Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:631/20.2BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:12/19/2024
Relator:TIAGO BRANDÃO DE PINHO
Descritores:IVA
ISENÇÃO
DESPORTO
FALTA DE FIXAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário:1 – São requisitos cumulativos da isenção prevista no artigo 9.º, alínea 8), do Código do IVA que (1) o prestador seja um organismo sem finalidade lucrativa nos termos do artigo 10.º do CIVA que (2) explore instalações destinadas à prática de atividades desportivas e que (3) o destinatário da prestação de serviço seja a pessoa que pratica a atividade desportiva.
2 – A pessoa que pratica a atividade desportiva é aquela em quem se produzem os benefícios que a atividade física provoca no desportista, sendo que a isenção opera desde que a prestação do serviço seja usufruída por pessoa que pratique desporto, isto é, por um atleta, que não pelo clube ou qualquer outro agente desportivo, como um treinador, ainda que quem suporte a contraprestação seja uma pessoa coletiva.
3 – No âmbito de provas de pombal único (os designados derbies, competições desportivas realizadas sob a égide da Federação Portuguesa de Columbofilia), os columbófilos realizam diretamente os treinos iniciais dos pombos, mas depois de os enviarem para o pombal/columbódromo apenas indiretamente potenciam a capacidade de orientação dos seus pombos para regressarem ao pombal da competição, traçam um plano de alimentação ou acompanham o estado físico dos seus pombos (quem o faz é a entidade organizadora da competição, ainda que no âmbito da prestação de serviço contratada com o columbófilo).
4 - Nos derbies em análise nos autos, a atividade desportiva dos columbófilos foi a de técnico/treinador (na medida em que visaram potenciar o rendimento dos seus pombos), e a dos pombos foi a de atleta/praticante (uma vez que o seu objetivo foi obter o melhor desempenho possível de maneira a chegar ao pombal em primeiro lugar).
5 – Consequentemente, as prestações de serviço em crise nos autos não foram prestadas às pessoas que praticam a atividade desportiva (as corridas), nem os beneficiários efetivos foram pessoas que praticam desporto, não se encontrando reunidos os três requisitos cumulativos de que depende a isenção prevista no artigo 9.º, alínea 8), do CIVA.
6 – Tem de ser levada à matéria de facto, e nela discriminada como provada ou não provada, a factualidade relativa aos factos essenciais que constituem a causa de pedir.
7 – Para se concluir se se encontra preenchido o segmento normativo do artigo 9.º, alínea 19), do CIVA que prevê que “a única contraprestação seja uma quota fixada nos termos dos estatutos”, impõe-se levar ao probatório, com pronúncia positiva ou negativa sobre a sua ocorrência, os factos que permitam qualificar se as quantias consideradas contrapartida das prestações de serviços tributadas foram, ou não, entregues a título de quota estatutariamente exigida.
8 – Não tendo tais factos sido levados ao probatório e não constando do processo todos os meios de prova que permitiriam a alteração da matéria de facto pelo Tribunal de segunda instância, nomeadamente os estatutos da associação em vigor à data das provas, a sentença deve ser anulada por se mostrar indispensável a ampliação da matéria de facto.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tibutária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:

Vem o presente recurso jurisdicional, interposto por G...– Associação, da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, proferida em 16 de março de 2023, que julgou parcialmente procedente a Impugnação Judicial por si deduzida contra as liquidações adicionais de IVA dos anos de 2016 e 2017, consequentemente ordenando as suas anulações parciais quanto à matéria coletável apurada através de métodos indiretos e respetivos juros compensatórios, e mantendo-as quanto às correções técnicas e respetivos juros compensatórios.
Fundamentou-se a decisão, na parte ora posta em xeque, em que os valores pagos pelos proprietários dos pombos para inscrição destes nas provas organizadas pela Impugnante não beneficiam da isenção prevista no artigo 9.º do Código do IVA por não serem relativas “a um valor fixado nos termos dos estatutos, mas sim um valor pago, fixado em regulamento, por forma a possibilitar a participação dos pombos nas provas e, igualmente, tendo por contrapartida alimentação ou serviços de veterinário, por exemplo.
Ou seja, pretendendo o legislador que as prestações isentas se correlacionem directamente com a actividade desportiva, por contrapartida de uma quota fixada estatutariamente, os valores referentes às inscrições, pagos por não sócios na maior parte dos casos, para participação numa prova desportiva organizada pela impugnante, não tem enquadramento na referida norma legal”.
A Recorrente esgrime a existência de erro quer no julgamento de facto quer no julgamento de direito.
Na conclusão F) das suas alegações de Recurso, sustenta que “na alínea DD) dos factos provados, a douta sentença deu apenas como assente que uma «parte dos proprietários dos pombos não são sócios da impugnante» e vem depois concluir nos fundamentos da decisão que «os valores referentes às inscrições [são] pagos por não sócios na maior parte dos casos», donde decorre, por excesso, manifesta contradição com a matéria de facto assente”.
Advoga, ainda, na conclusão G) que “a douta sentença julgou que os valores pagos não correspondiam a uma quota estatutária quando este facto não foi fixado nos factos provados o que, também aqui, representa uma contradição entre os factos provados e o julgamento proferido, já que tal conclusão não tem por base os factos assentes, sendo certo que, aliás, os estatutos da associação impugnante nem sequer se encontram juntos aos autos, pelo que mal se compreende como é que tal conclusão pode ter sido retirada na douta sentença”.
