Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:140/23.8BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:05/09/2024
Relator:LINA COSTA
Descritores:ARBITRAGEM DESPORTIVA
ILEGITIMIDADE PROCESSUAL ACTIVA
Sumário:I - Vigora no direito processual civil, aplicável nos tribunais administrativos e no TAD, a regra de que é ao demandante/autor/requerente que cabe o ónus de, na petição/requerimento inicial, identificar contra quem pretende instaurar a acção impugnatória ou providência cautelar, identificando o autor do acto administrativo impugnado/suspendendo e, a existirem, os contra-interessados [cfr. artigo 57º do CPTA ex vi artigo 61º da Lei do TAD e artigo 54º, nº 3, alínea a) da Lei do TAD];
II - Findos os articulados o juiz do processo pode providenciar pelo suprimento de excepções dilatórias, ou promover oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção, no âmbito do dever de gestão processual, que tem como limites os direitos e deveres das partes, como sejam a necessidade de assegurar um processo equitativo, bem como os princípios estruturantes do processo como o da igualdade das partes, do contraditório, da aquisição processual ou da admissibilidade de meios de prova, o do dispositivo e o da auto-responsabilidade das partes [v. artigos 87º, nº 1 alínea a) e 7º-A, do CPTA e 630º, nº 2 do CPC ex vi artigo 1º do CPTA e artigo 61º da Lei do TAD];
III - De acordo com o disposto nos artigos 52º da Lei do TAD e 9º, nº 1 e 55º, nº 1, do CPTA, a titularidade do interesse em demandar ou contraditar, ou de ser parte na relação material controvertida, ou de ser titular de um interesse directo e pessoal, designadamente, por ser lesado pelo acto impugnado nos seus direitos e interesses legalmente protegidos, afere-se sempre e necessariamente pelo que vem alegado e peticionado no respectivo articulado;
IV - A legitimidade processual activa implica a titularidade de um interesse pessoal, directo, imediato [e não apenas possível ou eventual], o que não sucede no caso em apreciação porque da procedência do pedido impugnatório, podendo resultar a perda da vaga na Liga Portugal 1 pela Recorrida CI, não significa que a Recorrente passa a ter direito à mesma, porque de acordo com o procedimento previsto no nº 5 do artigo 21º referido, a sociedade desportiva A..., enquadrando-se na previsão da alínea a), teria preferência na apresentação de candidatura e se esta fosse admitida a Recorrente não poderia retirar o efeito pretendido da anulação judicial obtida, ou seja, ocupar a vaga, mantendo-se na Liga Portugal 1.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção COMUM
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Subsecção Comum da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

M...– Futebol SAD, devidamente identificada como demandante na acção arbitral e providência cautelar, a que correspondem os processos arbitrais nºs 48 e 48A/2023, instaurados contra a Liga Portuguesa de Futebol Profissional [doravante apenas Recorrida] e C..., SAD, na qualidade de contra-interessada [doravante apenas Recorrida CI], inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão arbitral proferida pelo Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), em 9.8.2023, que julgou procedente a excepção de falta de legitimidade activa e, consequentemente, absolveu a Demandada e a Contra-interessada da instância arbitral, quer no processo principal, quer no processo cautelar.
Nas respectivas alegações, a Recorrente formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem:
«a) A decisão proferida pelo Tribunal Arbitral do Desporto, é uma decisão injusta e contrária à ordem jurídica vigente. Senão vejamos,
b) O Manual de Licenciamento das Competições 2023/24 aprovado pela Liga Portugal foi divulgado através do Comunicado Oficial n° 246 datado de 15 de Março de 2023. Estipula o ponto 1.4.2. o seguinte: “os prazos comuns aos quatro tipos de critérios são os seguintes para candidatos provenientes das competições profissionais:
a) 24 de março: entrega do formulário de apresentação de candidatura via plataforma digital (anexo 1 e 2); b) 25 de março até 30 de abril: decorrem vistorias às infraestruturas; c) até ao dia 31 de março: apresentação de documentação PRIMEIRA FASE; d) até ao dia 15 de maio: apresentação de documentação SEGUNDA FASE; e) 23 de maio: apreciação preliminar dos processos e notificação das CANDIDATAS para a supressão de eventuais deficiências; f) 14 de junho: notificação das CANDIDATA do sentido provável da decisão (n°s 6,7 e 8, do artigo 10° do RC); g) até 26 de junho: audiência interessados; h) 30 de junho: notificação das CANDIDATAS da decisão final do Órgão de Licenciamento."
c) Todas as candidaturas tinham que ter os respetivos requisitos preenchidos até dia 26 de Junho de 2023.
d) Entre essa data e o dia 30 de Junho de 2023, as candidaturas seriam avaliadas pelo órgão de licenciamento e as decisões finais tomadas e notificadas no dia 30 de Junho de 2023.
e) As sociedades anónimas desportivas que participem na 1ª Liga de futebol profissional não podem ter um capital social inferior a EUR 1.000.000 (um milhão de euros), sendo que a realização do capital social pode ser diferida em metade por um prazo de dois anos, ou seja, o montante de EUR 500.000 tem que se encontrar realizado no momento da candidatura e o restante montante pode ser diferido pelo prazo de 2 anos.
f) De acordo com a informação ao dispor da Recorrente e confirmada pela consulta do processo de licenciamento, a 26 de Junho, a C... Estrela, SAD não tinha realizado o mínimo do capital social exigido por lei, ou seja, EUR 500.000 (quinhentos mil euros).
g) Pelo que a respetiva candidatura não poderia, em circunstância alguma, ter sido validada pelo órgão de licenciamento da Liga Portugal.
h) Não se conformando com essa decisão apresentou a aqui Recorrente uma providência cautelar e um pedido de arbitragem necessária junto do Tribunal Arbitral do Desporto que, no entanto, julgou procedente, tanto na ação cautelar, como na ação principal, a exceção de falta de legitimidade ativa da aí Demandante, a ora Recorrente.
i) O elenco das questões a decidir apanhou a aqui Recorrente totalmente desprevenida e constituiu uma completa surpresa em relação àquilo que era expectável que fossem as questões a decidir nos presentes autos. Na verdade,
j) Com a decisão prolatada violou o Tribunal Arbitral, o princípio do contraditório, decisão essa, viciada por uma nulidade processual que influi no exame ou na decisão da causa,
k) Ao decidir como decidiu, violou também o Tribunal Arbitral, o princípio da prossecução do interesse público, pois a ora Recorrente tinha, e tem, o direito consagrado regulamentarmente de ocupar uma vaga na 1ª Liga de Futebol Profissional na época desportiva 2023/2024.
l) A Recorrente tem legitimidade ativa para impugnar o ato praticado pela Liga Portugal.
m) A Recorrente tem um direito e um interesse pessoal e direto na efetivação do mesmo e, como tal, tem legitimidade ativa para tomar todas as decisões e praticar todos os atos necessários à efetiva e real defesa do mesmo.
n) Não restam quaisquer dúvidas de que a C... Estrela, SAD não se encontrava em condições de participar na 1ª Liga por falta de cumprimento do critério legal estabelecido no ponto 3 do Manual de licenciamento, na medida em que o seu ponto 3.2.2 estipula que as candidatas devem ser constituídas sob uma das formas legalmente admitidas no Decreto-lei n° 10/2013 de 25 de janeiro e sob a aplicação direta do próprio Decreto-lei à atividade das sociedades anónimas desportivas em competições profissionais.
o) Deve a decisão da Liga Portugal ser revogada e considerar-se que a ora Recorrente deve ser reintegrada na Liga Portugal 1 em respeito dos regulamentos aplicáveis e nos moldes ai estipulados.
NESTES TERMOS E NOS DEMAIS APLICÁVEIS, DEVE O RECURSO DE APELAÇÃO APRESENTADO PELA RECORRENTE SER JULGADO PROCEDENTE, ANULANDO-SE A DECISÃO ARBITRAL RECORRIDA NA ÍNTEGRA, INCLUINDO A CONDENAÇÃO EM CUSTAS DA ORA RECORRENTE CONSTANTE DA CONTA FINAL FORMULADAS PELO TRIBUNAL ARBITRAL DO DESPORTO.».

