Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:683/22.0 BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:01/19/2023
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:PENHOR LEGAL
FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:O ato de constituição de penhor, processualmente disciplinado no artigo 195.º do CPPT, constitui um ato administrativo em matéria tributária sujeito a fundamentação, nos termos conjugados dos artigos 77.º da LGT e 268.º, n.º 3 da CRP, a qual terá que traduzir um juízo sobre a necessidade da constituição deste tipo de garantia para assegurar a eficácia da cobrança da dívida, ou seja, a ATA terá que alegar (fundamentação formal) e demonstrar (fundamentação substancial) que o crédito dificilmente será assegurado sem essa medida cautelar.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I– RELATÓRIO

M ………………………., notificado da decisão proferida pelo Diretor de Finanças de Santarém de constituição de diversos penhores legais, deduziu, ao abrigo do disposto no artigo 276.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), RECLAMAÇÃO, requerendo a sua subida imediata e invocando, em síntese, a falta de fundamentação, a falta de audiência prévia e ilegalidade do ato de constituição dos penhores e, bem assim, a sua falta de notificação.

A reclamação foi apresentada no âmbito dos processos de execução fiscal n.ºs …………….580, ………………..599, ………………572, …………………564 e ……………..602, que contra o reclamante foram instaurados pelo Serviço de Finanças de Ourém com vista à cobrança coerciva de dívidas de IVA do ano de 2014, no montante global de €5.110,88.

O Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Leira, por sentença de 12 de outubro de 2022, julgou procedente a reclamação, com base no vício de falta de fundamentação, e anulou os atos de constituição de penhores legais.

Inconformada com o assim decidido, recorreu a Fazenda Pública para este Tribunal Central Administrativo Sul (TCA Sul), tendo na alegação apresentada formulado as seguintes conclusões:

«A) Visa o presente recurso reagir contra decisão em 1.ª instância que julgou procedente a presente reclamação de atos do órgão de execução fiscal e, em consequência, determinou a anulação dos penhores legais constituídos pela Autoridade Tributária no âmbito dos processos de execução fiscal em discussão nos autos.

B) Não se ignora a jurisprudência citada pelo Tribunal a quo, e à qual este aderiu em pleno.

C) No entanto, apesar de tal não constituir fundamento imediato do presente recurso, sempre se dirá que não se vislumbra perfeitamente qual o motivo que leva a jurisprudência a concluir pela natureza administrativa da constituição do penhor em sede de processo de execução fiscal, e, portanto, sujeito a fundamentação prévia, mas já no que diz respeito à penhora se tem considerado que se trata de um ato meramente instrumental inserido no processo de execução fiscal execução, e, portanto, não sujeito a qualquer fundamentação (vide, v.g. neste sentido o Acórdão do STA, de 11-11-2016, proferido no proc. 01221/15).

D) Até porque ambos os atos (penhora e penhor), apesar da sua distinta natureza, possuem o mesmo objetivo final, a saber a cobrança da dívida exequenda, sendo que se considera, inclusivamente, que o ato da penhora será mais lesivo ao contribuinte do que o próprio penhor.

E) Porquanto, não obstante ambos os atos poderem implicar o desapossamento dos bens do contribuinte, só a penhora permite a apreensão do bem e a imediata afetação ou aplicação ao processo de execução fiscal do produto da penhora.

F) Afetação essa que poderá, inclusivamente, conduzir à imediata extinção do processo de execução fiscal, nos termos do artigo 176.º, n.º 1, alínea a) do CPP.

G) Acresce que se julga que terá sido intenção do legislador aproximar tal regime de fundamentação da penhora e penhor em sede do processo de execução fiscal, uma vez que a alteração do artigo 195.º, n.º 1 do CPPT, concretizada pela Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2007 (Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro), conduziu à eliminação da necessidade expressa de fundamentação dessa garantia que constava da anterior redação.

H) Não obstante o atrás exposto, entende-se, tal como se entendeu em sede de contestação, que em virtude das circunstâncias especiais do caso em dissídio, tal fundamentação exigida pelo Tribunal a quo não terá o mesmo relevo do que aquela exigida na jurisprudência citada no aresto recorrido.

I) Pois, conforme resulta do probatório da sentença, os vários penhores legais em dissídio foram constituídos e notificados após a citação do reclamante, e decorrido o prazo de pagamento voluntário da dívida exequenda.

