais: se assim é quando estamos a falar dos próprios operadores do sector electroprodutor, por maioria de razão o é com ainda mais intensidade quando falamos dos operadores do sector do gás natural ou de outro qualquer sector, que não da electricidade: a dívida tarifária não resultou de quaisquer opções político-legislativas dirigidas a esses sectores. Estes não podem ser considerados, pois, efectivos ou presumíveis causadores, directos ou especiais, do problema da dívida tarifária (a dívida tarifária não é um fenómeno comum a todo o sector económico da energia, 81/87 sendo antes o produto da forma como ao longo dos anos foi sendo estruturado – apenas – o subsector da produção de electricidade). CC. De resto, que sentido faz a afirmação dos Acórdãos, segundo a qual a dívida tarifária é “filha da privatização e da oportunidade de negócio capturada pelas empresas que atuam no setor energético e é daí que resulta a necessidade de regulação pública”? Estamos a falar da privatização ocorrida no sector eléctrico. Portanto, mesmo aceitando para benefício da discussão que nesse processo houve uma “oportunidade de negócio capturada” por algumas empresas, não é verdade o que o TC escreve logo a seguir – que essa oportunidade foi “capturada pelas empresas que atuam no setor energético”, em geral. Como é óbvio, as empresas do sector do gás natural não “capturaram” negócio algum na privatização do sector da electricidade. DD. No que concerne, agora à segunda relação que também pode legitimar a criação de contribuições – a relação de presumível benefício –, ela implica que haja uma relação de benefício também especial entre os sujeitos passivos e a intervenção pública, no sentido em que os primeiros são beneficiados directamente pela segunda. Daí, de novo, a indispensabilidade de um grupo de sujeitos passivos limitado ao sector a que as entidades públicas pretendem dar mais sustentabilidade ou equilíbrio, e em cujas regras mexem directamente. Não é possível integrar no âmbito de sujeição de uma contribuição operadores económicos que retirem apenas um benefício reflexo da actividade financiada pelo tributo. Nesse caso, estaremos a falar de operadores de sectores em cujas regras a actividade pública financiada pela contribuição não toca. EE. Remetendo para o caso vertente, é óbvio que as políticas públicas orientadas para o controlo dos preços da electricidade – quer as que originaram o diferimento dos custos através da constituição da dívida tarifária quer as que depois serviram para reduzir essa dívida – beneficiam em geral toda a economia. Os Acórdãos até referem, no lote dos beneficiários, a “indústria” e o “público consumidor”. É inevitável que assim seja, porque é da razão de ser da electricidade (uma fonte de energia de importância central) que as vicissitudes do seu custo constituam reflexamente vicissitudes nos custos de produção de todos os sectores económicos – e que se repercutam em todo o “público consumidor”. Vemo-lo perfeitamente na actualidade: a crise inflacionista a que assistimos, traduzida no aumento de preços generalizado em todos os sectores, deriva em boa parte do aumento dos custos de produção das fontes de energia. Porém, significa isso que seria legítimo criar uma contribuição financeira, aplicável a toda a economia, para combater os custos da inflação? Certamente que não. Esse tributo seria ou uma contribuição inconstitucional, por violação do princípio da equivalência, ou então um puro imposto extraordinário. FF. Por outro lado, conforme referem os Acórdãos, os custos da electricidade também têm influência no universo dos fornecedores das empresas electroprodutores, sejam elas fornecedoras de gás ou de qualquer outro bem, porque, se o aumento do preço da energia eléctrica tem o efeito previsível de reduzir a sua procura, terá igualmente o efeito reflexo de reduzir a necessidade de aquisição de matérias-primas e outros factores de produção. Só que, de novo, se estamos perante uma contribuição financeira, que serve para financiar uma actividade estadual regulatória dirigida a (e provocada por características próprias de) um determinado sector económico, não faz sentido incluir no escopo do tributo o universo de fornecedores das empresas que o constituem (empresas fora do sector), ou parte dele, com o argumento de que, “em potência”, os bens ou serviços que estas últimas empresas fornecem se acabarão por transformar no bem que o sector intervencionado produz. GG. O TC presume, pois, que, em todo o longo processo de intervenção estadual que aqui temos em conta – o que começou com a liberalização do sector eléctrico, prosseguiu com as políticas de controlo de custos na factura dos consumidores finais, com a criação da dívida tarifária e da CESE –, o legislador teve em mente uma interligação ou uma relação de solidariedade natural entre os operadores do SEN e do SNGN. Sucede que, para além de essa relação não poder legitimar a CESE fora do campo das empresas do sector eléctrico (pelo menos, a partir de 2018), nos termos do exposto, a verdade é que essa hipotética relação nunca esteve na mente do legislador. HH. Ela não esteve na mente do legislador, desde logo, quando o sector eléctrico e o sector do gás natural tiveram processos de liberalização completamente autónomos e com regras completamente distintas. Por exemplo, a renegociação dos contratos em que assenta a actividade das