Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 1918/15.1 BEALM |
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Secção: | CA |
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Data do Acordão: | 02/17/2022 |
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Relator: | JORGE PELICANO |
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Descritores: | FUNDO DE GARANTIA SALARIAL PAGAMENTO DE CRÉDITOS LABORAIS |
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Sumário: | I. No n.º 1 do art.º 320.º do Regulamento do Código de Trabalho (RCT), aprovado pela Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, o legislador estabeleceu um limite máximo a pagar a cada trabalhador, bem assim como a forma de cálculo desse limite.
II. O limite máximo que o FGS está obrigado a pagar a cada trabalhador corresponde ao montante equivalente a seis meses de retribuição. III. A retribuição a que se deve atender para efectuar tal cálculo é à concretamente recebida pelo trabalhador. IV. No caso do trabalhador auferir uma retribuição superior ao triplo da retribuição mínima garantida, na altura em vigor, a norma determina que o montante da retribuição a considerar é o correspondente a esse triplo, estabelecendo-se, dessa forma, um limite à retribuição a que se deve atender enquanto factor que, multiplicado por seis, serve para determinar o limite máximo por que o FGS é responsável. |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | * Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:
O Fundo de Garantia Salarial vem interpor recurso da sentença proferida pelo TAF de Almada que julgou procedente a acção que contra ele foi intentada por M... e o condenou a pagar os créditos laborais por este reclamados “até ao limite máximo de € 8.730,00, incluindo os valores atinentes às férias vencidas e não gozadas e respetivo subsídio de férias de 2014 e o proporcional do subsídio do Natal.”. 2 - Ora, salvo o devido respeito pelo entendimento sufragado pela decisão recorrida, entendemos que o Tribunal “a quo” fez uma errada interpretação da lei processual aplicável ao caso em apreço. 3 - Entende o ora recorrente que a sentença proferida pelo Tribunal “a quo” contraria legislação vigente, nomeadamente, o artigo 320.° da Lei n.° 35/2004, de 29 de julho. 5 - Na verdade, o regime legal de acesso ao Fundo de Garantia Salarial encontrava- se, então, previsto nos artigos 317.° a 326.° do anterior Regulamento do Trabalho, aprovado pela Lei n.° 35/2004, de 29/07. 7 - Ora, sobre este preceito, alegadamente afrontado pela decisão, entendeu, entre outros, o Acórdão do TCAN, de 16/12/2016, no proc. 00488/15.5BEPRT, o seguinte: “(...) O Fundo de Garantia Salarial tem uma finalidade social que justifica que sejam adotados limites à sua intervenção, não só limites temporais que decorrem do enquadramento comunitário que lhe está subjacente (Diretiva 80/987/CC, de 20.10), como também, limites às importâncias pagas. 8 - Do artigo 320.°, n.° 1 da Lei 35/2004, de 29/07, resulta que se mostram fixados 2 tipos de limites quanto às quantias a assegurar pelo Fundo de Garantia Salarial, designadamente: - Um limite mensal correspondente ao montante requerido e vencido em determinado mês, que não pode exceder o triplo da retribuição mínima garantida - ou seja, por mês, o Fundo de Garantia Salarial pagará até 3 vezes o salário mínimo nacional que estava em vigor na data em que a entidade empregadora devia ter pago ao trabalhador. 9 - Daí que a intervenção do Fundo de Garantia Salarial em sede de pagamento dos créditos reclamados, no caso pelo Recorrente, encontra-se condicionada, entre o demais, à verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: 10 - No caso sub judice, verifica-se que o ora recorrido cessou o contrato de trabalho do em 28/07/2014 e auferia uma remuneração ilíquida de 1.404,52 €. 11 - Deste modo, decorrendo do art.° 1.° do Decreto-Lei n.° 143/2010, de 31/12, que “O valor da retribuição mínima mensal garantida a que se refere o n.° 1 do artigo 273.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n. ° 7/2009, de 12 de Fevereiro, é de € 485”, em 2014, o limite mensal das quantias a assegurar pelo Fundo de Garantia Salarial fixou-se em € 1.455,00 e o limite global em € 8.730,00. 12 - Posto isto, é, pois, patente que o valor da remuneração mensal a considerar para efeito de cálculo dos créditos salariais a que o Recorrido tem direito é de € 1.455,00 (€ 485,00x3). 