Ainda quanto ao julgamento da matéria de facto, a Recorrente defende na conclusão K) que “atendendo ao consignado no regulamento dado como provado, no qual a participação na prova obriga à inscrição como sócio e ao pagamento de uma quota anual, deveria ter sido dado como provado que tal pagamento tem a natureza de quota associativa e, não o sendo, padece a douta sentença de erro no julgamento da matéria de facto e, por outro lado, também aqui existe uma contradição insanável entre a matéria de facto dada como provada (ou falta dela) e a fundamentação da decisão proferida”.
Quanto ao julgamento de direito, a Recorrente alega que “no que respeita ao enquadramento nos normativos jurídicos relativos à isenção de IVA prevista no artigo 9.º do CIVA”, “a douta decisão parece ter entendido que o disposto nas alíneas 8) e 19) do artigo 9.º do CIVA se reportam a uma mesma e única isenção quando na verdade estas isenções, para além de localizadas de forma individualizada e distinta na sistemática do citado artigo 9.º, tratam-se de duas isenções que, embora possam ser complementares, operam de forma autónoma” – conclusões L) e M).
Considera que “a isenção prevista no artigo 9.º, a alínea 8), é aplicável às prestações de serviços realizadas por organismos sem finalidade lucrativa que explorem estabelecimentos ou instalações destinadas à prática desportiva a pessoas que pratiquem essas actividades, o que é manifestamente o caso da aqui impugnante no que se refere à disponibilização do seu columbódromo e dos serviços prestados no âmbito e inerentes ao mesmo aos proprietários dos pombos concorrentes que para aí os enviam com antecedência e que se prendem com a estadia, alimentação, treino, transporte para as soltas, sanidade e demais despesas” – conclusão P) -, além de sustentar que “a interpretação da referida alínea 8) deve ser efectuada no quadro da norma de origem de que foi transposta e que consta da alínea m) do n.º 1 do artigo 132.º da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro e que, de acordo com a alínea a) do artigo 134.º do mesmo diploma, todas as transmissões de bens e prestações de serviços que se mostrem indispensáveis à realização de operações isentas previstas na referida alínea m), beneficiam igualmente da isenção” – conclusão S).
Já quanto à alínea 19), sustenta “que o único pagamento efectuado à impugnante é o valor de uma quota anual, pese embora o pagamento desta seja também condição de inscrição das equipas de pombos que pretendam participar nas provas por aquela realizadas e, por sua vez, serem esses valores a única contrapartida dos serviços que a impugnante presta nas suas instalações desportivas (columbódromo) e, como se conclui da douta sentença recorrida, não se mostra controvertida a natureza desportiva da actividade columbófila desenvolvida pela impugnante nem a sua natureza de associação (sem fins lucrativos)” – conclusão R).
Finalmente, advoga que “A douta sentença decidiu manter na ordem jurídica os actos de liquidação de IVA na parte em que o imposto foi apurado através de correcções técnicas e anular apenas as liquidações de IVA na parte em que o imposto foi apurado através de métodos indirectos”, mas, se se atentar no quadro de fls. 6 do Relatório da Inspecção “a totalidade dos valores do imposto (IVA) corrigidos para 2016 e 2017 […] é considerada a título de correcções por métodos indirectos”, motivo pelo qual entende que “não era possível a douta sentença ter distinguido, como fez, uma parte das mesmas com base em avaliação directa e outra parte com recurso a métodos indirectos, mantendo a primeira na ordem jurídica e anulando apenas a segunda” – conclusões X) a Y).
Pede a anulação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que ordene a anulação integral das liquidações adicionais de IVA impugnadas.
A Autoridade Tributária e Aduaneira não contra-alegou.
O Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do Recurso por considerar que a atividade fica excluída da isenção se proporcionar receitas suplementares, além das quotas dos associados.
E, corridos os vistos legais, nada obsta à decisão.
