Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:32397/25.4BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:09/25/2025
Relator:LINA COSTA
Descritores:PROTECÇÃO INTERNACIONAL,
RETOMA A CARGO
Sumário:I - Adquirida a informação de que o Recorrente residiu em Espanha nos seis meses antes de formular o pedido perante a AIMA, o procedimento administrativo referente a este pedido de protecção internacional ficou suspenso e foi iniciado o procedimento especial de determinação do Estado responsável pela sua análise, previsto no capítulo IV, artigos 36º a 40º, da Lei do Asilo, de acordo com o disposto nos artigos 3º, nº 2, e 13º do Regulamento (EU) nº 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho, e, uma vez aceite a retoma pelas autoridades espanholas, a Recorrida ficou obrigada/vinculada a considerar o pedido em apreciação, de protecção internacional, inadmissível [cfr. artigo 19º-A, nº 1, alínea a) da Lei do Asilo], sem ter o dever de conhecer do respectivo mérito ou de verificar do regular funcionamento do sistema de acolhimento dos requerentes de protecção nesse Estado;
II - Assim, extravasando o conteúdo do acto impugnado (que declarou inadmissível o pedido de protecção do A., repete-se), também não cumpria ao tribunal recorrido aferir se o A./recorrente reúne as condições mínimas para beneficiar do estatuto de protecção internacional, quanto mais não seja na vertente da concessão de autorização humanitária, ou se devia beneficiar da dúvida, não havendo razões para concluir pela inveracidade das suas afirmações [conclusões 1ª a 3ª do recurso];
III - O recurso da sentença recorrida é o meio próprio para o Recorrente peticionar que lhe seja concedida protecção subsidiária, quando na petição apenas requereu a anulação do acto impugnado e a condenação da Recorrida a praticar novo acto sem défice instrutório.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:M…, devidamente identificado como Requerente nos autos de acção administrativa de impugnação, com tramitação urgente, instaurados contra a Agência para a Integração, Migrações e Asilo, I.P, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença, proferida em 25.6.2025, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que julgou a acção totalmente improcedente e, em consequência, manteve o acto impugnado na ordem jurídica.
Nas respectivas alegações, o Recorrente formulou as seguintes conclusões:
“1ª- Perante o quadro apresentado pelo aqui recorrente, afigura-se que este reúne condições mínimas para beneficiar do estatuto de protecção internacional, quanto mais não seja na vertente da concessão de autorização de residência;
2ª– A factualidade invocada pelo recorrente tem, seguramente, alguma pertinência para, beneficiando da dúvida, poder ser considerada o autor-recorrente como refugiado ou pessoa elegível para protecção subsidiária, designadamente para efeitos de concessão de autorização de residência, por razões humanitárias;
3ª– A situação fáctica do recorrente, tal como este a descreve – e não há razões de ordem substancial que permitam concluir de todo pela inveracidade das afirmações por si produzidas – tem o seu enquadramento normativo no Artº 7º da referida Lei nº 27/2008, de 30.06, segundo a qual é concedida autorização de residência por razões humanitárias aos estrangeiros e aos apátridas a quem não sejam aplicáveis as disposições do Artº 3º e que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao País da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos, que aí se verifique, quer por correrem o risco de sofrer ofensa grave.
4ª– Entende-se, assim, que a douta sentença recorrida faz um errado enquadramento dos factos invocados pelo aqui recorrente sendo certo que estes têm cabimento normativo no citado Artº 7º, preceito este que, à semelhança do que acontece com o disposto nos Artsº 3º e 19º da referida Lei nº 27/2008, foram igualmente violados pelo Mmº Juiz recorrido, por omissão e por erro de interpretação e de aplicação.
Face ao exposto,
Deve o presente recurso ser considerado procedente e provido, por ausência de fundamentação, ordenando-se a renovação do acto impugnado por forma a que seja concedida ao recorrente a protecção subsidiária, nos termos do nº 1 e 2º-c) do Artº 7º da Lei nº 27/2008, de 30.06.».

Notificada para o efeito, a Entidade recorrida não contra-alegou

O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Sem vistos, por se tratar de processo urgente, mas com apresentação do projecto de acórdão aos Exmos. Juízes-Adjuntos, o processo vem à conferência para julgamento.

As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, consistem, em suma, em saber se o tribunal recorrido efectuou um errado enquadramento dos factos invocados na petição e violou o disposto nos artigos 7º, 3º e 19º da Lei nº 27/2008, de 30 de Junho [doravante apenas Lei do Asilo], por omissão e por erro de interpretação e de aplicação.

A matéria de facto relevante é a constante da sentença recorrida, a qual, por não ter sido impugnada, aqui se dá por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 6 do artigo 663º do CPC, ex vi o nº 3 do artigo 140º do CPTA.

