Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Subsecção Administrativa Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul:
I. Relatório
O........ – G......., S.A. e O........ , S.A. (doravante AA. ou Recorrentes) instauraram, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, ação administrativa especial contra o Município de Cascais (doravante Entidade Demandada, ED ou Recorrida), vindo a indicar como Contrainteressados, S........ , L........ , G........ , D........ , J........ , R........ , F........ , T........ , C........ Lda., P........ , A........ , M........ , H........ e MP........ , peticionando a declaração de nulidade ou, subsidiariamente, anulação do despacho proferido pelo Vice-Presidente da Câmara Municipal de Cascais, de 25.09.2006, nos termos do qual foi indeferido o pedido de autorização municipal para instalação de infraestrutura de suporte de estação de radiocomunicações no prédio sito na Rua dos Cedros, Lote …, na freguesia do Estoril, no concelho de Cascais.
Por acórdão de 5 de maio de 2008, o Tribunal julgou improcedente a ação, absolvendo a Entidade Demandada do pedido.
Inconformadas, as Autoras interpuseram recurso jurisdicional dessa decisão para este Tribunal Central Administrativo, concluindo nos seguintes termos:
“A) O acórdão em crise aplicou erradamente o direito ao não considerar que o acto de indeferimento da pretensão da B......... não padecia de vício de violação do disposto nos n°s 1 e 2 do art. 9° do Decreto-Lei n° 11/2003, de 18 de Janeiro.
B) Quando no n° 3 do art. 9º do Decreto-Lei n° 11/2003, de 18 de Janeiro, se fala em “entidades competentes”, tal expressão não se refere aos proprietários ou condóminos a que se reporta a citada al. b) do n° 2 do art. 5º, o que desde logo se retira da leitura do n° 2 do art. 6º do mesmo Decreto-Lei.
C) Não se pode considerar que as entidades a que se refere a parte final do n° 3 do art. 9o do Decreto-Lei n° 11/2003, de 18 de Janeiro, sejam os proprietários ou condóminos a se refere a al. b) do n° 2 do art. 5o desse mesmo diploma.
D) Não existindo no processo administrativo respectivo, respostas negativas aos pedidos de pareceres vinculativos, autorizações ou aprovações, emitidos pelas entidades competentes, definidas estas nos termos que acima se indicou, por força do n° 3 do art. 9º do Decreto-Lei n° 11/2003, de 18 de Janeiro, o presidente da câmara municipal estava obrigado a deferir o pedido, uma vez que não propôs uma localização alternativa
E) O contrato de arrendamento celebrado com o condomínio do prédio aqui em causa consubstancia a autorização expressa exigida nos termos do Art. 5º, n.° 2, al. b) do Decreto-Lei n° 11/2003, de 18 de Janeiro.
F) Ao considerar, erradamente, que “por existir motivo para o indeferimento do pedido de autorização, por falta de autorização dos condóminos, nos termos previstos na 2ª parte do n° 3 do artº 9ºe al. b) do n° 2 do art. 5º, do D.L. n° 11/2003, a Administração estava vinculada quanto ao agir, à prática do acto de indeferimento do pedido, situação em que não se mostra exigível a definição da localização alternativa, no raio de 75m.”, o acórdão em crise violou o artigo 9º, n° 1 e 2 do Decreto-Lei n° 11/2003, de 18 de Janeiro.
G) O artigo 9o, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 11/2003 impõe a obrigação às Câmaras Municipais de procurar soluções de viabilização das infra-estruturas, e de sujeitar também estas soluções a audiência prévia dos requerentes, no caso, da B......... , o que não aconteceu, pelo o que, ao dar por não provado o vício de forma alegado pelas Autoras, o acórdão em crise violou o artigo 9º, n° 1 o Decreto-Lei n° 11/2003, de 18 de Janeiro.
H) Existindo regras específicas no Código Civil quanto à propriedade horizontal no que concerne à ocupação de partes comuns de um edifício em propriedade horizontal, são essas as regras que devem ser aplicadas e não a regra do n° 1º do art. 1406° do Código Civil.
I) Não é necessária a autorização de todos os condóminos quanto à instalação da infra- estrutura aqui em apreço.
J) Sendo a questão da maioria exigida em sede de assembleia de condóminos para a autorização de instalação de uma antena como a que está em causa nos autos uma questão controvertida, não compete à Administração dirimir eventuais conflitos que de aí possam surgir, pertencendo essa competência, obviamente, aos tribunais judiciais.
K) Mesmo que se admitisse que a Administração tinha, de facto, esse poder (hipótese que por mero dever de patrocínio se equaciona), sempre seria de aplicar o artigo 1425.° do CC que apenas exige uma maioria de 2/3 para autorizações de este tipo, e não unanimidade, como sustenta o Réu e o acórdão recorrido, pelo o que o mesmo ao ter decidido que o acto impugnado não sofria de vício de lei “...no sentido de ser exigível a unanimidade dos condóminos para a instalação da antena/estação de radiocomunicações nas partes comuns do prédio...”, violou o art. 1425° n° 1 do Código Civil.
L) Da al. b), do n° 2 do art. 5º do Decreto-Lei n° 11/2003, de 18 de Janeiro, apenas resulta que o requerente deve apresentar cópia do documento de onde conste a autorização do proprietários ou condóminos, não resultando dessa mesma disposição um direito para as câmaras municipais de fazerem mais do que uma apreciação meramente formal desse documento.
M) O intuito da alínea b) do n.° 2 do artigo 5.° do Decreto-Lei n° 11/2003, é somente o de que seja demonstrado um título que legitime a instalação de uma antena no edifício que estiver em causa, título esse que apenas pode ser o contrato de arrendamento, ou outro contrato que titule o uso do imóvel - em caso algum uma deliberação da assembleia de condóminos, por si só, legitima plenamente aquele uso.
N) O acórdão em crise ao julgar improcedente o vício do princípio da separação de poderes, implicitamente considerando que da alínea b) do n.° 2 do artigo 5.° do Decreto- Lei n° 11/2003, resulta, que o Município Réu poderia aferir da validade do documento apresentado em cumprimento do alínea b) do n.° 2 do artigo 5.° do Decreto-Lei n° 11/2003, ao interpretar tal norma nesse sentido, violou um dos princípios basilares do Estado de Direito: o princípio da separação de poderes, ou seja, o art. 2º da Constituição da República Portuguesa.
O) Nesta medida, a interpretação dada pelo acórdão recorrido da alínea b) do n.° 2 do artigo 5.° do Decreto-Lei n° 11/2003, de 18 de Janeiro, no sentido que o Município Réu podia aferir da validade do documento apresentado nos termos e para os efeitos dessa mesma disposição legal, é inconstitucional, por violação do art. 2º da Constituição da República Portuguesa.
P) O acto impugnado é anulável por que foi praticado por quem não dispunha de poderes para o fazer: o artigo 6.°, n.° 8, do Decreto-Lei n.° 11/2003, de 18/1 atribui competência exclusiva ao presidente da câmara municipal, não prevendo o diploma qualquer possibilidade de delegação. Ora, se a isso acrescentarmos o artigo 29.° do CPA, que determina a irrenunciabilidade da competência, e o artigo 35.° do mesmo Código, que estabelece a obrigatoriedade de existência de uma lei específica a prever a possibilidade de delegação, é forçoso concluir-se pela incompetência do vice-presidente para a prática do presente acto, tanto mais que no presente caso o mesmo actuou com subdelegação.
Q) No processo de autorização municipal observou-se deferimento tácito nos termos do disposto no art. 8º do Decreto-Lei n° 11/2003, de 18 de Janeiro, porque o presidente da Câmara Municipal de Cascais não decidiu no prazo de 30 dias, a contar da apresentação do pedido, e foram entregues todos os documentos exigíveis nos termos do art. 5º do Decreto-Lei n° 11/2003, de 18 de Janeiro.
R) O acto impugnado é anulável por violação do artigo 140.° do CPA: revoga, ainda que implicitamente, um acto constitutivo de direitos (o acto de deferimento tácito entretanto formado), sem que fossem apontadas quaisquer ilegalidades ao acto revogando e sem que fosse dado o consentimento por parte da B......... a essa revogação, pelo o que, ao decidir em sentido contrário o acórdão em crise violou o art. 140° do Código de Procedimento Administrativo.
Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso jurisdicional ser julgado procedente e, consequentemente, revogado o acórdão sob recurso.”
Notificado das alegações, o Município de Cascais apresentou contra-alegações, nas quais, formulou as seguintes conclusões:
“B. Pretendem as Autoras a anulação do despacho proferido pelo Senhor Vice- Presidente da Câmara Municipal de Cascais, datado de 25/09/06, que indeferiu o pedido de autorização municipal para instalação de uma infra-estrutura na Rua dos Cedros, Lote …., no Estoril, Cascais, imputando ao acto em apreço vários vícios.
C. O pedido de autorização foi instruído com um contrato de arrendamento celebrado entre a O… e a Administração do Condomínio do prédio.
D. Não existiu a concordância de todos os condóminos quanto à instalação da aludida antena no prédio.
E. O contrato de arrendamento apresentado pelas requerentes por si só não satisfaz a exigência prescrita no artigo 5º, n.° 2, alínea b) do Decreto-lei n.° 11/2003, que exige autorização do proprietário ou condómino.
F. A autorização dos condóminos deve ser dada conforme as exigências contidas na lei civil a propósito das obras de inovação a executar em prédios sujeitos ao regime da propriedade horizontal, no caso vertente, era exigida a concordância de todos os condóminos.
G. O contrato promessa de arrendamento celebrado pelo Administrador do Condomínio com a O… para um fim não habitacional num edifício licenciado para habitação, importa a sua nulidade.
H. Verificado posteriormente que o processo não continha todos os elementos exigidos por lei, foi elidida a presunção da correcta instrução do processo, não se formou acto tácito de deferimento e a decisão cuja suspensão se requer é manifestamente legal, não enfermando dos vícios que lhe são imputados pela requerente, não enferma do vício de violação de lei e não consubstancia a revogação de qualquer acto constitutivo de direitos.
I. Não estão reunidos os requisitos essenciais para que ocorra deferimento tácito da pretensão da recorrente.
J. Não foi preterido o direito de audiência prévia.
L. O acto em crise não enferma do vício de violação do princípio da separação de poderes, pois é à entidade requerida, que cabe aferir da legitimidade dos requerentes relativamente às pretensões que formulam.
M. Não enferma do vício de incompetência, na medida em que, o Senhor Vice- Presidente, possuía competência delegada para a prática do acto em questão.
N. É manifesta a legalidade do acto cuja suspensão se requereu e a regularidade de todo o procedimento, o qual culmina com o acto que se pretende ver anulado.
Nestes termos e nos melhores de direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado improcedente por não provado, com o que se fará a costumada JUSTIÇA.”
Os Contrainteressados, notificados para o efeito, não apresentaram contra-alegações.
O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito suspensivo.
O Ministério Público junto deste TCA Sul, notificado nos termos e para efeitos do disposto no n.º 1, do artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer pugnando pela confirmação do Acórdão proferido.
A S......... , S.A. e a B......... – G……., S.A., anteriormente designada O........ – G......., S.A., emitiram pronúncia quanto ao parecer do D.M.M.P., defendendo a procedência do recurso e a revogação do Acórdão recorrido.
Sem vistos, mas com envio do projeto de Acórdão aos Srs. Juízes Desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II. Delimitação do objeto do recurso
Considerando que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso [cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA, na redação anterior ao DL 214-G/2015), 660.º, n.º 2, 684.º, nºs 3 e 4 e 685.-A.º, nºs 1 e 2, do CPC - atentas a data de prolação da decisão recorrida e instauração do recurso é aplicável o CPC antigo, ou seja, na redação do DL 329-A/95 de 12 de dezembro, alterado pelo DL n.º 34/2008, sendo a este que doravante nos referimos - ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA], cumpre a este Tribunal apreciar se o Acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento quanto à decisão tomada de julgar não verificados os vícios de violação de lei imputados ao ato impugnado, traduzidos em,
a. Violação dos nºs. 1 e 2 do artigo 9.º do D.L. nº 11/2003;
b. Violação do princípio da separação de poderes;
c. Violação do disposto no artigo 1425º do C.C.;
d. Vício de incompetência;
e. Violação do regime da revogação de atos constitutivos de direito (artigo 140.º do CPA/91, na redação do DL 442/91, alterada pelo DL 6/96).