Em sede factual, vem apurado que:
A) A impugnante é uma associação de direito privado sem fins lucrativos que organiza e desenvolve a prática de actividades desportivas e culturais no âmbito da prática da columbofilia (cfr. facto não controvertido);
B) A impugnante foi sujeita a um procedimento de inspecção, aos exercícios de 2016 e 2017, realizado pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Faro, ao abrigo das Ordens de Serviço n.ºs OI201800001/OI201801855 (cfr. fls. 35 a 73 do Documento n.º 004598773 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
C) Em 25-11-2019, no âmbito do procedimento de inspecção identificado em B) supra, foi elaborado Relatório de Inspecção Tributária (RIT), pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Faro, do qual resulta, designadamente, o seguinte:
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(…)
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(…)” (cfr. fls. 35 a 73 do Documento n.º 004598773 dos autos, idem);
D) A impugnante solicitou a revisão da matéria colectável fixada, não tendo sido alcançado acordo entre os peritos (cfr. fls. 74 a 91 do Documento n.º 004598773 dos autos, ibidem);
E) Em 07-08-2020, foi emitida, em nome da impugnante, a liquidação de IVA n.º 2020 032639762, referente ao período 201603T, no valor a pagar de €20.291,78, acrescida de juros compensatórios no valor a pagar de €2.857,52 (cfr. fls. 1 a 4 do Documento n.º 004598773 dos autos, ibidem);
F) Em 07-08-2020, foi emitida, em nome da impugnante, a liquidação de IVA n.º 2020 032639775, referente ao período 201606T, no valor a pagar de €63.443,47, acrescida de juros compensatórios no valor a pagar de €8.294,58 (cfr. fls. 5 a 8 do Documento n.º 004598773 dos autos, ibidem);
G) Em 07-08-2020, foi emitida, em nome da impugnante, a liquidação de IVA n.º 2020 032639797, referente ao período 201609T, no valor a pagar de €110.191,20, acrescida de juros compensatórios no valor a pagar de €13.307,47 (cfr. fls. 9 a 12 do Documento n.º 004598773 dos autos, ibidem);
H) Em 07-08-2020, foi emitida, em nome da impugnante, a liquidação de IVA n.º 2020 032639830, referente ao período 201612T, no valor a pagar de €34.867,08, acrescida de juros compensatórios no valor a pagar de €3.859,26 (cfr. fls. 13 a 16 do Documento n.º 004598773 dos autos, ibidem);
I) Em 07-08-2020, foi emitida, em nome da impugnante, a liquidação de IVA n.º 2020 032639870, referente ao período 201703T, no valor a pagar de €13.339,45, acrescida de juros compensatórios no valor a pagar de €1.346,37 (cfr. fls. 17 a 20 do Documento n.º 004598773 dos autos, ibidem);
J) Em 07-08-2020, foi emitida, em nome da impugnante, a liquidação de IVA n.º 2020 032639900, referente ao período 201706T, no valor a pagar de €106.805,79, acrescida de juros compensatórios no valor a pagar de €9.668,11 (cfr. fls. 21 a 24 do Documento n.º 004598773 dos autos, ibidem);
K) Em 07-08-2020, foi emitida, em nome da impugnante, a liquidação de IVA n.º 2020 032639950, referente ao período 201709T, no valor a pagar de €59.860,84, acrescida de juros compensatórios no valor a pagar de €4.834,78 (cfr. fls. 25 a 28 do Documento n.º 004598773 dos autos, ibidem);
L) Em 07-08-2020, foi emitida, em nome da impugnante, a liquidação de IVA n.º 2020 032639979, referente ao período 201712T, no valor a pagar de €67.337,12, acrescida de A) juros compensatórios no valor a pagar de €4.752,34 (cfr. fls. 29 a 32 do Documento n.º 004598773 dos autos, ibidem);
M) Em 16-09-2015, a impugnante solicitou à Autoridade Tributária informação sobre a sujeição a IVA e IRC, bem como a retenção de IRS pelo pagamento dos “prémios” atribuídos a residentes e não residentes, ou eventual Imposto do Selo e IVA, bem como pela compra dos pombos e respectivo leilão (cfr. fls. 96 a 97 do Documento n.º 004598773 dos autos, ibidem);
N) Em 30-09-2015, em resposta ao pedido identificado em M) supra, a Autoridade Tributária informou a impugnante do seguinte:
“Relativamente aos prémios, informa-se o seguinte, em sede de imposto do selo: 1) Os rendimentos resultantes de prémios do bingo/rifas/jogo do loto/prémios de sorteios e concursos são tributados em imposto do selo. 2) O momento do nascimento da obrigação tributária (facto gerador) é aquele em que o prémio for atribuído. 3) O encargo do imposto recai sempre sobre o beneficiário. 4)Quem liquida e entrega o imposto nos cofres do Estado é a entidade que concede os prémios. 5) As taxas a aplicar sobre os valores ilíquidos dos prémios são as seguintes: 25% (bingo)/ 35% (restantes), acrescendo 10% quando atribuídos em espécie. 6)Os montantes dos prémios devem ser anunciados líquidos de impostos, pelo que, independentemente da taxa, o beneficiário recebe sempre o prémio pelo montante anunciado (…)” (cfr. fls. 97 do Documento n.º 004598773 dos autos, ibidem);
O) Em 11-12-2017, a Federação Portuguesa de Columbofilia emitiu elemento escrito denominado “Parecer”, do qual resulta, designadamente, o seguinte:
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(cfr. fls. 92 a 93 do Documento n.º 004598773 dos autos, ibidem);
P) Para o ano de 2016, a impugnante elaborou “Regulamento Oficial Final Evento Desportivo 2016”, com o seguinte teor:
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(cfr. fls. 6 a 12 do Documento n.º 004598776 dos autos, ibidem);

Q) Para o ano de 2017, a impugnante elaborou “Regulamento Oficial Final Evento Desportivo 2017”, com o seguinte teor:
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(cfr. fls. 13 a 19 do Documento n.º 004598776 dos autos, ibidem);

