Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:542/21.4BELLE
Secção:CA
Data do Acordão:03/27/2025
Relator:JOANA COSTA E NORA
Descritores:PRAZO RAZOÁVEL
CITAÇÃO
ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
Sumário:I - As dificuldades de citação dos requeridos, devidas às circunstâncias de os mesmos serem 19 e de haver ausentes, não justificam que a conclusão de tal formalidade tenha ocorrido apenas cerca de um ano após a instauração da acção.
II - Volvidos, pelo menos, 6 anos, 6 meses e 9 dias desde a data da instauração de acção de divisão de coisa comum sem que tenha sido proferida decisão pelo Tribunal de primeira instância, nem sequer realizada a conferência de interessados, há violação do prazo razoável de decisão, atendendo, não só à simplicidade da tramitação do processo, mas também do seu objecto, visando apenas a divisão de coisa comum, considerando ainda que nenhum dos requeridos apresentou contestação.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

Acordam, em conferência, os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul:


I – RELATÓRIO

M… intentou acção administrativa contra o Estado Português. Pede a condenação do Estado Português a pagar-lhe “a) Uma indemnização por danos não patrimoniais ou morais nunca inferior a (…) 5.500,00 € [cinco mil e quinhentos euros), acrescida da quantia de 1.100,00 € (mil e cem euros), por cada ano de atraso após a citação para a presente ação. b) honorários a advogado neste processo nos Tribunais Administrativos, nos parâmetros fixados no artº 29º desta peça [petição inicial]; c) juros à taxa legal desde a citação; d) a todas as quantias atrás referidas devem acrescer quaisquer quantias que eventualmente sejam devidas a título de imposto que incida sobre as quantias recebidas do Estado”, por violação do prazo razoável de decisão de processo judicial.
Pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé foi proferida sentença a julgar improcedente a acção e a absolver o réu do pedido.
A autora interpôs o presente recurso de apelação, cujas alegações contêm as seguintes conclusões:
“1. O Processo n° 640/16.6T8LAG já esta pendente há mais de 8 anos, sem decisão transitada em julgado em 1ª Instância.
2. Logo, o processo já está pendente há mais de 8 anos.
3. A duração durante mais de 8 anos de uma simples ação de Divisão de Coisa Comum em 1ª Instância causa nas partes (independentemente de tratarem pessoas singulares ou coletivas um dano não patrimonial que estas têm de alegar mas que se presume, como tem sido jurisprudência do TEDH — Vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte - Proc. n° 00694/23.9BEPRT -1ª Secção Contencioso Administrativo de 6-6-2024.
4. O atraso na decisão de um processo judicial é um facto ilícito, gerador de responsabilidade civil do Estado por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável.
5. Tal como aquele conceito tem vindo a ser definido pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e do Supremo Tribunal Administrativo, considera-se que é razoável o prazo de três anos para a decisão de um processo judicial em primeira instância.
6. A responsabilidade do Estado pela violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável não depende da imputação subjetiva da culpa do atraso ao juiz ou a qualquer outro funcionário judicial, mas da verificação de uma situação objetiva de funcionamento anormal do sistema de administração da justiça
7. Do atrás exposto, resulta que o Tribunal “a quo” ao decidir como decidiu violou o disposto nos artigos 20° n° 4 e 5 e 22 da Constituição da Republica Portuguesa, artigo 12° da Lei 67/2007 e artigo 6o da Carta Europeia dos Direitos do Homem, e artigo 2 n° 1 do Código Processo Civil, devendo ser revogada a douta sentença por uma outra que julgue a ação totalmente procedente.”
O recorrido Estado Português respondeu à alegação do recorrente, com as seguintes conclusões:
“1. A Autora alega que o Processo n.º 640/16.6T8LAG – de acção de Divisão de Coisa Comum - já está pendente há mais de 8 anos, sem decisão transitada em julgado em 1.ª Instância.
2. O referido processo especial de divisão de coisa comum iniciou-se efectivamente em 7.12.2016, pelo que à data da instauração da presente acção administrativa contava com uma duração de 4 anos, 9 meses e 22 dias e à data do encerramento da discussão da causa, com uma duração de 6 anos e perto de 7 meses.
3. Em 10.05.2024 foi proferida sentença do Processo n.º 640/16.6T8LAG, mas foi objecto de recurso por uma das partes em 25.06.2024.
4. Sustenta a Autora que o seu dano não patrimonial se presume, porque o atraso na decisão de um processo judicial é um facto ilícito, gerador de responsabilidade civil do Estado por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, como entende ser este o caso, decorrente da verificação de uma situação objetiva de funcionamento anormal do sistema de administração da justiça.
5. Porém, uma apreciação concreta do aludido processo de divisão de coisa comum, permite verificar que sucederam uma série de ocorrências anómalas, mas explicáveis se contextualizadas, tais como:
6. a circunstância anómala de o acto de citação dos 19 requeridos só ter ficado concluído praticamente 1 ano após o início da instância, na sequência da citação do Ministério Público para defesa dos requeridos ausentes, ordenada em 4.12.2017 e após o recurso à citação edital, em virtude da frustração da citação pessoal, sendo que era sobre o autor/requerente da referida acção de divisão de coisa comum (a Santa Casa da Misericórdia de Lagos) que impendia, em primeira linha, a responsabilidade pela identificação dos réus/requeridos [cf. n.º 1 do artigo 549.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 552.º, ambos do Código de Processo Civil], necessária à realização do acto de citação – sem prejuízo das diligências subsequentes que à secretaria judicial incumbe adoptar em caso de ausência do citando em parte incerta (cf. artigo 236.º do Código de Processo Civil)
7. as implicações processuais decorrentes da situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e das medidas excepcionais e temporárias de resposta a essa situação que impuseram não só um “efeito suspensivo” de cerca de 6 meses sobre os prazos aplicáveis para a prática de actos processuais, como também afectou ainda a realização da conferência de interessados a que alude a Autora, porquanto tal diligência foi por duas vezes desmarcada, nos meses de Março e Junho de 2020 por questões de segurança, saúde e higiene sanitárias, em conformidade com disposições excepcionais e transitórias definidas pelas autoridades nacionais de saúde e aprovadas no decurso da situação excepcional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da referida infecção epidemiológica;
