Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2875/22.3BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:04/13/2023
Relator:PEDRO NUNO FIGUEIREDO
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
ÓNUS DO REQUERENTE
CONVITE PARA CORREÇÃO DO ARTICULADO
DEVER VINCULADO
Sumário:I. Caso o requerente incumpra o ónus de especificar, de forma articulada, os fundamentos do pedido, cf. artigo 114.º, n.º 3, al. g), do CPTA, cabe ao juiz apreciar no despacho liminar se é de fazer ou não convite para correção do articulado, sem que a sua omissão corresponda a nulidade processual, uma vez que não se trata de dever vinculado.
II. Ao omitir igualmente oferecer prova sumária da existência daqueles fundamentos, não cabe proferir despacho de aperfeiçoamento após a fase dos articulados, impondo-se a recusa da tutela cautelar.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I. RELATÓRIO
F....., Lda., interpôs providência cautelar de suspensão de eficácia de ato administrativo contra o Município de Lisboa, que determinou a restrição do horário de funcionamento do estabelecimento explorado pela requerente.
Por sentença datada de 14/11/2022, o TAC de Lisboa decidiu indeferir a providência cautelar requerida.
Inconformada, a autora interpôs recurso desta decisão, terminando as alegações com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem:
“A. O processo administrativo instrutor não faz fé em juízo e a sua valoração como meio de prova não pode implicar uma ofensa aos princípios da igualdade das partes, também, quanto ao mesmo direito à prova, pelo que errou o douto tribunal ao considerar, ainda que de forma meramente indiciária, provados apenas os factos trazidos pela Recorrida, constantes do processo administrativo.
B. A Recorrente desenvolve uma atividade eminentemente noturna, pelo que a redução de horário para as 23h00, não passará de uma medida encapotada de encerramento compulsivo e impeditiva do exercício da respetiva atividade.
C. No âmbito do seu dever de gestão processual, o tribunal a quo poderia ter feito um convite ao aperfeiçoamento - cfr. art. 7.º-A do CPTA - e mesmo à junção de prova documental– cfr., designadamente, art. 87.º, n.ºs 3 a 6 do CPTA, também aplicável aos processos cautelares – cfr. art. 116.º, n.º 2, alínea a), do CPTA - e urgentes.
D. A perda de clientela constitui um prejuízo de difícil reparação e como tal vem sendo considerada pela jurisprudência.
E. Os factos alegados pela Requerente nos artigos 4.° a 35.° do R.I. - cuja alegação foi indevidamente desconsiderada pelo Tribunal a quo - deverão ser dados como provados por integrarem factualidade notória ou, pelo menos, tratados como factualidade a sujeitar a prova por qualquer meio admissível em sede de julgamento cautelar.
F. As afirmações da Requerente de "perda de clientes", de "quebra de rendimentos" e de "privação de funcionamento" e os demais indicados nas conclusões anteriores em resultado da execução imediata do ato administrativo, correspondem à alegação de factos concretos essenciais que integram a exigência da especificação dos fundamentos do pedido no requerimento da providência cautelar (artigo 114.° n.° 3 alínea g) do CPTA), não estando o requerente da providência cautelar onerado com a exigência de alegação de outros factos que não sejam os essenciais ao pedido (v. artigos 5.°, n.° 1 e 552.°, n.°1, al. d) do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 1° do CPTA e o artigo 78.° do CPTA).
Nestes termos e nos demais do Direito, deve a douta Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que decrete a providência de suspensão de eficácia requerida, com as legais consequências.
Não duvida o subscritor e o universo dos clientes do seu recorrente que farão a… difícil… Justiça”
A entidade requerida apresentou contra-alegações, terminando as mesmas com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem:
“1. Em conformidade, o Recorrido acompanha integralmente o entendimento vertido na douta sentença recorrida.
2. O Recorrente em todo o seu petitório apenas faz juízos e valores sem lograr demonstrar ou provar quaisquer dos factos por si alegados.
3. Dúvidas não subsistem ao Recorrido que bem andou o Tribunal a quo ao decidir pela improcedência da pretensão deduzida, na medida em que entendeu que os critérios de decisão previstos no artigo 120.º, n.os 1 e 2, do CPTA, são cumulativos e,
4. Que não se encontra preenchido o requisito do periculum in mora, concluindo pelo improcedimento da providência requerida
5. A sentença recorrida não merece qualquer censura.
TERMOS EM QUE, sempre com mui Douto suprimento de V. Exas., deverá:
a) O presente recurso ser rejeitado por intempestivo. Caso assim não se entenda,
b) Deverá o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, por não provado, e em consequência manter-se a sentença recorrida, com as demais consequências legais, assim se fazendo inteira e a costumada
JUSTIÇA!”
O Ministério Público emitiu parecer no sentido da tempestividade do recurso e de ser negado provimento ao mesmo, por entender, em síntese que:
- não foi cumprido o ónus de efetuar as especificações estabelecidas quanto à impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
- cabia ao recorrente o ónus de alegar e provar os factos constitutivos do seu direito, e apenas apresentou alegações vagas, genéricas e conclusivas para a aferição do requisito do periculum in mora, aliás sem respaldo na prova documental carreada;
- o convite para corrigir o articulado deficiente corresponde a uma mera faculdade do juiz, e ultrapassada a fase do despacho liminar, a falta da devida concretização dos factos que integram a causa de pedir determina a improcedência do pedido.
*

Perante as conclusões das alegações da recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre aferir dos erros de julgamento da decisão recorrida:
- ao não dar como assentes os factos alegados pela requerente nos artigos 4.º a 35.º do requerimento inicial;
- ao desconsiderar os factos concretos essenciais que integram a exigência da especificação dos fundamentos do pedido no requerimento da providência cautelar, sem antes fazer um convite ao aperfeiçoamento ou para junção de prova documental.
Cumpre ainda, em momento prévio, aferir da intempestividade do recurso, questão suscitada pela entidade recorrida.

Dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.

*

II. FUNDAMENTOS
II.1 DECISÃO DE FACTO
Na decisão recorrida foram considerados indiciariamente assentes os seguintes factos:
“A) Em 04.04.2022, a Divisão de Gestão de Espaço Público e Publicidade elaborou a informação n.º 11329/DMEI DepEPEP_DivGEPP/GESTURBE/2022, no âmbito do processo n.º 1024/DOC/2022, da qual resulta, além do mais, o seguinte:
«I - Objeto
O presente processo tem por objeto a ponderação de aplicação de uma medida definitiva de restrição de horário de funcionamento ao estabelecimento denominado “T.....", sito na Dr João de Barros. N.º……, em Lisboa explorado pela sociedade F....., Lda., na sequência de reclamação sobre o ruído provocado pelo funcionamento do estabelecimento.
(…)
IV- Da proposta de decisão:
Face ao exposto propõe-se
1. A restrição de horário de funcionamento do estabelecimento denominado T.....", sito na Dr. João de Barros. Nº….., em Lisboa explorado pela sociedade "F...... Lda”, no seguinte horário de funcionamento:
2. Encerramento do estabelecimento às 23:00 todos os dias da semana:
3. A realização de audiência prévia de interessados, ao abrigo do disposto nos artigos 121º e 122º do Código do Procedimento Administrativo.» (cfr. documento n.º 16 junto com a oposição).
B) Em 07.04.2022, na informação referida na alínea anterior foi proferido despacho pela Chefe de Divisão, com o seguinte conteúdo:
«Atendendo aos fundamentos de facto e de direito constantes na presente informação, nomeadamente os pareceres da PSP e PM concordo com a restrição definitiva de horário para encerramento do estabelecimento todos os dias da semana às 23H00
Notifique-se o explorador do estabelecimento, para caso entenda exercer o seu direito de audiência prévia dos interessados, nos termos dos artigos 121.º e 122.º do CPA» (cfr. documento n.º 16 junto com a oposição).
C) Em 14.04.2022, a informação referida na alínea A) supra, foi comunicada à ora Requerente (cfr. fls. 89 a 91 do PA, de fls. 229 a 282 dos autos).
D) Em 06.05.2022, a Divisão de Gestão de Espaço Público e Publicidade elaborou a informação n.º 14929 / INF / DMEI _ DepEPEP _ DivGEPP / GESTURBE / 2022, da qual resulta, além do mais, o seguinte:
«(…)
Terminada a análise do processo supra mencionado e recolhidos todos os elementos necessários, cumpre agora fazer o relatório final nos termos do art.° 126.°, do CPA, o que se faz nos termos e com os fundamentos seguintes
I- Do Objeto
O presente processo tem por objeto a ponderação de aplicação de uma medida definitiva de restrição de horário de funcionamento ao estabelecimento denominado “T.....'', sito na Dr. João de Barros. N.°……, em Lisboa explorado pela sociedade F....., Lda.', na sequência de reclamação sobre o ruído provocado pelo funcionamento do estabelecimento.
II - Da Instrução Processual
Em 4/02/2022 foi elaborada a informação n.° 11329 / DMEI _ DepEPEP _ DivGEPP /GESTURBE / 2022, que se submeteu a despacho da Chefe de Divisão de Gestão Espaço Público e Publicidade.
Foi exarado despacho concordante e determinado que se procedesse à audiência de interessados.
III - Da Audiência de Interessados
Em 14704/2022, procedeu-se à notificação pessoal do explorador do estabelecimento denominado "T....." dando-lhe a conhecer todo o conteúdo da informação n.° 11329/DMEI_DepEPEP_DivGEPP/GESTURBE/2022. Regularmente notificado em sede de audiência prévia de interessados, o visado nada veio alegar.
1- No, na Dr. João de Barros. N.º….., em Lisboa encontra-se instalado o estabelecimento denominado T.....";
2- O referido estabelecimento è explorado pela sociedade “F....., Lda.", NIPC. ….5, com o CAE - 56302 - Bar;
3- Integra o Grupo II do Regulamento dos Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos de Venda ao Público e Prestação de Serviços do Concelho de Lisboa - Aviso n° 13367/2016, publicado em Diário da república n° 208/2016, II Série, de 28 de outubro:
4- O estabelecimento localiza-se na área geográfica identificada como Zona A no Anexo I do Regulamento acima citado, podendo laborar entre as 12h00 e as 02h00 de domingo a quinta-feira e entre as 12h00 e as 03h00 às sextas, sábados e vesperas de feriado, (artigo 5º, n°1);
5- Em 5 de fevereiro de 2022, a Divisão de Operações e Apoio às Populações da Câmara Municipal de Lisboa, deu conhecimento aos presentes serviços de email de residente na Rua Dr. João de Barros, n.°….., em que sobre o estabelecimento descreve em síntese:
“(…) Venho apresentar a minha reclamação devido ao bar/discoteca/bar de alterne, que recentemente mudou de nome para 'T..... Bar”, anteriormente B....." Bar, devido a diversos ruídos a nível altíssimo pela noite dentro, desacatos na via publica e átrio do prédio, entre as 22h00 e as 05h00 da manhã, que têm muito perturbado o meu descanso e o dos meus familiares diariamente (...)"
6- Em 10 de fevereiro de 2022, pelas 21h55, a Policia Municipal, em fiscalização ao estabelimento, refere em síntese "(...) Horário de funcionamento das 14h00 as 04h00, aberto de quinta-feira a domingo, questionada a gerente do estabelecimento relativamente à autorização/comunicação à Câmara Municipal de Lisboa para usufruir do horário afixado, a mesma informou ter autorização mas não saber da localização do documento;
Consultado o Gelis verificou-se não existir qualquer comunicação de passagem do Grupo II para o Grupo III (encerramento às 04h00);
O estabelecimento possui limitador de som selado em 25/11/2019, em nome do anterior explorador do estabelecimento (...)",
7 - Em 12 de fevereiro de 2022, pelas 03h10, na sequência de participação de residentes na Rua Dr. João de Barros. N.° ….., sobre o ruído proveniente do bar T.....", a Policia de Segurança Publica após deslocação ao local, elaborou a NPP - 67049/22, onde refere que o ruído inequivocamente era proveniente do bar “T.....";