concessionárias do subsector do gás não desembocou no pagamento às mesmas de quaisquer compensações: pelo contrário, o equilíbrio económico dos contratos de concessão do subsector do mercado do gás natural foi obtido através da solução de alargamento do prazo das concessões e da reavaliação dos activos afectos à prossecução das actividades concessionadas. II. Além disso, que o legislador não teve em mente qualquer relação de solidariedade natural e inevitável entre o SEN e o SNGN resulta óbvio, igualmente, do facto de que, como vimos acima, quando se tratou de criar um tributo para financiar uma intervenção regulatória em ordem à sustentabilidade do SNGN, o legislador criou uma CESE específica (a CESE II) cobrada apenas ao sector do gás natural. Seguindo a lógica dos Acórdãos, o legislador poderia ter decidido cobrar também a CESE II ao sector da electricidade, usando por exemplo o argumento de que, face à percentagem que o gás representa no cômputo das matérias-primas da produção de electricidade, então a sustentabilidade do sector eléctrico depende da sustentabilidade do sector do gás natural. Não fez, claro, precisamente porque às contribuições financeiras tem de subjazer uma relação de causalidade especial e benefício directo, que 83/87 não se compadece com considerações de causalidade ou benefício reflexos ou indirectos, acerca da situação de sujeitos fora do perímetro do sector económico intervencionado com a receita de uma determinada contribuição. JJ. Após a discussão anterior, que parte de pressupostos relacionados com a incidência subjectiva da CESE, os Acórdãos acrescentam por fim que o facto de a base de incidência objectiva da CESE ser o valor global dos activos das empresas abrangidas não implica também a quebra de nexo entre a medida e os sujeitos passivos, uma vez que aquele valor representa a dimensão das empresas e, quanto maior essa dimensão, maior é o seu impacto potencial na sustentabilidade do sector energético, cuja garantia é função da CESE. Nestes termos, conclui o Acórdão, também por esta via se cumpre a regra da equivalência ou bilateralidade subjacente às contribuições financeiras. KK. Esta tese dos Acórdãos não podem prevalecer. Além de, em geral, um critério ad valorem como este ser próprio dos impostos (ele serve para captar a capacidade contributiva e implica, consequentemente, uma dupla tributação dos lucros – directamente, por via do IRC, e presuntivamente, por via da tributação do valor dos activos), o mais importante, na lógica da presente discussão é lembrar que o valor do activos das empresas do sector energético não é directamente proporcional ao impacto potencial que elas representam na sustenatibilidade do mesmo. Daí que o valor do activo não seja um critério adequado, quando apreciado à luz dos objectivos da própria CESE. Ou seja, é contraditório com a própria teleologia da medida. LL. Repare-se, com efeito, antes de mais, que a CESE abrange de modo igual actividades com impacto e risco totalmente distintos, em sectores diversos (petróleos, electricidade, gás, armazenagem, transporte, refinação, etc.). Uma determinada actividade pode significar um risco ou um impacto muito maior ou muito menor do que o que é representado pelo valor dos activos de uma qualquer empresa que a prossiga. Termos em que o risco ou impacto não é de todo medido pelo valor dos activos. MM. Depois, em regra, os activos de maior valor são aqueles que apresentam menor risco e impacto na sustentabilidade do sector energético: se determinados activos das empresas energéticas têm um valor elevado, por comparação com outros, pode perfeitamente ser porque são tecnologicamente mais avançados e/ou mais recentes, caso em que o seu valor está contabilisticamente menos amortizado ou depreciado. Ora, se são tecnologicamente mais avançados e/ou mais recentes, então são mais eficientes e menos poluentes. Isto é, são mais valiosos porque são mais sustentáveis. Isto é, podemos dizer que, em boa medida, o valor dos activos é inversamente proporcional ao seu impacto na sustentabilidade ambiental e energética. 84/87 NN. Como conclusão de tudo o que vem dito, deve a sentença recorrida ser anulada, prevalecendo neste Tribunal a posição segundo a qual a alínea d) do artigo 2.º do regime jurídico da CESE, vigente em 2022 através da Lei do Orçamento do Estado para 2022, é inconstitucional, em face pelo menos da aprovação do Decreto-Lei n.º 109-A/2018, o qual significou que, de 2018 em diante, a CESE deixou de constituir um tributo ao qual subjaz uma relação de bilateralidade constitucionalmente aceitável entre a receita gerada e os sujeitos passivos do subsector do gás natural. OO. Finalmente, ao que antecede acresce que a receita da CESE – tendo em conta a sua relevância orçamental e a sua natureza – não se encontra devida e suficientemente orçamentada à luz do princípio da discriminação orçamental, previsto pelo disposto no artigo 105.º, n.º 1, da CRP, e da regra da especificação orçamental, decorrente do artigo 105.º, n.º 3 da CRP e do artigo 17.