J) No entanto, os penhores legais em dissídio nos autos foram precedidos de penhora de saldo bancário, à qual foi atribuído o n.º ...............................240, emitida sobre o Banco …………, SA, em 28-03-2022, no valor de € 5.110,88.

K) Em resposta ao pedido de penhora supra referenciado, a entidade bancária procedeu a cinco depósitos distintos de valores relativos a créditos bancários.

L) Contudo, ao invés de proceder à afetação desses depósitos aos processos de execução fiscal, o órgão de execução fiscal procedeu à constituição de penhores.

M) Operando, de certa forma, uma conversão da penhora efetuada em penhor legal, isto porque a essa data se encontrava pendente contencioso judicial tributário apresentado pelo reclamante, em concreto a impugnação judicial à qual foi atribuído o n.º 38/22.7BELRA.

N) É certo que tal não constou expressamente dos ofícios de comunicação dos penhores constituídos pela AT, mas certo é também que aí é referido que os penhores legais foram constituídos “no interesse da eficácia da cobrança” e para “garantir o pagamento da dívida exequenda e acrescido”.

O) Ora, daqui não se poderá depreender outra coisa senão que (i) a AT considerou que o penhor legal era a forma mais eficaz de cobrança no caso concreto e (ii) não foi prestada pelo reclamante qualquer garantia apta ao pagamento da dívida exequenda e acrescido.

P) E essa falta de prestação de garantia ou de nomeação de bens à penhora pelo reclamante está implícita e umbilicalmente ligada à constituição do penhor, pelo que, nesta medida, se entende devidamente fundamentado esse ato.

Q) Pois perante a falta de constituição de garantia idónea nos autos de execução, ou decisão de isenção da mesma, persiste o fundado receio da incobrabilidade do crédito exequendo.

R) Assim, a medida cautelar de constituição do direito real de garantia em apreço teve por pressuposto a falta de garantia da dívida exequenda, pelo que, ao contrario do que entendeu o Tribunal a quo, poderá dizer-se que a mesma se mostrará devidamente fundamentada (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 13-10-2016, proc. 09695/16).

S) Julga-se, por isso, ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, que não será relevante, nem determinante para o caso em dissídio, apontar a falta de emissão de um juízo sobre a necessidade da constituição deste tipo de garantia, ao invés, por exemplo, da penhora que a precedeu.

T) Até porque a anulação dos penhores legais determinada pelo Tribunal a quo, poderá implicar, em abstrato, e salvo melhor opinião, a subsistência da penhora do saldo bancário posteriormente “convertida” nos penhores em dissídio, facto que, naturalmente, e conforme já expendido anteriormente, se entende ser mais lesivo dos interesses do reclamante executado.

U) Por tudo o exposto, entende-se que, no caso em apreço, a fundamentação dos actos reclamados se basta com a invocação das normas legais aplicáveis e com as sucintas razões de facto e de direito plasmadas nas comunicações remetidas ao Reclamante.

V) Pelo que, salvo o mui merecido e devido respeito, se entende que errou o Tribunal a quo ao considerar que não se encontram devidamente fundamentados os actos de constituição dos penhores, incorrendo assim em erro de apreciação da matéria de direito consagrada nos artigos 195.º, n.º 1 do CPPT, e 77.º da LGT.

W) Tudo razões que se reputam determinantes para a prolação dum juízo que determine a revogação da decisão aqui recorrida e, do mesmo passo, venha confirmar a valia do actos reclamados, indevidamente anulados pelo Tribunal a quo.

Nestes termos e nos restantes de Direito que o distinto Tribunal entender por bem suprir, advoga a Representação da Fazenda Pública a procedência do presente recurso jurisdicional, determinando-se a revogação da sentença do Tribunal a quo e, desse modo, julgar totalmente improcedente a reclamação interposta pelo recorrido, com o que V. Exas. farão a almejada

Justiça!»


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Não há registo de contra-alegações.

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Neste TCA, o Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido do provimento do presente recurso e da revogação da sentença recorrida.

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Com dispensa dos vistos legais, atento o carácter urgente dos autos, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.



