Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1581/18.8BELRS.CS1
Secção:CT
Data do Acordão:11/13/2025
Relator:FILIPE CARVALHO DAS NEVES
Descritores:OPOSIÇÃO
FUNDAMENTOS
TAXATIVIDADE
REPOSIÇÃO DE VERBAS
AGÊNCIA PARA O DESENVOLVIMENTO E COESÃO
Sumário:I - No art.º 204.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário («CPPT») encontra-se previsto o elenco dos fundamentos de oposição à execução fiscal, o qual é taxativo, como decorre do advérbio «» que consta no corpo deste número.
II - A lei apenas permite que se aprecie a ilegalidade concreta da dívida exequenda em sede de oposição à execução fiscal quando inexista meio judicial de impugnação ou recurso contra o ato exequendo, o que em relação à reposição das quantias recebidas da Agência para o Desenvolvimento e Coesão não acontece, pois a lei assegura o direito à sua impugnação judicial (cf. art.ºs 268.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa e 37.º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).
III – Se a Recorrente pretende que se afira da legalidade da decisão que decidiu a reposição das quantias em causa, tal causa de pedir contende com a ilegalidade em concreto da dívida, cuja discussão está vedada no âmbito da oposição ao processo executivo.
IV – O ato administrativo subjacente aos créditos exequendos consubstancia uma decisão direta e imediatamente impugnável e lesiva, na medida em que determina a reposição dos montantes recebidos da Agência para o Desenvolvimento e Coesão, produzindo, desde logo, efeitos na sua esfera jurídica, sendo que a legalidade daquele ato pode ser contestada mediante a dedução da competente ação administrativa.
V – Considerando que causa de pedir delineada pela Oponente não constitui fundamento válido de oposição à execução fiscal, a oposição apresentada está necessariamente condenada à improcedência.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

A...- Associação M..., melhor identificada nos autos, veio apresentar recurso da decisão proferida a 26/01/2024 pelo Tribunal Tributário de Lisboa («TTL») que julgou improcedente a oposição à execução fiscal apresentada no processo de execução fiscal («PEF») n.º 3255201601156608, instaurado para cobrança coerciva de dívida de reposição de apoios financeiros recebidos da Agência para o Desenvolvimento e Coesão, I.P. («ADC»), no valor de 29.637,23 Euros.

A Recorrente apresentou alegações, rematadas com as seguintes conclusões:

«a) A decisão de impugnação do ato administrativo não se encontra transitada em julgado e corre em recurso no Tribunal Administrativo Círculo de Lisboa, Unidade Orgânica 6, Processo n.º 2872/15.5 BELSB;
b) Pelo que a dívida ainda não é exigível e exequível;
c) O que é fundamento subsumível ao Art.º 204º do CPPT;
d) O Tribunal labora em erro ao pressupor que o ato não foi objeto de impugnação administrativa, quando o foi;
e) Pelo que a sentença recorrida é ilegal e deve, por isso, ser substituída por outra que faça à recorrente justiça.
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Ex.ªs doutamente suprirão, deve o presente recurso ser recebido e julgado procedente, substituindo-se a sentença recorrida por outra que faça à oponente, ora, recorrente, a costumada JUSTIÇA!».

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A Recorrida não apresentou contra-alegações.

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O Digno Magistrado do Ministério Público («DMMP») pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul para decisão.

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II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cf. art.º 635.º, n.º 4 e art.º 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil - «CPC» - ex vi art.º 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário - «CPPT»), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objeto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, importa decidir se deve ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal a quo com fundamento em erro de julgamento de direito, uma vez que deve a oposição apresentada ser julgada procedente.

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III. FUNDAMENTAÇÃO
III.A - De facto
A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
«A) Em 30-9-2015, a aqui Oponente foi notificada da decisão de revogação da decisão de aprovação da candidatura relativa ao projecto 073992/2012/923, tipologia 9.2.3 - Formações Modulares Certificadas, proferida pela Agência para o Desenvolvimento e Coesão, IP, determinando a devolução, pela ora Oponente, de 21.492,25 € de apoios recebidos, mais juros (notificação que a Oponente admite no art.º 8.º da PI e o facto decorre do doc. 5 da PI, aqui dado por reproduzido).