Notificada para o efeito, a Recorrida contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
«A. Por acórdão tirado em 09 de agosto de 2023, no âmbito dos processos n.ºs 48A/2023 e 48/2023, o Colégio Arbitral constituído para dirimir o litígio em causa, deliberou, por unanimidade julgar procedente a exceção de falta de legitimidade ativa da Recorrente.
B. Não se conformando com o teor do acórdão, a Recorrente dele interpôs recurso em 25 de agosto de 2023, socorrendo-se, em suma, dos seguintes argumentos:
a) a decisão recorrida viola o princípio do contraditório, porquanto, alegadamente, a M..., SAD não foi notificada pelo TAD para se pronunciar quanto à exceção invocada pela Recorrida e Contrainteressada, o que terá levado à tomada de uma decisão-surpresa;
b) a decisão recorrida viola o princípio da prossecução do interesse público, uma vez que o TAD deveria ter provocado a intervenção processual do A...;
c) a legitimidade da Recorrente tem como fundamento o disposto no artigo 26°-A do Regulamento das Competições, nos termos do qual, «o direito a ocupar uma vaga na Liga 1 caso uma das sociedades desportivas promovidas desportivamente não cumpram os pressupostos legais e regulamentares necessários»;
d) a Contrainteressada não demonstrou possuir o capital social mínimo necessário e legalmente exigível para o seu licenciamento nas competições profissionais.
C. Se, por um lado, os argumentos vindos de elencar nas alíneas a) a c) são falaciosos, por outro, o argumento identificado na alínea d) excede manifestamente o objeto do recurso, que - relembra-se - se cinge à procedência da exceção de legitimidade passiva arguida pela aqui Recorrida e pela Contrainteressada.
D. Como resultará provado através das contra-alegações que agora se apresentam, o recurso interposto não tem qualquer fundamento legal.
E. Nos artigos 1.° a 3.° das alegações interpostas, a Recorrente define e delimita o objeto do seu recurso dando conta de que o mesmo «versa dobre a decisão do Colégio Arbitral em julgar procedente, tanto na ação cautelar, como no ação principal, a exceção de falta de legitimidade ativa da Demandante para contestar a decisão proferida pela Recorrida que determinou o licenciamento para participação em competições desportivas profissionais (Liga Portugal 1) da C... Estrela, SAD», porquanto a decisão «incorre em erro de julgamento na interpretação e aplicação do Direito invocado».
F. Acontece que, sob a epígrafe «Breve enquadramento», nos artigos 4.° a 12.° do recurso, a Recorrente discorre sobre matéria que em nada se relaciona com o objeto do recurso, pelo que deverão ser desconsiderados por este Tribunal, sendo dados por não escritos para todos os devidos e legais efeitos, o que se requer.
G. Por outra banda, nos artigos 58.° a 66.° do recurso, a Recorrente, sob a epígrafe «Do não cumprimento dos pressupostos pela C..., SAD para participar na Liga Portugal 2», tece considerações e faz juízos de valor - que não correspondem à verdade dos factos e que foram já devidamente refutados pela aqui Recorrida em momento próprio (na Contestação) - que à semelhança dos artigos anteriormente referidos, não cabem no objeto do recurso.
H. Na verdade, a matéria ali vertida, tão pouco, mereceu pronuncia por parte do Tribunal a quo.
I. Para efeitos do presente recurso esta matéria é legalmente inadmissível, e, por essa razão, a aqui Recorrida irá escusar-se a contestar a matéria ali em causa, requerendo a este Tribunal que, por extravasarem o objeto do recurso e serem legalmente inadmissíveis, desconsidere os artigos 58.° a 65.° do recurso apresentado pela M...- Futebol SAD, os quais deverão ser dados por não escritos para todos os devidos e legais efeitos.
J. Caso assim este Tribunal não o entenda, o que apenas numa situação meramente hipotética se admitirá, requer-se um prazo nunca inferior a 10 dias para que a aqui Recorrida se possa pronunciar quanto a esta matéria.