º da LEO, quer - para o que aqui releva – na Lei do Orçamento do Estado de 2014, quer na Lei do Orçamento do 2022. PP. Com efeito, a receita da CESE, na Lei do Orçamento do Estado para 2014, não é mencionada, especificamente, nem nos mapas orçamentais, nem nos desenvolvimentos orçamentais, concluindo-se que não se encontra inscrita de modo desagregado em nenhum mapa orçamental, do que decorre que, (i) no Orçamento do Estado para 2014 não é possível encontrar a receita da CESE no meio das demais receitas tributárias; (ii) não é, de todo, possível apurar o montante da receita que se previa arrecadar com a CESE; (iii) não foi cumprido o desiderato para o qual foi criada a CESE, isto é, a sua transferência, ainda que parcial, para o FSSSE. QQ. Já no que respeita à Lei do Orçamento do Estado para 2022, no Mapa 6, referente a despesas obrigatórias, identifica-se, apenas o valor da despesa da CESE a transferir, não sendo possível determinar se esse é o valor total arrecadado com a sua cobrança nesse ano ou apenas parte dele. RR. Nestes termos, é indubitável que ocorreu violação grosseira do princípio da discriminação da regra da especificação orçamental, pois que, embora a receita decorrente da CESE em causa se presuma prevista nas aludidas Leis do Orçamento do Estado – neste caso, por referência aos anos de 2014 e 2022 –, a especificação e o desdobramento orçamental desta receita não respeitam, categoricamente, o disposto na CRP e na LEO. SS. Esta situação (i) permitiu a existência de um crédito orçamental secreto, resultado esse cujo impedimento constitui a razão de ser da previsão do princípio da especificação orçamental; (ii) potenciou a aprovação do orçamento sem que os Srs. Deputados tivessem conhecimento do montante da receita cuja cobrança autorizavam; (iii) não permite a fiscalização da execução orçamental, que compete também aos Srs. Deputados realizar, sacrificando o fator de accountability, também inerente à aprovação parlamentar do orçamento anual. TT. Nesta medida, a receita escapou, inevitavelmente, ao crivo parlamentar, uma vez que a votação dos dois orçamentos em crise – e de todos os Orçamentos entre 2014 e 2023 -, foi efetuada sem pleno e cabal conhecimento do montante de receita previsto cobrar a título de CESE, o que é passível de permitir a utilização de verbas públicas para finalidades não previstas na Lei – o que é proibido pela CRP e, também, pela LEO, que determina, quer na redação de 2001, quer na de 2015, a nulidade dos créditos que possibilitem a existência de dotações para utilização confidencial ou para fundos secretos (ainda que essa utilização não se verifique). UU. Assim, a não especificação da receita em crise, concreta e individualizada, nos termos da CRP e da LEO, equivale, em termos práticos, à sua não inscrição – e, portanto, à sua não autorização – no correspondente Mapa da Lei do Orçamento do Estado. VV. Com a entrada em vigor do Código de Procedimento Administrativo (CPA), publicado em 7 de janeiro de 2015, pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, o legislador procedeu à anulação da antiga cláusula geral de nulidade do antigo CPA, passando a prever quatro novos casos de nulidade no atual artigo 161.º daquele diploma, de entre os quais a alínea k), onde se dispõe que são nulos “Os atos que criem obrigações pecuniárias não previstas na lei”. Assim, o ato de (auto)liquidação da CESE aqui em apreço enferma de um vício gerador de ilegalidade abstrata, porquanto a sua liquidação e cobrança não terão sido devidamente autorizados em conformidade com a CRP e a LEO, o que está para além da mera inexigibilidade da dívida, sendo mesmo equiparável ao vício de inexistência do tributo. WW. No plano normativo, a violação do princípio da especificação orçamental localiza-se, por referência à CESE, em dois momentos fundamentais (i) no momento da criação do Regime jurídico da CESE, com a aprovação do artigo 228.º da Lei do Orçamento do Estado para 2014, e (ii) no momento em que a sua vigência foi, prorrogada, para o ano 2022, por via do artigo 6.º da Lei do Orçamento do Estado para esse ano (e em todos os outros anos, por via das sucessivas Leis do Orçamento do Estado ou de diplomas autónomos de autorização da sua cobrança). XX. Assim, a violação do princípio da especificação orçamental apresenta-se como uma doença congénita que contamina, em rigor, todas as normas que instituem e regulam a CESE. Do que antecede, suscita-se a inconstitucionalidade e a ilegalidade, por violação de lei de valor reforçado, (i) da norma que instituiu o regime jurídico da CESE, i.e. da norma resultante do artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013; (ii) da norma que manteve em vigor, no ano 2022, o regime jurídico da CESE, i.e. da norma contida no artigo 6.º da Lei n.º 99/2021, de 31 de dezembro; (iii) da norma que se retira do artigo 1.º do regime jurídico da CESE e que define o objeto do tributo; (iv) da norma que se retira do artigo 2.º do regime jurídico da CESE e que determina a incidência subjetiva do tributo; (v) da norma que se retira do artigo 86/87 3.º do regime jurídico da CESE e que determina a incidência objetiva do tributo; (vi) a norma que se retira do artigo 6.º do regime jurídico da CESE e que determina a taxa aplicável; (vii) a norma que se retira do artigo 11.º do regime jurídico da CESE e que determina a consignação da receita ao FSSSE, bem como (viii) da norma que se retira do artigo 12.