13 - Na data da cessação do contrato do ora recorrido (julho de 2014) venceram-se créditos retributivos de diversa natureza, nomeadamente, a retribuição referente ao trabalho prestado nesse mês e respetivo subsídio de alimentação e proporcional de subsídio de natal, o que obrigou à sua redução por força da aplicação do critério limite mensal de créditos assegurados pelo FGS. 14 - E ainda que se entendesse que os créditos por férias vencidas em 01/01/2014 e correspondente subsídio de férias se venceram também em julho de 2014, sempre se diria que os créditos vencidos naquele mês já ultrapassam o plafond legal, no seu limite mensal, pelo que o Recorrente não pode assegurar o seu pagamento. 17 - Pelo que, o ponto da discordância reside, exactamente, na interpretação que se deve reputar como mais adequada do n.° 1 do artigo 320.° do RCT. 18-O Tribunal a quo, na decisão proferida, parece ter desconsiderado que o artigo 320.° n.° 1 do RCT, estabelece um duplo limite de créditos assegurados pelo FGS: o do montante máximo (primeira parte do preceito) e o do plafond mensal que o FGS assegura (segundo trecho na norma), tendo tomado em consideração apenas o primeiro deles, o que não parece corresponder ao espírito do legislador, tendo, por isso, efectuado uma incorrecta interpretação de tal preceito legal; 19 - Se dúvidas existissem a respeito da existência destes dois limites, o legislador veio clarificar o seu pensamento no Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial (NRFGS) quando, no artigo 3.° do Decreto-Lei n.° 59/2015, de 21 de abril consagrou que “O Fundo assegura o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, referidos no n.° 1 do artigo anterior, com o limite máximo global equivalente a seis meses de retribuição, e com o limite máximo mensal correspondente ao triplo da retribuição mínima mensal garantida”. 20 - Da análise efectuada ao preâmbulo do NRFGS não parece resultar ter ocorrido qualquer mudança de pensamento legislativo, no que tange ao que deve entender-se por limites de importâncias pagas. Assim, a sentença proferida pelo Tribunal “a quo” contraria legislação vigente, nomeadamente, o artigo 320.°, n.° 1, da Lei n.° 35/2004, de 29 de julho, devendo a mesma ser revogada.” * 1. O Recorrente alega ter ocorrido uma incorreta interpretação e aplicação do direito na prolação da douta sentença, por não ter o Tribunal “a quo” feito uma correta interpretação da lei processual aplicável ao caso em apreço, nomeadamente o art.º 320.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho; 2. Pretendendo assim o Recorrente que, houvesse base legal para que pudesse recusar o pagamento da totalidade dos créditos peticionados pelo ora Recorrido. 3. Resulta da atenta leitura da sentença “a quo”, que a mesma, além de preencher todos os requisitos legais, como não poderia deixar de ser, responde cabal e fundamentadamente aos argumentos apresentados pelo Recorrente, demonstrando o Tribunal “a quo” inequivocamente a razão de ciência subjacente à sua decisão. 4. Com efeito, o Tribunal “a quo” não deixou de demonstrar concretamente em que fundamentos assentou a sua convicção, fazendo uma análise crítica e fundamentada dos argumentos apresentados pelas partes, interpretando e aplicando corretamente os preceitos legais em causa, formando assim a sustentação da sua decisão. a) o montante da retribuição a considerar para pagamento, in casu pelo Recorrente, não pode exceder o triplo da retribuição mínima mensal garantida. Sendo que, à data dos factos o valor da retribuição mínima mensal garantida era 485,00€ (quatrocentos e oitenta e cinco euros), nos termos do disposto no Decreto- Lei n.º 143/2010, de 31/12, o que perfaz o montante de 1.455,00€; b) os créditos são pagos até ao montante equivalente a seis meses de retribuição, o que implica um valor global máximo correspondente a 8.730,00€ (1.455,00€ x 6 = 8.730,00€). 7. Em relação aos créditos retributivos de natureza diversa, os créditos por férias vencidas em 01.01.2014 e não gozadas e o correspondente subsídio de férias venceram-se no último dia do mês de Julho de 2014, altura em que cessou o contrato de trabalho por iniciativa do Recorrido. 9. No presente caso, o Recorrido, à data da cessação do contrato de trabalho ainda não havia gozado as férias como não lhe havia sido paga a retribuição de férias e de subsídio de férias.
* Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 146.º, n.º 1 do CPTA, tendo a Digníssima Procuradora-Geral Adjunta emitido douto parecer em que refere que “o limite mensal mencionado no artigo 320.º, n.º 1, do RCT, apenas serve para apurar uma parcela do valor global máximo a que o trabalhador pode ter direito e não para delimitar o que este vai receber por referência a cada mês.
Existindo um limite global que corresponde a seis meses de retribuição, a lei definiu qual o valor da retribuição que deve ser multiplicado por seis e que, como resulta daquele preceito legal, não pode exceder o triplo da remuneração mínima”. (…) O Recorrido tem direito ao pagamento dos créditos salariais reclamados até ao montante máximo de € 8.730,00, incluindo ainda os valores devidos a título de férias vencidas e não gozadas e respeito subsídio, e ainda ao proporcional do subsídio de Natal”. Conclui-se no referido parecer que deve ser negado provimento ao recurso. * O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 do CPTA e dos artigos 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC, ex vi artigo 140º do CPTA, sem prejuízo das questões que, sendo de conhecimento oficioso, possam ser decididas em face dos elementos que constem dos autos. Assim, há que decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito, por violação do art.º 320.º, n.º 1, do Regulamento do Código de Trabalho, aprovado pela Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho. * Fundamentação.
De facto. Na sentença recorrida foi fixada a seguinte matéria de facto, que não foi impugnada: B) O Autor auferia a remuneração mensal ilíquida de € 1.404,52 (acordo das partes); C) Em 26/07/2014, foi instaurada a ação de insolvência com o número de processo 1108/14.0TYLSB que correu termos na Comarca de Lisboa – Instância Central – 1.ª secção Comércio – J5 (cfr. fls. 59 do PA) E) O Autor reclamou créditos no referido processo no valor de € 5.172,01, sendo € 1.404,52 a título de retribuição de Julho de 2014, € 139,15 a título de subsídio de refeição, € 1.404,52 a título de férias vencidas em 01/01/2014, não gozadas e não pagas, € 1.404,52 a título de subsídio de férias vencidas em 01/01/2014, não gozadas e não pagas e € 819,30, a título de proporcional do subsídio de Natal do ano de 2014 (cfr. documento n.º 3 junto com a petição inicial de fls. 1 a 62 dos autos e fls. 1 a 6 dos autos); F) Em 04/02/2015, os créditos reclamados pelo Autor foram reconhecidos pelo Administrador de Insolvência no montante total de € 5.172,01 (cfr. documento n.º 4 junto com a petição inicial de fls. 1 a 62 dos autos); G) Em 20/02/2015, o Autor deu entrada no Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social do requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, do qual se extrai, nomeadamente o seguinte: 3. Os requerimentos foram apresentados ao FGS no prazo previsto no n.º 3 do artigo 319.º, encontrando-se instruídos com observância das regras previstas no art. 324.º, ambos da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho. 4. Parte dos créditos peticionados por todos os requerentes, à exceção de J..., encontra-se vencida em data anterior ao período de referência, ou seja, nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação, não podendo o seu pagamento ser assegurado pelo FGS, por falta de enquadramento legal, atento o disposto no n.º 1 do art.