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II – FUNDAMENTAÇÃO


- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«A. Em 16/11/2021 a Direção de Finanças de Santarém instaurou em nome de M ………………………, ora Reclamante, os seguintes processos de execução fiscal (PEF):
- n.º …………………564 por divida de IVA do período de tributação de 04/2014 a 06/2014, na quantia exequenda de € 1.418,90;
- n.º …………………572 por divida de juros compensatórios de IVA do período de tributação de 04/2014 a 06/2014, na quantia exequenda de € 232,15;
- n.º ……………….580 por divida de IVA do período de tributação de 07/2014 a 09/2014, na quantia exequenda de € 1.573,67;
- n.º ………………..599 por divida de juros compensatórios de IVA do período de tributação de 07/2014 a 09/2014, na quantia exequenda de € 241,78;
- n.º ………………602 por divida de IVA do período de tributação de 10/2014 a 12/2014, na quantia exequenda de € 997,53;
- n.º ………………610 por divida de juros compensatórios de IVA do período de tributação de 10/2014 a 12/2014, na quantia exequenda de € 143,31.

- (cfr. fls. 3 a 5, 29 a 31, 39 a 41, 49 a 51, 58 a 60 e 68 a 70 do doc. de fls. 70 a 145 dos autos).

B. Em 16/01/2022 o Diretor de Finanças de Santarém endereçou ao ora Reclamante ofícios de citação postal para cada um dos PEF identificados no ponto precedente. - (cf. fls. 9, 35, 53, 64 e 74 do doc. de fls. 70 a 145 dos autos).

C. Em 09/03/2022 o Diretor de Finanças de Santarém, nos PEF identificados em A., proferiu despacho com o seguinte teor:

«Texto no original»

- (cf. fls. 11, 36, 55, 65 e 75 do doc. de fls. 70 a 145 dos autos).

D. Em 01/04/2022, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu em nome do ora Reclamante e no âmbito do PEF n.º ……………..564 e Apensos, oficio de notificação de penhora de “Valores Mobiliários e Contas Bancarias” realizada em 28/03/2022, no montante de € 5.110,88. – (cf. doc. de fls. 34 dos autos).

E. Com data de 03/04/2022 a Autoridade Tributária e Aduaneira endereçou ao aqui Reclamante ofício de citação pessoal para os PEF ……………….564 e apensos, com a quantia exequenda de € 4.607,34. – (cfr. fls. 27 do doc. de fls. 70 a 145 dos autos).

F. Em 19/05/2022 a Autoridade Tributária e Aduaneira endereçou ao Reclamante ofício no qual consta, designadamente, o seguinte:

«Texto no original»

(cfr. fls. 15 do doc. de fls. 70 a 145 dos autos).

G. Em 19/05/2022 a Autoridade Tributária e Aduaneira endereçou ao Reclamante ofício no qual consta, designadamente, o seguinte:

«Texto no original»

(cfr. fls. 37 do doc. de fls. 70 a 145 dos autos).

H. Em 19/05/2022 a Autoridade Tributária e Aduaneira endereçou ao Reclamante ofício no qual consta, designadamente, o seguinte:

«Texto no original»

(cfr. fls. 45 do doc. de fls. 70 a 145 dos autos).

I. Em 19/05/2022 a Autoridade Tributária e Aduaneira endereçou ao Reclamante oficio no qual consta, designadamente, o seguinte:

«Texto no original»

(cfr. fls. 56 do doc. de fls. 70 a 145 dos autos).

J. Em 19/05/2022 a Autoridade Tributária e Aduaneira endereçou ao Reclamante oficio no qual consta, designadamente, o seguinte:

(cfr. fls. 66 do doc. de fls. 70 a 145 dos autos).

K. Em 03/06/2022 foi remetida por correio eletrónico ao Serviço de Finanças de Ourém a petição inicial da presente reclamação. – (cf. fls. 16 dos autos).


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2. Factos Não Provados

Inexistem outros factos nos autos cuja não prova seja relevante para a decisão do méritoda causa.


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3. Motivação da Decisão de Facto

A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos, não impugnados, constantes dos presentes autos, conforme referido em cada um dos pontos do probatório.»


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- De Direito

A sentença recorrida julgou a reclamação procedente, com base no vício de falta de fundamentação, e, nessa medida, anulou os atos contestados.

A Recorrente insurge-se contra tal entendimento defendendo que, apesar de não ignorar a jurisprudência do STA seguida da sentença, a verdade é que a mesma não merece o seu acolhimento, discordando da natureza administrativa que é atribuída ao penhor legal e, consequentemente, às exigências de fundamentação que a tal natureza se mostram associadas.