III. Fundamentação de facto
III.1. A decisão recorrida fixou a seguinte factualidade provada:
“ A) As Autoras são operadoras de telecomunicações - Acordo;
B) A O........ S.A. é titular da licença n° ICP - 014/TCM, emitida pelo Instituto das Comunicações de Portugal, relativa a prestação do serviço de telecomunicações complementar móvel Serviço Móvel Terrestre, com acesso automático de e para a rede telefónica pública comutada, de acordo com as normas do Global System (GSM/DCS), do ETSI - cfr. docs. de fls. 217 e de fls. 219-250 juntos ao processo cautelar, para que se remete, para todos os efeitos;
C) A Autora O........ S.A. é ainda titular da licença n° ICP - 014/UMTS, emitida pelo Instituto das Comunicações de Portugal, relativa ao exercício da actividade de telecomunicações de uso público, para exploração de Sistemas de Telecomunicações Móveis Internacionais (IMT2000/UMTS), no território nacional - cfr. docs. de fls. 251 e de fls. 253-262 juntos ao processo cautelar, para que se remete, para todos os efeitos;
D) Em 19/10/2005 M......... , proprietária do andar 4° esquerdo do prédio sito na Rua dos Cedros, lote …., no Estoril pronunciou-se expressamente contra a proposta constante da ordem de trabalhos de colocação de uma estação receptora móvel no dito prédio - cfr. doc. de fls. 151 junto ao processo cautelar;
E) Em 21/10/2005 os condóminos do prédio, numa permilagem total de 70%, autorizaram a celebração do contrato de arrendamento, verificando-se 18% da permilagem total contra a instalação da estação no prédio - doc. de fls. 153156, junto ao processo cautelar, para que se remete, para todos os efeitos;
F) Em 29/12/2005 o Condomínio do prédio sito na Rua do Cedros, Bloco ….., Costa da Guia, Estoril, na qualidade de senhorio e a O...... - G......... , S.A., na qualidade de arrendatária, celebraram contrato de arrendamento comercial, pelo qual a administração do prédio em regime de propriedade horizontal deu de arrendamento à arrendatária um espaço de 30 m2 pertencente ao prédio, destinado à instalação e funcionamento de equipamento para recepção, transmissão e retransmissão de telecomunicações, assim como outros equipamentos associados a este tipo de serviço - cfr. doc. de fls. 84-93, junto ao processo cautelar, para que se remete;
G) Em 10/02/2006 a O........ , S.A. solicitou à O...... - G......... , S.A. que se digne encetar todas as acções necessárias tendentes à instalação da infra-estrutura de suporte de radiocomunicações e respectivos acessórios sito na Rua do Cedros, Bloco …., Costa da Guia, Estoril - doc. de fls. 83 junto ao processo cautelar;
H) Em 07/03/2006 a Autora O...... apresentou pedido de autorização municipal para a instalação de infra-estrutura de suporte de estação de radiocomunicações, o que deu origem ao processo camarário n° U- 235/2006, instruindo-o com documentos - doc. de fls. 96-98 junto ao processo cautelar;
I) Da Memória Descritiva e Justificativa apresentada pela Autora, consta a como descrição dos trabalhos a executar, consta em súmula “Equipamento a instalar: - Três BTS de alumínio lacado de cor cinza, com um peso aproximadamente de 600 Kg. Este equipamento será instalado sobre perfis metálicos HEB 140 assentes em blocos de betão de dimensões 1000 mm x 200mm x 200 mmm. (...)” - docs. de fls. 111-113 e de fls. 170-179 juntos ao processo cautelar, para que se remete, para todos os efeitos;
J) Em 04/05/2006 a Autora O...... requereu a emissão de guia para pagamento das taxas referentes ao processo de autorização municipal - doc. de fls. 189 junto ao processo cautelar;
K) Em 08/05/2006 a O...... deu início aos trabalhos de instalação da referida infra-estrutura, tendo terminado esses trabalhos em 01/06/2006 - Acordo;
L) Por ofício datado de 02/06/2006 a Autora O........ foi notificada do projecto de decisão de indeferimento, por referência ao proc. n° 12549/2005 - doc. de fls. 191, junto ao processo cautelar;
M) Em 27/06/2006 a Autora pronunciou-se, alertando para o lapso da identificação do processo como 12549/2005 quando na realidade é o U- 235/2006 - doc. de fls. 194 dos autos, junto ao processo cautelar;
N) Em 11/07/2006 foi emitido parecer pelo Gabinete de Estudos Jurídicos da Câmara Municipal de Cascais sobre o processo n° 235/2006 - doc. de fls. 201-205, junto ao processo cautelar;
O) Por ofício datado de 31/07/2006 a O...... foi notificada do projecto de indeferimento do pedido e para querendo apresentar alegações em trinta dias - doc. de fls. 198, junto ao processo cautelar;
P) Em 06/09/2006 a Autora pronunciou-se em audiência prévia sobre o projecto de decisão de indeferimento - doc. de fls. 206-208 junto ao processo cautelar;
Q) Em 25/09/2006 foi emitida informação pelos serviços camarários, com o seguinte teor: “As alegações apresentadas na sequência da proposta de indeferimento no âmbito do art° 100º e segs. do CPA em nada alteram o teor dos pareceres técnicos emitidos pelo que se propõe: 1 - A revogação do acto tácito formado nos termos do art° 8° do DL 11/203, com base na sua anulabilidade, nos termos do art° 135° do CPA, por violação das normas jurídicas do Código Civil invocadas no parecer jurídicos de 11/Jun/2006. 2 - O indeferimento com base na violação na alínea b) do art° 7o do D.L. n° 11/2003, por falta de unanimidade dos condóminos como impõem os art°s. 1408º, 1422º e 1024º do Código Civil/" - doc. de fls. 79 junto ao processo cautelar;
R) Sobre o requerimento que se dá como assente em H) o Vice-Presidente da Câmara Municipal de Cascais, no uso de poderes subdelegados, em 25/09/2006, proferiu despacho de indeferimento - doc. de fls. 78 junto ao processo cautelar;
S) Por ofício datado de 28/09/2006 a Autora O...... foi notificada que o processo de autorização municipal de instalação e funcionamento das infra-estruturas de suporte das estações de radiocomunicações foi indeferido por despacho de 25/09/2006 - docs. de fls. 77 e 78 junto ao processo cautelar;
T) As Autoras instauraram os presentes autos em 20/12/2006.”
III.2. Mais se consignou na sentença recorrida quanto a factos não provados:
“Nenhum outro facto com relevância para a decisão da causa resultou demonstrado.”
III.3. Foi a seguinte a motivação quanto à matéria de facto:
“A fundamentação quanto à factualidade apurada e não apurada, foi adquirida com base na apreciação crítica e conjugada da prova documental produzida nos autos e junta ao processo cautelar e ainda no processo administrativo e da falta dela.”
IV. Fundamentação de direito
1. Violação dos nºs. 1 e 2 do artigo 9.º do D.L. nº 11/2003
As Recorrentes discordam do Acórdão recorrido quanto ao entendimento por este veiculado de que não se verificava a violação do disposto nos números 2 e 3, do artigo 9.° do D.L. n° 11/2003, de 18/01, sustentando, no essencial, que a referência no n.º 3 a “entidades competentes” não se reporta aos proprietários ou condóminos do prédio onde se pretenda instalar uma antena, pelo que não existindo respostas negativas aos pedidos de pareceres vinculativos, autorizações ou aprovações, emitidos pelas entidades competentes, o presidente da câmara municipal estava obrigado a deferir o pedido, uma vez que não propôs uma localização alternativa.
Acrescentam que, de todo o modo, apresentaram a autorização dos condóminos para se proceder à referida instalação, a que se reporta a al. b) do n.° 2 do art. 5.º do Decreto-Lei n° 11/2003, de 18 de janeiro, consubstanciando esta o contrato de arrendamento celebrado com o condomínio. Discordando, ainda, do entendimento do Tribunal a quo quanto à necessidade de autorização de todos os condóminos para a instalação da infraestrutura porquanto entendem estarmos perante uma situação em que a deliberação da assembleia de condóminos é tomada se for aprovada por maioria simples do valor total do prédio.
Aduzem, ainda, que o ato de indeferimento de um pedido de autorização de instalação de uma antena não poderia ter sido proferido sem que tivessem sido propostas, em sede de audiência prévia, localizações alternativas para a instalação da mesma, tal como determina o artigo 9.°, n.° 3, do Decreto-Lei n.° 11/2003, pelo que se verifica o vício de forma por preterição da regra procedimental (artigo 9.º, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 11/2003).
O Decreto-Lei nº 11/2003, de 18 de janeiro, regula a autorização municipal inerente à instalação das infraestruturas de suporte das estações de radiocomunicações e respetivos acessórios definidos no Decreto-Lei nº 151-A/2000, de 20 de julho.
No seguimento do artigo 20.º deste Decreto-Lei n.º151-A/2000 que prevê, sob a epígrafe “Instalação de estações de radiocomunicações”, que,
1 - A instalação de estações de radiocomunicações e respectivos acessórios, designadamente antenas, em prédios rústicos ou urbanos carece do consentimento dos respectivos proprietários, nos termos da lei.
2 - O disposto no número anterior não dispensa quaisquer outros actos de licenciamento ou autorização previstos na lei, designadamente os da competência dos órgãos autárquicos.
Dispunha-se no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 11/2003 que “a instalação de infra-estruturas de suporte das estações de radiocomunicações e respectivos acessórios está sujeita a autorização municipal”.
No artigo 5.º deste diploma estabelece-se o procedimento de autorização que se inicia por requerimento, dirigido ao presidente da câmara municipal, instruído, além do mais, no caso de instalação de estações em edificações, com “cópia do documento de que conste a autorização expressa para a instalação do proprietário ou dos condóminos, nos termos da lei aplicável” [n.º 2, al. b)].
Não havendo lugar a rejeição liminar do pedido por o requerimento não se mostrar instruído com os elementos referidos no artigo 5.º [cf. n.º 1 do artigo 6.º], dispõe-se no n.º 2 doa artigo 6.º que “[c]ompete ao presidente da câmara municipal promover, no prazo de 10 dias a contar da data de apresentação do pedido, a consulta às entidades que, nos termos da lei, devem emitir parecer, autorização ou aprovação relativamente à instalação”, sem prejuízo da possibilidade do requerente “solicitar previamente os pareceres, autorizações ou aprovações legalmente exigidos junto das entidades competentes” (cf. n.º 3).
Obtidos tais pareceres, autorizações ou aprovações das entidades consultadas ou não sendo estas recebidas no prazo de 10 dias (cf. n.ºs 6 e 7), “o presidente da câmara municipal decide sobre o pedido no prazo de 30 dias a contar da data de recepção do pedido” (artigo 6.º, n.º 8 do Decreto-Lei n.º 11/2003).
Estabelecendo-se no artigo 7.º que o pedido de autorização é indeferido, além do mais, quando a instalação das infra-estruturas de suporte das estações de radiocomunicações violar restrições previstas no plano municipal de ordenamento do território ou no plano especial de ordenamento do território, medidas preventivas, área de desenvolvimento urbano prioritário, área de construção prioritária, servidão administrativa, restrição de utilidade pública ou quaisquer outras normas legais ou regulamentares aplicáveis [alínea b)].
Nos termos do artigo 8.º, titulado “Deferimento tácito”, “[d]ecorrido o prazo referido no n.º 8 do artigo 6.º do presente diploma sem que o presidente da câmara se pronuncie, o requerente pode iniciar a colocação das infra-estruturas de suporte das estações de radiocomunicações, mediante a entrega prévia de requerimento em que solicite a emissão da guia de pagamento das taxas devidas”.
O artigo 9.º deste diploma que regula a “Audiência prévia” prevê,
1 - Quando existir projecto de decisão no sentido do indeferimento do pedido de autorização, deve ser realizada uma audiência prévia que tenha por objectivo a criação das condições de minimização do impacte visual e ambiental que possam levar ao deferimento do pedido.
2 - Quando o sentido provável da decisão for o indeferimento do pedido de autorização de instalação de infra-estruturas de suporte das estações de radiocomunicações em edificações existentes, o presidente da câmara municipal, em sede de audiência prévia, pode definir uma localização alternativa, a encontrar num raio de 75 m.
3 - Caso não seja possível encontrar nova localização nos termos do n.º 2, o presidente da câmara municipal defere o pedido, excepto nos casos em que a isso obste a resposta negativa aos pedidos de pareceres vinculativos, autorizações ou aprovações, emitidos pelas entidades competentes.