º do regime jurídico da CESE e que determina a não dedutibilidade da CESE. YY. Em face de tudo quanto antecede, mal andou a sentença recorrida ao decidir no sentido do julgado. Nestes termos e nos mais de direito, requer-se a V. Exas. que julguem totalmente procedente o presente recurso, com todas as consequências legais, nomeadamente a revogação da Sentença recorrida e a anulação dos actos impugnados. Junta: comprovativo do pagamento da taxa de justiça.” *** A Recorrida devidamente notificada optou por não apresentar contra-alegações. *** O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso. *** Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir. *** II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto: Com interesse para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos: “1. Em 28/10/2022 a Impugnante liquidou a Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético do ano de 2022 no valor de €4.897.589,09, tendo selecionado no campo 4. Sector de actividade a opção 03-Actividades de Transporte ou Distribuição de Energia - cf. declaração e liquidação a págs. 843 e 858 do SITAF; 2. Em 28/10/2022 a Impugnante pagou o valor da liquidação referido no ponto anterior – cf. comprovativo de pagamento a págs. 858 do SITAF; 3. A Impugnante apresentou reclamação graciosa da liquidação referida no ponto 1. – cf. petição de reclamação graciosa a págs. 651 a 843 do SITAF; 4. Por despacho de 20/03/2023 a reclamação graciosa referida no ponto anterior foi indeferida – cf. despacho e informação a págs. 1050 do SITAF. “ *** A decisão recorrida considerou como factualidade não provada o seguinte: “Nada mais se provou com interesse para a decisão da causa.” *** Em sede de motivação da matéria de facto consignou o seguinte: “O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos constantes dos autos conforme identificado nos factos provados. “ *** III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida contra o ato tributário de autoliquidação da CESE, e respetivos Juros referentes ao ano de 2022. Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso. Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso a questão fundamental a que importa dar resposta é a de saber se as normas do regime da CESE em particular os artigos 1.º, 2.º, 3.º, 6.º, 11.º e 12.º, na versão e período de vigência conferidos pela Lei n.º 99/2021, de 31 de dezembro (artigo 6.º) que prorrogou a CESE para 2022, padecem de inconstitucionalidade. Advoga a Recorrente que a partir de 2018 deixaram de verificar-se as condições gerais de excecionalidade financeira que, segundo a jurisprudência anterior, justificavam a vigência extraordinária da CESE (designadamente a vigência do PAEF e do PDE), sendo que o Acórdão n.° 101/2023 acrescenta um outro elemento de análise fundamental: no que concerne ao contexto específico do sector energético que justificou a criação da CESE, o TC sublinha que, de novo a partir de 2018, também a trajetória de redução da dívida tarifária do SEN - o principal objetivo concreto da medida - significa que o tributo deixou de ter o mesmo sentido de urgência que tinha quando foi criado. Logo, a CESE é inconstitucional a partir de 2018 por referência às empresas que não integram o sector da produção de eletricidade, isto é, dado que a receita da CESE passou a servir maioritariamente para financiar a redução da dívida tarifária do SEN, não faz sentido exigi-la às empresas que não são do sector electroprodutor. Daí que, adira ao conteúdo do Acórdão n.º 101/2023, que no seu entender deve prevalecer na ordem jurídica sobre a decisão aqui em crise, por constituir uma melhor subsunção da realidade da CESE de 2022 aos princípios constitucionais aplicáveis, e bem assim ao teor do Acórdão n.º 338/2023. Sufraga, assim, que neste momento existe jurisprudência do Tribunal Constitucional, subscrita por uma maioria de juízes (da 1ª e 3ª Secções), no sentido de que, pelo menos a partir de 2019 – incluindo ano aqui em causa, 2022 –, a CESE aplicável ao sector do gás natural é inconstitucional. É, portanto, de enquadrar a incidência da CESE como violadora do princípio da igualdade tributária (cfr. artigo 13.° da CRP), visto que, esta reflete uma diferenciação de tratamento ao ser exigida de um grupo específico e diferenciável de empresas e não a todos os contribuintes. Sufragando, in fine, que no que concerne à violação do princípio da igualdade tributária, “inexiste, pois, uma equivalência que possa materialmente justificar, à luz do princípio da igualdade tributária, a tributação dessas empresas através da CESE, pelo que a exigência deste tributo a tais entidades é inconstitucional por violação daquele princípio.” Conclui, peticionando a inconstitucionalidade e a ilegalidade, por violação de lei de valor reforçado, (i) da norma que instituiu o regime jurídico da CESE, i.e. da norma resultante do artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013; (ii) da norma que manteve em vigor, no ano 2022, o regime jurídico da CESE, i.e. da norma contida no artigo 6.º da Lei n.º 99/2021, de 31 de dezembro; (iii) da norma que se retira do artigo 1.º do regime jurídico da CESE e que define o objeto do tributo; (iv) da norma que se retira do artigo 2.º do regime jurídico da CESE e que determina a incidência subjetiva do tributo; (v) da norma que se retira do artigo 86/87 3.º do regime jurídico da CESE e que determina a incidência objetiva do tributo; (vi) a norma que se retira do artigo 6.º do regime jurídico da CESE e que determina a taxa aplicável; (vii) a norma que se retira do artigo 11.º do regime jurídico da CESE e que determina a consignação da receita ao FSSSE, bem como (viii) da norma que se retira do artigo 12.