º 319º da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho. 6. Assim, atentos os circunstancialismos referidos, o Fundo de Garantia Salarial não assegura o pagamento da totalidade dos créditos requeridos, situação que conduz ao deferimento parcial dos pedidos. (…)» (cfr. fls. 22 e 23 do PA); I) Em 31/03/2015, o Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial lavrou despacho de concordância com o teor da informação que antecede (cfr. fls. 22 do PA); J) Em 31/03/2015, a Entidade Demandada dirigiu ao Autor um ofício pelo qual comunicou o teor do despacho de 31/03/2015 do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial e o prazo de 10 dias para responder por escrito, do qual consta, nomeadamente, o seguinte: (cfr. documento n.º 6 junto com a petição inicial a fls. 1 a 62 dos autos e fls. 26 e 27 do PA); L) Em 29/04/2015, a Entidade Demandada remete ao Autor o ofício com o assunto «Fundo de Garantia Salarial – M… A Unipessoal, LD», com o seguinte teor: (cfr. documento n.º 9 junto com a petição inicial a fls. 1 a 62 dos autos e fls. 41 do PA); N) Em 06/05/2015, a Entidade Demandada dirige ao Autor o ofício com a referência 99196, do qual resulta que «em resposta à reclamação apresentada por V/Exª, em 29.04.2015, somos a informar que a matéria de facto e de direito não altera a nossa decisão.//Mais se informa que mantém-se a decisão proferida pelo Sr. Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial» (cfr. documento n.º 10 junto com a petição inicial de fls. 1 a 62 dos autos e fl. 62 do PA). * O Recorrente defende que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento por violação da norma que consta do art.º 320.º, n.º 1, do Regulamento do Código de Trabalho (RCT), aprovado pela Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho. Entende que a referida norma impõe dois limites ao montante que deve pagar aos trabalhadores: - “Um limite mensal correspondente ao montante requerido e vencido em determinado mês, que não pode exceder o triplo da retribuição mínima garantida - ou seja, por mês, o Fundo de Garantia Salarial pagará até 3 vezes o salário mínimo nacional que estava em vigor na data em que a entidade empregadora devia ter pago ao trabalhador. - Um limite global correspondente aos montantes requeridos e abrangidos na sua totalidade, que não podem ultrapassar 6 meses de retribuição, que tendo em conta o limite mensal, corresponde a 6 (seis) vezes o triplo da retribuição mínima garantida – ou seja, o limite global garantido é igual a 18 (dezoito) vezes o salário mínimo nacional que esteja em vigor, limite que é atualizado anualmente em função do salário mínimo que venha a ser fixado em cada ano.”. Pelo que defende que, por força do referido limite mensal e contrariamente ao decidido na sentença recorrida, apenas está obrigado a pagar ao Recorrido o montante de 1.455,00€, por corresponder ao triplo da retribuição mínima nacional em vigor em Julho de 2014, tal como decidido no despacho impugnado, datado de 31/03/2015. O Recorrido, no requerimento que apresentou junto do Recorrente, peticionou o pagamento de créditos laborais no montante total de 5.172,01€, resultante da soma das seguintes parcelas: a) 1.404,52€, a título de retribuição correspondente ao mês de Julho de 2014; b) 139,15€, devidos pelo subsídio de refeição correspondente ao mês de Julho de 2014; c) 2809,04€, a título de subsídio de férias de 2013; d) 819,30€, a título de subsídio de proporcionais do subsídio de Natal de 2014. Na sentença recorrida anulou-se o despacho impugnado e declarou-se a procedência da acção, tendo-se condenado o ora Recorrente a pagar ao Recorrido os “créditos emergentes do contrato de trabalho celebrado entre este e a A… Unipessoal Lda., até ao limite máximo de € 8.730,00, incluindo os valores atinentes às férias vencidas e não gozadas e respetivo subsídio de férias de 2014 e o proporcional do subsídio do Natal”. Para tanto invocou a doutrina que diz resultar do acórdão do TCAN, proferido no processo n.° 02338/14.0BEPRT, de 23/06/2017, acessível em www.dgsi.pt e entendeu-se que “o limite mensal mencionado no artigo 320.°, n.