Importa, ainda, considerar, por se mostrar relevante à decisão a tomar por este Tribunal ad quem, o regime da interpretação da lei, vertido no artigo 9.º do Código Civil, porquanto, como se escreveu no Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 7.10.2021, proferido no processo 121276/19.8YIPRT.P1, “[é] sabido que toda a norma legal carece de interpretação, isto é, que sobre ela seja exercida uma tarefa de determinação do seu sentido para que ela possa ser aplicada correctamente a um caso concreto, uma tarefa de descoberta e atribuição de um significado ao enunciado linguístico da norma.
Interpretar é procurar a norma que o texto pretende manifestar, é ir além do que a norma expressa e alcançar a regra que ela pretende consagrar. O que implica ir além do texto, colocá-lo no respectivo contexto, recorrer aos fins da lei, às circunstâncias da lei, à mente do legislador. Tudo para lograr descobrir por trás da força das palavras a razão da lei, fixando-lhe o alcance e o sentido.
As normas legais carecem sempre de interpretação, não apenas quando a solução parece a mais óbvia ou conveniente. A interpretação jurídica realiza-se através de elementos, meios, factores ou critérios que devem utilizar-se harmónica e não isoladamente. Ela compreende elementos textuais e extratextuais que permitam alcançar a compreensão de um enunciado.”
Assim, o artigo 9.º do Código Civil estabelece que,
1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Resulta deste normativo que “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (n.º 1), não podendo, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (n.º 2); na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (n.º 3).
(…)
A letra (o enunciado linguístico) é, assim, o ponto de partida. Mas não só, pois exerce também a função de um limite, nos termos do art. 9.º, 2: não pode ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo (espírito, sentido) "que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso".
(…)
Ainda pelo que se refere à letra (texto), esta exerce uma terceira função: a de dar um mais forte apoio àquela das interpretações possíveis que melhor condiga com o significado natural e correcto das expressões utilizadas. Com efeito, nos termos do art. 9.º, 3, o intérprete presumirá que o legislador "soube exprimir o seu pensamento em termos adequados". Só quando razões ponderosas, baseadas noutros subsídios interpretativos, conduzem à conclusão de que não é o sentido mais natural e directo da letra que deve ser acolhido, deve o intérprete preteri-lo.
IV - Desde logo, o mesmo n.º 3 destaca outra presunção: "o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas".” (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 4/2015 de 24.3.2025).
Acrescente-se, ainda, que “[n]esta tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm ainda elementos lógicos, apontando a doutrina elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica. (…)
O elemento sistemático compreende a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretada, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim, como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o lugar sistemático que compete à norma interpretanda no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico.
O elemento histórico abrange todas as matérias relacionadas com a história do preceito, as fontes da lei e os trabalhos preparatórios.
O elemento racional ou teleológico consiste na razão de ser da norma (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao editar a norma, nas soluções que tem em vista e que pretende realizar.” (Ac. do STJ de 4.5.2011, proferido no processo 4319/07.1TTLSB.L1.S1).
Feito este enquadramento, voltando-nos para o caso dos autos, no que respeita à necessidade de proposta, em sede de audiência prévia, de localizações alternativas para a instalação de uma antena, não se pode acompanhar a tese das Recorrentes no sentido de a preterição de tal proposta ser determinante da invalidade do ato de indeferimento do pedido de autorização.
Com efeito, é que tal interpretação não encontra arrimo na letra da lei cujo teor estabelece como uma faculdade – “pode” – a definição pelo presidente da câmara municipal de uma localização alternativa.
A posição das Recorrentes, no sentido que a preterição de tal formalidade – definição de localização alternativa – determinaria a invalidade do ato de indeferimento, dependeria, desde logo, de a mesma se mostrar prevista como um dever ou obrigação do presidente da câmara municipal, cujo incumprimento representaria a omissão do trâmite procedimental em termos suscetíveis de contender com a validade do ato (final) de indeferimento praticado.
Sucede que, face ao limite negativo do elemento literal da interpretação que obsta a que se considere um sentido da lei que não tenha na sua letra “um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso", sendo utilizado o verbo “poder” que exprime uma possibilidade ou faculdade, daí resulta não estarmos perante uma imposição (um dever de atuação vinculado), mas antes perante a atribuição à Administração de discricionariedade de ação (cf. Marcelo Rebelo de Ousa e André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral, Tomo I, Dom Quixote, outubro 2004, p.180).
Donde a circunstância de, no exercício dessa discricionariedade, não ter sido definida pelo presidente da câmara municipal uma localização alternativa aquando da realização da audiência prévia sobre a proposta de indeferimento do pedido de autorização de instalação de antena, não constitui a preterição de uma formalidade procedimental determinante da invalidade do ato administrativo impugnado.
Questão distinta é, como se dá nota no Acórdão recorrido, o dever de deferir o pedido de autorização de instalação de antena “[c]aso não seja possível encontrar nova localização nos termos do n.º 2”, dever esse excetuado “nos casos em que a isso obste a resposta negativa aos pedidos de pareceres vinculativos, autorizações ou aprovações, emitidos pelas entidades competentes” (artigo 9.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 11/2003).
Refira-se que, a este propósito, a tese das Recorrentes assenta em dois pontos: que, para efeitos da exceção prevista neste normativo, não se inclui a resposta (negativa) dos condóminos do prédio em que vá ser instalada a antena; e que disporiam da autorização dos condóminos, porquanto esta se basta com o contrato de arrendamento, não se exigindo autorização unânime.
Sem razão, porém, quanto a qualquer destas dimensões.
Com efeito, em termos sistemáticos, o artigo 9.º respeita a uma fase – de audiência prévia – que integra o procedimento administrativo de apreciação do pedido de autorização, tal como, de resto, os artigos 5.º e 6.º, em termos tais que, entre estes dispositivos, se estabelece uma relação de complementaridade.
Dá-se nota, ainda, que o n.º 3 do artigo 9.º refere os casos de “resposta negativa aos pedidos de pareceres vinculativos, autorizações ou aprovações, emitidos pelas entidades competentes” sem, contudo, expressamente, remeter para o que a esse respeito consta do artigo 6.º, n.ºs 2 a 7.
Donde, pese embora a utilização literal da expressão “pareceres, autorizações ou aprovações legalmente exigidos junto das entidades competentes” à semelhança dos n.ºs 2 e 3 do artigo 6.º, não se pretende limitar os casos que obstam ao deferimento nos termos do n.º 3 do artigo 9.º, aos que resultem da resposta negativa a pareceres vinculativos, autorizações ou aprovações obtidos nos termos do artigo 6.º.
Neste sentido, importa, ainda, considerar que no artigo 5.º, n.º 1 al. f) e n.º 2 al. b) se refere à “autorização” expressa dos proprietários e condóminos, ou seja, utilizando-se a mesma expressão – autorização – a que se reporta o n.º 3 do artigo 9.º, a revelar a inexistência de justificação para se excluir do conceito de “resposta negativa aos pedidos de pareceres vinculativos, autorizações ou aprovações” a falta de autorização expressa dos proprietários ou condóminos dos prédios em que será instalada in casu a antena. Ou seja, como se deu conta no Acórdão recorrido “foi o próprio legislador a considerar que no caso do proprietário ou dos condóminos, está em causa uma verdadeira autorização, no sentido de considerar a mesma indispensável para o deferimento do pedido” (fls. 18).
Impondo-se, por isso, considerar que, relativamente a tal autorização, a “entidade competente” nos termos do n.º 3 do artigo 9.º corresponderá aos proprietários de uma fração autónoma no regime de propriedade horizontal, ou seja, aos condóminos.
Acresce que a interpretação deste normativo deve considerar o elemento teleológico revelado, desde logo, pelo próprio preâmbulo do Decreto-Lei n.º 11/2003 que reitera os condicionalismos, já emergentes do Decreto-Lei n.º 151-A/2000, da instalação de estações de radiocomunicações e respetivos acessórios, a saber, “além de carecer do consentimento legal dos proprietários dos prédios rústicos ou urbanos, necessita ainda dos actos de autorização previstos na lei, designadamente os da competência das autarquias, prevendo logo no artigo 21.º algumas restrições àquela instalação”.
Refira-se que, no n.º 1 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 151-A/2000, a respeito da “Instalação de estações de radiocomunicações”, prevê-se expressamente que “[a] instalação de estações de radiocomunicações e respectivos acessórios, designadamente antenas, em prédios rústicos ou urbanos carece do consentimento dos respectivos proprietários, nos termos da lei”, razão pela qual se fixa no artigo 5.º, n.º 1 al. f) e 2 al. c) do Decreto Lei n.º 11/2003 que o pedido de autorização de instalação de infraestruturas de suporte das estações de radiocomunicações e respetivos acessórios deve ser instruído com cópia do documento de que conste a autorização expressa para a instalação dos proprietários ou dos condóminos.
Prevendo-se, ainda, no artigo 7.º, al. b) do Decreto-Lei n.º 11/2003 que há lugar ao indeferimento do pedido se a instalação das infraestruturas de suporte das estações de radiocomunicações violar “quaisquer outras normas legais ou regulamentares aplicáveis”, incluindo, pois, aqueles artigos 5.º, n.º 1 al. f) e 2 al. c) do Decreto-Lei n.º 11/2003 e n.º 1 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 151-A/2000.
O legislador assume, por isso, a essencialidade e indispensabilidade, para a obtenção da autorização de instalação de infraestruturas de suporte das estações de radiocomunicações e respetivos acessórios de autorização expressa para a instalação do proprietário ou dos condóminos.
E se assim é mostrar-se-ia contrária à ratio legis que subjaz à exigência de tal autorização que o pedido pudesse ser deferido, ao abrigo do n.º 3 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 11/2003, sem a referida autorização expressa, in casu, dos condóminos.
Daqui emerge que no âmbito da exceção ao deferimento, por impossibilidade de nova localização, do pedido de autorização para a instalação de infraestruturas de suporte de estações de radiocomunicações e respetivos acessórios prevista na parte final do n.º 3 do artigo 9.º, se encontra a resposta negativa à autorização pelos condóminos, isto é, a falta de autorização expressa (ou consentimento) dos respetivos proprietários ou condóminos.
Concluindo-se no sentido do Acórdão recorrido de “que, não obtendo o interessado a autorização dos condóminos, não pode a Administração, leia-se Presidente da Câmara, praticar o acto de deferimento da autorização municipal, já que o mesmo não dispensa as autorizações inerentes ao direito de propriedade, nos termos da parte final, do n° 3, do art° 9°.”
Cumpre, por isso, apurar agora se, como alegam as Recorrentes, o contrato de arrendamento que apresentaram, aquando do pedido de autorização da instalação que formularam, representa essa autorização expressa, na certeza de que, como resulta do probatório, apenas uma permilagem total de 70% dos condóminos autorizaram a celebração do contrato de arrendamento e 18% da permilagem total mostrou-se contra a instalação da estação no prédio [facto E)], mais se verificando que, de forma expressa, “M......... , proprietária do andar 4° esquerdo do prédio sito na Rua dos Cedros, lote …, no Estoril pronunciou-se expressamente contra a proposta constante da ordem de trabalhos de colocação de uma estação receptora móvel no dito prédio” [facto D)].
Sobre a questão da exigência de unanimidade para a celebração de contrato de arrendamento de partes comuns do prédio em regime de propriedade horizontal com vista à implantação de uma antena de telecomunicações já se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo nos Acórdãos de 19.4.2012, proferido no processo n.º 1177/1,1 22.5.2012, proferido no processo 075/12, e de 23.10.2012, proferido no processo 0544/12, aí se sumariando que,
“I - Por princípio, aplica-se às partes comuns o regime da compropriedade, com as adaptações decorrentes da relação funcional que as liga às fracções autónomas;
II - Carecem, todavia, de ser aprovadas por unanimidade as deliberações da assembleia de condóminos que se destinam a permitir a celebração de um contrato de arrendamento das partes comuns do prédio;
III - O contrato de arrendamento das partes comuns só é válido se todos os condóminos, antes ou depois da celebração do contrato derem o seu consentimento (art. 1024º, 2 do C. Civil).”
Assim, citando-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.3.2009, proferido no processo n.º 07B3607, escreveu-se no Acórdão do STA de 22.5.2012, proferido no processo n.º 075/12, com importância à argumentação também a estes autos trazida pelas Recorrentes que,
«12. Está agora fundamentalmente em causa a questão de saber qual o regime aplicável a uma deliberação de “celebração de um contrato destinado a proporcionar a ocupação do telhado, por determinado período de tempo, com a instalação e exploração comercial, mediante retribuição anual” de “antenas e mais equipamentos de telecomunicações, na parte do telhado do bloco do prédio em condomínio”, como se deu por provado.