R) No ano de 2016, entrou na conta bancária da impugnante, junto do BPI, o montante de €807.798,45 (cfr. fls. 20 a 70 do Documento n.º 004598776 dos autos, ibidem);
S) No ano de 2016, a impugnante contabilizou contabilisticamente o recebimento do montante de €813.025,72 sem IVA (cfr. fls. 71 a 107 do Documento n.º 004598776 dos autos, ibidem);
T) No ano de 2017, entrou na conta bancária da impugnante, junto do BPI, o montante de €793.976,41 (cfr. fls. 1 a 50 do Documento n.º 004598782 dos autos, ibidem);
U) No ano de 2017, a impugnante contabilizou contabilisticamente o recebimento do montante de €875.981,02 sem IVA (cfr. fls. 51 a 93 do Documento n.º 004598782 dos autos, ibidem);
V) Em 2017, foi registada na prova de final de Bragança, a chegada de 2626 pombos (cfr. fls. 42 a 64 do Documento n.º 004598786 dos autos, ibidem);
W) A impugnante organiza provas desportivas no âmbito da columbofilia, denominadas “derbies” (cfr. declarações de parte de R..., ibidem);
X) A impugnante encontra-se filiada na Federação Portuguesa de Columbofilia (cfr. declarações de parte de R..., ibidem);
Y) Os pombos são recebidos no pombal/columbódromo da impugnante cerca dos meses de Março/Abril, 3 a 4 meses antes da realização das provas, para assegurar mais igualdade competitiva (cfr. declarações de parte de R..., ibidem);
Z) Os valores pagos pela inscrição nos “derbies” incluem diversas prestações de serviços como alimentação, veterinário, treinos e demais despesas (cfr. declarações de parte de R... e depoimento da testemunha A..., ibidem);
AA) O total de pombos comunicados à Federação Portuguesa de Columbofilia não corresponde, posteriormente, a inscrições válidas nos “derbies” (cfr. declarações de parte de R..., ibidem);
BB) Há pombos inscritos para os “derbies” em que o valor da inscrição não é pago, nomeadamente por perda de interesse do proprietário dos mesmos, atenta a sua menor qualidade competitiva (cfr. declarações de parte de R..., ibidem);
CC) A maior parte dos proprietários dos pombos são estrangeiros que pagam por transferência bancária (cfr. declarações de parte de R... e depoimento da testemunha A..., ibidem);
DD) Parte dos proprietários dos pombos não são sócios da impugnante (cfr. declarações de parte de R..., ibidem);
EE) A impugnante apenas possuía uma conta bancária para uso (cfr. declarações de parte de R... e depoimento da testemunha A..., ibidem);
FF) As provas organizadas pela impugnante fazem parte do calendário da Federação Portuguesa de Columbofilia (cfr. depoimento da testemunha J..., ibidem);
GG) O recenseamento dos pombos que queiram competir em território nacional é obrigatório na Federação Portuguesa de Columbofilia, quer os mesmos participem posteriormente nas provas, quer não (cfr. depoimento da testemunha J..., ibidem);
HH) O recenseamento dos pombos obriga ao pagamento de uma taxa à Federação Portuguesa de Columbofilia, entre o mais, para efeitos sanitários (cfr. depoimento da testemunha J..., ibidem);
II) O pagamento da taxa à Federação Portuguesa de Columbofilia não consequencia, automaticamente, a inscrição nos derbies (cfr. depoimento da testemunha J..., ibidem);
JJ) Os proprietários dos pombos inscrevem estes nas provas, mas o pagamento é realizado a final (cfr. depoimento da testemunha J..., ibidem);
KK) Muitas das inscrições dos pombos não são pagas (cfr. depoimento das testemunhas J... e A..., ibidem);
LL) Só se emite a factura da inscrição dos pombos, após o pagamento e o pombo só entra na prova final estando pago, caso contrário é excluído (cfr. declarações testemunha A..., ibidem);
MM) Há “comissões” pagas aos angariadores de participantes estrangeiros (cfr. declarações de parte de R..., ibidem);
NN) Existe um número significativo de pombos que não têm a inscrição validada porque morrem, se perdem ou se lesionam, e a inscrição não é paga (cfr. depoimento das testemunhas J... e A... e A..., ibidem);
OO) Não constavam valores não pagos na contabilidade da impugnante (cfr. depoimento da testemunha J..., ibidem);

***
Factos não Provados
Não se provaram quaisquer outros factos, com relevância para a decisão da causa, em face das possíveis soluções de direito, e que, importe registar como não provados.

Motivação da decisão de facto
A decisão da matéria de facto, dada como provada nos presentes autos, foi a considerada relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis das questões de direito e, assentou na ponderação critica: (i) dos documentos juntos aos autos pela impugnante e dos constantes no processo administrativo instrutor (PA), e dos depoimentos prestados, que foram livremente apreciados pelo Tribunal, nos termos do que dispõe o artigo 396.º do Código Civil, atendendo, para tal efeito, à razão de ciência e credibilidade demonstrada por cada uma das testemunhas inquiridas, bem como às declarações de parte, as quais foram livremente apreciadas pelo Tribunal, nos termos do que dispõe o artigo 466.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, tudo conforme indicado em cada um dos itens do probatório.
O declarante de parte, bem como as testemunhas, R...,
Director da Impugnante, J..., A... e A..., prestaram um depoimento de forma espontânea, sincera e credível, tendo demonstrado ter conhecimento directo dos factos, ou seja, demonstraram ter conhecimento da actividade, em concreto e em geral da impugnante, tendo esclarecido o Tribunal sobre a forma como se processa a actividade dos “derbies”, do recenseamento obrigatório dos pombos na Federação, da inscrição, validação, pagamento e facturação das inscrições nas provas, e do pagamento das “comissões”, contribuindo de forma clara para formação de convicção do Tribunal.