8. uma sucessão contínua de incidentes da instância, nomeadamente habilitações de herdeiros em função do falecimento de requeridos, dificuldades na citação dos mesmos, com consequentes suspensões da instância;
9. pontuais contributos para a delonga processual, designadamente ao nível da perícia ordenada e cuja realização ficou dependente da prestação de esclarecimentos imputáveis às partes.
10. Determina o art.º 12.º do RRCEE (Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado, aprovada pela Lei n.º 67/2007, de 31/12) que, “salvo o disposto nos artigos seguintes, é aplicável aos danos ilicitamente causados pela administração da justiça, designadamente por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, o regime da responsabilidade por factos ilícitos cometidos no exercício da função administrativa.”
11. Ou seja, à responsabilidade civil extracontratual do Estado, quando reportada à administração da justiça, é aplicável o regime do art.º 7.º daquele diploma legal, pressupondo, também, a verificação cumulativa dos normais requisitos de que depende a responsabilidade civil: o facto voluntário, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade.
12. Todos estes elementos encontram-se encadeados entre si de tal forma que, faltando um deles, falece qualquer responsabilidade civil extracontratual – neste sentido vd. Acórdão do TCA Sul de 10 de Maio de 2012, no processo 07403/11, no qual se escreveu que “só existe responsabilidade civil extracontratual do Estado por factos ilícitos quando se mostrem alegados e provados todos os pressupostos – facto, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano – ou seja, tais requisitos são de verificação cumulativa, implicando a falta de qualquer deles inexistência do dever de indemnizar.
13. Conforme considera o Autor, a conduta ilícita traduziu-se, justamente, na ultrapassagem do prazo razoável para decidir a causa submetida à apreciação do Tribunal.
14. Todavia, a decisão recorrida ponderou, não só os citados acontecimentos processuais (supra id. entre 6. a 9.), como ainda a natureza estritamente patrimonial do litígio, a qual não incide sobre a tutela de direitos que suscitem na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos uma proteção acrescida, porquanto o resultado do referido processo se cifrará na venda de 1/24 de um prédio avaliado em €74.000,00.
15.Tudo, para concluir, que o atraso na prolação da decisão, em 1.ª instância não assumiu um carácter manifestamente excessivo e atentatório do conteúdo essencial do princípio da tutela jurisdicional efectiva e considerar afastada a violação do direito da Autora a uma decisão em prazo razoável no âmbito do referido processo, nos termos e para os efeitos dos n.ºs 1 e 4 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa e do n.º 1 do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
16. Tal como resulta dos factos provados nestes autos os poderes e as faculdades do direito de propriedade da Autora sobre a coisa comum objecto daquele processo mantêm-se intocados, não se entrevendo qualquer violação directa desse seu direito,
17.Sendo que, excluída a violação do direito da Autora a uma decisão em prazo razoável e do seu direito de propriedade sobre a coisa comum, a sentença recorrida não considerou verificado o pressuposto da ilicitude para efeitos da imputação da responsabilidade civil extracontratual do Estado Português, os quais, sendo cumulativos, a falta de um, é suficiente para dar por improcedente o direito de indemnização peticionado pela Autora, prejudicando a apreciação dos demais pressupostos relativos à culpa, aos danos e ao nexo de causalidade entre o facto ilícito e os danos sofridos, bem como as demais questões a decidir na causa.
18. Não concordando a Autora com os factos provados teria que impugnar a matéria de facto, cumprindo o ónus consagrado no art.º 640.º do Código de Processo Civil, o que não fez, nomeadamente (a) não identificou quaisquer pontos de facto considerados incorrectamente julgados; (b) não indicou os meios probatórios que deveriam ter levado o Tribunal a considerar provados os factos reveladores dos danos não patrimoniais por si sofridos; e (c) não indicou quais os factos que deveriam ter sido julgados provados.
19. Está vedada, assim, ao Tribunal a alteração da matéria de facto provada na sentença e, com base na matéria provada tal como está, não se provou a existência de qualquer dano decorrente da actuação do Estado Português.
20. Não foi verificado atraso injustificado na Justiça que determine a necessidade de atribuição de reparação à Recorrente.
21. Em primeiro lugar porque não foram provados quaisquer factos dos quais se infira a ocorrência de danos por parte da ora recorrente por causa da delonga injustificada na administração da justiça, não tendo esta, nas alegações apresentadas, invocado quaisquer elementos de prova que determinassem uma apreciação fáctica diversa, ou indicado factos que considerasse que se deveriam ter dado como provados e que não o foram, assim não cumprindo o ónus imposto pelo art.º 640.º do CPC.
22. Por outro lado, na sentença foi efectuada uma detalhada análise do processo judicial, verificando-se que em primeira instância nunca o processo esteve parado de forma significativa sem qualquer justificação, antes foi alvo de sucessivos constrangimentos, alguns de ordem intransponível e internacional, acima enunciados entre 6 e 9.
23. Acresce que a apresentação de recurso da sentença (proferida 10.05.2024) por uma das partes traduziu, apenas, o uso de um direito constitucionalmente consagrado – o direito ao recurso, o direito a que outra instância apreciasse uma situação de facto com cuja resolução jurídica não se concordou.
24. Nestes termos, bem andou a sentença recorrida e deve o presente recurso ser julgado improcedente, negando-se-lhe provimento, assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA!”
Com dispensa de vistos dos juízes-adjuntos (cfr. n.º 4 do artigo 657.º do CPC), cumpre apreciar e decidir.