8- Em 12 de março de 2022, pelas 4h25, a Policia Municipal, na sequência da Ocorrência - OCO/27267/22, sobre o ruído provocado pelo funcionamento do estabelecimento, em deslocação ao local, verificou que o mesmo se encontrava a laborar de porta fechada, com clientes no seu interior a consumirem bebidas, para além do horário que lhe è permitido;
9- Em 25 de fevereiro de 2022, a Policia Municipal reencaminha aos presentes serviços email do administrador ao Condomínio do prédio sito na Rua Dr. João de Barros …., em Lisboa que sobre o estabelecimento refere em síntese: "(...) vimos solicitar a vossa ajuda relativamente ao funcionamento do bar existente no Rc deste mesmo Condomínio.
Este funcionamento é particularmente audível de quinta a domingo das 23h as 3h o que originou, nos últimos meses, um elevado número de queixas de ruído da parte dos condóminos deste Condomínio, ruido que é audível na rua toda (…)”
10 - Em 1 de Abril de 2022, pelas 3h52, a Polícia Municipal em fiscalização ao estabelecimento, verificou que este se encontrava em plena laboração, incumprindo o horário de funcionamento do estabelecimento, na sequência o visado foi notificado da notificação n.° 896/2022, de audiência prévia - restrição temporária de horário de funcionamento.
11 - Em 2 de Abril de 2022, pelas 4h35, a Polícia Municipal, em deslocação ao estabelecimento, verificou que o mesmo se encontrava em plena laboração, com porta fechada, com clientes no seu interior a consumirem bebidas diversas, para além do horário permitido, para além do horário permitido. Foi elaborada no local e assinada pelo responsável notificação de audiência prévia de interessados de restrição temporária de horário de funcionamento n.º 898/2C22 e elaborada a P.l - 859/2022. Foi ainda solicitado novamente a comunicação de passagem do grupo II para o grupo III, não havendo alteração até á data.
12- Em 6 de abril de 2022, o visado das notificações de audiência prévia – restrição temporária de horário de funcionamento, n.° 896/2022 e n° 898/2022 (referidas no ponto 11 e 12), veio alegar em síntese: “que se encontrava a trabalhar há uma semana no estabelecimento, os respetivos proprietários estavam ausentes do pais, segui o horário que estava afixado na entrada do estabelecimento, do qual anexou fotografia (abertura às 14h00 e encerramento às 04h00), para justificar o suposto excedimento do horário de funcionamento que a Polícia Municipal disse existir."
13 - Em 9 de abril de 2022, pelas 4h35, a Policia Municipal, em fiscalização ao estabelecimento, verificou “que o mesmo se encontrava em plena laboração, com música amplificada e 40 clientes no interior, em incumprimento do horário autorizado para o tipo de estabelecimento que é as 3h00. Pelo fato foi elaborada a notificação de audiência prévia de interessados de restrição temporária de horário de funcionamento n.° 742/2022 e entregue duplicado ao gerente e foi levantada a P.l - 925-2022, por incumprimento de horário de encerramento. “
14- Em 11 de abril de 2022, pelas 3h25, a Policia Municipal em fiscalização ao estabelecimento, verificou que este se encontrava em plena laboração, incumprindo o horário de funcionamento do estabelecimento, na sequência o visado foi notificado da notificação n.° 900/2022, de audiência prévia - restrição temporária de horário de funcionamento.
15- Em 23 de abril de 2022, pelas 5h20, na sequência de denúncia de ruído proveniente do estabelecimento a Polícia Municipal em deslocação ao local verificou," que o estabelecimento se encontrava com a porta de entrada fechada, mas a laborar, pois aquando da fiscalização ao estabelecimento abandonaram o local cerca de 40 clientes do seu interior. Foi elaborado a notificação n.° 1076/22 de audiência previa – restrição temporária de horário de funcionamento, por incumprimento do horário de funcionamento do estabelecimento. Mais refere que no exterior não era audível qualquer tipo de ruído de música proveniente do estabelecimento, mesmo quando a porta de entrada foi aberta para fiscalização.”
16- Em 6 de maio de 2022, consultada a base de dados da Divisão de Ambiente e Energia, para essa morada verificou-se que existe um limitador de som mas é em nome do anterior explorador e estabelecimento B..... Club.
Contatada a DAE, esta informou que o limitador não transmite dados desde 10/03/2022 e como está sem transmitir dados os serviços do DAE vão desligá-lo e vão informar o novo operador económico para fazerem a alteração da titularidade do limitador. Face ao exposto considera-se que o limitador do estabelecimento não está em conformidade.
17 - Quanto ao horário que o estabelecimento pratica com encerramento às 04h00, em pesquisa efetuada no Geslis relativamente ao estabelecimento T..... Bar apurou-se que o anterior explorador do estabelecimento através do P.2285/DOC/2019 veio comunicar que possuía os requisitos para poder praticar o horário dos estabelecimentos do Grupo III, que foi objeto da seguinte apreciação:
Os estabelecimentos de bar sem pista de dança poderão praticar o horário dos estabelecimentos do Grupo III, desde que reúnam os requisitos elencados e comuniquem à CML que irão praticar esse horário.
Compete às autoridades fiscalizadoras verificar se o comunicado corresponde à realidade e se satisfaz. Tendo sido apresentada documentação comprovativa propõe-se o arquivamento do presente processo, notificando-se o requerente da decisão final, com conhecimento, via email, à PM, DMU, PSP e ASAF.
No mesmo processo, nos documentos digitalizados consta a informação 3032/INF/DMEI_DepEPEP_DivGEPP/GESTCRBE/2020 de 17-01-2020 referente ao P.347/EXP/2020, que alude ao fato do estabelecimento comercial não ter licença de recinto, inviabilizando por isso a possibilidade de praticar o horário dos estabelecimentos do Grupo III.
18- Relatívamente à licença de recinto não se conseguiu apurar que o estabelecimento seja possuidor da mesma. Quanto ao alargamento de horário também não se apurou que lhe tivesse sido concedido, integrando assim deste modo o Grupo II.