Trata-se assim de um contrato de arrendamento subtraído pela alínea e) do nº 2 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 321-A/90, de 15 de Outubro, ao Regime do Arrendamento Urbano, que este diploma aprovou.
É pois ao Código Civil (não sendo aplicáveis as alterações nele introduzidas pela Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro para a locação em geral e para o arrendamento em especial), que há que recorrer para encontrar a disciplina aplicável ao mesmo contrato.
No que em particular agora interessa – apreciar a validade da deliberação de celebrar um tal contrato, tendo como objecto partes comuns de um prédio em regime de propriedade horizontal – há que situar aquela disciplina no contexto da propriedade horizontal, tendo especificamente em conta o regime definido para a utilização e administração das referidas partes comuns.
Entre as regras que o Código Civil define expressamente para a propriedade horizontal não figura a hipótese que agora nos interessa.
No entanto, encontra-se na regulamentação específica da locação a afirmação, por um lado, de que, para o locador, “a locação constitui (…) um acto de administração ordinária, excepto quando for celebrada por prazo superior a seis anos” mas, por outro, a de que, tratando-se de “arrendamento de prédio indiviso”, o contrato só será válido se todos os comproprietários estiverem de acordo.
É fácil de compreender esta exigência, tendo em conta os efeitos decorrentes da celebração deste contrato. A locação destina-se a proporcionar ao locatário “o gozo temporário de uma coisa” (artigo 1022º do Código Civil), o que implica, por exemplo, a sua entrega ao locatário e a obrigação de lhe assegurar o referido gozo (artigo 1031º), bem como a impossibilidade, por parte do locador, de praticar actos que o impeçam ou diminuam (artigo 1037º).
Coloca-se assim a questão de saber se a exigência de unanimidade vale para o arrendamento de partes comuns em caso de propriedade horizontal, como resultaria da conjugação entre o nº 2 do artigo 1024º e o nº 1 do artigo 1420º, ambos do Código Civil e ambos já citados.
[…]
Antes de mais, cumpre esclarecer que a questão de saber se o nº 2 do artigo 1024º do Código Civil se aplica ou não à propriedade horizontal se restringe a determinar se é ou não aplicável ao arrendamento de partes comuns, porque só essas podem ser tratadas como um “prédio indiviso”; só aliás em relação às partes comuns é que o nº 1 do artigo 1420º do Código Civil afirma que cada condómino é “comproprietário”.
Não se confunde o arrendamento de uma fracção autónoma com o arrendamento de partes comuns.
O arrendamento de uma fracção autónoma, que pela própria natureza da propriedade horizontal implica a possibilidade de utilização, pelo arrendatário, das partes comuns, respeita ao exercício dos poderes de proprietário exclusivo de cada condómino. Mas, em tal eventualidade, essa utilização está sujeita às mesmas restrições que teriam de ser respeitadas pelo próprio condómino, proprietário da fracção arrendada.
Diferentes problemas levanta o arrendamento de partes comuns, que necessariamente afecta em termos que não resultam da função instrumental que desempenham relativamente à utilização das fracções autónomas. Por isso se coloca, desde logo, o problema de saber a quem cabe o poder de o decidir – ao administrador ou à assembleia de condóminos; e, competindo à assembleia, o de determinar como tem de ser aprovada a correspondente deliberação – unanimidade ou maioria, e que maioria.
Faz pois todo o sentido averiguar se o nº 2 do artigo 1024º do Código Civil é ou não aplicável ao arrendamento de partes comuns, no âmbito da propriedade horizontal.
13. […] entende-se que é necessária a unanimidade dos condóminos (não se questionando, naturalmente, a possibilidade de tal unanimidade se manifestar pelo modo previsto no nº 5 do artigo 1432º do Código Civil), nos termos conjugados do disposto no nº 2 do artigo 1024º e no nº 1 do artigo 1420º, ambos do Código Civil.
A aplicação destes preceitos não implica o reconhecimento de nenhum caso omisso, a preencher por analogia, mais ou menos próxima. O nº 2 do artigo 1024º contém uma regra própria do contrato de arrendamento; tal como as demais que a lei define para tal contrato, é aplicável no âmbito da propriedade horizontal, porque nenhuma regra específica deste instituto se lhe opõe, nem directa, nem indirectamente (como poderia na verdade resultar das normas definidas para a formação da vontade na assembleia de condóminos).
É incontestável, como aliás se viu já, que a lei regulou a administração das partes comuns, no âmbito da propriedade horizontal; não previu expressamente, porém, a formação da vontade de decidir celebrar um contrato de arrendamento de partes comuns.
É igualmente incontestável a qualificação legal da locação como acto de administração ordinária, desde que celebrada por prazo não superior a seis anos; e que, no caso, não se põe o problema do significado efectivo do prazo convencionado, como se poderia colocar em relação a contratos de arrendamento que excluam (pelo menos por princípio) o direito do senhorio de denunciar o contrato para o termo do prazo.
Todavia, o mesmo artigo 1024º do Código Civil, que afirma essa qualificação, afasta desde logo dificuldades que criaria a sua articulação meramente formal com a atribuição a todos os comproprietários do direito de administrar a coisa comum. Não seria realmente aceitável que um comproprietário pudesse impor aos demais as consequências próprias da incidência de um arrendamento no prédio indiviso, já atrás apontadas.
São essas mesmas consequências, aliás, que materialmente justificam a adequação da regra da unanimidade ao arrendamento de partes comuns na propriedade horizontal; e que excluiriam liminarmente a conclusão de que a decisão de arrendar partes comuns, ainda que por prazo não superior a seis anos, figuraria entre os poderes do administrador da propriedade horizontal. Note-se, quanto a este ponto, que o artigo 1436º do Código Civil não confere ao administrador, genericamente, o poder de praticar actos de administração ordinária, antes conferidos à assembleia de condóminos (nº 1 do artigo 1430º).
E, diga-se ainda, são essas mesmas consequências que afastam a hipotética afirmação de que seria incongruente exigir unanimidade para a prática de um acto de administração e não a impor relativamente a diversos actos especialmente relevantes, para os quais a lei se satisfaz com maiorias qualificadas. Assim, por exemplo, para as decisões de aprovação de “obras que modifiquem a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício” (nº 3 do artigo 1422º) ou que “constituam inovações” (nº 1 do artigo 1425º), de alteração do uso, “sempre que o título constitutivo não disponha sobre o fim de cada fracção autónoma” (nº 4) ou de reconstrução, em caso de destruição do edifício que não atinja ¾ do seu valor (nº 2 do artigo 1428º). Ou para as deliberações em que o legislador revela que preferiria a unanimidade – preferência que se manifesta ao exigir a inexistência de oposição – mas em que se satisfaz com a aprovação por maioria simples ou qualificada sem votos contra, como ocorre com a proibição de actos ou actividades não vedados pelo título constitutivo (al. d) do nº 2 do artigo 1422º), com a autorização de divisão de fracções autónomas, quando não permitida no título constitutivo (nº 3 do artigo 1422º-A), com a inclusão, no regulamento do condomínio, de critérios de repartição das despesas relativas a serviços de interesse comum (nº 2 do artigo 1424º).
É manifesta em várias hipóteses a intenção do legislador de facilitar a administração do prédio; essa intenção, todavia, não o levou – como poderia ter feito por ocasião da revisão do regime da propriedade horizontal em 1994, que consabidamente teve em vista um aumento da eficiência na administração dos prédios submetidos a tal regime –, a afastar a regra da unanimidade para a decisão de dar de arrendamento partes comuns do prédio.
A terminar este ponto, relembra-se o que atrás se disse sobre a impossibilidade de fazer cessar a indivisão das coisas comuns; na verdade, essa impossibilidade justifica uma maior exigência para a aprovação de actos que, como o arrendamento, visam atribuir o direito de as utilizar».
Concorda-se com o entendimento acabado de transcrever, o qual é totalmente transponível para o caso dos autos.
Assim, quanto à votação para afectação, através de arrendamento, das partes comuns com vista à implantação de uma antena de telecomunicações, deve julgar-se que vigora a regra da unanimidade, nos termos conjugados do disposto no artigo 1024º, nº 2, e no artigo 1420º, nº 1, ambos do Código Civil. Ora, a deliberação da assembleia de condóminos foi aprovada por maioria dos presentes e dois votos contra (I da matéria de facto).»
Acompanhando-se esta posição, admitir-se-ia que o contrato de arrendamento celebrado entre a Recorrente, então O...... - G......... , S.A., e o condomínio do prédio sito na Rua do Cedros, Bloco …., Costa da Guia, Estoril, correspondesse à autorização expressa dos condóminos para a instalação, nos termos dos artigos 5.º, n.º 2 al. b) do DL 11/2003 e 20.º, n.º 1 do DL 151-A/2000, na hipótese de tal contrato ter sido celebrado na sequência de deliberação da assembleia de condóminos tomada por unanimidade.
Sucede que, in casu, verifica-se que o contrato de arrendamento celebrado entre a Recorrente, então O...... - G......... , S.A., e o condomínio do prédio sito na Rua do Cedros, Bloco …., Costa da Guia, Estoril, não resultou de decisão unânime dos condóminos, em termos que permitissem sustentar a tese das Recorrentes de que dispunham da autorização dos condóminos, em conformidade com o artigo 5.º, n.º 2 al. b) do DL 11/2003 e 20.º, n.º 1 do DL 151-A/2000.
Na realidade, importa considerar que «a sanção legal para a falta de consentimento de todos os condóminos para o uso da coisa comum através de um arrendamento (de prédio indiviso, portanto) é, de acordo com o entendimento acima exposto, a nulidade embora com a particularidade de poder ser suprida com o consentimento posterior. Com efeito, diz o art. 1024º, 2 do C. Civil, que o arrendamento de parte indivisa só é válido quando todos os condóminos “antes ou depois do contrato” manifestem o seu assentimento. Mas enquanto não houver unanimidade de todos os condóminos o contrato de arrendamento (…) não é válido podendo a nulidade, nos termos gerais, ser conhecida oficiosamente, a todo o tempo – art. 286º do C. Civil.
No caso em apreço, a entidade ora recorrida poderia indeferir o pedido de autorização pois o mesmo não vinha acompanhado de “cópia do documento de que conste a autorização expressa para a instalação do proprietário ou dos condóminos, nos termos da lei aplicável” – art. 5º, n.º 2, al. b) do Dec. Lei 11/2003, de 18 de Janeiro».» (cf. Acórdão do STA de 22.5.2012, proferido no processo 075/12).
Pelo que, há que acompanhar o Acórdão recorrido quanto a não se verificarem os pressupostos de que dependia o dever do presidente da câmara municipal de deferir o pedido por não ser possível encontrar nova localização, nos termos do n.º 3 do artigo 9.º do DL 11/2003.
Concluindo-se, pois, pelo acerto da decisão recorrida quanto a considerar que “não existindo autorização de todos os condóminos quanto à instalação da antena, não poderia a Entidade Pública competente praticar acto de deferimento do pedido, razão por que será de improceder o vício de violação de lei invocado pela Autora, por não se mostrarem violadas as disposições do art° 9° do D.L. n° 11/2003.
Assim, por existir motivo para o indeferimento do pedido de autorização, por falta de autorização dos condóminos, nos termos previstos na 2.ª parte do n° 3 do art° 9° e al. b) do n° 2 do art° 5°, do D.L. n° 11/2003, a Administração estava vinculada quanto ao agir, à prática do acto de indeferimento do pedido, situação em que não se mostra exigível a definição da localização alternativa, no raio de 75 m.”
2. Violação do princípio da separação de poderes
Sustentam, ainda, as Recorrentes que o Tribunal a quo incorreu em erro ao não considerar ter sido violado o princípio da separação de poderes, aduzindo, no essencial, que a alínea b) do n.° 2 do artigo 5.° do Decreto-Lei n.° 11/2003 apenas exige a apresentação de um título que legitime a instalação de uma antena no edifício que estiver em causa, tão só cabendo à edilidade uma apreciação formal desse documento, rejeitando o pedido sempre que o mesmo não seja instruído com tal autorização (nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 11/2003). Aduzem que inexiste normativo legal que permita às autarquias apreciarem a validade dos documentos apresentados em relação às normas de direito privado aplicáveis e que, na medida em que a análise de tais questões pertence à esfera de competência dos tribunais judiciais, ao admitir-se que a autarquia se imiscua nessa esfera de competência representaria uma violação do princípio da separação de poderes. Consideram que a decisão impugnada põe em causa a vontade de cerca de 70% dos condóminos, intervindo o município (e o Acórdão recorrido) na relação de direito privado existente entre os condóminos.
