Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:18769/25.8BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:09/25/2025
Relator:MARIA TERESA CAIADO FERNANDES CORREIA (RELATORA POR VENCIMENTO)
Descritores:ART.º 6.º N.º 5 E N.º 6 DO DL N.º 57/2016, DE 29 DE AGOSTO NA REDAÇÃO INTRODUZIDA PELA LEI N.º 57/2017, DE 19 DE JULHO.
Sumário:1. A exigência do interesse estratégico para a abertura do procedimento para categoria da carreira de investigação científica ou da carreira de docente do ensino superior, de acordo com as funções desempenhadas pelo contratado doutorado, contida no n.º 5 do art. 6.º do DL n.º 57/2016 de 29 de agosto na redação introduzida pela Lei n.º 57/2017, de 19 de julho, não configura a violação de qualquer direito, liberdade ou garantia da recorrente ou outro de natureza análoga;

2.No que importa considerar para a economia dos autos, o cerne da questão é, pois, a densificação do interesse estratégico da instituição universitária para a determinação da abertura de concurso: cfr. art.º 6.º n.º 5 e n.º 6 do DL n.º 57/2016, de 29 de agosto na redação introduzida pela Lei n.º 57/2017, de 19 de julho; Acórdão de 2025-07-15, processo n.º 14886/25.2BELSB e Acórdão de 2025-08-13, processo n.º 14247/25.3BELSB, ambos deste Tribunal Central Administrativo e disponíveis em www.dgsi.pt;

3.Tal interesse estratégico da instituição será sempre determinado em função dos objetivos visados pela mesma, conforme sejam definidos no âmbito da respetiva autonomia pedagógica e científica (…) : cfr. art.º 6.º n.º 5 e n.º 6 do DL n.º 57/2016, de 29 de agosto na redação introduzida pela Lei n.º 57/2017, de 19 de julho; Acórdão de 2025-09-11, processo n.º 20635/25.8BELSB; Acórdão de 2025-07-15, processo n.º 14886/25.2BELSB e Acórdão de 2025-08-13, processo n.º 14247/25.3BELSB, todos deste Tribunal Central Administrativo e disponíveis em www.dgsi.pt;

4. “… para o litígio em apreço, não releva a questão de saber se as funções desempenhadas satisfazem necessidades permanentes da instituição de ensino superior, na medida que essa circunstância não releva para efeitos da aplicação do n.º 5 do art.º 6.º do DL n.º 57/2016. Por outras palavras, não é em função do desempenho de necessidades permanentes que o concurso é aberto ou não, não estando em causa um procedimento de regularização de vínculos contratuais precários. A necessidade permanente da função pode relevar, sim, para efeitos do interesse estratégico da instituição, mas esse é um juízo discricionário, nos termos expostos…” : vide Acórdão deste Tribunal Central Administrativo, de 2025-09-11, processo n.º 25013/25.6BELSB, disponível em www.dgsi.pt; cfr. art.º 6.º n.º 5 e n.º 6 do DL n.º 57/2016, de 29 de agosto na redação introduzida pela Lei n.º 57/2017, de 19 de julho versus Lei n.º 112/2017, de 29 de dezembro;

5.Por fim, sempre se dirá que se, por um lado, importa ter presente o contexto histórico e evolutivo da norma (no caso o art.º 6.º do DL n.º 57/2016) não se mostra, por isso, despiciendo ter presente as diferentes iniciativas parlamentares, as exposições de motivos e as diferentes pronúncias das instituições de ensino superior que tiveram relevância nas alterações legislativas da norma em apreço, mas, por outro lado, não se mostra possível ignorar o elemento literal e final da norma aprovada e publicada na redação da Lei n.º 57/2017, de 19 de julho, assim se concluindo que o Legislador não podia desconhecer as implicações das diferentes formas de redação, donde, tendo optado pela redação que optou, presume-se, por força da lei, ter logrado exprimir o seu pensamento legislativo em termos adequados: cfr. art. 9º n.º 3 do Código Civil – CC.