Vejamos.

Como o TAF de Leiria não deixou de pôr em evidência quanto ao enquadramento legal e doutrinal da questão em apreciação, importa ter presente que:

Sob a epígrafe «Garantia dos créditos tributários», estabelece o artigo 50.º, n.º 2, al. b) da Lei Geral Tributária (LGT) que “Para garantia dos créditos tributários, a administração tributária dispõe ainda: (...) b) Do direito de constituição, nos termos da lei, de penhor ou hipoteca legal, quando essas garantias se revelem necessárias à cobrança efectiva da dívida ou quando o imposto incida sobre a propriedade dos bens; (...).”.

Por seu turno, o artigo 195.º, n.º 1 do CPPT, sob a epígrafe «Constituição de hipoteca legal ou penhor», dispõe que “Quando o interesse da eficácia da cobrança o torne recomendável, o órgão da execução fiscal pode constituir hipoteca legal ou penhor.”.

Conforme estabelece o artigo 666.º, n.º 1 do Código Civil, “O penhor confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito, bem como dos juros, se os houver, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa móvel, ou pelo valor de créditos ou outros direitos não susceptíveis de hipoteca, pertencentes ao devedor ou a terceiro.”.

Por isso, o penhor «constitui uma garantia real completa, que confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito com preferência sobre os demais credores (neste aspecto se revelando o seu carácter real), pelo valor da coisa ou do direito empenhado. Para o exercício deste direito, tem o credor pignoratício a possibilidade de fazer vender judicialmente o objecto do penhor)» - Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 2ª ed. revista e atualizada, 1979, Vol. I, anotações ao art. 666º, pag. 609.

Como resulta do disposto no artigo 685.º, n.º 1 do Código Civil, vencida que esteja a obrigação, sem que se tenha verificado o cumprimento, o credor pignoratício adquire o direito de executar a coisa empenhada, pagando-se à custa do seu valor, com preferência sobre os demais credores.

Temos, pois, como bem concluiu o tribunal a quo, que “a Autoridade Tributária pode, independentemente do consentimento do executado e por sua iniciativa, constituir penhor sempre que o interesse da eficácia da cobrança o torne recomendável”.

Sobre a natureza administrativa (em matéria tributária) do ato que decide a constituição do penhor legal, já a doutrina se pronunciou, destacando-se J. Lopes de Sousa ao referir que:

“Os actos da administração tributária através dos quais se decida a constituição de penhor ou hipoteca legal, são actos de natureza administrativa uma vez que se inserem na definição dada pelo art. 120° do CPA em que se estabelece que «consideram-se actos administrativos as decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta» ((1) Embora esta definição seja dada para efeitos do CPA, tem-se entendido que é de aplicação generalizada, directamente ou por analogia).

Por isso, a decisão de constituir penhor ou hipoteca legal está sujeita aos requisitos gerais dos actos administrativos em matéria tributária, inclusivamente no que concerne ao direito de audição e sua dispensa (arts. 100° a 103º do CPA e 45º do CPPT) e de fundamentação (arts. 77º da LGT e 124º e 125º do CPA).

Pela mesma razão, a decisão de constituição de hipoteca legal ou penhor está sujeita a notificação aos que por tais actos sejam afectados (art. 268°, nº 3, da CRP) e pode ser impugnada contenciosamente (nº 3 do mesmo artigo), no caso, tratando-se de decisão tomada em processo de execução fiscal, através da reclamação prevista no art. 276º do CPPT.

Assente que a constituição de hipoteca legal ou penhor apenas poderá ser efectuada quando tal seja necessário para garantia da cobrança da dívida, é com esse pressuposto que devem ser lidas as indicações de situações em que tais actos podem ser praticados feita no nº 1 deste art. 195º, na redacção inicial e na introduzida pela Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro, ao referirem que tal constituição pode ser efectuada «quando o risco financeiro envolvido o torne recomendável» (redacção inicial) ou «quando o interesse da eficácia da cobrança o torne recomendável» (nova redacção).” - CPPT, anotado e comentado, 6ª ed., Áreas Editora, Volume III, anotação 2 ao artigo 195.º, pp. 390/391.