II – QUESTÕES A DECIDIR

Face às conclusões das alegações de recurso – que delimitam o respectivo objecto, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC -, a questão que ao Tribunal cumpre solucionar é a de saber se a sentença padece de erro de julgamento de direito por ter considerado não verificado o requisito da ilicitude para afeitos de apuramento da responsabilidade civil extracontratual do Estado por violação do prazo razoável de decisão.


III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Considerando que não foi impugnada, nem há lugar a qualquer alteração da matéria de facto, remete-se para os termos da decisão da 1.ª instância que decidiu aquela matéria, nos termos do n.º 6 do artigo 663.º, do CPC.


IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Nos presentes autos, é pedida a condenação do réu a pagar à autora uma indemnização pelos danos morais por si sofridos, em virtude da demora na decisão do processo especial de divisão de coisa comum que corre termos no Juízo de Competência Genérica de Lagos (Juiz 2), integrado no Tribunal Judicial da Comarca de Faro, sob o n.º 640/16.6T8LAG (instaurado pela Santa Casa da Misericórdia de Lagos contra os demais comproprietários, entre os quais a autora), que faz assentar na circunstância de o processo estar pendente naquele Tribunal há mais de 8 anos.

A sentença recorrida decidiu pela improcedência da acção de responsabilidade civil extracontratual do Estado por atraso na decisão. Embora tenha constatado a ocorrência de atraso – admitindo “uma duração significativa do processo em 1.ª instância” que “assume uma dimensão particularmente expressiva” -, considerou que o mesmo “não assume um carácter manifestamente excessivo e atentatório do conteúdo essencial do princípio da tutela jurisdicional efectiva”.
Começou por reconhecer que o processo, não obstante se caracterize “por uma baixa complexidade ao nível do respectivo enquadramento jurídico”, teve uma “tramitação marcadamente anómala”, “na qual se identificam, de forma notória, ocorrências processuais que se encadearam ao longo do tempo, protelando a duração do processo”, destacando:
(i) a “localização do paradeiro de partes requeridas e da respectiva citação e notificação”, tendo a conclusão da citação das partes ocorrido praticamente um ano após o início da instância, na sequência da citação do Ministério Público para defesa dos requeridos ausentes, após o recurso à citação edital, em virtude da frustração da citação pessoal, agravada pelo elevado número de partes (1 requerente e 19 requeridos);
(ii) a ocorrência de quatro incidentes de habilitação;
(iii) a “suspensão de prazos processuais” - que vigorou de 12 de Março a 2 de Junho de 2020 (nos termos do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, na sua redacção inicial, conjugado com o n.º 1 do artigo 138.º do Código de Processo Civil, e na redacção conferida pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril, e revogado pela Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio) e de 22 de Janeiro a 5 de Abril de 2021 (nos termos do artigo 6.º-B da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, na redacção conferida pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, e revogado pela Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril) - e os “obstáculos à realização presencial da conferência de interessados”, prevista no artigo 929.º do CPC, diligência que foi desmarcada duas vezes, por aplicação do regime processual transitório e excepcional que vigorou em resposta à situação epidemiológica provocada pelo vírus SARS-CoV-2;
(iv) o lapso temporal de cerca de 1 ano entre a recepção do relatório de perícia e avaliação do prédio objecto do referido processo (em 23.4.2018) e a decisão que conheceu dos dois primeiros pedidos formulados pela requerente (em 22.4.2019).
Porém, concluiu a sentença que tais ocorrências “não se mostram imputáveis a um mau ou anormal funcionamento do sistema de justiça”, constituindo “factores de complexificação e delonga na tramitação processual adoptada”, que não permitem concluir pela existência de um “atraso patológico” “imputável às autoridades judiciárias”, e que, no lapso de tempo referido em (iv), ocorreu a promoção do registo da acção de divisão de coisa comum, a tramitação de um incidente de habilitação de adquirente, e a regularização do patrocínio judiciário de uma das requeridas no processo após renúncia dos respectivos mandatários constituídos.
A sentença reconheceu ainda que ocorreram paragens na marcha do processo, com destaque para o período de cerca de três meses (entre Novembro de 2019 e Fevereiro de 2020) para a marcação da conferência de interessados. Todavia, embora as impute “ao funcionamento da máquina judicial”, concluiu que as mesmas não assumem especial relevo “no cômputo global da tramitação processual”.
Finalmente, entendeu-se na sentença recorrida que relevava “a natureza estritamente patrimonial do litígio e o seu diminuto alcance para a situação da Autora.”
De resto, reconhece ainda a sentença, quanto ao comportamento das partes, “uma actuação tendencialmente diligente dos principais intervenientes no processo especial de divisão de coisa comum objecto destes autos, incluindo a aqui Autora”.

A recorrente insurge-se contra o assim decidido, alegando que se verifica a ilicitude porque a acção está pendente no Tribunal de primeira instância há mais de oito anos, sendo de três anos o prazo razoável de decisão de um processo judicial em primeira instância.