° 1 do RCT apenas serve para apurar uma parcela do valor global máximo a que o trabalhador pode ter direito e não para delimitar o que este vai receber por referência a cada mês. Dito de outro modo, sendo o limite global quantitativo correspondente a seis meses de retribuição, a lei definiu qual o valor da retribuição que deve ser multiplicado por seis e que, como resulta daquele preceito legal, não pode exceder o triplo da remuneração mínima”. O n.º 1 do art.º 320.º do RCT estatui que “os créditos são pagos até ao montante equivalente a seis meses de retribuição, não podendo o montante desta exceder o triplo da retribuição mínima mensal garantida. Tal norma resulta da transposição para o ordenamento jurídico nacional do disposto nos artigos 3.º e 4.º da Directiva 80/987/CEE do Conselho de 20 de outubro de 1980, relativa à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador (que foi revogada pela Diretiva 2008/94/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, mas que manteve normas idênticas às que constam dos referidos artigos 3.º e 4.º da Directiva revogada) e que estabeleciam a obrigação dos Estados-membros tomarem as medidas necessárias para que as instituições de garantia assegurassem o pagamento dos créditos dos trabalhadores, podendo-se determinar a duração do período que desse lugar a esse pagamento, bem assim como impor limites máximos a esses pagamentos, que, no entanto, não deviam ser inferiores a um limiar que se mostrasse compatível com o objectivo social da Directiva. A referida Directiva não impõe qualquer limite específico ao montante a pagar em cada um dos meses aos trabalhadores. A interpretação da norma que consta do n.º 1 do art.º 320.º do RCT obedece, como é sabido, aos elementos literal, sistemático, histórico e teleológico estabelecidos no art.º 9.º do CC. Para determinar o sentido da norma deve partir-se do elemento literal, que apresenta “uma função negativa”, na medida em que afasta os sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer “correspondência” ou ressonância nas palavras da lei». A letra da lei tem ainda «uma função positiva», uma vez que “se o texto da lei comporta apenas um sentido, é esse o sentido da norma – com a ressalva porém de se poder concluir com base noutras normas que a redacção atraiçoou o pensamento do legislador» e «quando, como é de regra, as normas (fórmulas legislativas) comportam mais que um significado, então a função do positiva do texto traduz-se em dar mais forte apoio a, ou sugerir mais fortemente um dos sentidos possíveis” - cfr. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12.ª reimpressão, Coimbra, 2000, pp. 175-192. No caso, o elemento literal não comporta a interpretação que o Recorrente faz da norma que consta do n.º 1 do art.º 320.º do RCT, uma vez que não se diz aí que, no caso do montante dos créditos vencidos em determinado mês que integre o período de referência ultrapassar o correspondente ao triplo da retribuição mínima garantida, o FGS deve pagar, relativamente a esses créditos, apenas o montante correspondente a este limite, perdendo o trabalhador o direito a receber os restantes créditos que se tenham vencido nesse mês. O elemento literal da interpretação aponta no sentido de que o legislador quis ali estabelecer um limite máximo a pagar a cada trabalhador, bem assim como a forma de cálculo desse limite. O limite máximo que o FGS está obrigado a pagar a cada trabalhador corresponde ao montante equivalente a seis meses de retribuição. A retribuição a que se deve atender para efectuar tal cálculo é à concretamente recebida pelo trabalhador – cfr. o ac. do STA, proc. n.