«Imagem em texto no original»



B) Em 5-7-2016, foi instaurado contra a aqui Oponente o processo de execução fiscal (PEF) n.º 3255201601156608, para cobrança coerciva da dívida de reposição à Agência para o Desenvolvimento e Coesão, IP, dos apoios acima referidos no facto provado anterior, mais juros e acrescidos, no total de € 29.637,23 (conforme o PEF e os documentos nos autos, aqui dados por reproduzidos).
C) A petição inicial que deu origem à presente Oposição deu entrada no serviço de finanças em 16-8-2016 (conforme comprovativo a fls. 1 dos autos SITAF).».
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A decisão recorrida nada consignou como factualidade não provada.
«E nada mais se provou com relevância para a decisão a proferir.»

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Mais resulta consignado em termos de motivação da matéria de facto o seguinte:
«O Tribunal deu por provados os factos considerados relevantes à decisão, de que ficou convicto e considerou demonstrados por não serem controvertidos e/ou com base nos documentos nos autos e no PEF, acima referidos no probatório.»
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III.B De Direito

Insurge-se a Recorrente contra a decisão recorrida por, alegadamente, padecer de erro de julgamento na interpretação e aplicação do direito, alegando, fundamentalmente, que «a sentença é ilegal e deve, por isso, ser substituída por outra que faça à recorrente justiça».

Sustenta, por seu turno, o DMMP junto deste Tribunal que as conclusões recursivas devem ser julgadas improcedentes e, em consequência, ser mantida na ordem jurídica a sentença recorrida.


Apreciemos.

Adiantando, desde já, a nossa posição, entendemos que não tem razão a Recorrente.

Senão vejamos.

Comecemos por dilucidar o regime jurídico-fiscal aplicável em sede de motivação da oposição à execução fiscal nos termos e para os efeitos do n.º1 do art.º 204.º do CPPT.

No art.º 204.º, n.º 1 do CPPT encontra-se previsto o elenco dos fundamentos de oposição à execução fiscal, o qual é taxativo como se depreende do uso do advérbio «» no corpo deste número. E a utilização desta expressão pelo legislador teve como deliberado propósito consagrar um elenco fechado de fundamentos que podem ser utilizados para substanciar a oposição à execução fiscal.

Assim, a acima citada norma, com a epígrafe «Fundamentos da oposição à execução», preceitua o seguinte:
«1 - A oposição só poderá ter algum dos seguintes fundamentos:
a) Inexistência do imposto, taxa ou contribuição nas leis em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação ou, se for o caso, não estar autorizada a sua cobrança à data em que tiver ocorrido a respetiva liquidação;
b) Ilegitimidade da pessoa citada por esta não ser o próprio devedor que figura no título ou seu sucessor ou, sendo o que nele figura, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram, ou por não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida;
c) Falsidade do título executivo, quando possa influir nos termos da execução;
d) Prescrição da dívida exequenda;
e) Falta da notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade;
f) Pagamento ou anulação da dívida exequenda;
g) Duplicação de coleta;
h) Ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o ato de liquidação;
i) Quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores, a provar apenas por documento, desde que não envolvam apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título.
2 - A oposição nos termos da alínea h), que não seja baseada em mera questão de direito, reger-se-á pelas disposições relativas ao processo de impugnação.».

Esta taxatividade dos fundamentos de oposição não implica uma restrição aos direitos fundamentais de acesso aos tribunais, à tutela jurisdicional efetiva e ao recurso contencioso, uma vez que a impugnação de atos lesivos, designadamente de atos de liquidação, é permitida sempre que a lei não assegurar um meio de os impugnar contenciosamente, como expressamente refere a alínea h) do n.º 1 do art.º 204.º do CPPT. Neste sentido, veja-se Jorge Lopes de Sousa in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Vol. III, 6ª Edição, 2011, pág. 411.

Por isso, o carácter taxativo dos fundamentos de oposição não consubstancia uma restrição daqueles direitos, mas sim um seu condicionamento, que não é proibido pela Constituição da República Portuguesa («CRP»), e é motivado, sobretudo, pelo desiderato de celeridade na execução fiscal. Quer isto significar que, como regra, não pode discutir-se na oposição à execução fiscal a legalidade do crédito exequendo, que só pode sê-lo pelos meios próprios legalmente previstos, a utilizar dentro dos prazos respetivos. Na execução fiscal, como regra, apenas se discute a exigibilidade do tributo, que foi liquidado em momento anterior e que funda a instauração e prosseguimento da ação contra o visado.