Vejamos, começando por fazer o enquadramento jurídico da responsabilidade civil extracontratual do Estado relevante para a análise do caso.
À data dos factos, o regime jurídico aplicável e à luz do qual se têm de aferir os pressupostos legais da responsabilidade civil extracontratual do Estado era o que se encontra plasmado na Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, que aprovou o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas.
Nos termos do seu artigo 12.º, “Salvo o disposto nos artigos seguintes, é aplicável aos danos ilicitamente causados pela administração da justiça, designadamente por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, o regime da responsabilidade por factos ilícitos cometidos no exercício da função administrativa.”
São os seguintes os pressupostos cumulativos da responsabilidade civil extracontratual: o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade.
Sobre a ilicitude, dispõe o n.º 1 do artigo 9.º o seguinte: “Consideram-se ilícitas as acções ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objectivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos.” Assim, o facto ilícito revela-se no evento enquanto ocorrência resultante da acção humana (voluntária) lesiva de bens jurídicos pessoais e (ou) patrimoniais. Acrescenta o n.º 2 do mesmo artigo que “Também existe ilicitude quando a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos resulte do funcionamento anormal do serviço, segundo o disposto no n.º 3 do artigo 7.º”.
No caso dos autos, a ilicitude reconduz-se à violação do direito à prolação de uma decisão em prazo razoável, consagrado nos artigos 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH). Nos termos do n.º 4 do artigo 20.º da CRP, “Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável (…).” Estabelece também o n.º 1 do artigo 6.º da CEDH que “Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada (…) num prazo razoável por um tribunal (…).”, norma esta que vigora na ordem interna, de acordo com o princípio plasmado no n.º 2 do artigo 8.º da CRP. Tais comandos surgem concretizados nos artigos 2.º, n.º 1, e 6.º, n.º 1, do CPC, e 2.º, n.º 1, e 7.º-A, n.º 1, do CPTA, dos quais decorre que “O princípio da tutela jurisdicional efetiva compreende o direito de obter, em prazo razoável, (…), uma decisão judicial (…).” e que “Cumpre ao juiz, (…), dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável.”
A aferição do referido «prazo razoável» é feita em concreto, e não em abstracto, considerando a data de entrada da acção no tribunal e a data da prolação da decisão definitiva e, de acordo com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, designadamente, a complexidade do processo, o comportamento das partes, a actuação das autoridades competentes no processo, o assunto do processo e o significado que o mesmo tem para o requerente. No que concerne à complexidade do processo, há que atender, além do mais, ao enquadramento factual e jurídico do processo, ao número de partes envolvidas, à extensão das peças processuais, aos meios de prova produzida, aos recursos interpostos, aos incidentes deduzidos e às reclamações apresentadas. O comportamento das partes é aferido em função da sua disponibilidade para colaborar no sentido da celeridade, do número e justificação dos requerimentos que apresentam e da extensão das peças processuais. A actuação das autoridades competentes no processo não se mostra justificada pela falta de meios e de recursos. Finalmente, releva apurar a matéria do litígio e o tipo de consequências que dele resultam para a vida pessoal ou profissional das pessoas envolvidas, como acontece em processos das áreas de direito da família e menores, do crime e laboral, sendo ainda de considerar se o processo tem natureza urgente. Também se retira da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que a duração média razoável de um processo em 1ª. instância é de cerca de 3 anos e a de todo o processo não deve ultrapassar os 6 anos, sem prejuízo de durações inferiores se mostrarem excessivas atenta a particularidade do caso.

Volvendo ao caso em apreço, vejamos o tipo de processo que está em causa e a tramitação a que o mesmo está sujeito. Trata-se de uma acção de divisão de coisa comum, processo especial, previsto e regulado nos artigos 925.º a 929.º do CPC, nos seguintes termos. O processo inicia-se com um requerimento visando a divisão em substância da coisa comum ou a adjudicação ou venda desta (com repartição do respectivo valor, quando a considere indivisível), indicando-se logo as provas. Os requeridos são citados para contestar, no prazo de 30 dias, oferecendo logo as provas de que dispuserem. Realizadas as diligências instrutórias necessárias ao conhecimento da questão da indivisibilidade (designadamente a realização de perícia), o juiz decide e, sendo a coisa indivisível, há lugar a conferência de interessados com vista ao acordo dos mesmos na respectiva adjudicação a algum ou a alguns deles, preenchendo-se em dinheiro as quotas dos restantes, e, na falta de acordo sobre a adjudicação, é a coisa vendida, podendo os consortes concorrer à venda. O acordo dos interessados presentes obriga os que não comparecerem, salvo se não tiverem sido notificados, devendo sê-lo.
A tramitação do processo é, assim, simplificada e abreviada, o que se compreende tendo em conta que o seu objecto se reconduz à divisão ou venda da coisa comum e que, podendo a propriedade ter muitos titulares, há que imprimir celeridade, de modo que um processo simples se prolongue demasiado no tempo.

Vejamos se tal desiderato se cumpriu no caso em apreço.