Posto isto, e para o que efetivamente releva em sede de recurso:
K. Alega a Recorrente que não existiu, por parte do TAD, um convite para que se pronunciasse quanto à exceção de falta de legitimidade ativa e interesse processual invocada pela Recorrida e pela Contrainteressada.
L. Pois que, caso tal convite tivesse existido, i) poderia ter apresentado argumentos que levariam à tomada de uma decisão diferente; ii) não estaria a decisão «viciada por uma nulidade processual» por violação do princípio do contraditório; iii) não estaria perante uma decisão surpresa.
M. Acontece que, ao contrário daquilo que alega, o contraditório foi respeitado pelo TAD em todos os momentos ao longo do processo.
N. Em 18 de junho de 2023, depois da Liga Portugal ter apresentado a sua contestação, a Recorrente foi notificada pelo TAD para que «nos termos e para os efeitos do disposto no n.° 1 do artigo 56° da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto, aprovada pela Lei n.° 74/2013, de 6 de setembro, alterada pela Lei n.° 33/2014, de 16 de Junho, fica V.Exa. citada da contestação, em anexo, apresentada pela Demandada da Liga Portuguesa de Futebol Profissional no processo em epígrafe, à qual pode responder, querendo, no prazo de 10 dias, apenas à matéria de exceção», (realce nosso)
O. Pelo que dúvidas não restam de que a Recorrente foi devidamente notificada pelo TAD para se pronunciar quanto às exceções arguidas.
P. Resulta, assim, por demais claro e evidente que não existiu qualquer violação do princípio do contraditório, que foi devidamente observado.
Q. No segundo argumento apresentado, a Recorrente, escudando-se no artigo 4.° do Código do Procedimento Administrativo, considera que «ao invés de questionar e negar à Recorrente, sem mais, a legitimidade para exercer o seu direito, por considerar que, alegadamente, a sociedade desportiva do A... seria a única com legitimidade ativa para impugnar o ato praticado pela Liga Portugal, deveria o TAD ter notificado essa mesma sociedade para se vir aos autos pronunciar».
R. Desde logo, não se consegue aferir como é que o interesse da Recorrente em permanecer na Liga Portugal 1 - depois de ter sido despromovida por desmérito desportivo - se integra no conceito de interesse público,
S. conceito esse que, de acordo com o Supremo Tribunal Administrativo, se traduz no «interesse colectivo, o interesse geral de uma determinada comunidade, é o bem comum» (vide Acórdão Supremo Tribunal Administrativo de 01-02-2001, processo 039384ª).
T. Nem tão pouco se consegue aferir como é que a Recorrente, a quem, na qualidade de Demandante, competia identificar as partes e chamá-las à ação, considera que tal obrigação recai sobre o Tribunal.
U. A Recorrente ao elaborar o seu articulado já sabia - porque os regulamentos da Liga Portugal, em particular o artigo 21.° do Regulamento das Competições já existia e não foi desde então alterado - que, nos termos regulamentares, a existir alguma vaga a preencher na Liga Portugal 1, o A... seria o clube convidado a ocupá-la e, ainda assim, decidiu não identificar esta sociedade desportiva como parte do processo.
V. É certo que sobre o Tribunal impende um dever de gestão processual, este não se confunde com o ónus, que apenas sobre a Requerente impede, de conformação da relação processual.
W. Não cabe ao Tribunal, substituir-se às partes e designar ou identificar moto proprio novas partes.
X. Além de que, se o A..., sentindo-se lesado pelo ato, quisesse, tê-lo-ia impugnado o ato.
Y. Não o tendo feito, não significa que renunciou a qualquer direito de preencher uma vaga na Liga Portugal 1, desde logo porque essa vaga não existe -,
Z. E, a existir tal vaga, o convite sempre lhe seria dirigido, pois que - reitera-se - o facto de não ter impugnado o ato decisório de licenciamento das sociedades desportivas nas competições profissionais não equivale à renúncia a um eventual direito (por constituir) que lhe fosse atribuído nos termos do n.° 5 do artigo 21.° do Regulamento das Competições.
AA. Entendimento diverso, desvirtuaria por completo o normativo e, isso sim, colocaria em causa a prossecução do interesse público - no caso o normal e cabal cumprimento das normas regulamentares -, o que de forma alguma se concebe.
BB. Por último, na remota hipótese de que o Tribunal concebesse um tal mecanismo de renuncia intra processual e decidisse interpelar judicialmente o A... para tal despropositado efeito
CC. e ainda que o A..., aceitando tal convite para a renuncia a um direito que não titula na sua esfera jurídica
DD. e ainda que a Requerente fosse convidada para apresentar a respetiva candidatura, nem assim ficaria numa situação tal que lhe permitisse, sem mais, ser considerada apta a participar naquela competição,
EE. pelo que, mesmo assim, manter-se-ia a situação de verificação da ilegitimidade ativa da M...- Futebol, SAD, que continuaria sem ter interesse direto na procedência da ação.
FF. À semelhança dos anteriores, o terceiro argumento apresentado, não poderá merecer acolhimento por parte do Tribunal.
GG. Conforme se retira da exposição até então feita e como, aliás, resulta de uma mera consulta do processo, a M...- Futebol, SAD, através do seu mandatário, foi devidamente notificada pelo TAD para se pronunciar quanto às exceções deduzidas.
HH. Não o tendo feito, perdeu legalmente a oportunidade de vir exercer o contraditório quanto a esta matéria.
II. Dito isto, torna-se por demais evidente que este último argumento é legalmente inadmissível, pelo que o mesmo deverá o mesmo improceder para todos os devidos e legais, o que desde já se requer!
Sem prescindir:
JJ. Para ocaso de assim não se entender- o que apenas se admite enquanto situação meramente hipotética - a ilegitimidade ativa da Recorrente é factual e facilmente percetível.
KK. Nos termos do n.° 5, do artigo 21.° do Regulamento das Competições, «se um clube da Liga Portugal 2 gue tenha desportivamente obtido o direito de ascender à Liga Portugal 1 não reunir os requisitos legais e regulamentares estabelecidos para essa competição, perde a respetiva vaga em favor, sucessivamente, do clube:
a) da Liga Portugal 2 melhor classificado e não despromovido;
b) despromovido da Liga Portugal 1 melhor classificado»
LL. Ora, este artigo delimita, de facto, as sociedades desportivas que poderão ocupar uma vaga caso o clube da Liga Portugal 2 que ascenda à Liga Portugal 1 não reúna as condições legais e regulamentares para participar nesta última competição, contudo, não atribui per se um direito efetivo a ocupar qualquer vaga.
MM. No caso, para a Recorrida se poder arrogar de um eventual direito de vir a ocupar uma eventual vaga na Liga Portugal 1, seria necessária a verificação, cumulativa, de várias condições:
i. A C..., SAD não reunir os requisitos legais e regulamentares para se licenciar na Liga Portugal 1- o que de forma alguma se concebe;
ii. A A...ter sido convidada para participar na Liga Portugal 1, mas não reunir também os requisitos legais e regulamentares para o efeito;
iii. Toda a tabela classificativa da Liga Portugal 2 da época desportiva 2022-23 ser convidada, de forma sucessiva atendendo ao resultado desportivo obtido, para ocupar a vaga na Liga Portugal 1 e nenhum daqueles clubes preencher os requisitos legais e regulamentares para se licenciar e competir nessa competição.
NN. Portanto, só na absurda hipótese de o A... e nenhum dos restantes 10 clubes da Liga Portugal 2 reunir os requisitos necessários para o licenciamento, é que se passaria para a aplicação da alínea b) do n.° 5 do artigo 21.° do Regulamento das Competições,
00. i.e., só depois de percorridas todas estas hipóteses, e no caso de todas falharem a candidatura, é que se poderia cogitar um convite à Demandante.
PP. E, mesmo nesse caso, a integração da M...- Futebol, SAD nunca seria automática pois iria sempre carecer da verificação de todos os requisitos necessários para o licenciamento do clube nas competições profissionais.
QQ. Por essa razão, é bastante evidente que não existe, da parte da M...- Futebol, SAD, um direito efetivo a ocupar aquela vaga.
RR. E, ainda que se considere que tal direito existe, a verdade é que a Recorrente - pelos motivos supra identificado - não tem interesse direto na procedência da ação por si proposta, pelo que esta discussão é, em si, inócua.
SS. O artigo 52.° da LTAD expressa que «tem legitimidade para intervir como parte em processo arbitral necessário no TAD quem for titular de um interesse direto em demandar ou contradizer».
TT. De facto, caso a presente ação fosse julgada procedente - isto é, caso o licenciamento da C..., Estrela SAD fosse rejeitado a situação da Recorrente manter-se-ia exatamente igual.
UU. A procedência da ação não iria ter qualquer efeito imediato e direto na esfera da Recorrente, uma vez que os clubes convidados a ocupar aquela vaga seriam os melhores classificados na Liga Portugal 2 não promovidos e que não foram despromovidos.
W. Em suma, a Recorrente não tem interesse direto, nos termos acima referidos, que justifique a suspensão requerida, uma vez que, mesmo a verificar-se anulação do licenciamento da contrainteressada, tal facto não teria qualquer repercussão sobre a Recorrente.
WW.O que, realce-se, não só foi o entendimento do TAD, como tem vindo a ser o entendimento pacífico da restante jurisprudência, na medida em que vários acórdãos explicitam que a legitimidade, no que às ações especiais respeita, terá sempre de se consubstanciar numa efetiva lesão que se repercuta na esfera jurídica da requerente, causando-lhe direta e imediatamente prejuízos.
XX. Veja-se, a título de exemplo:
a) o acórdão do STA, tirado em 31 de maio de 1979, no âmbito do processo n.° 012540 , nos termos do qual: «Para efeitos de legitimidade processual, no contencioso administrativo, o interesse considera-se directo e pessoal quando o acto impugnado seja causa imediata e efectiva de prejuízos que afectem a esfera jurídica do recorrente, ou emane de uma relação jurídico-administrativa de que o recorrente se diz sujeito. E é legitimo quando for tutelado pela lei.»; ou
b) o acórdão do STA, tirado em 29 de outubro de 2009, no âmbito do processo n.° 1054/08 , nos termos do qual: «A indispensável e efectiva ligação entre o autor e o interesse cuja protecção reclama só garante a sua legitimidade quando, por um lado, ocorre uma situação de efectiva de lesão que se repercute na sua esfera jurídica, causando-lhe directa e imediatamente prejuízos, e, por outro, quando daí decorre uma real necessidade de tutela judicial que justifique a utilização do meio impugnatório, isto é, quando o interesse para que reclama protecção é directo e pessoal.»
Em conclusão:
YY. No caso concreto, tal como acima mencionamos, e o TAD bem fundamentou, a eventual procedência do pedido da Recorrente poderia apenas beneficiar outros clubes e não a própria.
ZZ. Não se verificando, assim, o pressuposto do interesse “pessoal e direto” e imediato, pois a existir tal interesse, sempre seria indireto e muito remoto.
AAA. E, em consequência, a decisão do TAD não incorre em irregularidades ou ilegalidades que mereçam reparo.
BBB. Devendo a decisão recorrida ser mantida in totum.».