As testemunhas indicadas pela Fazenda Pública pouco acrescentaram ao que já se encontrava vertido no relatório de inspecção tributária, esclarecendo, pontualmente, o mesmo e a forma como foi desenvolvido o procedimento inspectivo realizado à Impugnante e que originou, posteriormente, as liquidações agora em crise.
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A Recorrente coloca em xeque o segmento decisório da sentença, o julgamento da matéria de direito [arroga-se da isenção prevista nas alíneas 8) e 19) do artigo 9.º do Código do IVA] e o julgamento da matéria de facto [falta de discriminação de factos relativos à natureza da quantia entregue pelos columbófilos para aferir se se trata de uma quota estatutária, tanto mais que os estatutos não se encontram nos autos; contradição entre o facto provado no ponto DD) do probatório e a fundamentação].
Uma vez que os vícios assacados à matéria de facto estão relacionados com a isenção prevista na alínea 19) do artigo 9.º do CIVA, serão apreciadas a final, em conjunto com a apreciação do erro no julgamento da matéria de direito respetivo.
Vejamos, pois:
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QUANTO AO SEGMENTO DECISÓRIO DA SENTENÇA:
Nas conclusões X) a Z) das suas alegações, a Recorrente sustenta que, de acordo com o Relatório da Inspeção Tributária, “a totalidade dos valores do imposto (IVA) corrigidos para 2016 e 2017 […] é considerada a título de correcções por métodos indirectos”, motivo pelo qual entende que “não era possível a douta sentença ter distinguido, como fez, uma parte das mesmas com base em avaliação directa e outra parte com recurso a métodos indirectos, mantendo a primeira na ordem jurídica e anulando apenas a segunda”.
Efetivamente, no Mapa Resumo das Correções Resultantes da Ação de Inspeção constante de fls. 6 do RIT é indicado que o IVA em falta foi determinado exclusivamente com recurso a métodos indiretos.
No entanto, analisado o teor do Relatório verifica-se que a Inspeção fez duas correções.
Num primeiro momento, por considerar que “o valor pago pelos participantes como contrapartida na participação/inscrição na prova/derby com uma equipa, assim como as contraprestações adicionais para a inscrição de mais do que uma equipa não se pode qualificar como quota associativa”, analisou “os montantes contabilizados considerados pelo sujeito passivo como isentos (inscrições e ativações de pombos de reserva)” – cfr. o capítulo IV do RIT transcrito na alínea C) do probatório. E aqui, no ponto “3 – Prestações de Serviços Contabilizadas”, a Inspeção constatou “na contabilidade do sujeito passivo que o valor das inscrições iniciais no ano de 2016 foram registadas na conta “721711 – Quotas Inscrição Inicial 2016” que regista o montante de € 554.868,03, e a ativação dos pombos de reserva no ano de 2016 foram registados na conta “721713 – Inscrição Pombo Reserva 2016” que regista o montante de € 54.845,00”. Já quanto ao ano de 2017, quer os montantes relativos à inscrição na prova quer os referentes à ativação de pombos de reserva foram registados na conta “72751 – Quotas de inscrição”, num total de € 569.285,72. Ao contrário do entendimento do Sujeito Passivo, a Inspeção considerou que estes montantes estavam sujeitos e não isentos de IVA, surgindo então identificados nos quadros relativos ao “Apuramento do Rendimento Global pela G...” como “Correções técnicas (2)”.
Ora, a sentença validou este entendimento da Inspeção, motivo pelo qual decidiu, na alínea a) do dispositivo, que se mantinham “na ordem jurídica os actos de liquidação de IVA e respectivos juros compensatórios, apurados através de correcções técnicas”.
Já num segundo momento, a Inspeção concluiu que, face aos regulamentos das provas, os valores contabilizados eram inferiores aos devidos. E considerando verificar-se “uma impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável” procedeu “à sua determinação através da aplicação de métodos indiretos”.
No ponto, a sentença entendeu ter resultado “provado que a inscrição na prova pelos proprietários dos pombos não equivale automaticamente ao pagamento das quotas de inscrição, uma vez que há pombos que entretanto morrem, se perdem ou se lesionam, ou até devido à sua menor capacidade competitiva, o que leva a que os seus proprietários percam o interesse na prova e não procedam ao pagamento dessa inscrição”. E, consequentemente, decidiu, na alínea b) do dispositivo, anular “as liquidações de IVA e respectivos juros compensatórios apurados através de métodos indirectos”.
Ou seja, a sentença considerou que os montantes constantes da contabilidade não estavam isentos de IVA (ao contrário do que entende o sujeito passivo), e que a fixação da matéria coletável através de indícios e presunções não era legal (ao contrário do que entende a Administração Tributária).
E, assim sendo, como é, a sentença não merece a crítica que lhe é dirigida, aqui, pela Recorrente.
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QUANTO À ISENÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 9.º, ALÍNEA 8), DO CIVA:
A norma do artigo 9.º, alínea 8), do Código do IVA, na redação em vigor em 2016 e em 2017, dispõe do seguinte modo: “Estão isentas de imposto as prestações de serviços efectuadas por organismos sem finalidade lucrativa que explorem estabelecimentos ou instalações destinados à prática de actividades artísticas, desportivas, recreativas e de educação física a pessoas que pratiquem essas actividades”.