Votação:COM VOTO DE VENCIDA
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Social
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO acordam os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul – Subsecção Social:
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I. RELATÓRIO:
ANA ……………….., com os demais sinais dos autos, intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa – TAC de Lisboa, contra o INSTITUTO SUPERIOR DE AGRONOMIA DA UNIVERSIDADE DE LISBOA, ação de Intimação para Proteção de Direitos, Liberdades e Garantias, pedindo a procedência da ação e a consequente condenação da “… Ré a realizar todos os procedimentos adequados, (…) que se consubstanciam na abertura de procedimento concursal para ocupação de um posto de trabalho na carreira de investigação científica, de acordo com as funções desempenhadas pela A…”.
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O TAC de Lisboa, por decisão datada de 2025-06-26, julgou a ação improcedente: cfr. fls. 168 a 175.
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Inconformada a A., ora recorrente, interpôs recurso de apelação para este Tribunal Central Administrativo do Sul -TCA Sul, no qual peticionou, além do mais, a revogação da decisão recorrida e a procedência da ação de intimação, apresentando para tanto as respetivas alegações e conclusões: cfr. 179 a 211.
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Outrossim a entidade recorrida, apresentou contra-alegações, pugnando, desta feita, pela manutenção da decisão recorrida: cfr. fls. 212 a 224.