Notificada para o efeito, a Recorrida CI contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
«-I- Do âmbito do Recurso
A. Pugnando pela procedência do Recurso interposto, considera a Recorrente que “deve o recurso de apelação apresentado pela Recorrente ser julgado procedente, anulando-se a decisão arbitral recorrida na íntegra […]” porquanto, em seu entender - sem razão - “com a decisão prolatada violou o Tribunal Arbitral o princípio do contraditório, decisão essa, viciada por uma nulidade processual que influi no exame ou na decisão da causa"; e “violou também o Tribunal Arbitral, o princípio da prossecução do interesse público".
B. Este é o objecto do Recurso, delimitado pela própria Recorrente.
C. Considera a Recorrida que o Acórdão proferido pelo Colégio Arbitral do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) não merece qualquer censura, devendo o Recurso sob resposta ser julgado totalmente improcedente, com confirmação integral da Decisão recorrida.
-II- Das questões apreciadas e decididas pelo TAD
D. Concluiu o TAD - e bem - que devia “proceder a excepção da ilegitimidade activa tanto na ação cautelar, como na ação principal, quanto aos pedidos nelas formulados, absolvendo-se a Demandada e Contrainteressada da instância” e que “Tendo sido julgada procedente esta excepção, o conhecimento das demais exceções ficou prejudicado face à procedência da exceção que foi objeto de decisão, tornando-se inútil apreciar as restantes invocadas"; o que o levou a “Considerar procedente, tanto na ação cautelar, como na ação principal, a exceção de falta de legitimidade ativa da Demandante e, consequentemente, absolver a Demandada e a Contrainteressada da instância arbitral, quer no processo principal, quer no processo cautelar”.
-IV- Da Impugnação da Decisão sobre a Matéria de Direito
E. É sobre a questão da ilegitimidade activa da Recorrente - apenas e só, porquanto nenhumas outras questões foram apreciadas e decididas pelo TAD - que pode incidir o Recurso. O que nos leva a concluir que o sustentado pela Recorrente sob alíneas b) a g) das Conclusões é absolutamente irrelevante, por se reportar a matéria que não foi objecto de apreciação e decisão pelo TAD.
Prosseguindo, por um lado,
F. a Recorrente alega - falsamente, como aliás, bem sabe - que “o elenco das questões a decidir apanhou a aqui Recorrente totalmente desprevenida e constituiu uma completa surpresa em relação àquilo que era expectável que fossem as questões a decidir”.
G. Não se compreende, se tivermos presente que: (a) Demandada e Contra-lnteressada arguiram a excepção de ilegitimidade activa, sendo que a Recorrente optou por não se pronunciar sobre as excepções invocadas; e que (b) o TAD, no Despacho Arbitral n.° 1, proferido no Apenso Cautelar, e regularmente notificado às Partes, identificou como questões prévias, entre o mais, a falta de interesse em agir da Demandante e a ilegitimidade processual activa.
h. Não existiu qualquer decisão surpresa, estando as Partes devida e atempadamente cientes que o TAD teria de apreciar - como bem apreciou - a suscitada excepção de ilegitimidade activa da Recorrente.
Por outro lado,
I. alega a Recorrente - mais uma vez, sem qualquer razão - que “Com a decisão prolatada violou o Tribunal Arbitral, o princípio do contraditório, decisão essa viciada por uma nulidade processual que influi no exame ou na decisão da causa".
J. A Recorrente foi notificada da Contestação e da Pronúncia, apresentadas pela Demandada e pela Contra-lnteressada, tendo optado por não responder.
K. Isto é, a Recorrente optou por não exercer o direito ao contraditório, que lhe assiste, e que em momento algum lhe foi limitado ou vedado pelo TAD.
Por fim,
L. alega a Recorrente, sem razão, que “violou também o Tribunal Arbitral, o princípio da prossecução do interesse público", e que “a Recorrente tem legitimidade activa para impugnar o acto praticado pela Liga Portugal'.
M. Dispõe o artigo 52.°, n.° 1, da Lei do TAD que “Tem legitimidade para intervir como parte em processo arbitral necessário no TAD quem for titular de um interesse direto em demandar ou contradizer”’, tendo o TAD concluído que, de facto, a Recorrente não tem legitimidade e/ou interesse em agir quanto à situação fáctico-jurídica nos presentes Autos, porquanto, mesmo que obtivesse vencimento de causa, não teria direito a ocupar a vaga da Contra-lnteressada.
N. Senão vejamos, na época 2022/2023, a Recorrente participou na Liga Portugal 1, e a Contra-lnteressada, participou na Liga Portugal 2, sendo ambas as competições organizadas pela Liga.
O. A Recorrente terminou a prova em 16.° lugar (de 18), pelo que, para desportivamente manter o direito a participar na Liga Portugal 1 na época desportiva 2023/2024, teria de vencer o playoff regulado no artigo 26.°-A do Regulamento das Competições (cfr. n.° 4 do artigo 21°).
P. A Contra-lnteressada terminou a prova em 3.° lugar (de 18), pelo que, para desportivamente ter o direito de ascender à Liga Portugal 1, na época desportiva 2023/2024, teria de vencer o playoff regulado no artigo 26,°-A do Regulamento das Competições (cfr. n.° 2 do artigo 21.°).
Q. Isto porque, "sobem à Liga Portugal 1 na época desportiva seguinte os dois clubes primeiros classificados na tabela classificativa da Liga Portugal 2 que preencham os requisitos legais e regulamentares estabelecidos para a competição” (n.° 1 do artigo 21.°); e “quando seja vencedor do playoff regulado no artigo 26.°-A, sobe à Liga Portugal 1, adicionalmente, o clube melhor classificado na tabela classificativa da Liga Portugal 2 a seguir aos clubes referidos no número anterior, que preencha os requisitos legais e regulamentares estabelecidos para a competição” (n.° 2 do artigo 21°).
R. O playoff regulado no artigo 26.°-A do Regulamento das Competições foi, assim, disputado entre a Recorrente e Contra-lnteressada, tendo esta vencido e, consequentemente, obtido, desportivamente, o direito de ascender à Liga Portugal 1 (n.° 2 do artigo 21.°), e a Recorrente desceu à Liga Portugal 2 (n.°4 do artigo 21.°).
S. Conforme resulta do disposto no n.° 2 do artigo 21.° do Regulamento das Competições, para além do vencimento do playoff, o clube terá de preencher os requisitos legais e regulamentares estabelecidos para a competição, o que, contrariamente ao que a Recorrente pretende fazer crer, a Contra-lnteressada preenche!
T. Ainda que a Contra-lnteressada não preenchesse os requisitos legais e regulamentares estabelecidos para participar na Liga Portugal 1, nunca o direito ao preenchimento da vaga que de tal facto iria resultar assistiria à Recorrente; de onde se concluirá que a Recorrente não tem interesse em agir.
U. É, assim, falso, o que a Recorrente alega sob alínea k), porquanto a Recorrente não tem “o direito consagrado regulamentarmente de ocupar uma vaga na 1ª Liga de Futebol Profissional na época desportiva 2023/2024".
V. E isto porque “se um clube da Liga Portugal 2 que tenha desportivamente obtido o direito de ascender à Liga Portugal 1 não reunir os requisitos legais e regulamentares estabelecidos para essa competição, perde a respetiva vaga em favor, sucessivamente, do clube: a) da Liga Portugal 2 melhor classificado e não despromovido; b) despromovido da Liga Portugal 1 melhor classificado" (n.° 5 do artigo 21.° do Regulamento das Competições).
W. Tendo a Contra-lnteressada, desportivamente, obtido o direito de ascender à Liga Portugal 1, caso não preenchesse os requisitos legais e regulamentares, a vaga seria perdida em favor, sucessivamente, (i) do melhor classificado da Liga Portugal 2 não despromovido; (ii) do despromovido da Liga Portugal 1 melhor classificado.
X. Tendo presente as Tabelas Classificativas da Liga Portugal 1 e da Liga Portugal 2, referentes à época desportiva 2022/2023, a vaga que resultaria do alegado e inexistente incumprimento dos requisitos legais e regulamentares estabelecidos para essa competição por parte da Contra-lnteressada, seria preenchida, primeiramente pela A... Futebol Clube - Futebol SAD, e apenas caso esta não preenchesse os requisitos legais e regulamentares estabelecidos para essa competição, seria preenchida pela Recorrente.
Y. Assim, mesmo que a Contra-lnteressada não preenchesse os requisitos legais e regulamentares estabelecidos para participar na Liga Portugal 1, o direito ao preenchimento da vaga daí decorrente não recairia sobre a Recorrente, pelo que não tem, de facto, a Recorrente interesse em agir na situação fáctico-jurídica em causa nos presentes Autos e, consequentemente, não é titular de um interesse legal que cumpra ser salvaguardado.
Z. Sendo que, mesmo que a Recorrente lograsse demonstrar os factos que alega nos Autos com vista à exclusão da Contra-lnteressada da Liga Portugal 1, no que não se concede, tal decisão seria manifestamente inútil para a Recorrente, porquanto a vaga na Liga Portugal 1 que daí resultaria não seria preenchida pela Recorrente, mas sim pela A... Futebol Clube - Futebol SAD, que nada fez e se conformou com a manutenção na Liga Portugal 2.
AA. Para assim não ser, e para que a Recorrente lograsse demonstrar obter alguma utilidade dos presentes Autos, teria de alegar - e demonstrar - que o direito de ocupação da vaga que resultaria da exclusão da Contra-lnteressada assistiria à Recorrente, e não à A... Futebol Clube - Futebol SAD.
BB. Em suma, mesmo que a Contra-lnteressada não reunisse “os requisitos legais e regulamentares estabelecidos” para participar na Liga Portugal 1, no que não se concede, nunca seria a Recorrente a preencher qualquer eventual vaga, de onde se conclui que a Recorrente não tem legitimidade, nem interesse em agir, tanto no Procedimento Cautelar, como na Acção Principal.
CC. Ou seja, o direito ao preenchimento de vaga decorrente de exclusão da Contra-lnteressada não recairia sobre a Recorrente, de forma directa e imediata, uma vez que, antes de si, cumpriria “chamar” a A... Futebol Clube - Futebol SAD, pelo que não tem a Recorrente interesse directo em agir na situação fáctico-jurídica em causa nos presentes Autos e, consequentemente, não é titular de um interesse legal que cumpra ser salvaguardado.
DD. A este respeito, vejam-se, a título meramente exemplificativo, o Acórdão do TRL, proferido em 26/09/ 2019, no âmbito do Proc. n.° 1712/17.5T8BRR-B.L1-6; o Acórdão do TCAS, proferido em 15/02/2018, no âmbito do Proc. n.° 13132/16; o Acórdão do STA, proferido em 16/02/2015, no âmbito do Proc. n.° 01351/15; o Acórdão do TCAS, proferido em 10/09/ 2020, no âmbito do Proc. n.° 576/20.6BELSB-A; e o Acórdão do TCAN, proferido em 19/06/2008, no âmbito do Proc. n.° 00204/07.5BEMDL-A; todos disponíveis em www.dqsi.pt. e transcritos em sede de Alegações, para as quais se remete.
EE. Não venha, pois, a Recorrente tentar fundamentar a sua legitimidade nos presentes Autos, alegando, em suma, que “tinha, e tem, direito consagrado regulamentarmente de ocupar uma vaga na 1ª Liga de Futebol Profissional na época desportiva 2023/2024". pois isso é falso, desde logo, porque a Recorrente se encontra impedida de participar na Liga Portugal 1 em consequência directa do seu demérito desportivo. E, depois, porque, nunca seria a Recorrente quem ocuparia uma vaga decorrente de uma eventual exclusão da Contra-lnteressada, mas sim a sociedade desportiva que sobre si tem prioridade, em virtude de ter obtido melhores resultados desportivos
FF. Fundamentou, bem, assim, o TAD a sua Decisão, que aqui se dá por reproduzida, tendo decidido, e bem, “por unanimidade: a) Considerar procedente, tanto na ação cautelar, como na ação principal, a exceção de falta de legitimidade ativa da Demandante e, consequentemente, absolver a Demandada e a Contrainteressada da instância arbitral, quer no processo principal, quer no processo cautelar”.
GG. E esta é a decisão que importa manter, na íntegra, porquanto respeita rigorosamente a Lei, improcedendo, in totum, a alegação da Recorrente, o que não poderá deixar de conduzir à improcedência total do recurso.».