Na mesma linha de entendimento, José Maria Fernandes Pires e outros ao referirem que “(…) nos casos em que a dívida não resulte de imposto sobre os bens respectivos, a decisão de constituição do penhor e da hipoteca legal deve estar fundamentada nessa necessidade da sua constituição em ordem à efectividade da cobrança. A lei não exige que se trate de uma indispensabilidade, nem que ocorram circunstâncias excepcionais, mas exige a demonstração do pressuposto de que a sua constituição aumentará significativamente e de forma relevante a eficácia da cobrança. E assim sendo, não se justificará a constituição de penhor e da hipoteca legal nos casos em que dele não resulta um incremento visível e relevante na eficácia da cobrança e a dívida não resulte de imposto que incida sobre os bens.”. - Lei Geral Tributária, anotado e comentada, 2015, Almedina, anotação 13 ao art. 50º, pp. 496/497.

Fazendo apelo a jurisprudência do STA, em concreto ao recente acórdão de 07/04/21 (Processo n.º 01666/20.0BEBRG), a sentença destacou, atenta a similitude de situações, o respetivo sumário, evidenciando que:

“…revestindo o ato de constituição de penhor legal natureza administrativa, a sua fundamentação legal deverá substanciar-se na indicação das razões determinantes da necessidade da constituição do penhor legal em ordem à efetividade da cobrança.

Conforme se esclareceu no sumário do douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07/04/2021 (Processo n.º 01666/20.0BEBRG) “I - O acto de constituição de penhor, processualmente disciplinado no artigo 195.º do CPPT, constitui um acto administrativo em matéria tributária sujeito a fundamentação, nos termos conjugados dos artigos 77.º da LGT e 268.º, n.º 3 da CRP, a qual terá que traduzir um juízo sobre a necessidade da constituição deste tipo de garantia para assegurar a eficácia da cobrança da dívida, ou seja, a Administração Tributária terá que alegar (fundamentação formal) e demonstrar (fundamentação substancial) que o crédito dificilmente será assegurado sem essa medida cautelar.

II - Fora do excepcional circunstancialismo referido, não é admissível a constituição de penhor sem que esteja decorrido o prazo de pagamento voluntário, para deduzir Oposição Judicial ou requerer a dispensa de prestação de garantia, sob pena de serem postergados os direitos que lealmente estão reconhecidos aos Executados e de violação dos princípios da legalidade e boa-fé norteadores da actividade administrativa em geral.”.

Feito este enquadramento da questão, e considerando o circunstancialismo de facto do caso concreto, o Mmo. Juiz fez constar da sentença recorrida o seguinte:

“De acordo com os elementos constantes dos autos e levados ao probatório, verifica-se que a quantia exequenda é de € 4.607,34 e com o acrescido legal ascende ao valor total, à data da citação pessoal, a € 5.135,74, sendo que, já anteriormente, a Autoridade Tributária havia efetuado uma penhora de contas bancarias no montante de € 5.110,88, ou seja, de valor muito próximo da totalidade da divida exequenda.

Neste contexto, e com a mera invocação do “interesse na eficácia na cobrança” são efetuados os penhores ora sindicados, sem ter por base qualquer informação ou parecer, que tenha sido carreado para os autos e que aponte as razões que justificam a necessidade de tal diligência.

No caso vertente, constata-se que inexiste qualquer fundamentação do ato, ou sequer foi dado a conhecer qualquer ato, a traduzir um juízo sobre a necessidade da constituição deste tipo de garantia para assegurar a eficácia da cobrança da dívida, demonstrando que o crédito exequendo dificilmente será assegurado sem essa medida cautelar”.

Nesta conformidade, a decisão do TAF foi a de considerar que “os atos de constituição de penhor aqui impugnados são ilegais por ausência da fundamentação legalmente exigida, impondo-se, por isso, a sua anulação”.

Diga-se, desde já, que tal conclusão não nos merece censura.

Tenhamos presente que a questão aqui em análise já tem sido objeto de análise jurisprudencial, sendo vários os acórdãos do STA no mesmo sentido, cuja fundamentação e sentido aqui acolhemos e passamos a evidenciar, evitando considerações adicionais por falta de um quadro argumentativo que não tenha já sido invocado e analisado.