Como resulta do probatório, a acção de divisão de coisa comum foi instaurada em 07.12.2016, figurando na mesma como requeridos a ora autora e outros 19 intervenientes. Frustrada a citação postal de alguns requeridos – que não a ora autora -, foi promovida a citação dos mesmos por agente de execução. Em face de certidão negativa de citação de alguns dos requeridos, em 15.05.2017, foi proferido despacho a determinar o cumprimento do disposto no artigo 236.º do CPC quanto aos requeridos ainda não citados, em 15.09.2017, foi proferido despacho a determinar a citação edital dos requeridos não citados, nos termos do artigo 240.° do CPC, por ser desconhecido o seu paradeiro, e, em 04.12.2017, foi proferido despacho a determinar a citação do Ministério Público, em representação dos ausentes, nos termos do artigo 21.º do CPC.
Mais resulta que nenhum dos requeridos se apresentou a deduzir contestação. Tendo sido proferido despacho, em 20.02.2018, a determinar, ao abrigo do n.º 4 do artigo 926.° do CPC, a realização de perícia ao imóvel a dividir, em 23.04.2018, o perito enviou o relatório de perícia, que concluiu que o imóvel em perícia, correspondente a “uma moradia unifamiliar composta por dois pisos, com terreno de 37 m2, área bruta de construção de 74 m2”, é insusceptível de “divisão em fracções, com condições de habitabilidade devido à sua reduzida área” e tem um valor de mercado de € 74.000,00.
Em 17.07.2018, foi requerida a habilitação da sociedade “L… Unipessoal, Lda.” para assumir a posição processual de um dos requeridos, incidente que foi decidido em 22.11.2018, com a habilitação da referida sociedade.
Em 22.04.2019, foi proferida decisão a declarar o prédio a dividir indivisível, determinando o prosseguimento dos autos para que se pusesse termo à indivisão nos termos do n.º 2 do artigo 929.º do CPC, e, em 21.06.2019, proferido despacho a designar o dia 09.07.2019, para a realização da conferência de interessados prevista na referida norma legal. Iniciada a conferência de interessados, os mandatários presentes requereram a suspensão da instância por 8 dias, a qual foi, na própria diligência, homologada por despacho.
Por requerimento de 04.09.2019, a requerente deu conhecimento aos autos que “a Mesa Administrativa deliberou aceitar a proposta do pagamento do preço de 70.000 euros pelo comprador proponente do imóvel a dividir”, proposta que foi aceite pelos requeridos representados no processo por mandatário constituído, entre 04.09.2019 e 27.09.2019, tendo sido requerida, não só a notificação dos interessados sem mandatário constituído para informarem se aceitavam que o imóvel fosse transmitido por aquela quantia e se não pretendiam exercer direito de preferência, mas também a convocação da conferência de interessados para que a proposta da compra do prédio por € 70.000,00 fosse definitiva e formalmente aceite. Em 27.09.2019, foi proferido despacho a determinar a notificação de todas as partes que não litigassem com advogado para, em 10 dias, declararem a sua oposição à proposta de aquisição do imóvel pelo valor de € 70.000,00, com a cominação de, nada dizendo, a aceitarem. Por requerimento de 23.10.2019, a ora autora e outros requeridos requereram, novamente, a marcação da conferência de interessados.
Em data indeterminada, anterior a 20.11.2019, foi proferido despacho a determinar a conclusão dos autos ao juiz que sucedesse ao titular à data, considerando que se afigurava para breve que o mesmo entrasse em gozo de licença parental, e que não existia disponibilidade de agenda para realização da diligência em momento anterior. Em data indeterminada, anterior a 06.02.2020, foi proferido despacho a designar o dia 04.03.2020, para a realização da conferência de interessados. Em data indeterminada, anterior a 27.02.2024, foi proferido despacho a determinar a conclusão dos autos à juíza com competência para a sua tramitação em virtude de o juiz que o proferiu ter cessado a sua acumulação de funções no tribunal em causa. Em 27.02.2020, foi proferido despacho a reconhecer o impedimento de mandatário para estar presente na conferência de interessados agendada, ordenando a notificação dos mandatários para indicarem datas alternativas de comum acordo para a realização da diligência e, em 04.03.2020, foi proferido despacho a designar para o efeito o dia 26.03.2020. Em 12.03.2020, foi dada sem efeito a conferência de interessados agendada.
Por despacho proferido em data indeterminada, não posterior a 12.5.2020, foi determinada a notificação dos mandatários e das partes que não tivessem mandatário constituído para informarem se dispunham de condições para assegurar a realização da diligência referida e sua participação na mesma através de meios de comunicação à distância adequados, e que, caso nada dissessem no prazo concedido de 10 dias, entenderia o Tribunal que não se mostravam reunidas as condições e os prazos permaneceriam suspensos, nos termos do artigo 7.º, n.º 1 da Lei n.º l-A/2020, de 19 de Março, na redacção conferida pela Lei 4- A/2020, de 06 de Abril até à revogação dessa Lei. Em face da manifestação das partes de disponibilidade para realizar a diligência através dos referidos meios, foi proferido despacho, em data indeterminada, não posterior a 09.06.2020, a designar o dia 15.06.2020 para a realização da conferência de interessados. Todavia, foi proferido despacho, em data indeterminada, não posterior a 12.6.2020, a determinar a notificação dos mandatários para informarem se: “i) existe a possibilidade de obtenção de um acordo escrito que vise pôr termo ao processo e, se necessário for, a suspensão da instância com vista a esse fim, ou, em alternativa, se ii) dispõem eles próprios, as partes que representam, ou os demais interessados caso possuam essa informação, de meios de comunicação à distância, que possibilitem a realização deste acto por essa via, sem prejuízo de pronúncia já feita a esse propósito, ou ainda, iii) apelar aos mesmos para uma eventual junção aos autos de procurações com poderes especiais para intervir nesta diligência.” Apesar de ter sido requerida a manutenção da conferência de interessados no dia já designado (15.6.2020), sem oposição de qualquer das partes, foi proferido despacho em data indeterminada, anterior a 15.06.2020, a dar sem efeito a diligência agendada para aquela data, antevendo que a maior parte dos interessados não estaria presente e por o Tribunal não dispor de condições logísticas para garantir a presença de todos em segurança face à situação epidemiológica, e a determinar que os autos aguardassem por 20 dias, findos os quais deveria a secretaria solicitar informação acerca da disponibilização de um espaço exterior para realizar a diligência.
Por requerimento apresentado em data indeterminada, não anterior a 13.10.2020, a requerente deduziu incidente de habilitação dos herdeiros de um dos requeridos, incidente que foi decidido em 08.10.2021.
Por requerimento apresentado em data não identificada, anterior a 21.01.2022, a requerente deduziu incidente de habilitação dos herdeiros de um dos requeridos, o qual veio a ser decidido em data não definida, mas posterior a 11.07.2022.
Em 16.06.2023, o processo em causa mantinha-se pendente.

Ou seja, nesta data (16.06.2023) volvidos, pelo menos, 6 anos, 6 meses e 9 dias desde a data da instauração da acção, ainda não havia sido proferida decisão, nem sequer realizada a conferência de interessados, lapso de tempo este que é manifestamente exagerado para a conclusão do processo em causa, atendendo, não só à simplicidade da sua tramitação, mas também do seu objecto, visando apenas a divisão de coisa comum, considerando ainda que nenhum dos requeridos apresentou contestação.