º do regime jurídico da CESE e que determina a não dedutibilidade da CESE. O Tribunal a quo, por seu turno, esteou a improcedência da impugnação judicial começando, desde logo, por evidenciar que “não existindo motivos para divergir da posição sufragada pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 296/2023, supra enunciado, adere-se aos fundamentos nele invocados e julgam-se improcedentes os vícios de violação do princípio da igualdade aduzidos pela Impugnante”, e no demais adere à jurisprudência constante no Acórdão n.º 7/2019, de 08 de janeiro de 2019, processo n.º 141/16. Mas, a verdade é que atenta a inflexão da posição do Tribunal Constitucional, naturalmente acompanhada pelo STA e bem assim por este Tribunal, não podemos manter o juízo de entendimento que foi propugnado na decisão recorrida. Explicitemos, então, as razões pelas quais assim o ajuizamos. Comecemos por convocar o quadro normativo que para os autos releva. A CESE foi implementada com a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, estando o seu regime contemplado no artigo 228.º, extraindo-se da letra do seu artigo 1.º que a mesma tem por “objetivo financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do setor energético, através da constituição de um fundo que visa contribuir para a redução da dívida tarifária e para o financiamento de políticas sociais e ambientais do setor energético”. De relevar, neste particular, que no final do ano de 2014, a Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, particularmente os seus artigos 237.º e 238.º prorrogaram a vigência da CESE, com as inerentes adaptações, por forma a adequar o regime jurídico à extensão da vigência ao ano de 2015. De sublinhar, igualmente, a alteração gizada pela Lei n.º 33/2015, de 27 de abril, mormente em termos de alargamento de incidência subjetiva e no ano de 2016, através Lei n.º 159-C/2015, de 30 de dezembro, particularmente, do seu artigo 6.º na qual se manteve em vigor a CESE, consignando-se, nessa conformidade, que todas as referências feitas ao ano de 2015 se entendem materializadas ao ano de 2016. Ainda em termos de alterações legislativas, com especial relevo para o caso vertente, importa ter presente a Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, concretamente, o artigo 264.º, o qual procedeu a alterações quanto à redação das normas relativas à incidência objetiva, à não repercussão, às taxas, à liquidação, à consignação e aos ajustamentos tarifários, sem que estas, contudo, tenham alterado substancialmente a CESE, como também bem evidenciado pelo Tribunal a quo. Sendo que em termos de diplomas mais recentes com alterações à CESE, e com relevo para a situação sub judice, é preciso ter presente a Lei nº 114/2017, de 29 de dezembro (artigo 280.º), Lei nº 71/2018, de 31 de dezembro (artigo 313.º), Lei nº 2/2020, de 31 de março (artigo 376.º), Lei nº 75-B/2020, de 31 de dezembro artigo 415.º), Lei nº 75-B/2020, de 31 de dezembro (artigo 415.º) e Lei nº 99/2021, de 31 de dezembro (artigo 6.º) os quais, entre o mais, regulamentam a manutenção da CESE para os anos subsequentes. Feito este introito em termos de evolução legislativa, convoquemos o regime jurídico aplicável ao ano de 2022, nos aspetos de maior relevo para a questão decidenda. Vejamos, então. Como já evidenciado, a CESE foi instituída pelo artigo 228.º da Lei nº 83-C/2013, de 31 de dezembro preceituando o seu artigo 1.º, nº 2 que: “2 – A contribuição tem por objetivo financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do sector energético, através da constituição de um fundo que visa contribuir para a redução da dívida tarifária e para o financiamento de políticas sociais e ambientais do sector energético”. No que se refere à incidência subjetiva da CESE, prevê o artigo 2º: “São sujeitos passivos da contribuição extraordinária sobre o sector energético as pessoas singulares ou coletivas que integram o sector energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2015, se encontrem numa das seguintes situações: (…) d) Sejam concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural, nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho, alterado pelos Decretos-Leis n.os 65/2008, de 9 de abril, 66/2010, de 11 de junho, e 231/2012, de 26 de outubro; e) Sejam titulares de licenças de distribuição local de gás natural, nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho, alterado pelos Decretos-Leis n.os 65/2008, de 9 de abril, 66/2010, de 11 de junho, e 231/2012, de 26 de outubro; (…)” No que respeita à incidência objetiva, de acordo com o artigo 3.º do regime: “1 - A contribuição extraordinária sobre o sector energético incide sobre o valor dos elementos do ativo dos sujeitos passivos que respeitem, cumulativamente, a: a) Ativos fixos tangíveis; b) Ativos intangíveis, com exceção dos elementos da propriedade industrial; e c) Ativos financeiros afetos a concessões ou a atividades licenciadas nos termos do artigo anterior. (…)” A taxa aplicável sobre os ativos encontra-se determinada da forma progressiva, nos termos do artigo 6º: “1 - A taxa da contribuição extraordinária sobre o sector energético aplicável à base de incidência definida no artigo 3º é de 0,85 %, exceto nos casos previstos nos números seguintes. (…)”. Prescrevendo, por seu turno, o artigo 7.