O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente, mas com apresentação prévia do projecto de acórdão, o processo vem à conferência da Subsecção Comum do Contencioso Administrativo para julgamento.

A questão suscitada pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, consiste, no essencial, em saber se a decisão arbitral recorrida incorreu em erros de julgamento ao julgar procedente a excepção da ilegitimidade activa, em violação dos princípios do contraditório e da prossecução do interesse público.

A decisão recorrida não fixou a matéria de facto provada.
Do respectivo teor extrai-se o seguinte:
«O pedido cautelar e o processo principal em análise tem como objeto a decisão que determinou o licenciamento para participação em competições desportivas profissionais (Liga Portugal 1) da C... Estrela, SAD, Contrainteressada, peticionando-se a suspensão da referida decisão até trânsito em julgado da decisão a proferir em sede de ação principal. Pede a declaração de suspensão do ato decisório de licenciamento proferido pela Demandante, no passado dia 30/06/2023, que admitiu a candidatura da sociedade desportiva C..., SAD.
A Requerida e Contrainteressada deduziram (cfr. n.° 2 do artigo 39.°, no n.° 5 do artigo 41.° do LTAD) a sua oposição, pronunciando-se pela improcedência da ação cautelar e pela improcedência da ação principal.
[…]
Além de mais invocam:
- Ilegitimidade processual ativa e falta de interesse em agir;
- Inutilidade da providência requerida;
- Falta de identificação dos contrainteressados.
[…]
A 19 de julho de 2023 foi elaborado o despacho n° 1 para as partes se pronunciarem sobre as questões prévias e à "desnecessidade" de inquirições de testemunhas no processo cautelar.
As partes pronunciaram-se sobre as questões prévias invocadas e sobre o anúncio de indeferimento das inquirições das testemunhas em sede cautelar.
[…]
Este colégio arbitral ficou constituído a 2 de agosto de 2023, não tendo as partes posto em causa nenhum dos atos praticados pelo Tribunal ou pelas mesmas até esse momento.
[…]
Por se tratar de questões prévias cumpre decidir.
1) Ilegitimidade processual ativa e falta de interesse em agir;
A Demandada e a Contrainteressada invocam que a Demandante não tem legitimidade processual ativa e tem falta de interesse em agir, isto porque, em caso de procedência da ação quem teria direito a ocupar a vaga seria o A....
Vejamos os que consta no Regulamento das Competições Organizadas pela Liga Portugal 2022/2023:
O artigo 21.° do Regulamento das Competições Organizadas pela Liga Portugal (Subidas e descidas) refere:
"1. Sobem à Liga Portugal 1 na época desportiva seguinte os dois clubes primeiros classificados na tabela classificativa da Liga Portugal 2 que preencham os requisitos legais e regulamentares estabelecidos para a competição.
2. Quando seja vencedor do playoff regulado no artigo 26.°-A, sobe à Liga Portugal 1, adicionalmente, o clube melhor classificado na tabela classificativa da liga Portugal 2 a seguir aos clubes referidos no número anterior, que preencha os requisitos legais e regulamentares estabelecidos para a competição.
3. Descem à Liga Portugal 2 na época desportiva seguinte os clubes classificados nos dois últimos lugares da tabela classificativa da Liga Portugal 1.
4. Quando seja vencido no playoff regulado no artigo 26.°-A, desce à Liga Portugal 2, adicionalmente, o clube classificado na tabela classificativa da Liga Portugal 1 imediatamente acima dos clubes despromovidos à Liga Portugal 2.
5. Se um clube da Liga Portugal 2 que tenha desportivamente obtido o direito de ascender à Liga Portugal 1 não reunir os requisitos legais e regulamentares estabelecidos para essa competição, perde a respetiva vaga em favor, sucessivamente, do clube:
a) da Liga Portugal 2 melhor classificado e não despromovido;
b) despromovido da Liga Portugal 1 melhor classificado.
6. Se um clube da Liga Portugal 1 não reunir os requisitos legais e regulamentares estabelecidos para essa competição, perde a respetiva vaga em favor, sucessivamente, do clube:
a) despromovido da Liga Portugal 1 melhor classificado;
b) da Liga Portugal 2 melhor classificado e não despromovido.
7. Se um clube da Liga Portugal 1 for punido disciplinarmente com as sanções de desclassificação ou de exclusão das competições profissionais, a vaga será preenchida nos termos do número anterior.
8. Quando se verifiquem os casos previstos nos números anteriores e as vagas não sejam preenchidas, a Liga Portugal poderá decidir reduzir o número de equipas participantes.
(negritos e sublinhados nossos)
A Demandante, M...- Futebol, SAD, Lda, perdeu o jogo de playoff com o 3º classificado da Liga Portugal 2 - a Contrainteressada C... Estrela, SAD de acordo com o regulamento das competições.
Nesse contexto a Contrainteressada venceu a partida do Playoff e que deu desportivamente o direito de ascender à Liga Portugal 1, nos termos do n.° 2 do artigo 21.° do Regulamento da Competições e, consequentemente, a descida da Demandante - Maritimo da Madeira - Futebol, SAD, Lda.
A Demandante na sua petição inicial defende a sua legitimidade no seu articulado 23° a 25° explanando:
"O art. ° 21.° do Regulamento de Competições da LPFP, sob a epígrafe "Subidas e descidas" dispõe o seguinte:
(…)”
Por aplicação do disposto no n.° 5, do normativo supra enunciado, se um ou mais clubes da Liga Portugal 2 que tenham desportivamente obtido o direito de ascender à Liga Portugal 1, não reunirem os requisitos legais e regulamentares estabelecidos, ficam impedidos de participar nessa competição, sendo as vagas preenchidas pelo clube ou clubes da Liga Portugal 2 melhor classificados, ou, na sua ausência, pelos clubes da Liga Portugal 1 melhor classificados nos lugares de descida nos termos do número anterior.
Assim, a Demandante tem direito a disputar a 1ª Liga no caso de algum dos 3 clubes que tenha desportivamente obtido o direito de ascender à 1ª Liga não reunir os requisitos legais e regulamentares estabelecidos para a 1ª Liga, pelo que tem interesse em sustentar que o não reúnem, o que lhe confere legitimidade para a presente providência cautelar."
(negritos e sublinhados nossos)
Ora, o número cinco do artigo 21° do regulamento de competições é claro na questão de quem preenche as vagas caso uma equipa da Liga Portugal 2 não tenha reunido as condições legais de ascender à Liga Portugal 1, e aliás, que a própria Demandante enuncia, ou seja:
"sendo as vagas preenchidas pelo clube ou clubes da Liga Portugal 2 melhor classificados, ou, na sua ausência, pelos clubes da Liga Portugal 1 melhor classificados nos lugares de descida nos termos do número anterior."
(negritos e sublinhados nossos)
Na época desportiva 2022-2023, o clube da Liga Portugal 2 melhor classificado e não despromovido foi o A... – 4º Lugar na Liga Portugal 2.