Analisemos a fundamentação da sentença recorrida a propósito da justificação deste atraso.

As dificuldades de citação dos requeridos, devidas às circunstâncias de os mesmos serem 19 e de haver ausentes, não justificam que a conclusão de tal formalidade tenha ocorrido apenas em Dezembro de 2017 (com a citação do Ministério Público em representação dos ausentes), cerca de um ano após a instauração da acção. Com efeito, nos termos dos artigos 231.º e ss. do CPC, frustrando-se a notificação por via postal, procede-se à citação por agente de execução ou funcionário judicial e, constatada a impossibilidade de realização da citação, há lugar a diligências para obtenção de informação sobre o último paradeiro (designadamente com recurso às bases de dados disponíveis, de execução rápida), nos termos do n.º 1 do artigo 236.º do CPC, após o que, mantendo-se a incerteza do lugar em que se encontra o citando, se procede à citação edital, nos termos do artigo 240.º, prevendo, assim, o CPC mecanismos para agilizar a concretização da citação, que, aliás, foram adoptados, embora com uma dilação temporal que se mostra incompreensível e, por isso, inadmissível, sendo certo que a citação é diligência de cumprimento oficioso, que incumbe ao Tribunal, sem que resulte dos autos que as partes tenham, de algum modo, obstaculizado a sua realização.

Os incidentes da instância que tiveram lugar no processo em análise também não justificam qualquer atraso do mesmo, desde logo porque, quando foram requeridos, já o processo estava em atraso. Na verdade, o primeiro incidente foi o de habilitação de uma sociedade para assumir a posição processual de um dos requeridos e foi requerido em 17.07.2018, já depois de apresentado o relatório pericial, e, portanto, em momento avançado da tramitação, numa fase em que já seria suposto ter sido agendada – ou até realizada – a conferência de interessados, última fase do processo. O segundo incidente da instância foi o de habilitação de herdeiros de outro requerido, o qual foi requerido em data indeterminada, não anterior a 13.10.2020, numa fase em que se notava um manifesto atraso no agendamento da conferência de interessados – e, portanto, no processo -, sendo de registar que tal incidente apenas foi decidido em 08.10.2021, quase 1 ano após ter sido requerido, o que, só por si, consubstancia um atraso inexplicável. O mesmo se diga do terceiro incidente, de habilitação de herdeiros de um dos requeridos, que foi requerido em data não identificada, anterior a 21.01.2022, e só veio a ser decidido em data não definida, mas posterior a 11.07.2022, cerca de 6 meses depois de requerido. Note-se que o probatório apenas dá conta da ocorrência de 3 incidentes da instância, e não 4, como refere a sentença recorrida.

Quanto à suspensão dos prazos processuais, decorrente da aplicação do regime processual transitório e excepcional que vigorou em resposta à situação epidemiológica provocada pelo vírus SARS-CoV-2, a mesma apenas ocorreu – como é referido na sentença recorrida - nos períodos de 12 de Março a 02 de Junho de 2020 e de 22 de Janeiro a 5 de Abril de 2021. Ora, em tais períodos, estava em curso o agendamento da conferência de interessados, e não corria qualquer prazo que pudesse ter sido suspenso, importando, assim, apenas analisar o impacto da aplicação de tal legislação na realização da referida diligência.
Tendo sido dada sem efeito a conferência de interessados agendada para 12.03.2020 com fundamento na divulgação n.º 69/2020 do Conselho Superior da Magistratura (CSM) – que determinou que “só deverão ser realizados os actos processuais e diligências nos quais estejam em causa direitos fundamentais” -, por despacho proferido em data indeterminada, não posterior a 12.5.2020, foi determinada a notificação dos mandatários e das partes que não tivessem mandatário constituído para informarem se dispunham de condições para assegurar a realização da diligência referida e sua participação na mesma através de meios de comunicação à distância adequados, e, tendo as partes manifestado ao Tribunal disponibilidade para realizar a diligência através dos referidos meios, foi proferido despacho, em data indeterminada, não posterior a 09.06.2020, a designar o dia 15.06.2020 para a realização da conferência de interessados, sendo certo que, em tal data, já não se encontrava em vigor o referido regime excepcional. Sucede que, e sem que se alcance qualquer justificação válida para o efeito, foi proferido despacho, em data indeterminada, não posterior a 12.6.2020, a determinar a notificação dos mandatários para informarem se: “i) existe a possibilidade de obtenção de um acordo escrito que vise pôr termo ao processo e, se necessário for, a suspensão da instância com vista a esse fim, ou, em alternativa, se ii) dispõem eles próprios, as partes que representam, ou os demais interessados caso possuam essa informação, de meios de comunicação à distância, que possibilitem a realização deste acto por essa via, sem prejuízo de pronúncia já feita a esse propósito, ou ainda, iii) apelar aos mesmos para uma eventual junção aos autos de procurações com poderes especiais para intervir nesta diligência.” Ora, em primeiro lugar, não foi pelas partes dado qualquer sinal de obtenção de acordo, que levasse o Tribunal a questionar as partes sobre o mesmo; em segundo lugar, as partes já haviam manifestado disporem de meios de comunicação aptos a realizar a diligência à distância, pelo que estamos perante uma repetição de despacho que visa uma resposta já dada; em terceiro lugar, a lei não prevê “apelos” do Tribunal para que as partes se façam representar por mandatário com poderes especiais. Assim sendo, o referido despacho carece de fundamento, sendo dilatório. Apesar disso, e não obstante as partes, uma vez do mesmo notificadas, terem requerido a manutenção da conferência de interessados no dia previamente designado (15.6.2020), sem oposição de qualquer das demais partes, foi proferido despacho em data indeterminada, anterior a 15.06.2020, a dar sem efeito a data previamente designada para a realização da conferência de interessados, assente na antevisão de que a maior parte dos interessados não estaria presente e na falta de condições logísticas do Tribunal para garantir a presença de todos em segurança face à situação epidemiológica, e a determinar que os autos aguardassem por 20 dias, findos os quais deveria a secretaria solicitar informação acerca da disponibilização de um espaço exterior para realizar a diligência. Ora, também este despacho se mostra dilatório e sem qualquer fundamento, pois que nenhuma razão válida foi invocada para dar sem efeito a diligência, não podendo o Tribunal “antever” e presumir as faltas das partes, e carecendo de justificação que a diligência decorra em “espaço exterior”. Enfim, do probatório não resulta que tenha sido novamente agendada a conferência de interessados.
Assim, podemos concluir que a aplicação do referido regime excepcional não justifica o atraso constatado no andamento do processo, ao contrário do que se concluiu na sentença.