Mais aduzem que a possibilidade de as autarquias municipais poderem fazer uma avaliação não somente formal do documento a que se refere a al. b) do n° 2 do art. 5.º do Decreto-Lei n° 11/2003, de 18 de Janeiro, tornaria inviável a instalação de um grande número de infraestruturas de suporte de estações de radiocomunicações, levando os operadores ao incumprimento das suas obrigações quanto ao número de infraestruturas a instalar anualmente, comprometendo o Programa Nacional da Política do Ordenamento do Território.
A afirmação do princípio da separação de poderes resulta, desde logo, do teor do artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, quando nele se declara expressamente que «[a] República Portuguesa é um Estado de direito, baseado (…) na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social, cultural e aprofundamento da democracia participativa». Reafirmando-se a essencialidade e o carácter estruturante de tal princípio no n.º 1 do artigo 111.º da CRP que determina que «[o]s órgãos de soberania devem observar a separação e a interdependência estabelecidas na Constituição».
A respeito de tal princípio escreveu-se no Ac. do Tribunal Constitucional n.º 214/2011, proferido no processo n.º 283/11, que
«Admite-se modernamente que o princípio da separação de poderes não cumpre apenas o papel, com que entrou na história do constitucionalismo, de repartição orgânico-funcional dos poderes do Estado com vista à protecção das liberdades e direitos fundamentais dos cidadãos. Desempenha uma pluralidade de funções constitucionais: função de medida, função de racionalização, função de controlo e função de protecção. Como salientam Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4ª edição revista, Coimbra, 2007, pág. 209) o texto constitucional articula a ideia de separação com a ideia de interdependência de poderes, apontando a fundamentalidade do princípio para a ideia de ordenação dos órgãos de soberania pautada pela adequação orgânica, de modo a que as medidas e decisões do poder público para cumprimento das tarefas do Estado sejam preferencialmente adoptadas pelos órgãos que, “segundo a sua organização, função, atribuição e procedimento de actuação estão em melhor posição para analisar os pressupostos, os juízos e os resultados indispensáveis a medidas ou decisões constitucionalmente ajustadas”. Ele implica, como refere Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo VII, Coimbra, 2007, pág. 83 “a necessidade de um núcleo essencial de competência de cada órgão, apurado a partir da adequação da sua estrutura ao tipo ou à natureza de competência de que se cuida”.
Com efeito, enquanto instrumento de inibição da actuação dos poderes públicos, através do modelo tradicional de checks and balances, em salvaguarda da liberdade individual dos cidadãos – a chamada dimensão negativa do princípio da separação de poderes –, o princípio cedeu campo operativo a um conjunto de institutos garantidores dos preceitos materiais da Constituição e dos direitos, liberdades e garantias.
(….)
No essencial, o princípio significa “ordenação adequada de funções, proibição da confusão e da diluição dos nexos de imputação e responsabilidade” (Assunção Esteves, “Os limites do poder do Parlamento e o procedimento decisório da co-incineração”, Estudos de Direito Constitucional, Coimbra, 2001, pág. 17)».
A respeito da separação entre a função administrativa e a judicial deu-se conta no Ac. do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do STA, proferido em 15.11.2012, no processo nº 0450/09, que,
“A Jurisprudência tem distinguido ambas as funções conforme a natureza dos interesses em jogo e a finalidade prosseguida com a decisão.
Assim, o Tribunal Constitucional, no seu acórdão n.° 280/99 de 9 de Março de 1989, BMJ, 385, pág. 155, considera que “a separação real entre função jurisdicional e a função administrativa, passa pelo campo dos interesses em jogo: enquanto a jurisdição resolve litígios em que os interesses em confronto são apenas os das partes, a Administração, embora na presença de interesses alheios realiza o interesse público”.
Por sua vez este Supremo Tribunal Administrativo tem entendido que” haverá acto jurisdicional, quando a sua prática se destina a realizar o próprio interesse público da composição de conflito de interesses (entre particulares, entre estes e interesses públicos ou entre estes, quando verificados entre entes públicos diferentes), tendo, pois, como fim específico, a realização do direito ou da justiça; há acto administrativo, quando a composição de interesses em causa tem por finalidade a realização de qualquer outro interesse público, que ao ente público compete levar a cabo, representando aquela composição, por conseguinte, um simples meio ou instrumento desse outro interesse”. — acórdão do Pleno de 18-12-91, Proc.° n.° 18882, in AP DR 10- 9-93,807 (No mesmo sentido, ver os acórdãos de 16-06-1992, Proc.º 29769, in AP DR 16-4-96, 4067, de 23- 03-1995. Proc.° nº 27994, in AP DR 31-3-97, 188)”.
Compreende-se, por isso, que quando a Administração pratique, através de ato administrativo, ato que seja da competência de órgãos de outro poder do Estado, designadamente do judicial, estamos perante um ato ferido de nulidade por vicio de usurpação de poder (artigo 133.º, n.º 2 do CPA/91).
Assim, “o vício de usurpação de poderes traduz-se na prática, por um órgão da Administração, de um acto que decide uma questão cuja apreciação está reservada aos tribunais ou ao poder legislativo, consistindo, pois, numa forma de incompetência agravada por falta de atribuições” (Acórdão do STA de 11.1.2024, proferido no processo 0439/07.0BEBRG).
Estaremos, portanto, perante um ato administrativo viciado por usurpação de poderes, violador, pois, do princípio da separação de poderes, quando o mesmo decide uma questão que é da competência dos outros poderes do Estado (legislativo, moderador e/ou judicial).
Como já aqui demos nota o regime normativo que emerge do Decreto-Lei n.º 151-A/200 e do Decreto-Lei n.º 11/2003 evidencia a essencialidade e indispensabilidade, à obtenção da autorização de instalação de infraestruturas de suporte das estações de radiocomunicações e respetivos acessórios, do consentimento/autorização dos condóminos [cf. n.º 1 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 151-A/2000 e preâmbulo e artigo 5.º, n.º 1 al. f) e 2 al. c) do Decreto-Lei n.º 11/2003].
Prevendo-se, por um lado, que o pedido de autorização seja instruído com “cópia do documento de que conste a autorização expressa para a instalação do proprietário ou dos condóminos, nos termos da lei aplicável” [artigo 5.º, n.º 2 al. b)], por outro, que haverá lugar à rejeição liminar se o pedido não for instruído com tal documento [artigo 6.º, n.º 1], mas também, como vimos no ponto IV.1, que há lugar ao indeferimento do pedido se inexistir essa autorização expressa para a instalação do proprietário ou dos condóminos [artigos 7.º al. b), 9.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 11/2003 e n.º 1 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 151-A/2000 ].
Daí que, ainda se aceitasse a tese das Recorrentes de que “o legislador criou como que um princípio de favor à viabilização destas instalações”, são as próprias Recorrentes a assumir que assim será “no quadro do respeito pelas disposições aplicáveis”. O que, naturalmente, pressupõe que a Administração atue no respeito pelo bloco de legalidade aplicável.
Ora, em face do quadro jurídico supra evidenciado, a apreciação que a Administração realiza sobre a existência de autorização expressa dos condóminos à instalação das infraestruturas de telecomunicações não é de natureza meramente formal, como se o que estivesse em causa fosse tão só aferir da omissão ou apresentação de um documento.
Efetivamente, o que o Decreto-Lei n.º 11/2003 demanda é um documento “de que conste a autorização expressa para a instalação do proprietário ou dos condóminos”, exigência essa que advém do n.º 1 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 151-A/2000 – diploma que estabelece “o regime aplicável ao licenciamento de redes e estações de radiocomunicações e à fiscalização da instalação das referidas estações e da utilização do espectro radioeléctrico, bem como a definição dos princípios aplicáveis às taxas radioeléctricas, à protecção da exposição a radiações electromagnéticas e à partilha de infra-estruturas de radiocomunicações” – que estabelece como pressuposto para a instalação o consentimento dos proprietários (conceito que abarca, quanto a prédios em regime de propriedade horizontal, os condóminos).
Pelo que, naturalmente, a concessão pelos municípios da autorização para instalação de tais infraestruturas exige, pressupõe e reclama, que estes verifiquem, não só se o documento foi instruído com o pedido, mas também se o mesmo consubstancia a “autorização expressa para a instalação do proprietário ou dos condóminos, nos termos da lei aplicável”, pois que se lhe impõe o dever vinculado de indeferir a pretensão se a instalação das infraestruturas de suporte das estações de radiocomunicações violar as normas legais ou regulamentares aplicáveis [incluindo aqueles artigos 5.º, n.º 1 al. f) e n.º 2 al. b), 9.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 11/2003 e artigo 20.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 151-A/2000 ex vi artigo 7.º al. do b) Decreto-Lei n.º 11/2003].
Isto é, de forma expressa – “nos termos da lei aplicável” – o legislador atribui à Administração a competência para aferir se, em conformidade com o bloco normativo aplicável – seja ele de natureza publicista ou privatística -, o requerente do pedido dispõe e cumpre o pressuposto legal de que depende o deferimento da sua pretensão, qual seja dispor de autorização expressa dos condóminos.
Ao realizar tal análise, e indeferir o pedido de autorização de instalação por verificar que “nos termos da lei aplicável” não existe a autorização expressa dos condóminos, a edilidade está, apenas, a exercer as competências que lhe são atribuídas pelos artigos 5.º, n.º 1 al. f) e n.º 2 al. b), 7.º, al. b) e 9.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 11/2003 e artigo 20.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 151-A/2000 e não, como sustentam as Recorrentes, a dirimir qualquer litígio respeitante às relações entre condóminos, imiscuindo-se na função jurisdicional.
Refira-se que a questão da exigência de unanimidade para a deliberação respeitante a permitir a celebração de um contrato de arrendamento das partes comuns do prédio onde serão instaladas as infraestruturas de telecomunicações é decorrência da lei aplicável, concretamente da conjugação do disposto no artigo 1024.º, n.º 2 com o artigo 1420.º, n.º 1, ambos do Código Civil. Pelo que nenhuma razão assiste às Recorrentes quando alegam que “a Câmara apenas está eventualmente a acautelar a vontade de aqueles que não queriam ver a antena instalada no edifício em questão” e a pôr “em causa a vontade de cerca de 70% dos condóminos presentes em aquela assembleia”.
Na verdade, o Município está, tão só, como se entende na decisão recorrida, a regular a sua conduta pelo bloco de legalidade ao qual deve obediência.
Adiante-se que a eventual indispensabilidade deste tipo de instalações para o funcionamento da rede de telecomunicações ou a necessidade dos operadores cumprirem as suas obrigações perante a entidade reguladora das comunicações, não é de molde a constituir fundamento para que a Administração se afaste desse bloco de legalidade.
Tão pouco se compreende a alegação das Recorrentes de que resultaria “inviável a instalação de um grande número de infra-estruturas de suporte de estações de radiocomunicações” e comprometido o Programa Nacional da Política do Ordenamento do Território. As infraestruturas não são inviáveis em resultado da atuação das edilidades (ou do entendimento que emerge do Acórdão recorrido), mas sim da circunstância de os requerentes não cumprirem com o pressuposto legal de que depende o deferimento do seu pedido, qual seja o de obterem autorização dos condóminos para a instalação das infraestruturas nos prédios de que estes são proprietários das correspondentes frações e comproprietários das partes comuns (artigo 1420.º do CC).
Note-se que o legislador realizou a ponderação entre o direito de propriedade e o interesse público subjacente à instalação de tais infraestruturas, evidenciando a prevalência daquele ao reclamar a exigência de autorização expressa dos proprietários/condóminos [n.º 1 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 151-A/2000, artigos 5.º, n.º 1 al. f) e n.º 2 al. b), 6.º, n.º 1, 7.º al. b) e 9.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 11/2003] como pressuposto para a obtenção da autorização de instalação das infraestruturas.