Assim sendo, a oposição à execução fiscal só pode ter como causa de pedir o facto ou factos subsumíveis em alguma das alíneas do art.º 204.º, n.º 1 do CPPT.

No caso que agora nos ocupa, tendo em conta o que se encontra plasmado nas conclusões de recurso, importar atentar, com maior pormenor, no que dimana das alíneas h) e i) do n.º1 do art.º 204.º do CPPT, pese embora a Recorrente não ter indicado, conforme deveria, qual a norma em concreto que, na sua perspetiva, permite acolher a pretensão formulada.

A alínea h) do n.º1 do art.º 204.º do CPPT consagra que é permitido que se aprecie a ilegalidade concreta da dívida exequenda em sede de oposição à execução fiscal quando inexista meio judicial de impugnação ou recurso do correspondente ato. Diga-se que em relação à impugnação de decisões administrativas de reposição de quantias tal tipicamente não sucede, pois a lei assegura o direito à impugnação judicial desse ato decisório que deu origem ao crédito exequendo através da interposição de ação administrativa (cf. art.ºs 268.º, n.º 4, da CRP e 37 e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos - «CPTA»).

Neste particular, vide, designadamente, o aresto do STA prolatado no âmbito do processo n.º 01373/09.5, de 16/02/2022, disponível em www.dgsi.pt, do qual se extrata, designadamente, o seguinte:
«[o]s vícios alegados pela então Oponente, ora Recorrida, nos presentes autos, respeitam à legalidade concreta da dívida e podiam ter sido objecto de um escrutínio por meio de um mecanismo adequado (a saber, a acção administrativa especial com vista à anulação do despacho) – como, reiteradamente, vem recordando este Supremo Tribunal, designadamente no seu acórdão de 11 de Abril de 2018, vertido no Processo n.º 281/14:II - Só quando a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação é que a oposição à execução fiscal poderá ter por fundamento a concreta ilegalidade da liquidação da dívida exequenda – de harmonia com o disposto na alínea h) do artigo 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.».

Também no mesmo sentido, veja-se o acórdão do STA de 12/02/ 2015, no processo n.º 292/14, também consultável em www.dgsi.pt: «A ilegalidade da liquidação da dívida exequenda apenas constitui fundamento de oposição à execução fiscal quando a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação (artigo 204.º, n.º 1, alínea h) do CPPT).».

Já a alínea i) da norma que temos vindo a mencionar consagra uma formulação que abrange quaisquer outros fundamentos de oposição não expressamente previstos que obedeçam aos requisitos genéricos aí definidos. Admite-se, pois, como fundamento de oposição à execução fiscal qualquer outro fundamento a provar apenas por documento e que não envolva apreciação
da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem represente interferência em matéria da exclusiva competência da entidade que houver extraído o título.

Esta alínea i) configura, portanto, uma disposição com carácter residual, que, segundo cremos, deve ser interpretada com parcimónia, tendo em conta, sobretudo, por um lado, o desiderato determinado pelo legislador de celeridade da tramitação da execução fiscal e, por outro, a observância dos direitos de defesa do executado no contexto do contencioso judicial tributário.

Aqui chegados, e tendo ficado exposto o direito aplicável, vejamos, então, o caso que agora nos ocupa.