Constata-se ainda que decorreu praticamente 1 ano desde a apresentação do relatório pericial (em 23.04.2018) até à prolação de despacho a declarar o prédio a dividir indivisível, determinando o prosseguimento dos autos para que se pusesse termo à indivisão nos termos do n.º 2 do artigo 929. ° do CPC (em 22.04.2019). Refere, a propósito, a sentença recorrida – considerando que assim se justifica este lapso de tempo - que, em tal período ocorreu a promoção do registo da acção de divisão de coisa comum, a tramitação de um incidente de habilitação de adquirente, e a regularização do patrocínio judiciário de uma das requeridas no processo após renúncia dos respectivos mandatários constituídos. No entanto, tais ocorrências não justificam o atraso no agendamento da conferência de interessados que se impunha. Com efeito, a promoção do registo da acção poderia correr em paralelo, não implicando a paragem do processo. O incidente de habilitação foi requerido em 17.07.2018, ou seja, cerca de 3 meses depois da apresentação do relatório pericial, sem que, inexplicavelmente, tivesse sido dado qualquer impulso ao processo nesse lapso de tempo, sendo igualmente incompreensível que tal incidente apenas tenha sido decidido em 22.11.2018 (mais de 4 meses após ter sido requerido). A renúncia ao mandato foi apresentada em 16.11.2018, ainda antes de decidido o incidente de habilitação, e numa altura em que já havia atraso na marcação da conferência de interessados, e só em 05.12.2018, foi proferido despacho a determinar a notificação da requerida para, no prazo de 20 dias, constituir novo mandatário, sob pena de o processo prosseguir os seus termos.
Portanto, ao contrário do que se concluiu na sentença recorrida, tais ocorrências não justificam o lapso de tempo referido sem agendamento da conferência de interessados, o qual só ocorreu em 21.06.2019 – cerca de 1 ano e 2 meses após a apresentação do relatório pericial -, com a prolação de despacho a designar o dia 09.07.2019, para a realização da conferência de interessados, que acabou por ainda não ter tido lugar, atenta a matéria de facto provada.

Relativamente à natureza do litígio e à sua importância para a autora, ainda que de cariz patrimonial, a sua resolução mostra-se importante para a mesma, considerando que é uma das proprietárias do imóvel cuja divisão foi requerida, tendo, por isso, interesse na resolução do processo, tendo-se provado ainda, não só que a autora anda ansiosa a aguardar por uma decisão final do processo, manifestando preocupação, nervosismo e frustração por não conseguir resolver a situação através da venda do imóvel, encontrando-se o prédio em estado degradado e a necessitar de obras, mas também que a autora questiona frequentemente pelo estado em que se encontra o processo.

Finalmente, como reconhece a sentença quanto ao comportamento das partes, houve “uma actuação tendencialmente diligente dos principais intervenientes no processo especial de divisão de coisa comum objecto destes autos, incluindo a aqui Autora”.

Atento o exposto, afigura-se que, de forma injustificada, foi ultrapassado o prazo razoável para a decisão do processo, com um atraso de cerca de 3 anos e 6 meses, considerando a referência do prazo razoável correspondente a 3 anos de duração do processo na primeira instância, pelo que se verifica, in casu, o pressuposto da ilicitude.

Assim, a decisão recorrida padece de erro de julgamento por ter considerado não verificado o pressuposto da ilicitude, o que determina a respectiva revogação.

Aqui chegados, importa decidir o objecto da causa, nos termos do n.º 1 do artigo 149.º do CPTA, apreciando os demais pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.

Analisando agora a culpa, indubitavelmente existiu uma culpa de serviço, globalmente considerada, não tendo a justiça sido administrada de acordo com os parâmetros de eficiência expectáveis num Estado de Direito dado que a decisão do processo não teve lugar num prazo razoável e que a tramitação que foi imprimida ao processo claramente proporcionou a ocorrência do atraso, sendo certo que, como resulta do artigo 6.º, n.º 1, do CPC, cumpre ao juiz dirigir activamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório, pelo que se considera preenchido o pressuposto da culpa.

No que respeita aos danos e ao nexo de causalidade, a autora logrou provar a ocorrência de danos não patrimoniais, embora os mesmos se presumam, de acordo com a jurisprudência do TJUE e dos tribunais nacionais. Com efeito, provou-se, não só que a autora anda ansiosa a aguardar por uma decisão final do processo, manifestando preocupação, nervosismo e frustração por não conseguir resolver a situação através da venda do imóvel, encontrando-se o prédio em estado degradado e a necessitar de obras, mas também que a autora questiona frequentemente pelo estado em que se encontra o processo, danos estes que correspondem aos normalmente produzidos (e presumidos) nos casos de violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável.

Ficou ainda patente o nexo de causalidade entre tais danos e a demora no desfecho do processo na medida em que, não fosse tal delonga, não teria a autora sofrido, na sua esfera pessoal, com ansiedade, perturbação, preocupação e desgaste psicológico, conforme se demonstrou.