Aceitar a tese das Recorrentes equivaleria a admitir que a Administração violasse o bloco de legalidade aplicável que lhe impõe – sem que daí se esteja a imiscuir e a praticar ato da competência da função jurisdicional - que analise se o requerente dispõe de “autorização expressa para a instalação do proprietário ou dos condóminos, nos termos da lei aplicável”, indeferindo o pedido caso o documento apresentado não corresponda à vontade expressa e unânime dos condóminos.
No caso dos autos, demonstrado que o contrato de arrendamento não foi celebrado por vontade unânime dos condóminos, impunha-se à Administração o indeferimento do pedido de autorização por a Recorrente, O...... (B......... ), não dispor de autorização dos condóminos, nos termos previstos (e conjugados) na al. b) do artigo 7.º, 2.ª parte do n.° 3 do art.° 9.° e al. b), n.° 2 do art.° 5.°, do D.L. n° 11/2003 e n .º 1 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 151-A/2000, sem que, com tal atuação, o Recorrido tenha praticado ato da competência da função judicial, incorrendo em usurpação de poderes.
3. Violação do disposto no artigo 1425.º do C.C.
As Recorrentes insistem, ainda, na tese de que, sendo aplicável o disposto no artigo 1425.º do Código Civil, normativo que prevê que “as obras que constituam inovações dependem da aprovação da maioria dos condóminos, devendo essa maioria representar dois terços do valor total do prédio”, não se mostra exigível a unanimidade dos condóminos para a instalação da antena/estação de radiocomunicações nas partes comuns do prédio.
A resposta a esta questão, contudo, já foi dada no ponto IV.1., retirando-se a este respeito o que aí se disse acompanhando os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 19.4.2012, proferido no processo n.º 1177/1,1 22.5.2012, proferido no processo 075/12, e de 23.10.2012, proferido no processo 0544/12.
Acrescente-se, apenas, que o que está em causa não é, opostamente ao que pretendem as Recorrentes, a execução de obras, que constituam inovações, nas partes comuns do prédio em propriedade a que fosse aplicável o disposto no artigo 1425.º do CC, mas sim a celebração de um contrato de arrendamento das partes comuns do prédio nas quais será instalada uma antena de telecomunicações. Assim sendo, não tendo o legislador afastado a regra da unanimidade para a decisão de dar de arrendamento partes comuns do prédio, “carecem de ser aprovadas por unanimidade as deliberações da assembleia de condóminos que se destinam a permitir a celebração de um contrato de arrendamento das partes comuns do prédio”. De tal forma que, “o contrato de arrendamento das partes comuns só é válido se todos os condóminos, antes ou depois da celebração do contrato derem o seu consentimento (art. 1024º, 2 do C. Civil)” [cf. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 19.4.2012, proferido no processo n.º 1177/1,1 22.5.2012, proferido no processo 075/12, e de 23.10.2012, proferido no processo 0544/12].
Donde, resultando provado nos autos que o contrato de arrendamento celebrado entre a Recorrente, então O...... - G......... , S.A., e o condomínio do prédio sito na Rua do Cedros, Bloco …., Costa da Guia, Estoril, não resultou de decisão unânime dos condóminos, o que determina a nulidade do contrato de arrendamento, impunha-se, nos termos conjugados do artigo 5.º, n.º 2 al. b), 7.º, al. b) e 9.º, n.º 3 do DL 11/2003 e 20.º, n.º 1 do DL 151-A/2000, o indeferimento do pedido de autorização por a requerente não dispor de autorização expressa para a instalação do proprietário ou dos condóminos, nos termos da lei aplicável.
Não representando, como assim se entendeu no Acórdão recorrido, tal indeferimento a violação do disposto no artigo 1425.º do CC.
4. Vício de incompetência
As Recorrentes imputam, ainda, ao Acórdão recorrido erro de julgamento quanto à decisão tomada relativamente ao vício de incompetência sustentando, em suma, que o Vice-Presidente da Câmara Municipal de Cascais não dispunha de competência para a prática do ato, porquanto nos termos do n.º 8 do artigo 6.° do Decreto-Lei n.° 11/2003 o presidente da Câmara Municipal é órgão competente para decidir sobre os pedidos de autorização para instalação de infraestruturas de radiocomunicações, não se prevendo a possibilidade de delegação da referida competência.
Aduzem que, face à inexistência de norma habilitante específica que preveja a faculdade de delegação (artigo 35.°, n.° 1, do CPA/91), e, por outro, porque a competência é irrenunciável (cfr. artigo 29.° do CPA/91), são nulas as delegações de poderes não autorizadas (cfr. n.° 2 do mencionado artigo 29.° do CPA/91).
Como é sabido o vício de incompetência relativa verifica-se quando os poderes para a prática do ato pertencem a outro órgão da mesma pessoa coletiva, contendo-se o ato no âmbito das atribuições próprias do seu autor.
Porque “[a] competência é conceptualizada como um conjunto de poderes funcionais que a lei confere a um órgão para a prossecução das atribuições da pessoa coletiva pública que integra, assumindo-se como a pedra basilar e de vanguarda do princípio geral da legalidade administrativa”, esta [a competência] só pode ser definida por lei ou regulamento, sendo imodificável, irrenunciável e inalienável” (Ac. deste TCAS, de 24.11.2016, proferido no processo n.° 09828/16).
Assim, de forma expressa, no artigo 29.º do CPA/91 prevê-se o princípio da legalidade da competência e a sua irrenunciabilidade e inalienabilidade, sem prejuízo, todavia, “do disposto quanto à delegação de poderes e à substituição”.
A parte final do n.º 2 do artigo 29.º do CPA/91, estabelece a possibilidade da delegação (e subdelegação) da competência. Entendendo-se por delegação de poderes o ato pelo qual um órgão, legalmente habilitado para o efeito, permite que outro órgão ou agente pratique atos administrativos sobre a mesma matéria, consubstanciando, assim, um ato pelo qual um órgão opera uma transferência de poderes para o exercício normal de uma competência cuja titularidade lhe pertence, primária ou originariamente, transferência de poderes que se opera dentro do mesmo ente administrativo (vd. Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, “Código de Procedimento Administrativo – Comentado”, Almedina, 2ª Edição, 2003, pág. 210 ss.).
A este propósito previa-se, então, no CPA/91,
Artigo 35.º
Da delegação de poderes 1 - Os órgãos administrativos normalmente competentes para decidir em determinada matéria podem, sempre que para tal estejam habilitados por lei, permitir, através de um ato de delegação de poderes, que outro órgão ou agente pratique atos administrativos sobre a mesma matéria.
2 - Mediante um ato de delegação de poderes, os órgãos competentes para decidir em determinada matéria podem sempre permitir que o seu imediato inferior hierárquico, adjunto ou substituto pratiquem atos de administração ordinária nessa matéria.
3 - O disposto no número anterior vale igualmente para a delegação de poderes dos órgãos colegiais nos respetivos presidentes, salvo havendo lei de habilitação específica que estabeleça uma particular repartição de competências entre os diversos órgãos.
Artigo 36.º
Da subdelegação de poderes 1 - Salvo disposição legal em contrário, o delegante pode autorizar o delegado a subdelegar.
2 - O subdelegado pode subdelegar as competências que lhe tenham sido subdelegadas, salvo disposição legal em contrário ou reserva expressa do delegante ou subdelegante.
Artigo 37.º
Requisitos do ato de delegação 1 - No ato de delegação ou subdelegação, deve o órgão delegante ou subdelegante especificar os poderes que são delegados ou subdelegados ou quais os atos que o delegado ou subdelegado pode praticar.
2 - Os atos de delegação e subdelegação de poderes estão sujeitos a publicação no Diário da República ou, tratando-se da administração local, no boletim da autarquia, e devem ser afixados nos lugares do estilo quando tal boletim não exista.
Conforme disposto no n.º 1 do artigo 35.º do CPA/91, a possibilidade da delegação de poderes tem de radicar na lei, ou seja, demanda-se habilitação legal para o ato de delegação de poderes, sem a qual o ato é nulo (cfr. artigo 29.º n.º 2 do CPA/91), por traduzir uma renúncia ou alienação de competência não admitida.
A posição das Recorrentes traduz-se, essencialmente, na alegação de que inexiste norma habilitante da delegação ao Vice-Presidente da Câmara Municipal de Cascais do poder de decisão do pedido de autorização de instalação de infraestruturas de suporte das estações de radiocomunicações e respetivos acessórios atribuído ao presidente da Câmara Municipal pelo n.º 8 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 11/2003.
Como se entendeu no Acórdão recorrido existe, conforme exigido pelo artigo 35.º, n.º 1 do CPA/91, lei que confere competência ao Presidente da Câmara Municipal para delegar as suas competências próprias, incluindo, pois, a competência de proferir decisão no âmbito dos pedidos de autorização de instalação de infraestrutura de radiocomunicações que lhe é atribuída pelo n.º 8 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 11/2003.
Com efeito, recorda-se que, nos termos do artigo 57.º, n.º 3 da Lei n.º 169/99 (na redação da Lei n.º 5-A/2002, de 11/01), o vice-presidente da câmara municipal é designado de entre os vereadores, o que significa que o vice-presidente corresponde a um vereador.
Ora, como se dá nota no Acórdão recorrido no n.° 2 do art.° 69.° da Lei n.° 169/99, de 18/09, prevê-se que “[o] presidente da câmara pode delegar ou subdelegar nos vereadores o exercício da sua competência própria ou delegada”.
Ou seja, existe norma legal que habilita a delegação de competências próprias do Presidente da Câmara.
Esclarece-se que tal habilitação legal, opostamente ao que pretendem as Recorrentes, não carece de estar estabelecida no diploma ou normativo que atribui e define a competência quanto à decisão do pedido, concretamente no n.º 8 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 11/2003. Com efeito, “não é sequer de exigir que a norma permissiva da delegação de poderes tenha que constar da mesma lei onde é atribuída a competência” (vide, neste sentido, os Acs. do TCA Norte de 30.10.2020, proferido no processo n.º 02758/13.8BELSB e de 26.1.2028, no processo n.º 00355/11.1BEMDL). O que o artigo 35.º, n.º 1 do CPA/91 demanda é que essa habilitação se encontre prevista na lei.
Donde, existindo norma que possibilita a delegação das competências próprias ou delegadas do presidente da câmara – correspondendo, nos termos do n.º 8 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 11/2003, a decisão sobre o pedido de autorização a uma competência própria – nos vereadores, concretamente aquele n.º 2 do artigo 169.º da Lei n.º 169/99, não se verifica o imputado vício de incompetência. Ou seja, essa habilitação legal encontra-se inserida na lei que estabelece o quadro de competências, bem como o regime jurídico de funcionamento dos órgãos dos municípios.
Face ao exposto, também não assiste, a este respeito, razão às Recorrentes quanto ao erro de julgamento que imputam à decisão recorrida.
5. Violação do regime da revogação de atos constitutivos de direito
Por último, assentam as Recorrentes o erro de julgamento na alegação de que, tendo entregue o pedido de autorização a 7.3.2006 e não tendo sido proferida decisão sobre o mesmo no prazo de 30 dias (cf. artigo 6.º, n.º 8 do Decreto-Lei n.º 11/2003), formou-se o ato tácito de deferimento nos termos do artigo 8.º daquele diploma. Razão pela qual aduzem que o ato impugnado revogou, ainda que implicitamente, o ato de deferimento tácito, sendo que, estando em causa um ato constitutivo de direitos, apenas poderia ser revogado se ilegal ou se dado o consentimento para o efeito.
Entendem que, opostamente ao decidido, se formou o ato tácito porquanto entregou todos os documentos que eram exigíveis nos termos do artigo 5.º do Decreto-Lei n.° 11/2003, de 18 de janeiro, incluindo o documento de autorização expressa dos condóminos para a instalação da infraestrutura em causa, correspondente à cópia do contrato de arrendamento e que, não tendo sido posto em causa, foi implicitamente aceite pelo Município de Cascais.
Mais insistem na alegação de que o contrato de arrendamento titula a autorização dos condóminos e que o Município não poderia aferir a validade desse documento.
Invocando que não tendo no prazo de oito dias o presidente da Câmara Municipal de Cascais proferido despacho de rejeição liminar, conforme o n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 11/2003, não o poderia fazer posteriormente indeferindo o pedido com tal fundamento.
Importa, antes de mais, aferir se se formou o ato tácito de deferimento como alegado ou se, como se entendeu na decisão recorrida, não se mostravam preenchidos os requisitos para a formação do ato tácito.