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O recurso foi admitido e ordenada a sua subida em 2025-07-25: cfr. fls. 226.
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A Digna Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal Central, de acordo com o disposto no art. 146º e art. 147º ambos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos - CPTA, emitiu parecer, concluindo, em síntese, que: “… deve ser negado provimento ao presente recurso …”.: cfr. fls. 233 a 236.
E, de tal parecer, foram as partes notificadas: cfr. fls. fls 237 a 239.
Respondeu tão somente a recorrente, sustentando em síntese útil, que “…o douto Parecer do Ministério Público faz errada interpretação e aplicação do n.º 5 do art. 6.º do DL n.º 57/2016”.: cfr. fls. 240 a 249.
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Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente (cfr. art. 36º nº 2 do CPTA), mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo à conferência para julgamento.
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II. OBJETO DO RECURSO:
Delimitadas as questões a conhecer pelo teor das alegações de recurso apresentadas pelo recorrente, e respetivas conclusões (cfr. art. 635°, n° 4 e art. 639°, n°1, nº. 2 e nº 3 todos do Código de Processo Civil – CPC ex vi artº 140° do CPTA), não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas - salvo as de conhecimento oficioso -, importa apreciar e decidir agora se a decisão sob recurso padece do invocado erro de julgamento de direito.
Vejamos:
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III. FUNDAMENTAÇÃO:
A – DE FACTO:
Remete-se para os termos da decisão da 1.ª instância que decidiu a matéria de facto: cfr. art. 663º n.º 6 do CPC ex vi art. 1.º, art. 7º-A e art. 140.º n.º 3 todos do CPTA.
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B – DE DIREITO:
DO ERRO DE JULGAMENTO DE DIREITO (v.g. art. 6.º n.º 5 do DL 57/2016, de 29 de agosto na redação introduzida pela Lei n.º 57/2017, de 19 de julho):
Principia a recorrente por concluir que: “… 2. Não teve em conta que através da presente ação a Recorrente pretende que a Recorrida proceda à abertura do concurso que, na sua opinião, está obrigada
a abrir.
3. A precariedade da Recorrente ao serviço da Recorrida remonta ao ano de 2009 (cfr. 1. da fundamentação de facto da douta sentença recorrida). Por isso, não se entende que a violação do disposto no n.º 5 do art. 6.º do DL n.º 57/2016 não configure a violação de qualquer direito, liberdade ou garantia
da Recorrente ou outro de natureza análoga, conforme parece resultar da douta sentença recorrida. Nomeadamente de violação da liberdade de escolha de profissão e do direito de acesso à função pública, com consagração constitucional no art. 47.º da nossa Lei Fundamental.
4. A condenação da Recorrida na abertura de um concurso que devia ter ocorrido até 6 meses do final do contrato de trabalho celebrado com a Recorrente não é compatível com as finalidades da ação administrativa, que não permite suster os prejuízos decorrentes da falta de abertura do concurso, e não pode ser objeto de uma providência cautelar.
5. Quanto à urgência e à repercussão do decurso do tempo na ação de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, este tipo de ação não está subordinada a prazo, mas só deve ser usada se for o único meio que em tempo útil permita evitar a lesão do direito do A.. Para efeitos de aferição da necessidade da intimação, o A. deve demonstrar que a intimação é indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, no sentido de não poder voltar a exercer o direito cuja efetividade está comprometida. O acórdão proferido pelo STA em 16/05/2019, processo n.º
2762/17 e a doutrina ensinada por Rui Mesquita Guimarães em CJA n.º 135,págs. 3 a 8, ambos supra citados, sustentam esta posição aqui apresentada pela Recorrente.
6. Como melhor descrito na petição inicial, ficou demonstrada a especial urgência na tomada de decisão judicial, mostrando-se provada a indispensabilidade do recurso a este meio processual de intimação para
proteção do direito da Recorrente de acesso à função pública em condições de igualdade, consagrado no art. 47.º n.º 2 da CRP, direito esse reforçado pelo Princípio da Igualdade, consagrado no art. 13.º da CRP.
7. Este entendimento foi vertido na sentença proferida no processo n.º 14247/25.3BELSB, que corre termos no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que condenou a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa por ter concluído que: “a norma do supracitado n.º 5 do art. 6.º do DL n.º 57/2016, consagra uma obrigação vinculada da entidade empregadora pública, condicionada ao seu “interesse estratégico”, mas que não pode servir de justificação para neutralizar por completo a abertura do procedimento, quando estejam em causa funções de carácter permanente.(…) O cumprimento formal da abertura de concursos em áreas genéricas não equivale, necessariamente, ao cumprimento substancial da obrigação legal imposta pelo n.º 5 do art. 6.º do DL 57/2016. Tal interpretação desvirtuaria os objetivos da norma, comprometendo a proteção do direito de acesso à função pública e o princípio da segurança no emprego (art. 47.º e 53.º da CRP), além de abrir espaço à perpetuação da precariedade em violação da Diretiva 1999/70/CE. (…) entende este Tribunal, que a Entidade Demandada não deu integral cumprimento ao disposto no n.º 5 do art. 6.º do DL n.º 57/2016, de 29 de agosto, com a redação dada pela Lei n.º 57/2017, por não ter promovido, até seis meses antes do termo do contrato, a abertura de procedimento concursal adequado e dirigido à categoria da carreira de investigação científica compatível com as funções efetivamente desempenhadas pela A..”