º 0627/17.1BEPRT, datado de 10/05/2019, in www.dgsi.pt. No caso do trabalhador auferir uma retribuição superior ao triplo da retribuição mínima garantida na altura em vigor, a norma determina que o montante da retribuição a considerar é o correspondente a esse triplo, estabelecendo-se, dessa forma, um limite à retribuição a que se deve atender enquanto factor que, multiplicado por seis, serve para determinar o limite máximo por que o FGS é responsável. Não se determina aí que, caso o montante dos créditos vencidos em determinado mês ultrapasse o triplo da retribuição mínima garantida na altura em vigor, o FGS deve apenas pagar o montante correspondente a três vezes a retribuição mínima garantida, ficando desonerado de proceder ao pagamento da parte dos créditos vencidos nesse mês que excede aquele montante. O limite existe, mas é determinado globalmente, considerando o conjunto dos seis meses de retribuição que concretamente seria devida ao trabalhador. Aliás, o pagamento a efectuar pelo FGS é para processar de uma só vez. A tese do Recorrente mostra-se ainda incompatível com o disposto no n.º 2 do art.º 319.º do mesmo RCT, que estabelece que “caso não haja créditos vencidos no período de referência mencionado no número anterior, ou o seu montante seja inferior ao limite máximo definido no nº 1 do artigo seguinte, o Fundo de Garantia Salarial assegura até este limite o pagamento de créditos vencidos após o referido período de referência.”. Nessa norma o legislador veio reafirmar o direito do trabalhador a receber créditos até ao montante máximo global equivalente a seis retribuições. Não se pode interpretar a norma que consta do n.º 1 do art.º 320.º do RCT com um sentido contrário ao estabelecido no n.º 2 do art.º 319.º do mesmo regulamento. A tal se opõe o elemento sistemático da interpretação. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (n.º 3 do art.º 9.º do CC), pelo que se conclui que a interpretação que o Recorrente defende no presente recurso não corresponde ao sentido que é lícito retirar da norma que consta do n.º 1 do art.º 320.º do RCT. Verifica-se ainda que a sentença recorrida também incorreu em erro na interpretação da referida norma, pois, para determinar o montante máximo por que o Recorrente responde, multiplicou o valor correspondente ao triplo da retribuição mínima garantida em vigor à data do vencimento dos créditos por seis (1.455,00€ x 6), quando deveria ter considerado o valor da retribuição concretamente recebida pelo Recorrido (1.404,52€) e multiplicá-la por seis, com o que obteria o valor de 8.427,12€, valor este que é o limite máximo por que o Recorrente responde e não o de 8.730,00€ que foi fixado. Já no que se refere à data de vencimento dos créditos relativos às férias de 2013 que o Recorrido não gozou (retribuição e respectivo subsídio), a sentença recorrida decidiu com inteiro acerto, uma vez que tais créditos venceram-se em Julho de 2014, data da extinção do contrato de trabalho, conforme resulta do disposto no art.º 245.º, n.º 1, al. a), do CT, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro. A acção em que se pediu a declaração de insolvência da entidade patronal do Recorrido foi intentada a 26/07/2014, pelo que o período de referência abrange os créditos vencidos desde 26/01/2014 até àquela data. Decisão Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da secção de contencioso administrativo do TCA Sul, em negar provimento ao recurso, revogar, em parte, a sentença recorrida e determinar o pagamento dos créditos laborais que o Recorrido reclamou junto do Recorrente até ao montante máximo de 8.427,12€, mantendo-se o demais decidido na sentença recorrida. Custas pelo Recorrente, que as não paga por aproveitar da isenção subjectiva que consta da al. p) do n.º 1 do art.º 4.º do RCP. Lisboa, 17 de Fevereiro de 2022 Jorge Pelicano Ana Paula Martins Carlos Araújo |