Feitas as devidas consultas às entidades designadas no n.° 6 do artigo 12° do Aviso n.° 13367/2016, publicado no Diário da Republica 2º serie n.° 208 de 28 de Outubro de 2016, sobre a intenção da CML restringir o horário de funcionamento do estabelecimento, apresentaram os seguintes pareceres:
- Policia Municipal - No sou parecer refere em síntese: “face às reclamações apresentadas e o novo operador económico ter iniciado atividade num estabelecimento de diversão noturna que segundo o denunciante que durante o funcionamento do anterior explorador não criava qualquer problema a nível de ruído, deixa o assunto á consideração dos presentes serviços a realização de audiência previa para eventual restrição de horário.
Mais acrescenta, "que na sequência da denúncia remetida pelo munícipe à Divisão de Operações e Apoio às Populações desta edilidade, iniciou diligências com vista a averiguar os factos denunciados, tendo no dia 10 de fevereiro de 2022, peias 21 h55, efetuado deslocação ao estabelecimento que se encontrava em plena laboração, contatada a sócia gerente, a mesma apresentou Mera Comunicação Prévia de registo de mudança de entidade exploradora, Processo 1245571, Pedido n.º 7601/2022, remetido à DGAE, em 24 de janeiro de 2022, para funcionar como bar integrando deste modo o grupo II artigo 4º e 5º do Regulamento dos Horários do Concelho de Lisboa, cujo horário legalmente autorizado fica limitado de domingo a quinta - feira das 12h00 às 02h00 e às sextas, sábados e vésperas de feriado das 12h00 às 03h00.
O operador ostenta junto á entrada a indicação do horário de abertura às 14h00 às 04h00 de quinta-feira a domingo, sem que esse horário tivesse sido autorizado por esta edilidade.
No dia 8 e 14 de fevereiro de 2022 foram registadas as denúncias n.° 4755 e 5411/2022, em que residentes denunciam situações de ruído provocado pelo estabelecimento e seus clientes de quinta a sábado durante a madrugada;''
- Polícia de Segurança Pública - Parecer favorável, acrescentando em 12-C2-2022 pelas 01H20, foi levada a cabo ação de fiscalização, ao estabelecimento tendo-se apurado o seguinte, junto à entrada do estabelecimento encontra-se afixado o Mapa de Horário de Funcionamento no qual consta que, o espaço comercial em questão, funciona de quinta-feira a domingo, entre as 141100 e as 04HOO;
Cabe referir que, antes do início da fiscalização ao estabelecimento, constatou-se que, no exterior do mesmo, se encontravam cerca de 30/40 pessoas, as quais se encontravam a conversar, sendo que, algumas delas, faziam fila para entrar para o interior daquele espaço comercial, salientando-se ainda que, aquando da abertura da porta de entrada do estabelecimento, era audível a música proveniente do interior;
Consultados os registos internos desta Polícia, verificou-se a existência de reclamações recentes, relativas a ruído proveniente do estabelecimento em análise, com concomitante acionamento de meios policiais para o local, nomeadamente em 31-01-2022, pelas 00H40 e pelas 02H50, em 12-02-2022, pelas 03H10, e, em 13-02-2022, pelas 02H30;
Foram contactados vários moradores, residentes no edifício situado no N.°…., da Rua Dr. João de Barros, os quais unanimemente afirmaram que se sentem lesados no seu direito ao descanso, sossego e bem-estar, desde que o “T....." reiniciou a sua atividade, mencionaram em particular o barulho incomodativo, decorrente da música oriunda do interior do estabelecimento, a qual é audível nas respetivas; habitações(…):”
- DECO - Parecer inconclusivo pelo que consubstancia tal facto uma falta de pronúncia e se considera assim parecer favorável à restrição definitiva de horário, nos termos do art.° 10.°, n.° 3, do Regulamento dos Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos de Venda ao Público e de Prestação de Serviços no Concelho de Lisboa, ex. vi art,º 12.°, n.° 6. do referido regulamento;
- União das Associações do Comércio e Serviços - Parecer condicionado, “(...) acrescentando, Desconhece esta Instituição qual, ao certo, a medida de restrição do horário de funcionamento proposta, o horário atualmente praticado.
Não obstante, a confirmar-se que o estabelecimento em causa afeta, de facto, a qualidade de vida dos moradores na zona, não objeta esta Instituição a uma eventual restrição do horário de funcionamento praticado pelo mesmo, desde que provisória.
Emite, assim, parecer favorável condicionado, nos termos e para os efeitos do disposto no n° 6 do art. 12° do Regulamento dos Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos de Venda ao Publico e do Prestação de Serviços no Concelho de Lisboa',
- Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal - Parecer desfavorável;
- Divisão do Ambiente e Energia - Não se pronunciou, pelo que consubstancia tal facto uma falta de pronúncia e se considera assim parecer favorável à restrição definitiva de horário, nos termos do artº 10.°, n.° 3, do Regulamento dos Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos de Venda ao Público e de Prestação de Serviços no Concelho de Lisboa, ex. vi art.º 12.°, n.° 6, do referido regulamento;
- Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares do Sul - Não se pronunciou, pelo que consubstancia tal facto uma falta de pronúncia e se considera assim parecer favorável à restrição definitiva de horário, nos termos do art.º 10.°, n.° 3, do Regulamento dos Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos de Venda ao Público e de Prestação de Serviços no Concelho de Lisboa, ex. vi art.º 12.°, n.° 6, do referido regulamento;
- Junta de Freguesia de Benfica - Não se pronunciou, pelo que consubstancia tal facto uma falta de pronúncia e se considera assim parecer favorável à restrição definitiva de horário, nos termos do art.º 10.°, n.° 3, do Regulamento dos Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos de Venda ao Público e de Prestação de Serviços no Concelho de Lisboa, ex. vi art.º 12°, n.° 6, do referido regulamento;
V - Fundamentação da Matéria de Facto e Direito