8. Quanto ao “interesse estratégico”, a douta sentença recorrida faz uma errada interpretação deste conceito, plasmado no n.º 5 do art. 6.º do DL n.º 57/2016. Como abordado supra de forma mais alargada, este conceito aplica-se a todo o tipo de organização ou atividade humana. Através deles são definidos
os objetivos e a necessidades de uma determinada organização. A investigação científica e o ensino superior, são interesses estratégicos porque, o primeiro sustenta o desenvolvimento económico e social; garante autonomia e soberania em setores-chave; projeta a influência de Portugal e das instituições de ensino superior no cenário global; e responde de forma qualificada aos grandes desafios do presente e do futuro que se colocam a Portugal e ao Mundo. Ao passo que o segundo fortalece a base científica, tecnológica, económica e social de Portugal, contribuindo de forma indispensável para o seu desenvolvimento sustentável, a sua soberania e a sua presença no palco Internacional.
9. A Recorrida integra uma Universidade com elevado prestígio em Portugal e no Mundo, tem um Plano Estratégico para 2023/2027, consultável em https://www.ulisboa.pt/documento/plano-estrategico-2023-2027, que assenta em três pilares fundamentais: Ensino, Investigação e Inovação e valorização do conhecimento, cujo conteúdo se encontra supra transcrito. É ainda de acrescentar que na página n.º 48 deste documento, nos objetivos elencados no âmbito dos recursos, é definido o combate “à precariedade dos vínculos laborais de docentes, investigadores e trabalhadores técnicos e administrativos”.
10. Quanto à interpretação a dar à expressão “em função do seu interesse estratégico”, contida no n.º 5 do art. 6.º do DL 57/2016, o “Relatório da discussão e votação na especialidade, texto final da Comissão de Educação e Ciência e propostas de alteração apresentadas pelo PS, BE e PCP”, registado no Diário da Assembleia da República, de 1 de junho de 2017, II série B, n.º 48, págs. 7 e 8, consultável em https://debates.parlamento.pt/catalogo/r3/dar/s2b/13/02/048/2017-06- 01/7?pgs=6-35&org=PLC&plcdf=true e supra transcrito na íntegra, é um bom contributo neste domínio interpretativo. De acordo com este relatório, ao introduzir esta norma o legislador teve como objetivo dar resposta ao problema criado com “a separação entre investigação e docência, e que esta separação foi prejudicial
ao conjunto do sistema do ensino superior e de ciência e tecnologia. Considera que é, portanto, necessário que haja uma melhor integração entre essas duas formas de participar no sistema de ensino superior e ciência, parecendo adequado ao seu Grupo Parlamentar o reforço da capacidade docente, uma vez que esta é vista como «primeira obrigação» das instituições, quando na verdade o reforço da capacidade docente vai a par com o reforço da capacidade de investigação, podendo estas funções ser trabalhadas lado a lado. A possibilidade que é dada na proposta de alteração do PS é necessária, pois permite ajudar as instituições a responderem à reorientação da sua forma de gestão. O Grupo Parlamentar do PS entende, assim, que uma melhor articulação entre a carreira de docente e a carreira de investigador é positiva para o sistema e para as pessoas que estão no sistema e por isso apelaram a esta abertura, reforçando que a ideia do diploma é a defesa do emprego científico digno e sustentável, tratando-se de um passo que pode ser dado, no sentido de ajudar as instituições a cumprir com o presente diploma”.
11. Tendo em conta o conceito de interesse estratégico e as razões que levaram o legislador a criar a norma constante do n.º 5 do art. 6.º do DL 57/2016, faz todo o sentido que esta norma seja interpretada do seguinte modo: Até seis meses antes do termo do prazo de seis anos do contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo celebrado com um investigador, ao abrigo deste diploma legal, a instituição é obrigada a abrir procedimento concursal de acordo com as funções desempenhadas por este trabalhador. Em função do interesse estratégico da instituição o procedimento concursal pode ser aberto para categoria da carreira de investigação científica ou da carreira de docente do ensino superior.
12. A Recorrida afirma solenemente que não é do seu interesse estratégico promover a abertura de procedimento concursal. Devemos questionar: Qual é, então, o interesse estratégico da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa?
13. Quer em sede de contestação, quer em sede de recurso a Recorrida não esclarece qual é o interesse estratégico que a leva a decidir não abrir concurso procedimental após largos anos de meritório serviço da Recorrente na Instituição.
14. Não consta da matéria de facto provada qualquer impedimento relacionado com o alegado – mas não provado – interesse estratégico que justifique a não abertura do procedimento concursal.
15. A alegação de interesse estratégico divergente da Recorrida tem de ser concretamente sindicável pelo Tribunal, não lhe bastando alegar um conceito indeterminado como justificação para a não abertura, neste caso concreto, do procedimento concursal.
16. O princípio da legalidade subordina a atividade administrativa à Lei, de forma vinculativa. A reserva de lei é a base legal da atividade administrativa. A lei assume-se não só como limite, mas também como pressuposto e fundamento da atividade administrativa.
17. Não podemos deixar de ter em conta que o contrato de trabalho a termo resolutivo certo foi celebrado para o exercício de atividades de investigação científica, de desenvolvimento tecnológico, de gestão e de comunicação de ciência e tecnologia em instituições do SCTN. A lei não obriga que o concurso seja aberto para a carreira de investigação científica. Permite que a instituição, em função do seu interesse estratégico, possa optar entre a abertura de um concurso para esta carreira ou para a carreira docente.