Esta norma resulta da transposição da alínea m) do artigo 132.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro, que estatui que os Estados-Membros isentam “determinadas prestações de serviços estreitamente relacionadas com a prática de desporto ou de educação física, efetuadas por organismos sem fins lucrativos a pessoas que pratiquem desporto ou educação física”.
Pretendeu, assim, no ponto, o legislador isentar de IVA as prestações de serviço relacionadas com a exploração de instalações desportivas, efetuadas a pessoas que pratiquem atividades desportivas por organismos sem finalidade lucrativa.
Quanto a estes, de acordo com o artigo 10.º do CIVA, “para efeitos de isenção, apenas são considerados organismos sem finalidade lucrativa os que, simultaneamente:
a) Em caso algum distribuam lucros e os seus corpos gerentes não tenham, por si ou por interposta pessoa, algum interesse directo ou indirecto nos resultados da exploração;
b) Disponham de escrituração que abranja todas as suas actividades e a ponham à disposição dos serviços fiscais, designadamente para comprovação do referido na alínea anterior;
c) Pratiquem preços homologados pelas autoridades públicas ou, para as operações não susceptíveis de homologação, preços inferiores aos exigidos para análogas operações pelas empresas comerciais sujeitas de imposto;
d) Não entrem em concorrência directa com sujeitos passivos do imposto.”
São, então, requisitos cumulativos da isenção que (1) o prestador seja um organismo sem finalidade lucrativa nos termos do artigo 10.º do CIVA que (2) explore instalações destinadas à prática de atividades desportivas e que (3) o destinatário da prestação de serviço seja a pessoa que pratica a atividade desportiva, ou seja, o praticante desportivo.
A Recorrente sustenta – conclusão P) – que a disponibilização do seu columbódromo e dos serviços aí prestados (estadia, alimentação, treino, transporte para as soltas, acompanhamento veterinário…) aos proprietários dos pombos concorrentes no âmbito dos derbies que organizou em 2016 e 2017 são prestações de serviços isentas de IVA por serem efetuadas por uma associação.
Ora, resulta provado que a Recorrente “é uma associação de direito privado sem fins lucrativos que organiza e desenvolve a prática de actividades desportivas e culturais no âmbito da prática da columbofilia” – cfr. ponto A) do probatório -, pelo que se conclui, para efeito da alínea a) do artigo 10.º do CIVA, que não distribui lucros e que as suas receitas são integralmente afetas ao seu escopo associativo.
Resulta igualmente provado que a Recorrente “foi sujeita a um procedimento de inspecção aos exercícios de 2016 e 2017” que culminou com a elaboração do Relatório de Inspeção Tributária, após a análise da sua contabilidade – cfr. pontos B) e C) do probatório -, pelo que, para efeito da alínea b) do artigo 10.º do CIVA, dispõe de escrituração que abrange todas as suas atividades e que foi disponibilizada aos serviços fiscais.
Finalmente, ainda no que ao artigo 10.º diz respeito, verifica-se que a Recorrente não exerce uma atividade comercial, industrial ou agrícola, mas sim atividades desportivas e culturais no âmbito da prática da columbofilia – cfr. o predito ponto A) do probatório -, pelo que não se encontra em concorrência com empresas comerciais (alínea c) do artigo 10.º) ou em concorrência com outros sujeitos passivos de IVA (alínea d) do mesmo artigo 10.º).
E estando preenchidos os requisitos do artigo 10.º do CIVA, encontra-se também verificado aquele primeiro requisito da isenção prevista na alínea 8) do artigo 9.º: o prestador dos serviços é um organismo sem finalidade lucrativa.
Resulta também provado que a Recorrente “organiza provas desportivas no âmbito da columbofilia denominadas «derbies»” que “fazem parte do calendário da Federação Portuguesa de Columbofilia”, no âmbito das quais “Os pombos são recebidos no pombal/columbódromo da impugnante cerca dos meses de março/abril, 3 a 4 meses antes da realização das prova, para assegurar mais igualdade competitiva”, sendo que “Os valores pagos pela inscrição nos «derbies» incluem diversas prestações de serviços como alimentação, veterinário, treinos e demais despesas” – cfr. pontos W), FF), Y) e Z) do probatório.
Pelo que também se verifica o predito segundo requisito cumulativo: a associação explora instalações destinadas à prática de atividades desportivas.
E, assim sendo, é pacífico estar-se perante prestações de serviços efetuadas por organismo sem finalidade lucrativa que explora instalação destinada à prática de atividades desportivas.
Todavia, para que estas prestações de serviços estejam isentas de IVA é também necessário que se observe o terceiro requisito cumulativo, isto é, que aquelas sejam prestadas “a pessoas que pratiquem desporto”.
Pretendeu, assim, o legislador que a prestação de serviço de exploração de instalação desportiva esteja isenta de IVA se, além do mais, for prestada ao praticante, atentos os benefícios que a atividade física provoca no desportista.
Sobre este inciso normativo já se debruçou o Tribunal de Justiça da União Europeia, ainda que na redação em vigor por força do artigo 13.º-A, n.º 1, alínea m), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, no sentido de dever ser interpretado “que abrange igualmente, no contexto de pessoas que praticam desporto, prestações de serviços fornecidas a pessoas coletivas e a associações não registadas, desde que (…) essas prestações tenham uma estreita conexão com a prática do desporto e sejam indispensáveis à sua realização, sejam efetuadas por organismos sem fins lucrativos e que os beneficiários efetivos das referidas prestações sejam pessoas que praticam desporto”.