Lê-se no citado acórdão de 07/04/21, além do mais, o seguinte:

“A Administração Tributária tem ao seu dispor na pendência do processo de execução três tipos de garantias especiais: a) garantias legais - penhor, hipoteca, privilégios creditórios e direito de retenção (artigo 50.º da LGT); b) garantias conservatórias - apreensão de bens (artigo 51.º da LGT) e c) garantias voluntárias - qualquer meio de garantia susceptível de assegurar os créditos tributários, prestado pelo executado ou por terceiro (artigo 52.º da LGT).

As garantias legais resultam directamente da lei e estão reguladas no artigo 195.º do CPPT; as garantias conservatórias, de iniciativa da Administração Tributária, estão reguladas no artigo 214.º do CPPT; as garantias voluntárias dependem da iniciativa do Executado e estão reguladas nos artigos 169.º e seguintes do mesmo diploma referido.

Como as garantias legais não dependem da vontade do Executado, a Administração Tributária vem entendendo, como no caso sucede, que aquele também não pode condicionar a sua constituição. E, consequentemente, que não tem que aguardar a sua citação ou o decurso do prazo de pagamento voluntário, dedução de Impugnação Judicial ou Oposição ou o prazo legal para o exercício dos demais direitos legalmente consagrados e susceptíveis de ser exercidos após aquela citação, incluindo um eventual pedido de dispensa de prestação de garantia.

Não nos parece, porém, que essa ilação seja totalmente correcta. É verdade que o sujeito passivo não pode condicionar a constituição do penhor (por a mesma poder ocorrer independentemente da sua vontade). É verdade que também não pode pretender ser dispensado dessa constituição, se interpretarmos essa dispensa como a “dispensa de garantia” a que se reporta o artigo 52.º n.º 4 do CPPT, uma vez que esta apenas vale apenas para as garantias voluntárias. Mas é legitimo que o Executado tenha a expectativa de não ser sujeito à constituição de uma garantia legal por parte da Administração Tributária, designadamente afectado o seu direito ao reembolso de IRC, como é o caso, nas situações em que não estão preenchidos os pressupostos para que o penhor seja constituído.

Do que vimos dizendo podemos extrair uma primeira conclusão: o direito da Administração Fiscal a assegurar por meio de constituição de garantias o valor em dívida, incluindo através da constituição de penhor, não é absoluto, existindo situações em que, pela qualidade do sujeito ou pela verificação ou preenchimento de certos requisitos legais, aquela constituição não é legalmente admissível, como se constata da simples leitura dos artigos 52.º n.º 4 da LGT ou 216.º do CPPP.

Acresce que, contrariamente ao que resulta das alegações de recurso, e já resultava da contestação, não podemos confundir o direito da Administração Fiscal a constituir penhor sem o consentimento do titular (e, consequentemente, do seu titular não poder condicionar aquela constituição) com uma inexistência de requisitos condicionadores e legitimadores dessa constituição. Ou seja, o poder que foi atribuído à Administração Fiscal está, constitucional e legalmente, condicionado, ainda que a vontade do titular do direito não deva ser considerado um factor juridicamente relevante.

Note-se que o penhor, regulado no artigo 666.º e seguintes do Código Civil (CC), confere ao credor um direito de preferência de pagamento do seu crédito e eventuais juros antes de qualquer outro credor, pelo valor de certa coisa móvel ou pelo valor de créditos ou outros direitos não susceptíveis de hipoteca pertencentes ao devedor ou a terceiro, razão pela qual a aferição da verificação do circunstancialismo legal que condiciona a sua constituição não projecta os seus efeitos apenas na esfera jurídica do Executado, afectando igualmente os demais potenciais credores deste.

Revertendo à situação dos autos, temos que, a Administração Fiscal, através da constituição do penhor, garante o cumprimento preferencial da obrigação fiscal (capital e juros), antes de qualquer outro credor, afectando a esta bens ou direitos de que o devedor é proprietário que não sejam susceptíveis de hipoteca (cfr. artigo 666.º e seguintes do Código Civil).

Esta garantia, como referido, está especialmente regulada no artigo 195.º do CPPT, importando sublinhar, para o que ora releva, que é necessário que o interesse da eficácia da cobrança torne recomendável a constituição do penhor, sendo que, para nós, esse interesse só existirá se a constituição (cautelar) dessa garantia se revelar necessária à cobrança efectiva da dívida - artigo 51.º, n.º 1 al. b) da LGT.