Nos termos do n.° 1 do artigo 66° da Constituição da República Portuguesa "Todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever do defender.”
A fim de concretizar esta disposição constitucional e efetivar a proteção dos cidadãos, o legislador ordinário prevê, na Lei de Bases do Ambiente (Lei n.º 19/2014, de 14 de abril), um conjunto de princípios, entre os quais o princípio da prevenção.
O ruído, enquanto estímulo sonoro sem conteúdo informativo para o auditor, pode ser desagradável e traumatizante, e constituir um dos principais fatores de degradação da qualidade de vida, não podendo deixar de ser um elemento importante a considerar no contexto da saúde ambiental e ocupacional das populações.
Conforme prescreve o artigo 4º do Regulamento Geral do Ruído (Decreto-Lei n.° 9/2007. de 17 de Fevereiro) "Compete ao Estado, às Regiões Autónomas, às autarquias locais e às demais entidades públicas, no quadro das suas atribuições e das competências dos respetivos órgãos, promover as medidas de carácter administrativo e técnicas adequadas à prevenção e controlo da poluição sonora nos limites da lei e no respeito do interesse público e dos direitos dos cidadãos.”
Nos termos deste Regulamento considera-se período noturno aquele compreendido entre as 23 horas e as 7 horas do dia seguinte (artigo 3º, alínea P).
Papel importante, na sensibilização e disciplina das atividades exercidas na sua área territorial, desempenham as Autarquias Locais, sendo que é sua atribuição, tudo o que diz respeito aos interesses próprios, comuns e específicos das populações respetivas, designadamente a defesa e proteção do meio ambiente da saúde e da qualidade de vida do respetivo agregado populacional - alíneas g) e k), do n° 2 do artigo 23°. da Lei n.° 75/2013, de 12 de setembro.
Para tanto, ao abrigo do nº 1, do artigo 12°, do Regulamento dos Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos de Venda ao Público e de Prestação de Serviços do Concelho de Lisboa, “O Presidente ou o Vereador com competência delegada, oficiosamente ou em resultado de petição dos administrados, da junta de freguesia ou da força de segurança territorialmente competente, pode proceder à restrição de horários de funcionamento dos estabelecimentos com fundamento na necessidade de repor a segurança ou da proteção da qualidade de vida dos cidadãos, designadamente no direito ao descanso, à tranquilidade e ao sono destes, atendendo quer aos interesses dos consumidores quer das atividades económicas envolvidas (...)"
Prevê ainda o n.° 8 desse mesmo artigo que “Nos casos em que existam indícios fundados de perturbação da tranquilidade pública ou se verifique incomodidade que coloque em causa o direito à tranquilidade e repouso dos cidadãos, o presidente da câmara ou o vereador com competência delegada pode aplicar medida provisória de restrição do horário de funcionamento, sem prejuízo da tramitação do procedimento com vista à restrição definitiva."
As denúncias apresentadas, o parecer da Polícia de Segurança Pública e as diversas notificações de audiência prévia - restrição temporária de horário de funcionamento e informações da Policia Municipal demonstram como o estabelecimento incumpre de forma reiterada o horário de encerramento.
O contexto em que este estabelecimento se enquadra constitui um forte indício de que o funcionamento deste é causador da degradação da qualidade de vida dos cidadãos na zona, designadamente do direto ao descanso e tranquilidade. Em face de atuações que ponham em causa princípios constitucionalmente consagrados, é dever das entidades públicas intervirem.
O excesso de ruído e de incomodidade associadas ao funcionamento deste estabelecimento são fatores de perturbação da qualidade de vida da zona a partir de horas dedicadas habitualmente ao descanso.
O ruído, enquanto estímulo sonoro sem conteúdo informativo, pode ser desagradável e traumatizante, e constituir um dos principais fatores de desagregação da qualidade de vida.
Mais se acrescenta que de acordo com o parecer da Policia Municipal e dos fatos enumerados nos pontos 6 e 18, o operador económico está a incumprir com o horário de encerramento legalmente autorizado, uma vez que possui o CAE - 56302 - Bar, integrando o grupo II do Regulamento dos Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos de Venda ao Público e Prestação de Serviços do Concelho de Lisboa, podendo laborar entre as 12h00 e as 02h00 de domingo a quinta -feira entre as 12h00 e as 03h0 às sextas, sábados e vésperas de feriado, (artigo 5º, nº 1), mas ostenta junto à entrada do estabelecimento a indicação do horário de abertura às 14h00 às 04h00 de quinta - feira a domingo, sem que esse horário tivesse sido autorizado por esta edilidade.
Assim, no âmbito da fixação de um horário de funcionamento e numa zona tão caracteristicamente habitacional deverá ter-se presente designadamente o limite constante do Regulamento Geral do Ruído, que constitui um suporte e um critério legal para a fixação dos limites, tentando compatibilizar-se com uma não castração absoluta da laboração dos estabelecimentos.
VI- Da proposta de decisão:
Face ao exposto propõe-se:
1. A restrição de horário de funcionamento do estabelecimento denominado, T.....", sito na Dr. João de Barros. N.°….., em Lisboa explorado pela sociedade, "F....., Lda.", no seguinte horário de funcionamento:
2. Encerramento do estabelecimento às 23:00, todos os dias na semana;» (cfr. documento n.º 1 junto com o requerimento inicial).
E) Em 06.06.2022, na informação referida na alínea anterior foi exarado pelo vereador da CML, D....., o seguinte despacho:
«Concordo e autorizo» (cfr. documento n.º 1 junto com o requerimento inicial).
F) Em 26.08.2022, a informação e o despacho referidos, respetivamente, nas alíneas D) e E) supra, foram comunicados à ora Requerente (cfr. documento n.º 1 junto com o requerimento inicial).”
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II.2 APRECIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO


As questões a decidir neste processo, tal como supra enunciado, cingem-se a saber se ocorrem erros de julgamento da decisão recorrida:
- ao não dar como assentes os factos alegados pela requerente nos artigos 4.º a 35.º do requerimento inicial;
- ao desconsiderar os factos concretos essenciais que integram a exigência da especificação dos fundamentos do pedido no requerimento da providência cautelar, sem antes fazer um convite ao aperfeiçoamento ou para junção de prova documental.
Cumpre ainda, em momento prévio, aferir da intempestividade do recurso, questão suscitada pela entidade recorrida.

a) da intempestividade do recurso

Veio sustentar a entidade recorrida a questão prévia da intempestividade do recurso, pois a recorrente considera-se notificada em 15/11/2022 e tinha até 30/11/2022 para recorrer; apenas o tendo feito em 05/12/2022.
Vejamos.
O prazo para apresentação das alegações de recurso era de 15 dias, e conta-se a partir da notificação da decisão recorrida, nos termos conjugados dos artigos 144.º, n.º 1, e 147.º, n.º 1, do CPTA.
Uma vez que foi enviada notificação eletrónica à recorrente no dia 15/11/2022, esta presume-se feita no terceiro dia posterior ao do seu envio, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, no caso o dia 18/11/2022, iniciando-se a contagem do prazo no dia seguinte, cf. artigo 248.º, n.º 1, do CPC.
E o aludido prazo terminaria no dia 03/12/2022, que se transfere para o primeiro dia útil seguinte, dia 05/12/2022, cf. artigo 138.º, n.º 2, do CPC, que é precisamente o dia da apresentação do recurso.
Atento o exposto, o recurso é tempestivo.


b) do erro de julgamento de facto

Sustenta nesta sede a recorrente que o Tribunal a quo errou na decisão da matéria de facto, ao dar como não provados os factos referidos nos artigos 4.° a 35.° do requerimento inicial, por integrarem factualidade notória ou, pelo menos, tratados como factualidade a sujeitar a prova por qualquer meio admissível em sede de julgamento cautelar.
Vejamos se lhe assiste razão.
Dispõe como segue o artigo 640.º do CPC, sob a epígrafe ‘ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto’:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”.
Daqui decorre que, ao impugnar a matéria de facto em sede de recurso, recai sobre o recorrente o ónus de indicar (i) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e (ii) os concretos meios probatórios que impõem decisão distinta, mais devendo identificar precisa e separadamente os depoimentos caso se trate de meios probatórios gravados.
E cabe-lhe alegar o motivo pelo qual os meios probatórios que indica impõem decisão diversa e também porque motivo os meios probatórios tidos em conta pelo tribunal não permitem se considere provado determinado facto.
Há que ter ainda em consideração que é em função da definição do objeto do processo e das questões a resolver nos autos que deve ser apreciada a relevância da matéria fáctica alegada pelas partes. Assim, nem toda a matéria fáctica que se possa considerar provada deve ser levada, sem mais, ao probatório.
E como é consabido, os factos respeitam à ocorrência de acontecimentos históricos, afastando-se de tal qualificação os juízos de natureza valorativa, que comportam antes conclusões sobre factos.
Vejamos então.
Invoca a recorrente tratarem-se de factos notórios.
Não se vê que assim seja.
Factos notórios são aqueles que sejam do conhecimento geral, ou seja, do conhecimento do comum dos cidadãos com acesso aos meios normais de informação (Alberto dos Reis, CPC Anotado, vol. III, pág. 261), pelo que não carecem de prova nem de alegação, como se estatui no artigo 412.º, n.º 1, do CPC.
Conforme decorre do artigo 662.º, n.º 1, do CPC, o tribunal de segunda instância “deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”
Assim, ainda que os factos notórios se enquadrem na determinação dos factos relevantes da ação, quedam fora do âmbito da modificabilidade da decisão de facto ali definida.
De todo o modo, não se vislumbra ser do conhecimento geral a factualidade invocada nos referidos artigos, que como tal será de manter arredada da matéria de facto dada como assente.
Pelo que desde logo fica votada ao insucesso a pretensão da recorrente, quanto ao aditamento ao probatório da factualidade que aqui invocou.
Improcede, assim, na totalidade, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