Ou seja, independentemente de quem suporta a contraprestação, ponto é que a prestação do serviço seja usufruída por pessoa pratique desporto, isto é, por atleta, que não pelo clube ou qualquer outro agente desportivo.
A Federação Portuguesa de Columbofilia, em cujo calendário de competições se integraram os derbies Algarve G... dos anos de 2016 e de 2017, viu renovado o seu estatuto de utilidade pública desportiva através do despacho do Secretário de Estado do Desporto e Juventude n.º 5321/2013, de 5 de abril, publicado na II Série do Diário da República de 22 de abril de 2013.
A Federação Portuguesa de Columbofilia é, assim, de acordo com a Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto, aprovada pela Lei n.º 5/2007, de 16 de janeiro, uma federação desportiva, isto é, uma pessoa coletiva constituída sob a forma de associação sem fins lucrativos que, além do mais, é necessariamente titular do estatuto de utilidade pública desportiva (artigo 14.º, alínea b)) que implica a atribuição de poderes públicos (de regulamentação e disciplina da respetiva modalidade – artigo 19.º) e de direitos desportivos exclusivos (conferir títulos nacionais e regionais e organizar seleções nacionais – artigo 16.º), mas também de obrigações (promover, regulamentar e dirigir, a nível nacional, a prática da modalidade respetiva e representá-la perante a Administração Pública e junto das organizações desportivas internacionais – artigo 14.º, alínea a)).
Tal significa que a República Portuguesa reconhece a columbofilia como modalidade desportiva.
Ora, quer a Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto, quer o Regime Jurídico das Federações Desportivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro, identificam nas modalidades desportivas várias categorias de agentes desportivos: além dos atletas/praticantes, regulam, por exemplo, os técnicos/treinadores, os árbitros/juízes, os dirigentes, os clubes ou os empresários desportivos.
Atendendo aos elementos literal e teleológico de interpretação, bem como à referida jurisprudência do TJUE, as pessoas que praticam desporto são os atletas/praticantes, por serem as pessoas praticantes quem goza dos benefícios proporcionados pela atividade física. Tais pessoas, que não animais, têm então de ser atletas/praticantes, que não técnicos/treinadores, árbitros/juízes, dirigentes ou empresários desportivos.

No caso dos autos, os serviços em análise foram prestados aos donos dos pombos-correio, no âmbito dos derbies Algarve G... dos anos de 2016 e de 2017.
Nestas provas, os columbófilos, a maior parte estrangeiros, inscrevem os pombos de que são proprietários mediante o pagamento de uma verba que serve também como contraprestação de diversas prestações de serviços como alimentação, veterinário, treinos e demais despesas, sendo os pombos recebidos no pombal/columbódromo da impugnante cerca de três a quatro meses antes da realização das provas – cfr. os pontos CC), BB), Z) e Y) do probatório.
Ora, assim sendo, os columbófilos proprietários dos pombos-correio que participaram nos derbies Algarve G... dos anos de 2016 e de 2017 enviaram os seus pombos para a instalação desportiva (o columbódromo) onde as aves ficaram durante vários meses antes da realização da competição, sendo que após darem entrada no pombal, os pombos ficaram ao cuidado da organização – cfr. ponto 6 dos Regulamentos das provas.
E, desde a sua receção até à realização do derby, a organização realizou, entre março e maio, voos diários à volta do pombal por grupos de pombos conforme grupos de entrada; a partir de junho, voos diários conjunto de todos os pombos do pombal; e a partir de julho, 10 treinos iniciais cujos locais de solta constam também dos Regulamentos transcritos no probatório. Finalmente, a organização levou também os pombos aos locais de solta para as provas.
Deste modo, verifica-se que a atividade dos columbófilos consistiu em preparar e selecionar os pombos, em inscrevê-los nas provas e em enviá-los para o pombal que seria a meta das corridas «de pombal único», onde os deixaram ao cuidado da organização para continuarem os seus treinos, serem alimentados, acompanhados e transportados até ao ponto de partida das corridas.
Ou seja, a intervenção dos columbófilos terminou no momento em que, vários meses antes da prova, entregaram os seus pombos-correios à organização da prova de pombal único (o derby), não tendo, nestas provas, potenciado a capacidade de orientação dos seus pombos para regressarem ao pombal/columbódromo do derby, traçado um plano de alimentação ou acompanhado o estado físico dos seus pombos (quem o fez foi a organização, ainda que no âmbito da prestação de serviço contratada com o columbófilo).
E, então, impõe-se concluir que, nos derbies em análise nos autos, a atividade desportiva dos columbófilos consistiu na realização dos treinos iniciais dos pombos, que não na participação nas corridas que compõem cada derby, tendo a função do columbófilo sido a de técnico/treinador (na medida em que visou potenciar o rendimento do pombo), e a do pombo a de atleta/praticante (pois o seu objetivo foi obter o melhor desempenho possível de maneira a chegar ao pombal em primeiro lugar).
Pelo que as prestações de serviço em crise nos autos não foram prestadas às pessoas que praticam as corridas no âmbito dos derbies Algarve G... dos anos de 2016 e de 2017, nem os beneficiários efetivos foram pessoas que praticam desporto, não se encontrando reunidos os três requisitos cumulativos de que depende a isenção prevista no artigo 9.º, alínea 8), do CIVA.