Com efeito, da posição assumida no Acórdão resulta que, face à exigência de o pedido de autorização ser instruído, nos termos do artigo 5.º, n.º 1 al. f) e 2 al. b) do Decreto-Lei n.º 11/2003, com a autorização expressa dos condóminos, de acordo com a lei aplicável, verificando-se que “existe uma reclamação de um condómino do edifício em causa, que se opõe à referida instalação da infra-estrutura de suporte de estação de telecomunicações e respectivos acessórios e uma autorização do condomínio que não é unânime”, entendeu-se que o pedido de autorização não se mostrava correta e integralmente instruído, razão pela qual a Administração não poderia praticar o ato de deferimento da autorização municipal. Consequentemente, dado que o pedido de autorização em causa não foi instruído com a autorização nos termos legais, não se mostravam preenchidos os requisitos para a formação do ato de deferimento tácito.
Previa-se no artigo 108.º do CPA/91, sob a epígrafe “Deferimento tácito” que,
1 - Quando a prática de um acto administrativo ou o exercício de um direito por um particular dependam de aprovação ou autorização de um órgão administrativo, consideram-se estas concedidas, salvo disposição em contrário, se a decisão não for proferida no prazo estabelecido por lei.
2 - Quando a lei não fixar prazo especial, o prazo de produção do deferimento tácito será de 90 dias a contar da formulação do pedido ou da apresentação do processo para esse efeito.
3 - Para os efeitos do disposto neste artigo, consideram-se dependentes de aprovação ou autorização de órgão administrativo, para além daqueles relativamente aos quais leis especiais prevejam o deferimento tácito, os casos de:
[…]
4 - Para o cômputo dos prazos previstos nos n.os 1 e 2 considera-se que os mesmos se suspendem sempre que o procedimento estiver parado por motivo imputável ao particular.
A respeito dos pressupostos para a produção do ato de deferimento tácito escrevem Mário Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e J. Pacheco de Amorim (Código do Procedimento Administrativo Comentado, Almedina, 2.ª edição, pp. 484 e ss.),
“Exige-se, antes de tudo, que tenha sido formulada uma pretensão – estando implícito na previsão legal que se trata de pretensões formuladas aos órgãos competentes para as apreciar – e que não haja decisão expressa ou implícita (pressuposta) sobre o conteúdo dessa pretensão, em determinado prazo.
Não são, porém, apenas esses os pressupostos a atender, quando se configura o silêncio da Administração como um acto de efeitos positivos.
Desde logo, há de tratar-se de um caso legalmente previsto, como sendo de deferimento tácito, seja através de cláusula geral e/ou de disposição específica da lei (…).
Por outro lado, (…) não pode esquecer-se que só há acto tácito, quando estiverem preenchidos todos os pressupostos procedimentais (subjectivos e objectivos) (….) – para além da pretensão (inteligível), da competência e da inexistência de decisão expressa, também – a legitimidade do requerente, a tempestividade do pedido, a actualidade (não caducidade) do direito e a existência de um dever legal de decidir (….).
Já não é, contudo, pressuposto do deferimento tácito (pelo menos, sempre) a legalidade ou – em sentido próximo – a vinculatividade da pretensão: se as obras para cuja realização se pretende “aprovação” ou autorização municipal não estão nas condições regulamentares (…), o deferimento tácito produz-se à mesma. Invalidamente, claro, mas forma-se.”
Também João Tiago da Silveira (O Deferimento Tácito, Coimbra Editora, 2004, pp. 167 e ss) enuncia como requisitos para a formação do ato tácito: a apresentação de um pedido; a competência do órgão ao qual o pedido é dirigido; a existência de um dever legal de decidir; o decurso do prazo; a previsão legal de atribuição ao silêncio de um significado jurídico de deferimento da pretensão do particular. Afastando que constitua pressuposto para a formação do ato tácito a sua conformidade com o ordenamento jurídico, entendendo que o ato de deferimento se forma mesmo que ilegal, podendo ser revogado posteriormente, como se de um ato expresso se tratasse. Assim, “satisfeitos os requisitos acima descritos para produção dos efeitos de deferimento resultantes do silêncio, haverá um “acto” de deferimento tácito. Caso este “acto” não respeite o ordenamento jurídico, poderá ser revogado por ilegalidade ou declarado nulo, nos termos gerais” (ob. cit., fls. 193).
Não se mostra controvertido que a Recorrente, O...... , tenha apresentado um pedido, no caso visando a obtenção de autorização para a instalação de infraestruturas de suporte das estações de radiocomunicações, em 7.3.2006, ao órgão competente e dispondo para tanto de legitimidade [factos A), B), G) e H)].
Sendo certo que no Decreto-Lei n.º 11/2003 consagra-se expressamente no artigo 8.º, epigrafado “Deferimento tácito”, que “[d]ecorrido o prazo referido no n.º 8 do artigo 6.º do presente diploma sem que o presidente da câmara se pronuncie, o requerente pode iniciar a colocação das infra-estruturas de suporte das estações de radiocomunicações, mediante a entrega prévia de requerimento em que solicite a emissão da guia de pagamento das taxas devidas”. O n.º 8 do artigo 6.º deste diploma prevê que “[o] presidente da câmara municipal decide sobre o pedido no prazo de 30 dias a contar da data de recepção do pedido”.
Como se deu nota no Ac. do STA de 10.2.2010, proferido no processo n.º 01045/09, de 10.2.2010, a respeito deste artigo 8.º do DL 11/2003,
“Como esclarece a epígrafe atribuída a este artigo, está-se perante um «Deferimento tácito», qualificação esta que também se poderia concluir à face da regra geral sobre a matéria que consta do n.º 1 do art. 108.º do CPA, que é a de que «quando a prática de um acto administrativo ou o exercício de um direito por um particular dependam de aprovação ou autorização de um órgão administrativo, consideram-se estas concedidas, salvo disposição em contrário, se a decisão não for proferida no prazo estabelecido por lei».
Na verdade, está-se perante um pedido de autorização e, à face desta norma, no caso de decurso do prazo previsto na lei para decisão sem que ela seja proferida, considera-se concedida a autorização, que se traduz precisamente na possibilidade de o interessado praticar os actos que pretendia ver autorizados.
A especialidade que justifica a especial previsão do art. 8.º do DL n.º 11/2003 consiste apenas em a prática do acto autorizado ficar dependente de uma condição que é a «entrega prévia de requerimento em que solicite a emissão da guia de pagamento das taxas devidas».”
Ou seja, existe previsão legal de atribuição ao silêncio de um significado jurídico de deferimento da pretensão do particular.
Importa-nos aqui, essencialmente, determinar se sobre o presidente da câmara municipal impendia o dever legal de decidir o pedido apresentado pela Recorrente O...... .
A este respeito prevê o artigo 9.º do CPA/91,
1 - Os órgãos administrativos têm, nos termos regulados neste Código, o dever de se pronunciar sobre todos os assuntos da sua competência que lhes sejam apresentados pelos particulares e, nomeadamente:
a) Sobre os assuntos que lhes disserem directamente respeito;
b) Sobre quaisquer petições, representações, reclamações ou queixas formuladas em defesa da Constituição, das leis ou do interesse geral.
2 - Não existe o dever de decisão quando, há menos de dois anos contados da data da apresentação do requerimento, o órgão competente tenha praticado um acto administrativo sobre o mesmo pedido formulado pelo mesmo particular com os mesmos fundamentos.
Mário Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e J. Pacheco de Amorim (Código do Procedimento Administrativo Comentado, Almedina, 2.ª edição, p. 128), defendem que quando seja apresentado um requerimento de iniciativa particular sobre a Administração recai o dever de decidir se se mostrarem preenchidos os seguintes pressupostos: competência do órgão, legitimidade do requerente, inteligibilidade, unidade e tempestividade do pedido, atualidade do direito e inexistência de decisão sobre pedido igual (do requerente) tomada há menos de dois anos.
João Tiago da Silveira (O Deferimento Tácito, Coimbra Editora, 2004, pp. 170 e 171), entende que correspondem a requisitos para que sobre a Administração recaia o dever de decisão, que (i) a pretensão seja apresentada por um particular que detenha legitimidade, (ii) a órgão competente, (iii) que a solicitação dirigida pelo particular seja identificável e inteligível, (iv) que o pedido não se encontre em condições que permitam a sua inclusão no artigo 9.°-2 do CPA – escrevendo o autor que , “pretendeu-se evitar que o particular pudesse, constantemente, confrontar a Administração com a análise do mesmo assunto quando já tenha sido emitido acto administrativo sobre a questão em apreço, não se formando deferimento tácito” – e, bem assim, (v) considera que “se o pedido do particular contiver deficiências ou insuficiências quanto aos elementos previstos no artigo 74.° do CPA (ou outros, previstos em legislação especial), se esses elementos forem indispensáveis ao bom andamento do procedimento, e se não puderem ser supridas pelo particular ou pela Administração, esta não se poderá debruçar acerca do fundo da questão, pelo que não se verificará o dever de decidir previsto no artigo 9.° do CPA.
Naturalmente que este requisito deve ser encarado de forma flexível. Apenas será de admitir a inexistência de um dever de decisão quando os elementos em falta sejam imprescindíveis para a apreciação do mérito da causa. Caso contrário, poder-se-ia justificar a não formação do acto tácito com razões excessivamente formais como, por exemplo, a indicação da profissão do requerente, não tendo este dado qualquer influência para a ponderação da pretensão. A isto acresce que a Administração tem uma obrigação de saneamento do pedido (artigo 76.°-l do CPA) que deve levar a cabo, caso entenda que o requerimento padece de insuficiências/imperfeições.” (João Tiago da Silveira, O Deferimento Tácito, Coimbra Editora, 2004, pp. 170 e 171).
Também neste TCA Sul se entendeu, nos Acórdãos proferidos em 6.6.2024, no processo 313/20.5BELLE e em 18.11.2024, no processo 761/23.9BELLE, embora por referência ao requisito do pedido, que constitui pressuposto para a formação do ato tácito o da apresentação de um pedido suficientemente instruído, entendendo-se que “sem que o particular tenha formulado um pedido suficientemente instruído, de acordo com todos os elementos documentais exigidos legal e regulamentarmente, o Tribunal não pode reconhecer o deferimento tácito da sua pretensão”.
Impõe-se, contudo, reconhecer, acompanhando-se aqui a declaração de voto vertida no Acórdão de 18.11.2024, proferido no processo 761/23.9BELLE, que haverá que estabelecer “uma distinção entre os pressupostos da formação do acto tácito, designadamente, quanto aos requisitos mínimos a que deve obedecer o requerimento do particular para constituir a Administração no dever de decidir, e os pressupostos de validade daquele acto”.
Ora, no que respeita ao pedido de autorização de instalação de infraestruturas de suporte das estações de radiocomunicações e respetivos acessórios os requisitos (mínimos) são os que se encontram regulados no artigo 5.º, incluindo, pois, a sua instrução com “Cópia do documento de que conste a autorização expressa para a instalação do proprietário ou dos condóminos, nos termos da lei aplicável” [n.º 1 al. b)].
Sucede que a insuficiente instrução do pedido, determinante da impossibilidade de fazer impender sobre a Entidade Demandada o dever de decisão e, consequentemente, de possibilitar a formação do ato tácito, não pode ser vista de forma demasiado formalista e em termos que se confunda a falta dos pressupostos da formação do ato tácito, com a eventual ilegalidade do ato tácito. Pelo que, acompanhando João Tiago da Silveira, as deficiências ou insuficiências instrutórias do requerimento devem ser de molde a contender com a apreciação do mérito da causa, em termos que obstem a que a Administração se debruce sobre fundo da questão, caso em que não verificará o dever de decidir previsto no artigo 9.° do CPA, e não (apenas) obstativas da procedência do pedido, hipótese em que se forma o ato tácito, podendo este ser inválido caso não se mostrem preenchidos os pressupostos de que dependia o deferimento do pedido.
E é aqui que não acompanhamos o Acórdão recorrido quando, da equiparação que faz entre a situação em causa nos autos – em que o documento apresentado, nos termos da lei aplicável, não atesta ou consubstancia a autorização dos condóminos, porque se verifica que não emerge de decisão unânime dos condóminos - à falta do documento a que se reporta a al. b) do n.º 2 do artigo 5.º do DL 11/2003, extrai a insuficiência ou deficiência instrutória impeditiva da formação do ato tácito de o deferimento da autorização requerida.