Comecemos por convocar o discurso fundamentador plasmado na decisão recorrida para sustentar a improcedência da oposição à execução fiscal apresentada:
«Atento o exposto, vê-se que, no presente caso (em que a Oponente alega a ilegalidade, por erro nos pressupostos, da decisão de revogação), não é legalmente admissível a discussão, nesta Oposição, da legalidade concreta do acto administrativo subjacente à dívida em execução.
Efectivamente, a ora Oponente foi notificada do acto de revogação, pelo que, teria de o impugnar administrativamente e/ou impugná-lo em tribunal deduzindo acção administrativa. Não podendo usar uma alegada ilegalidade concreta desse acto para se opor à execução (veja-se que a ilegalidade respeita à desconformidade legal - invalidade – do acto, a atacar na respectiva reclamação/impugnação, e não à falta de condições de apreciação e de procedência da cobrança coerciva/execução - inexigibilidade da dívida -, a apreciar em oposição). Como decorre, aliás, da fundamentação dos acima citados Acórdãos do STA, que aqui acompanhamos (até porque o STA tem uma importante função de uniformização da jurisprudência e «nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito» - art.º 8.º/3 do Código Civil).
(…)
A reposição ou restituição de apoios/fundos não respeita a tributos (impostos, taxas ou contribuições – art.º 3.º/2 da LGT). Assim, a dívida em causa não se funda em normas de direito tributário, mas sim, em normas de direito administrativo, no âmbito da actividade administrativa.
No que concerne a alegada violação do princípio da proporcionalidade, seja vista como princípio relativo à decisão administrativa no âmbito da discricionariedade ou como questão incidental de legalidade na vertente da fiscalização concreta da constitucionalidade, teria de ser conhecida e decidida na acção administrativa onde se discutisse a legalidade do acto administrativo. Em conformidade, uma eventual violação do princípio da proporcionalidade não poderia ser aqui conhecida nesta Oposição, porque respeitaria à legalidade do acto, matéria que não é fundamento de oposição, nem o tribunal tributário teria competência material para conhecer essa questão.
De qualquer modo, a alegada violação do princípio da proporcionalidade é efectuada em termos genéricos, não sendo alegados factos que permitam aferir a alegada desproporção no caso concreto. Por outro lado, a alegada violação do princípio da proporcionalidade só poderia constituir fonte autónoma de ilegalidade de um acto administrativo discricionário (a jurisprudência do STA vem entendendo que o princípio da proporcionalidade, funcionando como limite interno da discricionariedade, só tem autonomia e só releva juridicamente no âmbito da actividade discricionária, consumindo-se, na actividade vinculada, no princípio da legalidade – vd., por exemplo, o Ac. do STA de 07-05-2020, proc. 022/19.8BALSB). No caso, a revogação (anulação administrativa) em causa é vinculada, pelo que, ou respeita ou não respeita as vinculações legais, matéria de legalidade que, como já justificámos antes, não se pode aqui apreciar.
(…)
Concluindo-se que a presente Oposição deve improceder, por não ter fundamento legal.».

E o assim decidido mostra-se acertado, não evidenciando o erro de julgamento e de interpretação de direito que lhe vem assacado nas conclusões recursivas.

Concretizando.

Em primeiro lugar, atenta a natural precedência lógica, importa assinalar que nas alegações e nas respetivas conclusões do recurso jurisdicional interposto a Oponente, ora Recorrente, alheia-se totalmente do fundamento determinante da decisão de improcedência da petição inicial – a falta de alegação de fundamento legalmente admissível de oposição à execução fiscal –, não lhe desferindo o mais leve ataque. Na verdade, em ponto algum da sua alegação explana contra a decisão o indispensável ataque quanto ao seu fundamento, não ensaiando demonstrar o desacerto da respetiva fundamentação factual e/ou jurídica. Patentemente, a Recorrente não põe em crise os fundamentos da decisão recorrida, deixando-os incólumes.

Neste contexto, e sabido que o recurso jurisdicional constitui um meio de impugnação da decisão judicial com vista à sua alteração ou anulação pelo tribunal superior após reexame da matéria de facto e/ou de direito nela apreciada, correspondendo, assim, a um pedido de revisão da legalidade da decisão impugnada com fundamento nos erros ou vícios de que padeça, não podemos deixar de concluir que o presente recurso está votado ao insucesso, já que as alegações e conclusões se revelam completamente ineficazes para suscitar qualquer tipo de censura à decisão recorrida.

Depois, porque nas alegações e conclusões recursivas vem alegado um fundamento completamente novo para sustentar a posição da Recorrente – o não trânsito em julgado da sentença proferida no processo n.º 2872/15.5BELSB, relativo à impugnação judicial da decisão da ADC de reposição dos apoios financeiros concedidos – que, naturalmente, não pode, nesta sede ser apreciado.

Como é sabido, os recursos ordinários destinam-se a permitir ao tribunal hierarquicamente superior proceder à reponderação das decisões recorridas, ou seja, implica a importante restrição de que a questão colocada no recurso já tenha sido objeto de decisão pelo tribunal a quo, a não ser quando estejam em causa questões do conhecimento oficioso (cf. arts. 635.º e 663.º do CPC). Na verdade, a natureza do recurso como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial determina uma importante limitação ao seu objeto, decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas.