c) do erro de julgamento de direito

Sustenta nesta sede a recorrente que errou o Tribunal a quo ao desconsiderar os factos concretos essenciais que integram a exigência da especificação dos fundamentos do pedido no requerimento da providência cautelar, sem antes fazer um convite ao aperfeiçoamento ou para junção de prova documental.
Consta da decisão recorrida a seguinte fundamentação:
Conforme resulta do probatório, na Divisão de Gestão de Espaço Público e Publicidade correu termos um procedimento administrativo (processo n.º 1024/DOC/2022), dirigido à aplicação de uma medida definitiva de restrição de horário de funcionamento de um estabelecimento denominado “T.....”, explorado pela ora Requerente, na sequência de reclamação sobre o ruído provocado naquele local, tendo sido proposto o encerramento do mesmo às 23h00, todos os dias da semana (cfr. alíneas A) a B) do probatório).
Sucedeu que, o referido procedimento culminou com o despacho, de 06.06.2022, proferido pelo vereador da CML, D....., no sentido de concordância e autorização quanto à proposta de restrição do horário de funcionamento do estabelecimento explorado pela ora Requerente, para as 23h00, todos os dias da semana (cfr. alíneas D) e E) do probatório).
Inconformado com referido despacho, a Requerente lançou mão da presente providência cautelar, tendo alegado que a restrição do horário de funcionamento do estabelecimento, das 04h00 para as 23h00, coloca em risco a manutenção da sua atividade e dos postos de trabalho, da mesma forma que «[a]carreta para este graves e irreparáveis prejuízos, em termos de concorrência com os estabelecimentos contíguos, quer da sua habitual clientela, que deixará de frequentar o estabelecimento» (cfr. pontos 33. e 40. do requerimento inicial).
No entanto, a circunstância de os referidos prejuízos terem sido alegados de forma vaga e genérica, com total ausência de concretização no domínio dos factos e sem suporte na prova carreada para os autos, impossibilita, desde logo, que se considere verificado o requisito do periculum in mora.
Isto porque, dos elementos que constam do processo não é possível aferir, em concreto, se a manutenção da atividade do estabelecimento explorado pela Requerente ficará em risco, quais os postos de trabalho que poderão ser colocados em causa, ou se poderá vir a ocorrer a alegada perda de clientela, em termos tais que consubstanciem o fundado receio de uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação.
De resto, no que se refere à apreciação do requisito do periculum in mora, tem aplicação ao caso dos autos a jurisprudência, que ora se acolhe, no seguinte sentido:
«I. Incumbe ao requerente da providência o ónus de alegar a matéria de facto integradora dos requisitos legais de que depende a concessão da providência requerida (art. 342.º do CC), não podendo o tribunal substituir-se ao mesmo.
II. Daí que o requerente terá de tornar credível a sua posição através do encadeamento lógico e verosímil de razões convincentes e objetivas nas quais sustenta a verificação dos requisitos da providência já que, da conjugação dos arts. 112.º, n.º 2, al. a), 114.º, n.º 3, als. f) e g), 118.º e 120.º todos do CPTA, não se mostra consagrada uma presunção "iuris tantum" da existência dos aludidos requisitos como simples consequência da existência em termos de execução do ato.
III. Impõe-se que a alegação tenha de ser concretizada com realidade factual que corporize efetivamente o requisito em questão (v.g. e no caso, a inexistência de qualquer outro espaço detido ou explorado pela requerente para realização do seu programa e/ou da sua atividade com alegação/demonstração da impossibilidade da requerente de os levar a cabo noutro ou noutros locais; qual a estrutura de custos mensais suportados pela requerente, quais as disponibilidades financeiras e rendimentos/proventos auferidos/realizados também mensal/anualmente, etc., etc.).
IV. Não é idónea a alegação de forma meramente conclusiva e de direito ou com utilização de expressões vagas e genéricas. (…)» (cfr. acórdão do TCA Sul, de 14.09.2012, processo n.º 03712/11.0BEPRT, disponível em www.dgsi.pt).
Ora, transpondo este entendimento para o caso concreto e atendendo, por um lado, que os critérios de decisão previstos no artigo 120.º, n.os 1 e 2, do CPTA, são cumulativos e, por outro lado, que não se encontra preenchido o requisito do periculum in mora, deverá a presente providência cautelar improceder, conforme se decidirá.”
Vejamos então.
Movemo-nos no âmbito de uma providência cautelar. Nos termos do artigo 120.º, n.º 1, do CPTA, a providência cautelar é adotada quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.
Para adoção da providência, como se vê, impõe-se a verificação, cumulativa, dos requisitos habitualmente designados por periculum in mora e fumus boni iuris, traduzidos no referido fundado receio e na aparência do bom direito da pretensão de fundo, formulada ou a formular no processo principal.
Caso se verifiquem estes dois requisitos, o tribunal terá ainda de proceder ao juízo relativo à ponderação dos interesses públicos e privados em presença, previsto no artigo 120.º, n.º 2, do CPTA, que poderá determinar a recusa da providência quando, num juízo de proporcionalidade, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.
Na situação em apreço, o Tribunal a quo entendeu que não era necessária produção de prova adicional para emitir a decisão da providência cautelar, que se seguiu no sentido de não se mostrar verificado o requisito do periculum in mora. Considerando que o recorrente não alegara factos suscetíveis de demonstrar tal verificação.
O objetivo da tutela cautelar é obviar a que, com o decurso do tempo, se torne inútil a sentença a proferir no âmbito da ação principal, conforme designadamente decorre do disposto no artigo 112.º, n.º 1, do CPTA.
Entendeu o Tribunal a quo que não foi invocada no requerimento cautelar factualidade que se pode traduzir num fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou na produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que a recorrente visa assegurar no processo principal.