º: “1 - A contribuição extraordinária sobre o sector energético é liquidada pelo sujeito passivo, através de declaração de modelo oficial a aprovar por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, que deve ser enviada por transmissão eletrónica de dados até 31 de outubro de 2015 (…)”. Preceituando ainda o artigo 11.º o seguinte: “1 – A receita obtida com a contribuição extraordinária sobre o sector energético é consignada ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético (FSSSE) (…) com o objetivo de estabelecer mecanismos que contribuam para a sustentabilidade sistémica do sector energético, designadamente através da contribuição para a redução da dívida tarifária e ou pressão tarifárias e do financiamento de politicas do sector energético de cariz social e ambiental, de medidas relacionadas com eficiência energética, de medidas de apoio às empresas e da minimização dos encargos financeiros para o Sistema Elétrico Nacional (…).” Estabelecendo, in fine, o artigo 12.º do regime que: “1 - A contribuição extraordinária sobre o sector energético não é considerada um gasto dedutível para efeitos de aplicação do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.”. Visto o regime jurídico que releva para os presentes autos, vejamos, então, se assiste razão à Recorrente quando propugna que a CESE padece, desde logo, de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade. Importa, desde já, sublinhar que no concreto particular da Jurisprudência do Tribunal Constitucional, com especial enfoque quanto à CESE do ano de 2018, a posição do Tribunal Constitucional não foi unívoca, resultando, designadamente, dos Acórdãos n.ºs 101/2023, de 16.03.2023, 296/2023, de 25.05.2023, 338/2023, de 06.06.2023, 369/2023, de 07.06.2023, 372/2023, de 07.06.2023, 720/2023, de 25.10.2023, e 278/2024, de 10.04.2024. E se é certo que no âmbito do citado processo nº 101/2023, de 16 de março de 2023 se consagrou o juízo de inconstitucionalidade, é, igualmente, certo que ulteriormente à sua prolação foram proferidos outros Acórdãos que concluem no sentido do juízo de não inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º, do Regime da CESE, criada pelo artigo 228.º, da Lei 83-C/2013, de 31/12, em vigor durante o exercício fiscal de 2018 ex vi artigo 280.º da Lei nº 114/2017, de 29 de dezembro, mormente, o proferido no âmbito do processo nº 296/2023, de 25 de maio de 2023. Mas a verdade é que, essa linha de entendimento não foi seguida para a CESE do ano em contenda e relativamente ao sector das energias não renováveis, ou seja, do ano de 2022, tendo inclusive e conforme já demos nota anteriormente sido objeto de inflexão por parte da Jurisprudência do STA, e bem assim deste TCAS, que inclusive já teve, nessa sequência, de reformar diversos acórdãos em função do juízo de inconstitucionalidade. Denota-se, assim, no âmbito da jurisprudência existente, uma demarcação nítida entre o que foi entendido até 2018 e o posicionamento que tem vindo a prevalecer a partir de 2019 e especificamente para o sector das energias não renováveis, como in casu. No caso vertente, é não controvertido e resulta inclusivamente plasmado no probatório que a Recorrente é uma empresa que integra o sector energético português, com sede em território nacional, abrangida pela previsão da alínea d) do artigo 2º do regime da CESE, quanto aos seus ativos relacionados com aquela atividade, sendo que o aludido enquadramento normativo decorre de a Recorrente desenvolver a atividade de armazenamento subterrâneo de gás natural. Tal como sufragado pela Recorrente, a partir de 2019, houve uma inflexão do posicionamento, até então maioritário, ou seja, a partir desse exercício e em diante, houve uma inversão da jurisprudência, passando a decidir-se no sentido da inconstitucionalidade da CESE (sector das energias não renováveis) a qual tem na sua génese, justamente, o Acórdão n.º 101/2023 do Tribunal Constitucional. Neste âmbito, e no sentido da inconstitucionalidade da CESE, vide, designadamente, os Acórdãos do Tribunal Constitucional prolatados no âmbito dos processos n.ºs 196/2024, 197/2024, 336/2024, 337/2024, 338/2024 e 427/2024, 443/2024, 475/2024, 476/2024, 712/2024, 445/2024, 517/2024, 553/2024 e o 930/2024. Neste contexto importa relevar que a 15 de julho de 2025, no âmbito do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 677/2025 (Processo n.º 22/2025), foi declarada a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma contida no artigo 2.º, alínea d), do regime jurídico da CESE (aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C, de 31 de dezembro, cuja vigência foi prorrogada para o ano de 2019 pelo artigo 313.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro), na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo a que se refere o n.º 1 do artigo 3.º do mesmo regime, da titularidade das pessoas coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2019, sejam concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural (nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho, na redação em vigor em 2019). Com efeito e derivado de repetição do julgado do juízo de inconstitucionalidade que o Tribunal Constitucional afirmou em mais de três casos concretos relativamente à norma contida no artigo 2.º, alínea d), do regime jurídico da CESE (aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C, de 31 de dezembro, cuja vigência foi prorrogada para o ano de 2019 pelo artigo 313.