Na verdade, os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não analisar questões novas, salvo se, nos termos já referidos, estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis para tanto, seguindo-se, assim, o modelo de reponderação, que visa o controlo da decisão recorrida e não já um modelo de reexame que permitiria a repetição da instância no tribunal de recurso (neste sentido, António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código Processo Civil, 2.ª edição, 2014). A razão de tal opção tem que ver com os vários graus de jurisdição que determinam, em regra, que os Tribunais Superiores apenas devam ser confrontados com questões que as partes discutiram nos momentos próprios.

Ora, perscrutado o processado, com especial enfoque na petição inicial, verificamos que em parte alguma é invocado como fundamento da extinção da execução fiscal o não trânsito em julgado da decisão proferida no processo n.º 2872/15.5BELSB.

Pelo que, tratando-se de uma questão nova, não pode este Tribunal tomar dela conhecimento, nos termos acima melhor explicitados.


Em terceiro lugar, e não obstante o que acima se deixou consignado, porque é patente que a causa de pedir ínsita na petição inicial visa o ataque à legalidade da decisão que determinou a reposição do montante global dos apoios financeiros atribuídos pela ADC. E por ser assim, como cremos que é, a verdade é que na petição inicial não vem alegado qualquer vício que tenha enquadramento no n.º1 do art.º 204.º do CPPT, designadamente nas suasalíneas h) e i).

Com efeito, no que tange à alínea h) n.º1 do art.º 204.º do CPPT é permitido que se aprecie a ilegalidade concreta da dívida exequenda em sede de oposição à execução fiscal quando inexista meio judicial de impugnação ou recurso do ato exequendo. E em relação às decisões administrativas que determinam a restituição de valores atribuídos tal tipicamente não sucede, pois, como acima já se indicou, a lei assegura o direito à impugnação judicial desse ato decisório que deu origem ao crédito tributário exequendo através da interposição de ação administrativa (cf. art.ºs 37.º e seguintes do CPTA).

Neste conspecto, a conclusão pela inaplicabilidade de tal alínea é inevitável porque o espectro de aplicação da mesma está intimamente relacionado, como vimos, com a existência de uma liquidação proprio sensu, a qual é inexistente in casu, derivando antes a dívida exequenda de uma verba a reembolsar em resultado da decisão de revogação da aprovação da candidatura relativa ao projeto 073992/2012/923, tipologia 9.2.3 - Formações Modulares Certificadas, proferida pela ADC, determinando a devolução, pela ora Recorrente, de 21.492,25 Euros de apoios recebidos, caso em que a tutela do visado – a Recorrente – se faz por meio da ação administrativa. Neste sentido, entre muitos outros, veja-se o acórdão do STA de 14/05/2015, lavrado no processo n.º 1958/13: «A utilização do processo de impugnação judicial ou da acção administrativa especial depende do conteúdo do acto impugnado: se este comporta a apreciação da legalidade de um acto de liquidação será aplicável o processo de impugnação judicial, se não comporta uma apreciação desse tipo é aplicável a acção administrativa especial.» (consultável em www.dgsi.pt).

Por outro lado, as alegações que substanciam a causa de pedir também não têm cabimento na alínea i) do n.º1 do art.º 204.º do CPPT. Como acima se apontou, o preceituado nesta norma apenas será aplicável quando não envolva a apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, o que, no caso dos autos, é patente que assim é, porquanto o plasmado na oposição à execução fiscal para densificar a causa de pedir visa o ataque à predita decisão da ADC, que determinou a devolução de apoios recebidos. Como é bom de ver, esta questão, atinente à validade jurídica dessa decisão, prende-se já com a legalidade da dívida exequenda, e não propriamente – como deveria – com a sua própria exigibilidade.

E por ser assim, a causa de pedir ínsita na oposição à execução fiscal apresentada não tem enquadramento nas apontadas alíneas h) e i) do n.º1 do art.º 204.º do CPPT.

Assim sendo, afastada que ficou a possibilidade de invocar as alíneas h) ou i) do n.º 1 do art.º 204.º do CPPT para fundamentar a oposição apresentada, não alcançamos qualquer fundamento que a possa sustentar nos termos taxativamente previstos no art.º 204.º do CPPT, improcedendo, nesta parte, sem necessidade de mais nos alongarmos, as alegações de recurso.

*
IV- DECISÃO

Termos em que acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 30 de outubro de 2025

(Filipe Carvalho das Neves)

(Lurdes Toscano)

(Susana Barreto)