A Demandante apenas e só integraria a Liga Portugal 1 caso o A... não reunisse condições (pelo menos), ou seja, não fosse aprovado o seu licenciamento e, para além disso, a Demandante viesse a ser licenciada para o efeito.
É mesmo isso que diz o regulamento de competições referindo que a vaga em primeiro lugar é a favor do clube da "Liga Portugal 2 melhor classificado e não despromovido" e apenas depois (alínea b)) o "clube despromovido da Liga Portugal 1 melhor classificado"
Senão vejamos mais uma vez o n.° 5, do artigo 21.° do Regulamento das Competições:
«(…).»
Mais, de acordo com o artigo 21° n° 8 do Regulamento das Competições poderá a Liga Portugal decidir reduzir o número de equipas quando as vagas não são preenchidas.
A ilegitimidade das partes é de conhecimento oficioso e constitui um pressuposto processual negativo (Cfr. art.° 89.° n.° 1, 2 e 4 alínea e) do CPTA, ex vi art. ° 61.° da LTAD), pelo que também a sua apreciação deve preceder a análise da pretensão da Demandante.
Expressa o art.° 52.° da LTAD que "tem legitimidade para intervir como parte em processo arbitral necessário no TAD quem for titular de um interesse direto em demandar ou contradizer".
De acordo com o artigo 9.°, n.° 1, do CPTA, que se refere à legitimidade activa, consagra-se a regra, semelhante à constante da lei processual civil, de que. "[s]em prejuizo do disposto no número seguinte e no capítulo II do titulo II, o autor é considerado parte legitima quando alegue ser parte na relação material controvertida".
Por seu turno, o artigo 55.° n.° 1 do CPTA expressa que tem legitimidade para impugnar um ato administrativo, quem alegue ser "titular de um interesse pessoal e directo, designadamente por ter sido lesado pelo ato nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos".
Como defendem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha:
"(...) o interesse direto, por sua vez, pressupõe que o demandante tem um interesse atual e efetivo na anulação ou declaração de nulidade do ato administrativo, permitindo excluir as situações em que o interesse invocado é reflexo, indireto, eventual ou meramente hipotético. (...) [in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2017, 4.ª edição, pgs. 374 e 375]
Francisco Paes Marques, por seu turno, ensina que o "carácter direto do interesse (...) tem que ver com a repercussão imediata do acto na esfera do particular, contrapondo-se a um interesse meramente longinquo, eventual ou hipotético" (cfr. A legitimidade processual activa no Contencioso Administrativo, in Comentários à Legislação Processual Administrativa, vol. I, 5.a ed., coordenação: Carla Amado Gomes/Ana F. Neves/Tiago Serrão, 2020, p. 737).
E no acórdão do STA, de 1.06.2017, proc. n.° 1336/16, concluiu-se:
"XII. Configura-se neste dispositivo uma situação de legitimidade processual ativa individual, em que a impugnação dum ato administrativo à luz do preceituado naquela alínea exige a alegação por parte do demandante da titularidade de um interesse direto e pessoal, impondo-se a sua apreciação em face do conteúdo da petição inicial e das vantagens, benefícios ou utilidades diretas [ou imediatas], de natureza patrimonial ou não patrimonial [cfr. arts. 51.° e 55.° do CPTA], que aquele, no momento da impugnação, alega poder advir-lhe da obtenção da nulidade/anulação do concreto ato administrativo em crise e que se encontra em condições de poder receber ou fruir. XIII. Os efeitos e vantagens ou benefícios decorrentes dessa invalidação do ato para o demandante devem repercutir-se de forma direta e imediata na respetiva esfera juridica, não sendo suficiente um benefício que se mostre meramente eventual ou hipotético ou de natureza teórica".
(negritos e sublinhados nossos)
Conclui-se, assim, que a existência de interesse é directo:
''quando o benefício resultante da anulação do acto recorrido tiver repercussão imediata no interessado" (Cfr. Prof. F Amaral, in "Direito Administrativo", vol. IV, pgs 170 e 171)
(negritos e sublinhados nossos)
Nos presentes autos e relevante para aferir a legitimidade da Demandante temos os seguintes pedidos:
• a declaração de suspensão do acto decisório de licenciamento proferido pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, no passado dia 30/06/2023, que admitiu a candidatura da sociedade desportiva C..., SAD.
• a revogação da decisão de licenciamento prolatada pela Demandada com fundamento no incumprimento por parte da Contrainteressada do prazo que lhe foi concedido para o suprimento das deficiências encontradas, mormente o não cumprimento do quanto disposto nos artigos 7.°, 8.° e 9.° do Regime Jurídicos das Sociedades Desportivas impostos pela Demandada.
Na verdade, não se alcança das peças processuais da Demandante qual o interesse direto da mesma em impugnar o licenciamento da Contrainteressada, o mesmo é dizer, em que medida é que o não licenciamento (expulsão) da C... Estrela, SAD se repercute imediata e diretamente na esfera da Demandante, pois, conforme acima explanado, os clubes convidados a preencher a "suposta vaga" seriam sempre, os melhores classificados da Liga Portugal 2 não promovíveis e que não foram despromovidos. E, além disso, só depois de uma eventual e hipotética não candidatura ou "chumbo" de cada um daqueles clubes, é que a Demandante se poderia submeter a licenciamento junto da Demandada, no qual poderia até não ser licenciada, pois o mesmo não é automático em cumprimento ao disposto no artigo 21.°, n.ºs 6 e 7 do Regulamento das Competições da Liga Portugal.
A falta de interesse em agir é uma excepção dilatória que determina a absolvição da instância.
O Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 16 de dezembro de 2015, no âmbito do Processo n.° 01351/15, disponível em www.dgsi.pt, no qual se decidiu que:
"I - O «interesse em agir» constitui pressuposto processual, e traduz-se na necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer seguir a acção;
II - A sua falta configura «excepção dilatória», e determina a absolvição da instância;
III - O «momento relevante» para aferir da sua ocorrência é o momento da dedução do respectivo pedido;
IV - No âmbito dos procedimentos cautelares, tal pressuposto processual vive paredes meias com a condição de procedência «periculum in mora», mas dela se distingue;".
Pelo que, deve proceder a excepção da ilegitimidade ativa tanto na ação cautelar, como na ação principal, quanto aos pedidos nelas formulados, absolvendo-se a Demandada e a Contrainteressada da instância.
Tendo sido julgada procedente esta excepção, o conhecimento das demais exceções ficou prejudicado face à procedência da exceção que foi objeto de decisão, tornando-se inútil apreciar as restantes invocadas.».

E o assim bem decidido, resultado de uma correcta interpretação e aplicação das normas que regulam a matéria desportiva e processual em causa na acção e providência arbitrais, suportada em adequada e pertinente Doutrina e Jurisprudência, é para manter.