Verificados os pressupostos de que depende a responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, por danos decorrentes do exercício da função administrativa, cumpre fixar o quantum indemnizatório (cfr. artigo 3.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro).
Nos termos do artigo 496.º, n.º 4, 1.ª parte, do Código Civil, “O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º;”, sendo estas circunstâncias “o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem” (cfr. artigo 494.º). Sem embargo, “Ainda aqui, há igualmente que atender à jurisprudência do TEDH, que tem exigido que a indemnização a atribuir pelo juiz nacional seja razoável e em montante idêntico aos atribuídos por aquele TEDH para casos semelhantes. Para aferir os casos semelhantes o TEDH compara os números de anos, o número de jurisdições em que os casos correram, a importância dos interesses em jogo, o comportamento das partes e considera as situações para um mesmo país (c. neste sentido, entre outros, os Acs. do TEDH n.º 36813/97, de 29-03-2006, Scordino c. Itália, 64699/01, de 29-03-2006, Musci c. Itália ou 64890/01, de 10-11-2004, Apicella c. Itália). Ou seja, para aferir do quantum da indemnização a arbitrar nos processos de indemnização decorrentes de atraso na decisão de processo judicial deve considerar-se os padrões fixados, quer na jurisprudência nacional, quer do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem” – cfr. o Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul, de 19.04.2018, proferido no processo n.º 12258/15 (in www.dgsi.pt).
Conforme se aludiu acima, o processo em causa, ainda que não tivesse terminado à data da prolação da sentença recorrida, teve, pelo menos, uma duração total de 6 anos, 6 meses e 9 dias, considerando que se iniciou em 07.12.2016, encontrando-se sem decisão em 16.06.2023, conforme resulta do probatório, constatando-se no mesmo um atraso injustificado global de cerca de 3 anos e 6 meses, considerando a referência do prazo razoável de 3 anos, que se mostra adequada no caso em apreço.
Em face das circunstâncias do caso concreto, acima expostas em sede de análise da fundamentação da sentença recorrida, e dos danos não patrimoniais sofridos pela autora, entende-se que os mesmos merecem a tutela do direito, sendo adequada a fixação do seu montante em € 3.850,00, correspondente a € 1.100,00 por cada ano de atraso.
No que concerne aos juros peticionados, dispõe o n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil que a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos.
Nos termos do artigo 804.º, a simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor, considerando-se aquele constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido. Na obrigação pecuniária, a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora, sendo os juros devidos os juros legais – cfr. artigo 806.º, n.ºs 1 e 2. O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir - artigo 805.º, n.º 1 – e, se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número – cfr. n.º 3. Face ao disposto nesta norma, em regra, na responsabilidade civil por facto ilícito, o devedor constitui-se em mora desde a citação. Todavia, em conformidade com o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2002, de 09.05.2002, “sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”.
Estando em causa indemnização por danos não patrimoniais, calculada, de modo actualizado, na presente decisão, são devidos juros de mora sobre a mesma à taxa legal, desde a data da decisão até efectivo e integral pagamento.

A autora também pede o acréscimo da quantia de € 1.100,00 por cada ano de atraso após a citação para a presente acção. Sucede que não alega quaisquer factos relacionados com a tramitação do processo ao qual imputa o atraso, para além dos que constam do probatório (até 16.06.2023), deste modo inviabilizando o apuramento da ilicitude após a referida data, na medida em que tal pressupõe a violação do prazo razoável, violação essa que, por sua vez, terá de assentar naqueles factos. Assim sendo, improcede o pedido nesta parte.

Pede ainda a autora o pagamento de honorários a advogado neste processo e de quaisquer quantias que eventualmente sejam devidas a título de imposto que incida sobre as quantias recebidas do Estado.
Quanto ao pagamento de honorários a advogado, não foram alegados quaisquer factos concretizadores de tal pedido, sem que se perceba se a quantia peticionada se refere à presente acção ou ao processo ao qual é imputado o atraso. Sem embargo, “Na indemnização devida à parte vencedora a título de responsabilidade civil por atraso na administração da justiça não é de incluir a importância decorrente das despesas com os honorários do seu advogado que, estando sujeitas a um regime específico, só podem ser compensadas através das custas de parte nos termos previstos no Código de Processo Civil e Regulamento das Custas Processuais.” - cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 05.03.2020, proferido no processo n.º 0284/17.5BELSB (in www.dgsi.pt). Por conseguinte, improcede este pedido.

Relativamente ao pagamento de quantias eventualmente devidas a título de imposto que incida sobre as quantias recebidas do Estado, como se reconhece no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13.01.2022, proferido no processo n.º 02386/16.6BEPRT (in www.dgsi.pt), decorre da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem a imposição da sua atribuição. Para o efeito, deve o Estado ser condenado a pagar a quantia que venha a ser devida a título de impostos pela indemnização atribuída, o que se determinará.
*
Vencidas, são ambas as partes responsáveis pelo pagamento das custas, nos termos do artigo 527.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, na proporção do decaimento, que se fixa em 30% para a autora recorrente e 70% para o réu recorrido, considerando que a primeira peticionou indemnização no valor de € 5.500,00, tendo o segundo sido condenado a pagar-lhe indemnização no valor global de € 3.850,00.

V – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, em substituição, condenar o réu a pagar à autora a quantia de € 3.850,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora desde a data da presente decisão até efectivo e integral pagamento, assim como no pagamento das quantias que forem exigidas à recorrente a título de obrigações fiscais pelo recebimento daquela quantia indemnizatória.

Custas por ambas as partes em função do decaimento (30% para a autora recorrente e 70% para o réu recorrido)

Lisboa, 27 de Março de 2025

Joana Costa e Nora (Relatora)
Marta Cavaleira
Marcelo Mendonça