18. Quanto aos princípios e normas constitucionais violadas, o Direito do Trabalho é, na Constituição, antes de tudo, Direito dos Trabalhadores, em consonância com a sua génese e com a matriz do texto constitucional de 1976. A I Revisão Constitucional acentuou esta proteção dos trabalhadores, criando no
domínio dos direitos, liberdades e garantias uma nova área, dedicada aos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores, de modo a aplicar diretamente a estes direitos a força jurídica dos direitos, liberdades e garantias (art. 18.º); sem dependência da equiparação casuística do art. 17.º;
19. Não restam dúvidas de que estes regimes se aplicam a todos os trabalhadores, incluindo os que exercem funções públicas, por força dos art.s 18.º n.º 1 e 13.º n.º 1 da Constituição. Aliás, a evolução da legislação da Função Pública tem sido marcada por uma progressiva convergência entre os trabalhadores do Estado e os trabalhadores do "setor privado", no desenvolvimento deste programa constitucional.
20. A primeira e irrecusável dimensão da segurança no emprego é a proibição de despedimentos sem justa causa. Mas a segurança no emprego tem uma projeção mais ampla e exigente na legislação laboral que resulta da sua conjugação com a obrigação de executar políticas de pleno emprego atribuída ao Estado (e em especial ao Governo e à Assembleia da República, no âmbito das respetivas competências legislativas e executiva), pelo art. 58.º n.º 2, al. a), da Constituição. É desta dimensão normativa do direito ao trabalho e da segurança no emprego que resultam, conjugadamente, as limitações ao número de contratos a prazo ou os regimes de conversão em contrato de trabalho dos contratos de prestação de serviços fraudulentos.
21. O regime consagrado no n.º 5 do art. 6.º do DL 57/2016, de 28 de agosto, deve ser compreendido a esta luz. As instituições públicas, ou dotadas de financiamento público, devem "em função do seu interesse estratégico, proceder à abertura de procedimento concursal para categoria da carreira de investigação científica ou da carreira de docente do ensino superior, de acordo com as funções desempenhadas pelo contratado doutorado, até seis meses antes do termo do prazo de seis anos (...)". Trata-se de um regime que pretende combater a precariedade resultante da sucessão infindável de contratos a prazo, assentando numa presunção iniludível de que a necessidade de prestação de trabalho (já) não é temporária.
22. Pode, na verdade, questionar-se o sentido da referência ao “interesse estratégico da instituição”, neste contexto. A abertura de concurso depende do interesse da instituição, rigorosamente insindicável, esvaziando a norma de sentido útil e retirando-a do enquadramento constitucional que lhe dá a razão de
ser? Esta alternativa de interpretação não faz sentido. O argumento literal e, sobretudo, os elementos histórico (espelhado na exposição de motivos do diploma sub judice) e sistemático e teleológico, nos termos explicitados, conduzem a outra interpretação. O que depende do interesse estratégico da instituição é optar pela abertura de um concurso para docentes ou investigadores, mas não a abertura do próprio concurso. É esta a interpretação imposta pela consideração das regras contidas no art. 9.º do Código Civil.
23. O entendimento alternativo, que faz depender a abertura de qualquer concurso do interesse estratégico da instituição, assenta numa interpretação inconstitucional do art. 6.º n.º 5 do DL 57/2016, de 28 de agosto.
24. Tal interpretação viola, desde logo, o art. 47.º n.ºs 1 e 2 da Constituição, na medida em que restringe de modo desnecessário e desproporcionado, em contradição com o disposto no art. 18.º n.º 2 da Constituição, o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, por via de concurso e também o próprio direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse coletivo ou inerentes à sua própria capacidade.
25. Por outro lado, a interpretação em crise viola o direito ao trabalho e a segurança no emprego, consagrados mos art.s 58.º n.º 1 e 53.º n.º 1, respetivamente, da Constituição.
26. Impõe-se, por conseguinte, como interpretação conforme à Constituição, o entendimento segundo o qual apenas depende do interesse estratégico da instituição optar pela abertura de um concurso para docentes ou investigadores, mas não a abertura do próprio concurso…”.
Diversamente, a entidade recorrida, concluiu que: “… 7. A interpretação feita na douta sentença recorrida do n.º 5 do art. 6.º do DL n.º 57/2016, de 29 de agosto, com recurso aos elementos literal e sistemático, não sofre censura válida: a abertura de procedimento concursal é feita em função do interesse estratégico da instituição de ensino superior, que a poderá ou não justificar, na interpretação que dele fizerem os seus órgãos estatutários, aliás insindicável pelos tribunais, salvo vício que não foi alegado (cfr. art. 3º, nº. 1 do CPTA). Ao invés,
8. A interpretação defendida pela recorrente – que a instituição está obrigada a abrir procedimento concursal “… de acordo com as funções desempenhadas pelo trabalhador” – não tem correspondência na letra da lei e não pode ser atendida (cfr. art. 9º do Código Civil). Tanto que,
9. No decurso dos trabalhos legislativos da Lei 57/2016, foram apresentadas propostas nos termos das quais os investigadores contratados que completassem seis anos de exercício de funções, seriam "… contratados por tempo indeterminado, nas categorias e normas previstas no Estatuto da Carreira de Investigação Científica …" (cf. doc. 1 e 2, juntos com a contestação), propostas que não foram atendidas…”.
APRECIANDO E DECIDINDO:

Reduzindo a vexatia questio aos seus termos mais simples, importa saber se ocorreu erro de julgamento de direito quando o tribunal a quo julgou que o disposto no art. 6.º n.º 5 do DL 57/2016, de 29 de agosto na redação introduzida pela Lei n.º 57/2017, de 19 de julho exige que exista interesse estratégico por banda da entidade recorrida na abertura do procedimento concursal na área científica - no caso de engenharia florestal - , para que se encontre obrigada a proceder à abertura do requerido procedimento concursal para ocupação de um posto de trabalho na carreira de investigação científica de acordo com as funções desempenhadas pela apelante e não, como por aquela defendido, que a interpretação conforme à Constituição seja antes a de que apenas depende do interesse estratégico da instituição optar pela abertura de um concurso para docentes ou investigadores, mas não a abertura do próprio concurso.

Como ressalta da decisão recorrida, o tribunal a quo expressamente acolheu e fez seu o discurso fundador do antes decidido no processo n.º 20635/25.8BELSB.

Releva, por isso, ter presente, por um lado, que o julgado pela 1ª instância foi que a exigência do interesse estratégico para a abertura do procedimento para categoria da carreira de investigação científica ou da carreira de docente do ensino superior, de acordo com as funções desempenhadas pelo contratado doutorado, contida no n.º 5 do art. 6.º do DL n.º 57/2016 de 29 de agosto na redação introduzida pela Lei n.º 57/2017, de 19 de julho, não configura a violação de qualquer direito, liberdade ou garantia da recorrente ou outro de natureza análoga e, por outro lado, que a decisão proferida no processo n.º 20635/25.8BELSB, foi já confirmada por Acórdão deste Tribunal Central, de 11 do corrente.

Assim, e no que importa considerar para a economia dos autos, o cerne da questão é, pois, a densificação do interesse estratégico da instituição universitária para a determinação da abertura de concurso: cfr. art.º 6.º n.º 5 e n.º 6 do DL n.º 57/2016, de 29 de agosto na redação introduzida pela Lei n.º 57/2017, de 19 de julho; Acórdão de 2025-07-15, processo n.º 14886/25.2BELSB e Acórdão de 2025-08-13, processo n.º 14247/25.3BELSB, ambos deste Tribunal Central Administrativo e disponíveis em www.dgsi.pt.

Tal interesse estratégico da instituição será sempre determinado em função dos objetivos visados pela mesma, conforme sejam definidos no âmbito da respetiva autonomia pedagógica e científica, aliás como bem sublinhado na decisão recorrida, nomeadamente no segmento em que se afirma: “…

…”: cfr. art.º 6.º n.º 5 e n.º 6 do DL n.º 57/2016, de 29 de agosto na redação introduzida pela Lei n.º 57/2017, de 19 de julho; Acórdão de 2025-09-11, processo n.º 20635/25.8BELSB; Acórdão de 2025-07-15, processo n.º 14886/25.2BELSB e Acórdão de 2025-08-13, processo n.º 14247/25.3BELSB, todos deste Tribunal Central Administrativo e disponíveis em www.dgsi.pt.

Por outro lado, considerada a fundamentação de facto e de direito acolhida na decisão recorrida, mostra-se igualmente acertada a ajuizada inexistência de interesse estratégico por banda da entidade recorrida em não abrir o referido procedimento concursal na área científica acima melhor identificada à luz do princípio da liberdade de escolha de profissão: cfr. art.º 6.º n.º 5 e n.º 6 do DL n.º 57/2016, de 29 de agosto na redação introduzida pela Lei n.º 57/2017, de 19 de julho e art. 47º da CRP.

Isto porque, como se afirmou já no Acórdão deste Tribunal de 2025-09-11, proferido no processo nº 20635/25.8BELSB: “… 24. Com efeito (…), não se mostra violada a liberdade de escolha de profissão, prevista no nº 1 do 47º da CRP, que impede que sejam impostas proibições ao exercício de determinadas profissões por determinadas pessoas. Porém, na situação retratada nos autos, essa norma não garante que, estando em causa o exercício de uma função pública, tenha necessariamente de ser aberto um procedimento de recrutamento independentemente da concreta necessidade dos serviços públicos. Relembra-se (…), no sentido do nº 5 do artigo 6º do DL nº 57/2016, de 29/8, na redação que lhe foi dada pela Lei nº 57/2017, de 19/7, não ter por escopo a regularização de vínculos precários.
25. E o mesmo se diga no tocante à violação do direito de acesso à função pública, previsto no nº 2 do mesmo preceito, o qual não impõe a abertura de recrutamento para determinada carreira independentemente da necessidade desse recrutamento, limitando-se tão somente a impedir que sejam colocados entraves à possibilidade de candidatura a procedimentos abertos com vista ao recrutamento para a função pública. Ou seja, (…) o que a Constituição garante é o direito de os cidadãos se candidatarem ao ingresso na Administração Pública, em condições de liberdade e igualdade, sem prejuízo dos requisitos próprios para o desempenho de funções em determinadas carreiras…”.