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro), na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo a que se refere o n.º 1 do artigo 3.º do mesmo regime, da titularidade das pessoas coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2019, sejam concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural (nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho, na redação em vigor em 2019), foi prolatado o citado Acórdão cuja fundamentação jurídica se transcreve infra: “2.1. O juízo de inconstitucionalidade relativamente às normas ora em causa foi afirmado, pela primeira vez, no Acórdão n.º 197/2024, com os fundamentos seguintes: De relevar, neste conspecto, que entende-se que o aludido entendimento é inteiramente transponível para o caso dos autos, porquanto nos encontramos, justamente, no domínio do sector do gás e do seu armazenamento, sendo que a Jurisprudência mais recente e que este Tribunal acolhe e adere sem reservas, sentencia que o artigo 2.º, alínea d), do regime jurídico da CESE, na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo a que se refere o n.º 1 do artigo 3.º, da titularidade das pessoas coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2022, sejam concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural, viola o artigo 13.º da CRP. Face ao supra expendido, e uma vez que o aludido Aresto analisa com total propriedade a resenha jurisprudencial sobre a questão em contenda, aderimos na íntegra à jurisprudência firmada pelo Tribunal Constitucional quanto à matéria em apreço, secundando-se, assim, o entendimento de que a norma contida no artigo 2.º, alínea d), do regime jurídico da CESE, cuja vigência foi prorrogada para o ano de 2022, na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo a que se refere o n.º 1 do artigo 3.º, da titularidade das pessoas coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2019, sejam concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural padece de inconstitucionalidade por violação do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa. [Neste sentido, convoque-se, igualmente, os Arestos do STA, prolatados nos processos 367/23, de 5 de fevereiro de 2025, 0345/21, de 12 de fevereiro de 2025 , 0864/23, de 12 de março de 2025 e 0127/23, de 09 de julho de 2025]. De relevar, neste concreto particular, ou seja, quanto à CESE do ano de 2022, no âmbito de uma pessoa coletiva que exerce, justamente, atividade no setor do gás natural como in casu, o Tribunal Constitucional no âmbito do processo nº 786/2024, Acórdão 331/2025, de 30.04.2025, julgou “inconstitucional, por violação do artigo 13.º da Constituição, artigo 2.º, alínea d), do regime jurídico da CESE, criada pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, em vigor durante em 2022 pelo artigo 6.º da Lei n.º 99/2021, de 31 de dezembro, na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo a que se refere o n.º 1 do artigo 3.º, da titularidade das pessoas coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2022, sejam concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural”, aderindo à doutrina formulada no Acórdão n.º 101/2023, tendo por base, mutatis mutandis, a fundamentação desenvolvida nesse aresto. Destarte, face a todo o expendido anteriormente e sem necessidade de quaisquer considerandos adicionais, dimana, assim, que a CESE sub judice, padece de inconstitucionalidade a qual justifica, per se, a procedência do presente recurso e a consequente a anulação dos aludidos atos tributários, julgando prejudicado o demais. E por assim ser, há que conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e em consequência julgar procedente a impugnação, com a consequente anulação do ato tributário impugnado, julgando prejudicado o demais. Aqui chegados, subsiste apenas por analisar o pedido de reembolso do imposto e condenação no pagamento de juros indemnizatórios. Comecemos por estabelecer o respetivo enquadramento normativo. O direito a juros indemnizatórios é um dos mais importantes direitos dos contribuintes no seio da relação jurídica tributária. A consagração expressa deste direito no artigo 43.º da LGT reflete o princípio da igualdade dos sujeitos da relação, sendo devidos juros indemnizatórios sempre que os contribuintes sejam privados, de forma indevida, de meios financeiros por razões imputáveis à AT. Dispõe, neste âmbito, o artigo 43.º da LGT, com a redação, à data aplicável, que: “1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. 2 - Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efetuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas. 3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias: a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos; b) Em caso de anulação do ato tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito; c) Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária. d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução. 4 - A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios. 5 - No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.” Mais preceituando o artigo 61.