É certo que nos Acórdãos do STA de 22.5.2012, proferido no processo 075/12, e de 23.10.2012, proferido no processo 0544/12, se refere que a Administração “poderia indeferir o pedido de autorização pois o mesmo não vinha acompanhado de “cópia do documento de que conste a autorização expressa para a instalação do proprietário ou dos condóminos, nos termos da lei aplicável” – art. 5º, n.º 2, al. b) do Dec. Lei 11/2003, de 18 de Janeiro».”. Contudo, crê-se que o que aí está em causa, face à própria assunção de que há lugar ao indeferimento (e, portanto, reconhecendo-se que não existiu obstáculo à apreciação do mérito da pretensão), é o entendimento de que, em face da nulidade do contrato de arrendamento das partes comuns sem autorização unânime dos condóminos, o mesmo não configura a “autorização expressa para a instalação do proprietário ou dos condóminos, nos termos da lei aplicável”. Ou seja, daí não se extrai que a hipótese em causa represente uma insuficiência instrutória apta a obstar à formação do ato tácito, nos termos reconhecidos nos Acórdãos deste TCA Sul proferidos em 6.6.2024, no processo 313/20.5BELLE e em 18.11.2024, no processo 761/23.9BELLE, antes se revela como a ausência de um pressuposto de que dependeria o deferimento da pretensão e, como tal, dela emergindo o indeferimento como ato vinculado.
Consequentemente entendemos que o pedido se encontrava suficientemente instruído, fazendo recair sobre o presidente da câmara municipal o dever de decidir a pretensão que lhe foi formulada, havendo, pois, que apreciar agora se, por ultrapassado o prazo de decisão, se formou nos termos do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 11/2003 o ato tácito de deferimento da pretensão da Recorrente.
Resulta da matéria de facto provada que o requerimento foi apresentado em 7.3.2006, apenas vindo a obter decisão em 25.9.2006.
Contando-se o prazo de 30 dias previsto no artigo 6.º, n.º 8 do Decreto-Lei n.º 11/2003, nos termos do artigo 72.º do CPA/91, o prazo para a decisão terminou em 19.4.2006, devendo considerar-se que, porque preenchidos os pressupostos da formação do ato tácito, que a 20.4.2006 se formou o ato tácito de deferimento do pedido de autorização de instalação de infraestruturas de radiocomunicações apresentado pela Recorrente, O...... .
Sucede que nem daí resulta que assista razão às Recorrentes quanto à invocada ilegalidade do ato impugnado.
Com efeito, estabelecia-se no artigo 138.º do CPA/91 que “os actos administrativos podem ser revogados por iniciativa dos órgãos competentes, ou a pedido dos interessados, mediante reclamação ou recurso administrativo”, prevendo-se ainda no artigo 140.º, n.º 1 alínea b) que os actos administrativos que sejam válidos são livremente revogáveis, exceto quando forem constitutivos de direitos ou de interesses legalmente protegidos.
Sem prejuízo, no artigo 141.º do CPA/91 – epigrafado “Revogabilidade dos actos inválidos” - dispunha-se que,
“1 - Os actos administrativos que sejam inválidos só podem ser revogados com fundamento na sua invalidade e dentro do prazo do respectivo recurso contencioso ou até à resposta da entidade recorrida.
2 - Se houver prazos diferentes para o recurso contencioso, atender-se-á ao que terminar em último lugar.”
Anteriormente à distinção que hoje emerge do artigo 165.º do CPA entre revogação e anulação administrativa, a respeito dos atos administrativos de revogação, esclareceu-se no Ac. do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do STA de 23.5.2006, proferido no processo 01233/04,
“Em traços gerais, revogação é o acto pelo qual a Administração destrói ou faz cessar os efeitos de um acto administrativo anterior. Com pequenas nuances, é este o conceito adoptado pela generalidade da nossa Doutrina e pela Jurisprudência (cf., p. ex. SÉRVULO CORREIA, Noções de Direito Administrativo, p. 471, ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, p. 603 e Código de Procedimento Administrativo Comentado, vol. II, p. 178, e Acs. do STA de 15.12.98 e 46.965, resp. proc.°s n°s 39.859 e 46.965).
A mesma Doutrina e Jurisprudência têm de há longos anos como certo que a revogação tanto pode ser expressa como implícita, neste caso se resultar da incompatibilidade entre o novo acto e o anterior. A prática daquele implica que o primeiro acto não pode subsistir, mesmo sem declaração revogatória ou explícita referência ao acto revogado - cf., p. ex., Acs. deste S.T.A. de 15.6.04, proc.° n° 721/03, 14.4.05, proc.° n° 984/04, e 14.12.05, proc.° n° 905/05, SÉRVULO CORREIA, Noções de Direito Administrativo, p. 473, ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, 1, p. 604, ROBIN DE ANDRADE, A Revogação dos Actos Administrativos, p. 39/40 e 345/6, PIETRO VIRGA, Diritto Amministrtivo, II, p. 142/3, e M. STASSINOPOULOS, Traité des Actes Administratifs, p. 285.
É uma situação que encontra o seu mais directo paralelo na revogação implícita (também chamada tácita) das leis, sempre que se verifique a “incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes” (art. 7°, n° 2, do Código Civil) - cf. CABRAL DE MONCADA, Lições de Direito Civil, p. 104.
A distinção entre as duas formas de revogação e a admissibilidade da revogação implícita, por incompatibilidade, impõe-se por si como um modo de assegurar a harmonia, a coerência e a eficiência do sistema, que não pode consentir a vigência de duas decisões administrativas que se chocam entre si, mormente quando esteja em causa a definição de situações jurídicas individuais.”.
A respeito da distinção entre a revogação e outras hipóteses similares, o Acórdão prossegue adiantando que “a extinção de efeitos operada pela revogação tem a sua causa nas deficiências do acto revogado ou dos seus efeitos, os quais se pretendem extinguir precisamente por serem ilegais ou inoportunos” e citando o Ac. do STA de 24.10.01, proc.° nº 46.709, notava que
“[…] O órgão administrativo emite uma pronúncia de sinal contrário à sua anterior manifestação de vontade, pretendendo inutilizá-la. Os fundos que o acto anterior mandava entregar como ajuda devem agora ser restituídos, para voltarem à condição inicial de integrarem o património do ente público. O que o primeiro acto dá, o outro tira.
O resultado é a completa destruição dos efeitos do acto revogado. Entre os dois actos existe uma forte relação de conexão, encerrando o segundo o juízo de que o primeiro não devia, afinal ter sido praticado. (…) Como se verifica, não pode negar-se a relação de secundaridade do novo acto para com o anterior acto.
[…] Os pressupostos do acto revogatório são factos já existentes à data do acto revogado, embora desconhecidos da Administração. É muito clara a matriz revogatória do acto, e há que retirar daí todas as consequências”.
Pode, assim, concluir-se que não é preciso que o segundo acto resulte do exercício da mesma competência para ser verdadeiramente revogatório; tem é de se reportar causalmente, ao acto revogado, isto é, de ser praticado por causa, por referência, ou por razões relacionadas com ele. Numa palavra, a revogação tem de ter por fundamento o acto revogado (ou os seus efeitos), seja pela sua ilegalidade, seja pela sua inconveniência. E nunca há propriamente revogação quando o fundamento que explica o segundo acto está numa conduta censurável do administrado que é posterior à prática do acto destruído.”.
Do exposto resulta que o ato de revogação é um «ato secundário, no sentido de “acto sobre acto”» (Carla Amado Gomes, A “revogação” do acto administrativo no novo CPA: uma noção pequena”, Revista do Ministério Público 141, Janeiro/Março 2015, p. 75), isto é, atua sobre o ato primário cessando a sua vigência.
Ora, o ato impugnado de indeferimento do pedido de autorização apresentado pela Recorrente, O...... , consubstancia, efetivamente, um ato de revogação (atualmente, anulação administrativa) implícita do ato de deferimento tácito, na medida em que, face à incompatibilidade dos seus efeitos, destrói ou faz cessar os efeitos do anterior ato administrativo tácito de deferimento.
Pelo que o que se imporá determinar é se, como sustentam as Recorrentes, não estavam verificados os pressupostos de que dependia a revogação do ato de deferimento tácito que, porque praticado sem que existisse a autorização expressa (e unânime) dos condóminos à instalação da infraestrutura (cf. artigo 5.º, n.º 1 al. f) e n.º 2 al. b) e artigo 20.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 151-A/2000 ex vi artigo 7.º, al. b) do Decreto-Lei n.º 11/2003), era inválido, ou melhor anulável nos termos do artigo 135.º do CPA/91.
De harmonia com o regime geral previsto no art. 138.º do CPA/91 os atos administrativos podem ser revogados (1) por iniciativa dos órgãos competentes ou (2) mediante reclamação ou recurso administrativo.
O que significa que, por via de regra, a Administração não está impedida de - por sua própria iniciativa ou impulsionada por reclamação ou recurso hierárquico - revogar um ato administrativo sempre que verifique que o mesmo é inválido e que esta invalidade impõe ou, pelo menos, aconselha a sua revogação. E não se compreenderia que pudesse ser de outra forma tanto mais quanto é certo que a atividade administrativa está sujeita ao princípio da legalidade e o respeito por este princípio pressupõe a remoção da ordem jurídica dos atos que com aquela se não conformem.
Como demos nota resulta dos artigos 140.º e 141.º do CPA/91, que tratando-se de atos administrativos válidos os mesmos são livremente revogáveis exceto, designadamente, quando forem constitutivos de direitos; e, por outro lado, que, com relação aos atos administrativos inválidos os mesmos só podem ser revogados com fundamento em invalidade e dentro do prazo do respetivo recurso ou impugnação judicial.
Ora, na situação dos autos temos que a revogação se funda na invalidade do ato tácito de deferimento com base na al. b) do artigo 7.º por violação do disposto na 2.ª parte do n.° 3 do art.° 9.° e al. b), n.° 2 do art.° 5.°, do D.L. n° 11/2003 e n .º 1 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 151-A/2000, que demandam autorização expressa para a instalação do proprietário ou dos condóminos, nos termos da lei aplicável (ou seja, por unanimidade dos condóminos).
Assim, opostamente ao entendimento das Recorrentes, não é aqui aplicável o disposto no artigo 140.º do CPA/91, que regula a revogação de atos válidos, antes, na medida em que estamos perante um ato administrativo de deferimento (tácito) de pretensão autorizativa inválido - por violador da exigência legal de autorização expressa para a instalação dos condóminos, “nos termos da lei aplicável” ou seja, mediante decisão unânime, conforme conjugação da al. b) do artigo 7.º, 2.ª parte do n.° 3 do art.° 9.° e al. b), n.° 2 do art.° 5.°, do D.L. n° 11/2003 e n .º 1 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 151-A/2000 – o regime de revogação aplicável corresponde ao prescrito no artigo 141.º do CPA/91.
Como tal, considerando o artigo 141.º, n.ºs 1 e 2 do CPA/91, conjugado com o artigo 58.º, n.º 2 al. b) do CPTA, que prevê o prazo (máximo) de 1 ano para a impugnação de atos anuláveis, contando-se este prazo nos termos do n.º 3 do artigo 58.º do CPTA que remete para a redação então vigente do artigo 144.º, n.º 1 e 4 do CPC – o prazo é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses - a revogação poderia ter ocorrido até 20.4.2007.
Donde, mostrando-se provado que o ato de indeferimento foi praticado em 25.9.2006, e dele notificada a Recorrente, O...... (B......... ), por ofício datado de 28.9.2006 [factos R) e S)], naturalmente que estavam reunidos os pressupostos para a revogação do ato de deferimento tácito.
Não ocorre, pois, a violação do regime de revogação de atos administrativos, prescrito nos artigos 140.º e 141.º do CPA/91, pelo que não padece o ato impugnado do vício de violação de lei que lhe era imputado pelas Recorrentes.
Consequentemente, ainda que com fundamentação diversa do Acórdão recorrido, impõe-se considerar que, também, nesta matéria não padece o Acórdão recorrido de erro de julgamento, por julgar não verificado o vicio de violação de lei resultante da violação do regime da revogação de atos administrativos.
6. Da condenação em custas
Vencidas são as Recorrentes condenadas em custas [cfr. artigo 446.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil ex vi artigo 1.º do CPTA, artigos 4.º, n.º 1 al. a), 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do RCP e 189.º, n.º 2 do CPTA].
V. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes desembargadores da Subsecção Administrativa Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul, em,
a. Negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar o Acórdão recorrido;
b. Condenar as Recorrentes em custas.
Mara de Magalhães Silveira
Marcelo da Silva Mendonça
Lina Costa |