Em suma, a constituição do penhor só se mostrará justificada se da ponderação dos interesses em presença (interesse na cobrança da dívida) resultar um juízo de que é fundadamente recomendável, para esse efeito (satisfação do crédito), que o órgão de execução fiscal proceda à constituição do penhor (tudo, conforme artigos 50.º, n.º 2, al. b) LGT e 195.º nº 1 CPPT).

Diz a Recorrente, a este propósito, que a interpretação que fazemos do normativo em causa - no sentido de que se impõe uma fundamentação do acto de constituição de penhor - está desactualizada e é juridicamente incorrecta.

Desactualizada porque estaremos a olvidar a alteração de redacção do artigo 195.º, n.º 1 do CPPT operada pela Lei do Orçamento de Estado (Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro), por força da qual deixou de ser feita na norma em apreço qualquer referência “à necessidade de fundamentação”.

Juridicamente incorrecta porque o acto de constituição de penhor não é um acto administrativo em matéria tributária, mas um mero acto praticado no processo de execução que, concretizado, deve ser notificado à parte para, querendo, dele reclamar para o Tribunal nos termos do artigo 276.º do CPPT.

A Recorrente labora num triplo erro de raciocínio. Porque o acto de constituição de penhor é, como este Supremo Tribunal Administrativo já o disse por diversas vezes, um acto administrativo em matéria tributária, o que significa que, sendo-o, lhe são inteiramente aplicáveis as exigências de fundamentação consagradas nos artigos 152.º e 153.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), 77.º da LGT e 268.º da nossa Lei Fundamental. (Neste sentido, entre outros, os acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 24-5-2016 e 13-7-2016, proferidos, já após a alteração de redacção invocada em recurso, respectivamente, nos processos n.º 584/16 e 532/16 (integralmente disponíveis em www.dgsi.pt).) Porque, mesmo que tivesse sido intenção do legislador ordinário “dispensar” ou “eliminar“ a exigência da sua fundamentação – e seguramente não foi como por diversas vezes já se decidiu – a Administração Tributária não estava dispensada de fundamentar a constituição do penhor, por este se traduzir num acto que afecta os direitos e interesses legítimos da Executada e, consequentemente, obrigatoriamente sujeito a fundamentação por imposição constitucional – como, de resto, a Administração Fiscal reconheceu na sua contestação, ao defender, inclusive por referência ao mesmo quadro jurídico que invocamos, que o acto estava devidamente fundamentado. Porque a notificação, enquanto acto externo, seja ou não concretizada, não contende com a validade do acto mas com a sua eficácia, pelo que, sendo dois pressupostos distintos e destinados a atingir fins diversos (ainda que complementares) não se podem mutuamente substituir.

(…)”.

No mesmo sentido, e já anteriormente, quanto à fundamentação dos atos de constituição de penhor, vejam-se, entre outros, os seguintes acórdãos do STA: no processo nº 0611/16, de 15/06/16 e no processo nº 0584/16, de 24/05/16.

Ora, no caso concreto, face aos factos constantes do probatório, o que concluímos, com a 1ª instância, é que não se vislumbra a prolação de qualquer despacho que possibilite compreender o que esteve na base da decisão da Administração Tributária de proceder à constituição dos penhores, ou seja, não conhecemos minimamente o que terá levado a ATA a considerar aconselhável a constituição dos penhores tendo em vista o interesse na eficácia da cobrança. Trata-se da exigência de fundamentação formal que não se mostra, de todo em todo, cumprida.

Por seu turno, também não se alcança em que termos assenta a demonstração, que cabia à Exequente, de que o penhor era necessário à cobrança da dívida.

Para mais, como bem salientou a sentença recorrida, no caso em análise, “já anteriormente, a Autoridade Tributária havia efetuado uma penhora de contas bancarias no montante de € 5.110,88, ou seja, de valor muito próximo da totalidade da divida exequenda”.

Termos em que, sem necessidade de outros considerandos mais detalhados, se julgam improcedentes todas as conclusões da alegação de recurso, negando-se provimento ao recurso e mantendo a sentença.


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III - Decisão

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso.


Custas pela Recorrente.

Registe e Notifique.

Lisboa, 19/01/23


(Catarina Almeida e Sousa)

(Isabel Fernandes)

(Lurdes Toscano)