Aqui chegados, impõe-se referir que não está, no caso, em causa a exclusão de um conjunto de cidadãos quanto ao ingresso na função pública ou em determinada função ou sequer diferenciação de tratamento da apelante ou sequer ainda a invocação de provimento de lugares por meio diverso do concurso e/ou por concurso atípico (v.g. como a menção por parte da apelante de uma alegada situação de preenchimento de necessidades permanentes e à regularização de vínculos precários pretenderá, indevida e incorretamente, por reporte ao caso concreto, chamar à colação), visto tratarem-se de situações diferentes e diferentemente tratadas pelo quadro legal aplicável: cfr. art.º 6.º n.º 5 e n.º 6 do DL n.º 57/2016, de 29 de agosto na redação introduzida pela Lei n.º 57/2017, de 19 de julho; art. 13º e art. 47º n.º 2 ambos da CRP; Acórdão deste Tribunal Central Administrativo, de 2025-07-15, processo n.º 14886/25.2BELSB disponível em www.dgsi.pt.

Aliás, neste segmento importará reconduzir a questão aos seus devidos termos, a saber: “… para o litígio em apreço, não releva a questão de saber se as funções desempenhadas satisfazem necessidades permanentes da instituição de ensino superior, na medida que essa circunstância não releva para efeitos da aplicação do n.º 5 do art.º 6.º do DL n.º 57/2016. Por outras palavras, não é em função do desempenho de necessidades permanentes que o concurso é aberto ou não, não estando em causa um procedimento de regularização de vínculos contratuais precários.
A necessidade permanente da função pode relevar, sim, para efeitos do interesse estratégico da instituição, mas esse é um juízo discricionário, nos termos expostos…” : vide Acórdão deste Tribunal Central Administrativo, de 2025-09-11, processo n.º 25013/25.6BELSB, disponível em www.dgsi.pt; cfr. art.º 6.º n.º 5 e n.º 6 do DL n.º 57/2016, de 29 de agosto na redação introduzida pela Lei n.º 57/2017, de 19 de julho versus Lei n.º 112/2017, de 29 de dezembro.

Por fim, a igual conclusão (de que o tribunal a quo decidiu corretamente ao decidir, como decidiu, que a falta de abertura de procedimento concursal pelo R., ora entidade recorrida, não viola os direitos, liberdades e garantias invocados pela ora apelante, por inexistência de obrigação legal para o fazer) se chega, chamando à colação o desenhado quadro fático, o direito aplicável e o discurso em que se escora a decisão recorrida, para se concluir, que no caso, se mostra, também e ainda, respeitada a invocada a garantia de segurança no emprego: cfr. art.º 6.º n.º 5 e n.º 6 do DL n.º 57/2016, de 29 de agosto na redação introduzida pela Lei n.º 57/2017, de 19 de julho e art. 53.º da CRP.

Ponto é que, tal como sobressai do supracitado Acórdão deste Tribunal de 2025-09-11, proferido no processo nº 20635/25.8BELSB: “… 26. Finalmente, também não vislumbramos de que forma é que foi violada a garantia da segurança no emprego, consignada no art. 53º da CRP, segundo o qual “é garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos”, e também o disposto na Diretiva nº 1999/70/CE.
27. Reiteramos o que o Tribunal Constitucional já dissertou sobre a questão, no seu acórdão nº 318/2021, onde se concluiu que “o art. 53º da CRP impõe a proibição de despedimentos sem justa causa ou por motivos arbitrários. Comporta a "evitação" de contratação precária, nomeadamente a prazo, mas não a proíbe e, muito menos, impede que os contratos celebrados com prazo caduquem quando seja atingido o seu termo certo, designadamente numa situação em que o seu período de vigência máximo vem consignado na lei e é transposto para o contrato”. Por conseguinte, a interpretação que o TAC de Lisboa fez do nº 5 do art. 6º do DL nº 57/2016 – e que agora se reitera –, não impondo a abertura do procedimento concursal nela referido, não viola a garantia constitucional da segurança no emprego…”.