Nesta sede, constitui jurisprudência assente do STA, que o critério a atender para aferir dessa probabilidade já não é o da suscetibilidade ou insuscetibilidade da avaliação pecuniária dos danos, conforme ocorria na vigência da LPTA, mas antes o da maior ou menor dificuldade que envolve o restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar, já que o juiz deve ponderar as circunstâncias concretas do caso em função da utilidade da sentença e não decidir com base em critérios abstratos (vejam-se, v.g., os acórdãos de 09/06/2005, proc. n.º 0412/05, de 10/11/2005, proc. n.º 0862/05, de 01/02/2007, proc. n.º 027/07, de 14/07/2008, proc. n.º 0381/08, de 12/02/2012, proc. n.º 0857/11, de 05/02/2015, proc. n.º 1122/14, de 30/11/2017, proc. n.º 01197/17, de 15/11/2018, proc. n.º 0229/17.2BELSB, e de 06/05/2020, proc. n.º 01070/18.0BEALM, disponíveis em www.dgsi.pt).
Conforme se assinala no último dos citados arestos, os prejuízos de difícil reparação “serão os que advirão da não decretação da pretensão cautelar de suspensão de eficácia do ato em crise e que, pela sua irreversibilidade, torna extremamente difícil a reposição da situação anterior à lesão, gerando danos que, pese embora suscetíveis de quantificação pecuniária, a sua compensação se revela contudo insuficiente para repor ou reintegrar a esfera jurídica da Requerente, devolvendo-lhe a situação em que a mesma se encontraria não fora a execução havida e materialização daquele ato.”
Sustenta o ora recorrente que os factos concretos essenciais que integram a exigência da especificação dos fundamentos do pedido no requerimento da providência cautelar, sem antes fazer um convite ao aperfeiçoamento ou para junção de prova documental.
Está em causa um procedimento administrativo dirigido à aplicação de uma medida definitiva de restrição de horário de funcionamento de um estabelecimento denominado “T.....”, explorado pela recorrente, na sequência de reclamação sobre o ruído provocado naquele local, o qual findou com o despacho, de 06/06/2022, proferido por vereador da entidade recorrida, no sentido da restrição do horário de funcionamento do estabelecimento explorado pela ora Requerente, para as 23h00, todos os dias da semana.
Nos termos do artigo 342.º do Código Civil, àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.
E necessariamente, antes de o demonstrar, cabe-lhe alegar tais factos, no caso, no requerimento inicial.
Mormente os que dizem respeito à verificação do aludido requisito do periculum in mora, consubstanciado num fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou na produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal.
Pois como obriga o artigo 114.º, n.º 3, al. g), do CPTA, no requerimento cautelar deve o requerente especificar, de forma articulada, os fundamentos do pedido, oferecendo prova sumária da respetiva existência.
Como sublinha o Ministério Público no seu douto parecer, os factos respeitam à ocorrência de acontecimentos concretos, objetivos e definidos.
E a requerente limitou-se singelamente a alegar, a este respeito, o seguinte:
- ficará na iminência de sofrer um prejuízo grave e de impossível reparação enquanto aguarda pela decisão no processo principal;
- acarreta para si graves e irreparáveis prejuízos, em termos de concorrência com os estabelecimentos contíguos, quer da sua habitual clientela, que deixará de frequentar o estabelecimento.
Como bem se vê, assiste razão ao Mmo. Juiz a quo quando refere que os referidos prejuízos foram alegados de forma vaga e genérica, com ausência de concretização no domínio dos factos e sem suporte na prova carreada para os autos, sendo certo que os elementos probatórios juntos com o requerimento inicial claramente não permitem aferir se a manutenção da atividade do estabelecimento explorado ficará em risco, quais os postos de trabalho que poderão ser colocados em causa, ou se poderá vir a ocorrer a alegada perda de clientela.
E trata-se da única prova apresentada pela recorrente, que se absteve de indicar prova testemunhal.
Sustenta a recorrente que, no âmbito do seu dever de gestão processual, o Tribunal a quo poderia ter feito um convite ao aperfeiçoamento e mesmo à junção de prova documental.
Já vimos que nos termos do artigo 114.º, n.º 3, al. g), do CPTA, incumbe ao requerente especificar no requerimento cautelar os fundamentos do pedido e oferecer prova sumária da respetiva existência.
E nos termos do respetivo n.º 5, “[n]a falta da indicação de qualquer dos elementos enunciados no n.º 3, o interessado é notificado para suprir a falta no prazo de cinco dias.”
Contudo, como assinalam Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, “o convite para corrigir o articulado deficiente, isto é, o articulado que contém imprecisões ou insuficiências na exposição ou concretização da matéria de facto que constitui a causa de pedir, a que se refere a alínea g) do [n.º 3 do artigo 114.º], que corresponde a um dever não vinculado ou uma mera faculdade (…), o poder do juiz é discricionário e, como tal, o seu não exercício não pode fundar a arguição de nulidade” (Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2017, p. 940).
E a prolação de tal despacho de aperfeiçoamento fora do momento processual próprio, e implicando a apresentação de uma nova contestação, é incompatível com o caráter urgente e célere do processo cautelar, como se entendeu no acórdão deste TCAS de 23/02/2006, proc. 01378/06, já invocado no douto parecer.
Donde, a omissão de indicação dos fundamentos do pedido implicará, após a fase dos articulados, a recusa da tutela cautelar.
Acrescendo, no caso, que a recorrente igualmente omitiu o oferecimento de prova sumária da existência de factos que consubstanciem um fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou na produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal.
Em função do exposto, bem andou o Mmo. Juiz a quo ao decidir indeferir a providência cautelar requerida.
Em suma, será de negar provimento ao recurso e manter tal decisão.



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III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas a cargo da recorrente.

Lisboa, 13/04/2023
(Pedro Nuno Figueiredo)

(Ana Cristina Lameira)

(Ricardo Ferreira Leite)