Resulta da petição inicial que o A. instaurou a presente acção de impugnação do despacho da AIMA de 8.5.2025 que considerou inadmissível o seu pedido de protecção internacional e determinou que a Espanha é o Estado-membro responsável pela sua análise, por vícios de violação de lei e de forma, peticionando, a final, a respectiva anulação e que a Entidade demandada seja condenada a instruir o procedimento administrativo com informação fidedigna actualizada sobre o funcionamento do procedimento de asilo nesse país e as condições de acolhimento dos requerentes de protecção internacional.

O tribunal recorrido julgou a acção improcedente, por não se verificarem os vícios imputados ao acto impugnado de falta de fundamentação, de défice de instrução e de erro sobre os pressupostos de facto.

No recurso, o Recorrente defende que o tribunal a quo incorreu em erros de julgamento, por omissão, ausência de fundamentação, e errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 7º, 3º e 19º da Lei do Asilo.

Mas não lhe assiste qualquer razão.
Com efeito, os referidos artigos respeitam aos pressupostos legais exigidos para o requerente de protecção internacional poder beneficiar de asilo (artigo 3º) ou de autorização de residência por razões humanitárias (artigo 7º) e as situações em que a análise do correspondente pedido está sujeita a tramitação acelerada.
Ora, no caso em apreciação o pedido do aqui Recorrente foi considerado inadmissível e determinada a sua transferência para Espanha, o Estado-membro considerado responsável pela sua análise, no âmbito do subprocedimento de determinação do Estado-Membro responsável pela apreciação daquele, pelo que a consequência legal da procedência da acção, ou da anulação do acto impugnado não poderia ser a concessão de asilo ou de autorização de residência por protecção subsidiária, como vem peticionado (no recurso), mas a retoma do subprocedimento a momento anterior à decisão anulada para suprir/sanar o vício que o tribunal recorrido nele teria encontrado.
Dito de outro modo, adquirida a informação de que o Recorrente residiu em Espanha nos seis meses antes de formular o pedido perante a AIMA, o procedimento administrativo referente a este pedido de protecção internacional ficou suspenso e foi iniciado o procedimento especial de determinação do Estado responsável pela sua análise, previsto no capítulo IV, artigos 36º a 40º, da Lei do Asilo (procedimento administrativo especial dentro do procedimento inicial), de acordo com o disposto nos artigos 3º, nº 2, e 13º do Regulamento (EU) nº 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho, e, uma vez aceite a retoma pelas autoridades espanholas, a Recorrida ficou obrigada/vinculada a considerar o pedido em apreciação, de protecção internacional, inadmissível [cfr. artigo 19º-A, nº 1, alínea a) da Lei do Asilo], sem ter o dever de conhecer do respectivo mérito ou de verificar do regular funcionamento do sistema de acolhimento dos requerentes de protecção nesse Estado.
Pelo que, extravasando o conteúdo do acto impugnado (que declarou inadmissível o pedido de protecção do A., repete-se), também não cumpria ao tribunal recorrido aferir se o A./recorrente reúne as condições mínimas para beneficiar do estatuto de protecção internacional, quanto mais não seja na vertente da concessão de autorização humanitária, ou se devia beneficiar da dúvida, não havendo razões para concluir pela inveracidade das suas afirmações [conclusões 1ª a 3ª do recurso], por se tratar de matéria atinente à análise do pedido de protecção formulado, da responsabilidade das autoridades espanholas, considerado prejudicado pelo decisão de transferência do processo e do Recorrente para Espanha.
Em face do que, a sentença recorrida não incorre na alegada (em termos genéricos e abstractos) ausência de fundamentação sobre o enquadramento dos factos alegados na petição no estatuto do refugiado, por não estar em causa nos autos o conhecimento do mérito do pedido de protecção internacional do Recorrente.
Nem o recurso da sentença recorrida é o meio próprio para o Recorrente peticionar que lhe seja concedida protecção subsidiária, quando na petição apenas requereu a anulação do acto impugnado e a condenação da Recorrida a praticar novo acto sem défice instrutório.
O objecto do recurso é a sentença recorrida, o que nela foi apreciado e decidido em função do que foi alegado e requerido pelas partes nos autos, não podendo o tribunal ad quem conhecer de questões, fundamentos, vícios do acto impugnados novos, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, e muito menos, em observância do princípio do dispositivo, de novos pedidos.
Em suma, por não atacar directamente os fundamentos em que assenta a sentença recorrida e por não poderem proceder as alegações/conclusões formuladas, nos termos em que o foram, deve o recurso improceder.

Nos termos do artigo 84º da Lei nº 27/2008, de 20 de Junho, o presente processo é gratuito, não havendo lugar a custas.

Por tudo quanto vem exposto acordam os Juízes da Subsecção Administrativa Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida na ordem jurídica.

Sem custas.

Registe e Notifique.

Lisboa, 25 de Setembro de 2025.


(Lina Costa – relatora)

(Ana Lameira)

(Mara de Magalhães Silveira)