O que vale por dizer, como no Acórdão deste Tribunal Central Administrativo, de 2025-08-13, processo n.º 14247/25.3BELSB, disponível em www.dgsi.pt. que: “… Equivale a “interesse estratégico subsumido à epígrafe “Modalidades de contratação”, que cabe à Recorrente discernir, em cada momento, perante os recursos humanos docentes que dispõe e os indicadores quanto ao número de discentes admissíveis/ admitidos em cada ano letivo, nomeadamente, face às vagas de acesso ao ensino superior público e, bem assim, à demanda destinada às cadeiras/ disciplinas em consonância e as atinentes à composição do respetivo curso, valorando talqualmente quanto aos alunos que se encontram já a frequentar estudos universitários, sobre a oportunidade de determinar a abertura do procedimento concursal.
Esta conceção de “interesse estratégico corresponde ao ditame dos órgãos de cada instituição no âmbito da respetiva autonomia científica e pedagógica. No fundo, visa a prossecução do interesse público que se manifesta na decisão de recrutar, ou não, professores catedráticos e na área disciplinar para que irá, ou não, ser aberto o concurso.
Não podemos perder de vista que uma ou outra opção administrativa depende, como é evidente, quer do que em termos de necessidades académicas se mostrar imprescindível, quer do que se perfile curricularmente e assim for instado…”.

Por fim, sempre se dirá que se, por um lado, importa ter sempre presente o contexto histórico e evolutivo da norma (no caso o art.º 6.º do DL n.º 57/2016) não se mostra, por isso, despiciendo ter presente as diferentes iniciativas parlamentares, as exposições de motivos e as diferentes pronúncias das instituições de ensino superior que tiveram relevância nas alterações legislativas da norma em apreço, mas, por outro lado, não se mostra possível ignorar o elemento literal e final da norma aprovada e publicada na redação da Lei n.º 57/2017, de 19 de julho, assim se concluindo que o Legislador não podia desconhecer as implicações das diferentes formas de redação, donde, tendo optado pela redação que optou, presume-se, por força da lei, ter logrado exprimir o seu pensamento legislativo em termos adequados: cfr. art. 9º n.º 3 do Código Civil – CC.

Termos em que a decisão recorrida não padece do invocado erro de julgamento.
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IV. DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Administrativo – Subsecção Social deste TCAS em negar provimento ao recurso interposto, confirmando, em consequência, a decisão recorrida.
Sem custas: cfr. art. 4.º, n.º 2, al. b), do RCP.
25 de setembro de 2025
(Teresa Caiado – relatora por vencimento)
(Maria Helena Filipe – 1ª adjunta)
(Ilda Côco – 2ª adjunta) (Voto Vencida)
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Voto de vencido

Voto vencida, por entender, em suma, que a norma do n.º5 do artigo 6.º do Decreto-lei n.º57/2016, de 29 de Agosto, na redacção introduzida pela Lei n.º57/2017, de 19 de Julho, deve ser interpretada no sentido de impor a abertura de concurso, apenas cabendo à instituição definir, em função do seu interesse estratégico, se abre concurso para categoria da carreira de investigação científica ou da carreira de docente do ensino superior.
Com efeito, não só a redacção literal da norma corrobora aquela interpretação, uma vez que se estabelece, grosso modo, que a instituição procede à abertura de procedimento concursal, o que aponta para uma imposição e não uma mera possibilidade, como interpretada no sentido de que cabe à instituição decidir, em função do seu interesse estratégico, se abre ou não concurso, a norma do n.º5 do artigo 6.º do Decreto-lei n.º57/2016, de 29 de Agosto, na redacção introduzida pela Lei n.º57/2017, de 19 de Julho, teria um alcance muito limitado, qual seja, impor que a instituição, no prazo nela previsto – seis meses antes do termo do prazo de seis anos referido no n.º2 – ponderasse, em função do seu interesse estratégico, a possibilidade de abrir concurso.
Nesta última interpretação, a norma do n.º5 do artigo 6.º do Decreto-lei n.º57/2016, de 29 de Agosto, na redacção introduzida pela Lei n.º57/2017, de 19 de Julho, manteria, no essencial, o regime que já resultava do Decreto-lei n.º57/2016, de 29 de Agosto, na sua redacção originária, uma vez que a possibilidade de as instituições abrirem concursos para a categoria da carreira de investigação científica e da carreira de docente do ensino superior já existia, não servindo, assim, o objectivo de combate à precariedade do emprego científico e tecnológico que presidiu à apreciação parlamentar do Decreto-lei n.º57/2016, de 29 de Agosto, que deu origem à Lei n.º57/2017, de 19 de Julho.