Discorda a Recorrente da decisão arbitral recorrida, insistindo que tem legitimidade processual para impugnar o acto da Recorrida que determinou o licenciamento para participação em competições desportivas profissionais (Liga Portugal 1) da Recorrida CI, por esta não preencher todos os requisitos estipulados para o efeito, mormente por não ter realizado o mínimo do capital social exigido por lei, e porque: o decidido constituiu para si uma decisão surpresa, violadora do princípio do contraditório por, em inobservância do disposto no artigo 3º, nº 3 do CPC ex vi artigo 1º do CPTA, não ter sido expressamente convidada a pronunciar-se sobre a mesma e existirem argumentos suficientes à não procedência dessa excepção, o que configura uma nulidade processual; viola também o princípio da prossecução do interesse público, enunciado no artigo 4º do CPA, por ter um direito consagrado regulamente a ocupar uma vaga na Liga 1, pelo que cumpria ao TAD tomar todas as medidas para salvaguardar o exercício desse direito, designadamente, notificando a sociedade A... para vir aos autos pronunciar-se, impugnando também o acto em questão para ocupar a vaga libertada ou renunciar a esse direito, situação em que passaria a ser o primário e o processo seguiria os seus tramites legais, não podendo ser acusada de não ter identificado essa sociedade por desconhecer se teria impugnado o mesmo acto; insiste que é a titular de um interesse directo por ser uma das duas sociedades, identificadas no término dos campeonatos profissionais da época anterior, com direito a ocupar a vaga, nos termos do nº 5 do artigo 21º do Regulamento de Competições da LPFP, que consagra o direito à vaga, mas não a forma como o mesmo é efectivado, graciosa ou contenciosamente, sendo que o seu direito, previsto na alínea b), não depende do da sociedade A..., previsto na alínea a), são direitos similares porque, em caso de vaga, ambas têm direito a apresentar candidatura, mas subsequentes na sua efectivação, o que é claro quando o órgão de licenciamento não aprova a candidatura e convida as sociedades que têm o direito a ocupar a vaga, mas não quando a candidatura é aprovada e o correspondente acto é impugnado judicialmente por uma dessas sociedades, situação em que fazer depender a legitimidade e o interesse em actuar do recurso aos tribunais pela outra, é colocar em questão a tutela jurisdicional efectiva, a legitimidade e interesse em agir existem em simultâneo e não são subsequentes ou reflexos ou indirectos, o seu direito de acção não está condicionado ao exercício do mesmo direito pela sociedade A..., em face do que deve a decisão impugnada da Recorrida ser revogada e considerar-se que deve [a Recorrente] ser reintegrada na Liga Portugal 1 em respeito dos regulamentos aplicáveis.

Apreciando,

A decisão recorrida não conheceu do mérito da causa pelo que a apreciação a efectuar por este Tribunal limitar-se-á aos fundamentos do recurso que a têm por objecto.

Resulta claro do teor da decisão recorrida que a questão da ilegitimidade activa da Demandante/recorrente foi uma das excepções dilatórias expressamente invocadas nas oposições das Demandada e Contra-interessada, como fundamento da respectiva absolvição da instância, e que tais articulados foram notificados [citados, nos termos do nº 1 do artigo 56º da Lei do TAD, aprovada pela Lei nº 74/2013, de 6 de Setembro, alterada pela Lei nº 33/2014, de 16 de Junho] a esta para responder, querendo, apenas à matéria de excepção [cfr. despacho nº 1 do tribunal recorrido].
As excepções dilatórias, a verificarem-se, obstam ao conhecimento do mérito da causa – v. o disposto no nº 2 do nº 89º do CPTA ex vi artigo 61º da Lei do TAD – o que, desde logo implica que o tribunal as aprecie a título prévio porque a sua procedência determinará a absolvição da instância do/s demandado/s, tornando desnecessário, inútil conhecer dos fundamentos em que a pretensão deduzida assenta.
Donde, se a excepção da ilegitimidade processual activa foi suscitada na acção arbitral e na providência cautelar, pelas Demandada e Contra-interessada e dela foi dado conhecimento à Demandante/recorrente, não faz qualquer sentido e, consequentemente, não pode proceder, a alegada completa surpresa por o TAD a ter seleccionado como questão a decidir em vez de procurar saber se a candidatura da Contra-interessada preencheu ou não, os requisitos para poder ser licenciada pela Demandada, nos termos e para os efeitos em que o foi.

A notificação/citação das oposições apresentadas com indicação de que a parte notificada pode pronunciar-se sobre a matéria de excepção dá pleno cumprimento ao dever do juiz/árbitro de observar e fazer cumprir o princípio do contraditório, consagrado no nº 3 do artigo 3º do CPC.
Nos autos não ocorre, como parece defender a Recorrente nas suas alegações, o caso em que o juiz conhece oficiosamente uma questão prévia, decidindo pela sua procedência e absolvição da instância, com a indicação de que não notificou previamente as partes para exercerem o contraditório por manifesta desnecessidade. Nessa situação é admissível à parte que vê o seu interesse prejudicado invocar, no recurso interposto da mesma, surpresa e avançar com argumentos que, a serem ponderados, poderiam determinar decisão diferente.
Nos presentes autos a questão da ilegitimidade processual activa não foi suscitada oficiosamente pelo TAD nem decidida sem audição prévia das partes, mas sim expressamente invocada pelas partes contrárias à Demandante /recorrente que foi notificada/citada pelo TAD para se pronunciar sobre a mesma.
Se nada veio dizer ao processo, designadamente sobre as razões porque aquela e as demais excepções não poderiam proceder, foi porque não quis exercer o direito ao contraditório – nada constando dos autos que permita concluir que quis, mas não pode, até porque, como resulta da decisão recorrida, constituído o tribunal arbitral em 2.8.2023, não pôs em causa qualquer dos actos praticados pelo mesmo até essa data, especificamente o referido despacho nº 1 de 19.7.2023.
A decisão recorrida foi, assim e necessariamente, proferida apenas com base no alegado na petição arbitral e no requerimento cautelar, ou seja, sem os eventuais contributos/argumentos que a Recorrente poderia ter dado em sede de pronúncia sobre a matéria de excepção no sentido da sua improcedência.
Inexiste, assim, a invocada nulidade por preterição do princípio do contraditório, ou de formalidade prevista na lei, com influência no sentido da decisão a proferir, que implique a anulação da decisão recorrida [v. nº 1 do artigo 195º do CPC].

Quanto à alegada violação do princípio da prossecução do interesse público, alega a Recorrente que tinha/tem o direito a ocupar uma vaga na Liga Portugal 1 porque a Recorrida CI não preenche os pressupostos para o efeito, pelo que o TAD deveria ter tomado todas as medidas ao seu alcance para salvaguardar o exercício desse direito, mormente, notificando a sociedade desportiva A... para se pronunciar ou vir dizer se impugnou ou pretende impugnar o acto ou se renuncia a esse direito, caso em que não teria julgado procedente a excepção da ilegitimidade activa e o processo arbitral poderia prosseguir os seus termos.
Mas também não lhe assiste razão, começando por não se vislumbrar qual o interesse público a prosseguir na ocupação da referida vaga, quando resulta claramente dos autos que foi por demérito desportivo que a Recorrente foi despromovida à Liga Portugal 2.
Depois porque vigora no direito processual civil, aplicável nos tribunais administrativos e no TAD, a regra de que é ao demandante/autor/requerente que cabe o ónus de, na petição/requerimento inicial, identificar contra quem pretende instaurar a acção impugnatória ou providência cautelar, identificando o autor do acto administrativo impugnado/suspendendo e, a existirem, os contra-interessados [aqueles a quem o provimento do processo possa directamente prejudicar ou tenham um interesse legítimo na manutenção do acto e que possam ser identificados em função da relação material controvertida ou dos documentos contidos no processo, cfr. artigo 57º do CPTA ex vi artigo 61º da Lei do TAD] – cfr. o artigo 54º, nº 3, alínea a) da Lei do TAD.
Findos os articulados o juiz do processo pode providenciar pelo suprimento de excepções dilatórias, ou promover oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção, no âmbito do dever de gestão processual, que tem como limites os direitos e deveres das partes, como sejam a necessidade de assegurar um processo equitativo, bem como os princípios estruturantes do processo como o da igualdade das partes, do contraditório, da aquisição processual ou da admissibilidade de meios de prova, o do dispositivo e o da auto-responsabilidade das partes [v. artigos 87º, nº 1 alínea a) e 7º-A, do CPTA e 630º, nº 2 do CPC ex vi artigo 1º do CPTA e artigo 61º da Lei do TAD].
Ora, no caso em apreciação, na acção e na providência, é peticionada a revogação e suspensão do acto administrativo da Recorrida de licenciamento da Contra-interessada a participar na competição desportiva profissional, denominada Liga Portugal 1, pelo que a sociedade desportiva A..., participante da Liga Portugal 2 melhor classificada e não despromovida, tem um interesse processual idêntico ao da Recorrente, ou seja, não se enquadra no conceito processual de contra-interessado.
Já não seria assim se, a par do pedido impugnatório, a Recorrente tivesse formulado pedido de condenação da Recorrida a, por exemplo, reconhecer que tem o direito a ocupar a vaga perdida pela Recorrida CI na Liga Portugal 1, caso em que a sociedade desportiva A... teria interesse em contraditar este pedido condenatório por prejudicar directamente o seu direito preferencial a essa mesma vaga, nos termos do artigo 21º, nº 5, alínea a) do Regulamento das Competições da LPFP.
Mas tal pedido não foi formulado nem a Demandante, na petição, densifica o seu direito a ocupar a vaga que possa ocorrer em caso de procedência da acção arbitral, limitando-se a alegar que tem legitimidade processual em demandar a Demandada e a Contra-interessada porque tem interesse em sustentar que esta não reúne os pressupostos legais e regulamentares para ser licenciada a participar na competição da Liga Portugal 1, contrariamente ao que resulta do acto impugnado.
Para além do que, a Recorrente não se pronunciou sobre a matéria de excepção no âmbito da qual a sociedade desportiva A... surge referida, nem consta do processo que a mesma ou a Recorrida, tenha requerido a intervenção desta sociedade nos autos, seja a que título for, pelo que não se vislumbra qualquer dever do tribunal recorrido em a convocar ou trazer aos autos, improcedendo o imputado vício à decisão recorrida.