º do CPPT, que: “1 - O direito aos juros indemnizatórios é reconhecido pelas seguintes entidades: a) Pela entidade competente para a decisão de reclamação graciosa, quando o fundamento for erro imputável aos serviços de que tenha resultado pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido; b) Pela entidade que determina a restituição oficiosa dos tributos, quando não seja cumprido o prazo legal de restituição; c) Pela entidade que procede ao processamento da nota de crédito, quando o fundamento for o atraso naquele processamento; d) Pela entidade competente para a decisão sobre o pedido de revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte, quando não seja cumprido o prazo legal de revisão do ato tributário. 2 - Em caso de anulação judicial do ato tributário, cabe à entidade que execute a decisão judicial da qual resulte esse direito determinar o pagamento dos juros indemnizatórios a que houver lugar. 3 - Os juros indemnizatórios serão liquidados e pagos no prazo de 90 dias contados a partir da decisão que reconheceu o respetivo direito ou do dia seguinte ao termo do prazo legal de restituição oficiosa do tributo. 4 - Se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea. 5 - Os juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos. 6 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, pode o interessado reclamar, junto do competente órgão periférico regional da administração tributária, do não pagamento de juros indemnizatórios nos termos previstos no n.º 1, no prazo de 120 dias contados da data do conhecimento da nota de crédito ou, na sua falta, do termo do prazo para a sua emissão. 7 - O interessado pode ainda, no prazo de 30 dias contados do termo do prazo de execução espontânea da decisão, reclamar, junto do competente órgão periférico regional da administração tributária, do não pagamento de juros indemnizatórios no caso da execução de uma decisão judicial de que resulte esse direito. 8 - O pagamento de juros indemnizatórios não está sujeito a impulso processual da iniciativa do contribuinte.” Daqui resulta, portanto, que os juros indemnizatórios se destinam a compensar o contribuinte pelo prejuízo causado pelo pagamento indevido de uma prestação tributária ou pelo atraso na restituição oficiosa de tributos. Sendo que, em regra, e de harmonia com o citado preceito legal, são requisitos do direito aos juros indemnizatórios: a) que haja um erro num ato de liquidação de um tributo; b) que esse erro seja imputável aos serviços; c) que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial; Contudo, in casu, a anulação da (auto)liquidação aqui impugnada, como visto, CESE do ano de 2022, não deriva de “erro imputável aos serviços”, mas sim de um juízo de inconstitucionalidade, subsumindo-se na alínea d), do n.º 3, do artigo 43.º da LGT. Com efeito, essa norma foi introduzida pela Lei 9/2019, de 01 de fevereiro, consagrando, por seu turno, o artigo 3.º da citada Lei, que a aludida redação se aplica às decisões judiciais de inconstitucionalidade ou ilegalidade anteriores à sua entrada em vigor, sendo devidos juros relativos a prestações tributárias que tenham sido liquidadas após 01 de janeiro de 2011. Ora, face a todo o expendido anteriormente, resultando provado nos autos que foi realizado o pagamento voluntário da CESE, respeitante ao ano de 2022, em 28 de outubro de 2022 são, pois, devidos juros indemnizatórios nos precisos termos estatuídos no artigo 43.º, nº3, alínea d) da LGT, desde o pagamento indevido do tributo e nos termos plasmados no citado artigo 61.º, nº5 do CPPT. Relativamente ao pedido de indemnização por prestação indevida de garantia, importa relevar que inexiste qualquer prova documental que ateste a sua, efetiva, prestação, não contemplando o probatório qualquer asserção nesse sentido. De relevar, neste âmbito, que tal não obsta, naturalmente, que em sede de execução de julgado anulatório, e sendo caso disso e demonstrada a realidade de facto atinente ao efeito, seja concedida essa pretensão que, ora, peticiona, mas não prova. Destarte, impõe-se, neste âmbito e para já, decidir pela improcedência do pedido de indemnização por prestação indevida de garantia. [Neste sentido vide, designadamente, Acórdãos deste TCAS, proferidos nos processos nºs 1784/19, e 478/21, datados de 22.06.2023 e 04.05.2023, respetivamente]. No caso sub judice, considera-se que o valor de taxa de justiça devida a final, calculado nos termos do tabela I.B., do RCP, é excessivo. Porquanto, ponderadas as circunstâncias do caso vertente à luz dos critérios escolhidos pelo legislador, em especial, o comportamento processual das partes litigantes, sem qualquer reparo negativo a apontar, a complexidade do processo – atendendo, outrossim, que as questões em apreciação já foram objeto de apreciação quer por este Tribunal, pelo TC e pelo STA, acarretando, assim, menor complexidade na solução jurídica das questões decidendas, determina-se que haja lugar à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no art.º 6.º, n.º 7, do RCP. *** IV. DECISÃO Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM deste Tribunal Central Administrativo Sul em: conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e em consequência julgar procedente a impugnação, com a consequente anulação do ato tributário impugnado, restituição da quantia indevidamente paga acrescida de juros indemnizatórios desde 28 de outubro de 2022, até à data do processamento da respetiva nota de crédito. Custas a cargo da Recorrida, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que excede os €275.000,00. Registe. Notifique. Lisboa, 13 de novembro de 2025 (Patrícia Manuel Pires) (Teresa Costa Alemão) (Maria da Luz Cardoso) |