Quanto à alegação, na petição e reiterada no recurso, de que a Recorrente tem legitimidade processual em demandar as Recorridas, importa começar por referir que, de acordo com o disposto nos artigos 52º da Lei do TAD e 9º, nº 1 e 55º, nº 1, do CPTA, a titularidade do interesse em demandar ou contraditar, ou de ser parte na relação material controvertida, ou de ser titular de um interesse directo e pessoal, designadamente, por ser lesado pelo acto impugnado nos seus direitos e interesses legalmente protegidos, afere-se sempre e necessariamente pelo que vem alegado e peticionado no respectivo articulado.
No caso, a Recorrente instaurou acção arbitral e providência cautelar, pedindo a revogação e suspensão de eficácia do acto da Recorrida de licenciamento da Recorrida CI a participar na competição desportiva profissional Liga Portugal 1, alegando, em síntese, que: na época desportiva 2022/2023 disputou a Liga Portugal 1; terminou em 16º lugar; disputou o playoff com a Recorrida CI da Liga Portugal 2; perdeu e foi despromovida para a Liga Portugal 2; apresentou a sua candidatura a participar nas competições desportivas profissionais da época 2023/2024; a candidatura da Recorrida CI à Liga Portugal 1 não reúne os pressupostos legais e regulamentares para o efeito; ao abrigo do disposto no nº 5 do artigo 21º do Regulamento das Competições da LPFP, tem direito a disputar a 1ª Liga no caso de algum dos 3 clubes que tenha desportivamente obtido o direito de ascender à 1ª Liga não reunir aqueles requisitos, pelo que tem interesse em sustentar que os não reúnem, o que lhe confere legitimidade para a presente providência e para a acção.
A saber, a Recorrente e a Recorrida CI, em função dos resultados desportivos obtidos nas respectivas competições desportivas profissionais na época 2022/2023, apresentaram as respectivas candidaturas ao licenciamento pela Recorrida na participação nas competições de 2023/2024. Ambas foram admitidas: a Recorrente na Liga Portugal 2, e a Recorrida CI na Liga Portugal 1.
A Recorrente impugna o acto de licenciamento da participação da Recorrida CI na Liga principal por entender que não reúne os pressupostos exigidos e deve perder a respectiva vaga a seu favor – o que, no entanto, não peticiona, nem na acção nem na providência a título provisório, talvez porque, nos termos do referido nº 5 do artigo 21º, não é esse o efeito imediato da procedência da sua pretensão.
Explicitando, o artigo 21º, que regula as subidas e descidas de clubes nas competições desportivas profissionais organizadas pela Recorrida, determina, designadamente, que:
“5. Se um clube da Liga Portugal 2 que tenha desportivamente obtido o direito de ascender à Liga Portugal 1 não reunir os requisitos legais e regulamentares estabelecidos para essa competição, perde a respetiva vaga em favor, sucessivamente, do clube:
a) da Liga Portugal 2 melhor classificado e não despromovido;
b) despromovido da Liga Portugal 1 melhor classificado.”.
Significando que, ocorrida a situação de perda da vaga na Liga Portugal 1, pelas razões indicadas, a mesma poderá ser ocupada, primeiro, pelo clube da Liga Portugal 2 melhor classificado e não despromovido e, depois, pelo clube despromovido da Liga Portugal 1 melhor classificado.
Defende a Recorrente que se essa falta dos requisitos legais e regulamentares for verificada e decidida pela Recorrida no processo de licenciamento da participação do clube em referência, cumprirá a esta dirigir convite a ocupar a vaga ao clube referido na alínea a) do nº 5 e só se este não pretender candidatar-se à mesma ou também não reunir os respectivos pressupostos, é que passará a convidar o clube referido na alínea b) [a Recorrida, diversamente, entende que tem que convidar o clube melhor classificado e não despromovido da Liga Portugal 2 e se este não quiser ocupar a vaga ou não preencher os requisitos para o efeito, o segundo melhor classificado e não despromovido da mesma Liga e assim sucessivamente até esgotar os clubes nessas condições desta Liga 2 e passar para o despromovido da Liga Portugal 1 melhor classificado – entendimento cujo acerto ou não, não apreciaremos aqui por desnecessário para a análise e decisão que nos ocupa].
Se o acto de licenciamento foi praticado, mas resulta do processo de candidatura que um dos três clubes que ascenderam desportivamente à Liga Portugal 1 poderá não ter preenchido todos os pressupostos legais e regulamentares para tal, entende a Recorrente, porque é o clube que se encontra nas condições referidas na alínea b) do nº 5 do artigo 21º, que tem interesse em impugnar esse acto, em obter uma decisão que o anule, para que abra vaga e possa manter-se na Liga Portugal 1.
Mas não lhe assiste razão porque a legitimidade processual activa implica a titularidade de um interesse pessoal, directo, imediato [e não apenas possível ou eventual], o que não sucede no caso em apreciação porque da procedência do pedido impugnatório, podendo resultar a perda da vaga na Liga Portugal 1 pela Recorrida CI, não significa que a Recorrente passa a ter direito à mesma, porque de acordo com o procedimento previsto no nº 5 do artigo 21º referido, a sociedade desportiva A..., enquadrando-se na previsão da alínea a), teria preferência na apresentação de candidatura e se esta fosse admitida a Recorrente não poderia retirar o efeito pretendido da anulação judicial obtida, ou seja, ocupar a vaga, mantendo-se na Liga Portugal 1.
Se a norma contida no mencionado artigo 21º fosse a de que a vaga perdida reverteria automaticamente para o clube vencido no playoff pelo clube que não reuniu os requisitos legais e regulamentares para obter o licenciamento a participar na Liga Portugal 1, aí sim a Recorrente deteria legitimidade processual activa para demandar as Recorridas, por ser titular de um interesse directo e pessoal na impugnação do acto.
Se tivesse formulado pedido impugnatório e condenatório da Recorrida a atribuir-lhe a referida vaga ou a reconhecer-lhe o direito à mesma, indicando também como contra-interessada a sociedade desportiva A..., o prosseguimento da acção dependeria do concretamente alegado, provado e peticionado pelas partes.
Em face do que não se verifica a alegada confusão do TAD entre a titularidade do direito e a forma como o mesmo é exercido. A Recorrente pode enquadrar-se no disposto na alínea b) do nº 5 do artigo 21º, mas só terá direito à vaga se esta, primeiro, for perdida pela Recorrida CI e, segundo, se a sociedade desportiva do A..., convidada a ocupá-la, não apresentar candidatura ou esta não preencher os pressupostos exigidos para participar na competição da Liga Portugal 1.
Em suma, sendo a acção arbitral e providência, instauradas pela Demandante/recorrente, de mera impugnação/suspensão de eficácia do acto de licenciamento em referência, não resultando da sua procedência um efeito imediato, directo na respectiva esfera jurídica, bem andou o tribunal recorrido ao julgar verificada a excepção da ilegitimidade activa.
Atendendo ao que o presente recurso não pode proceder.

Por tudo quanto vem exposto acordam os Juízes desta Subsecção Administrativa Comum do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, por não provados os respectivos fundamentos, mantendo a decisão arbitral recorrida na ordem jurídica.
Custas pela Recorrente.
Registe e Notifique.
Lisboa, 9 de Maio de 2024.

(Lina Costa – relatora)
(Marta Cavaleira)
(Joana Costa e Nora)