Pelo que a razão não está, aqui, com a Recorrente.
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QUANTO À ISENÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 9.º, ALÍNEA 19), DO CIVA, E À FALTA DE DISCRIMINAÇÃO DOS FACTOS RELATIVOS À NATUREZA DA QUANTIA ENTREGUE PELOS COLUMBÓFILOS À ASSOCIAÇÃO:
A norma do artigo 9.º, alínea 19), do Código do IVA, na redação em vigor em 2016 e em 2017, reza do seguinte modo: “Estão isentas de imposto as prestações de serviço e as transmissões de bens com elas conexas efectuadas no interesse colectivo dos seus associados por organismos sem finalidade lucrativa, desde que esses organismos prossigam objectivos de natureza política, sindical, religiosa, humanitária, filantrópica, recreativa, desportiva, cultural, cívica ou de representação de interesses económicos e a única contraprestação seja uma quota fixada nos termos dos estatutos”.
Desejou, então, no ponto, o legislador nacional isentar de IVA as prestações de serviço e as transmissões de bens com elas conexas efetuadas por (1) organismos sem finalidade lucrativa que (2) prossigam objetivos de natureza desportiva, (3) no interesse coletivo dos seus associados, desde que (4) a única contraprestação seja uma quota fixada nos termos dos estatutos (não podendo, pois, ser compensadas de qualquer outro modo, total ou parcialmente).
Alega a Recorrente que a sentença “julgou que os valores pagos não correspondiam a uma quota estatutária quando este facto não foi fixado nos factos provados o que, também aqui, representa uma contradição entre os factos provados e o julgamento proferido, já que tal conclusão não tem por base os factos assentes, sendo certo que, aliás, os estatutos da associação impugnante nem sequer se encontram juntos aos autos”, “ou seja, não foram dados como provados factos relevantes donde se pudesse apurar que os valores recebidos pela impugnante e aqui recorrente não tivessem a natureza de quota” – cfr. conclusões G) e H) das alegações de Recurso.
Ora, efetivamente, um dos pressupostos da isenção, o quarto e último na enumeração acima efetuada, é que as prestações de serviço e as transmissões de bens com elas conexas tenham como única contraprestação uma quota fixada nos termos dos estatutos.
Por este segmento se integrar na previsão normativa que atribui a isenção, são factos essenciais aqueles permitem concluir se as quantias, consideradas contrapartidas das prestações de serviços tributadas, foram, ou não, entregues a título de quota fixada nos termos dos estatutos.
E, como tal, têm de ser levados à matéria de facto, e nela discriminada como provados ou não provados.
Todavia, o probatório é omisso quanto a esta factualidade que constitui uma das causas de pedir.
Estamos, então, perante uma decisão da matéria de facto que apresenta uma patologia que não corresponde “verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento”, uma situação que exige a ampliação da matéria de facto por terem sido omitidos do probatório “factos alegados pelas partes que se revelam essenciais para a resolução do litígio, na medida em que assegur[a]m enquadramento jurídico diverso do suposto pelo tribunal a quo. Trata-se de uma faculdade que nem sequer está dependente da iniciativa do recorrente, bastando que a Relação se confronte com uma objectiva omissão de factos relevantes”. Neste caso, estando acessíveis todos os elementos probatórios relevantes, “a Relação deve proceder à sua apreciação e introduzir na decisão da matéria de facto as modificações que forem consideradas oportunas” – cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, nota 13 ao artigo 662.º do CPC, pp. 237, 240 e 241, Almedina, 2013.
Nos presentes autos não constam do processo todos os elementos probatórios que permitiriam a alteração da decisão da matéria de facto, desde logo porque, como assinala a Recorrente, os estatutos da associação impugnante nem sequer se encontram juntos aos autos.
E não sendo possível a modificabilidade da decisão de facto, impõe-se, ex vi da alínea c) do n.º 2 do artigo 662.º do Código de Processo Civil, anular a decisão proferida na 1.ª instância para que proceda à predita ampliação da matéria de facto (nomeadamente, após a junção aos autos dos estatutos da Recorrente, quer os que se encontravam em vigor aquando do derby de 2016, quer os que se encontravam em vigor aquando do derby de 2017) e interprete e aplique a norma do artigo 9.º, alínea 19), do Código do IVA (que por força do princípio do primado deve estar em conformidade com a Sexta Diretiva – cfr., nomeadamente, a alínea l) do artigo 132.º da Diretiva 2006/112/CE, bem como os regimes de isenção que o Estado português estava autorizado a criar, maxime em relação aos organismos que prossigam objetivos de natureza desportiva).
Consequentemente, fica prejudicado o conhecimento da última questão suscitada pela Recorrente – contradição entre o facto provado na alínea DD) do probatório e os fundamentos da decisão (cfr. conclusão F) do Recurso) -, pois esta deve ser, como se viu, anulada.
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Ou seja, em síntese, face aos temas tratados na presente decisão (IVA – Isenção – Desporto – Falta de fixação da matéria de facto - Ampliação da matéria de facto), conclui-se que:
1 – São requisitos cumulativos da isenção prevista no artigo 9.º, alínea 8), do Código do IVA que (1) o prestador seja um organismo sem finalidade lucrativa nos termos do artigo 10.º do CIVA que (2) explore instalações destinadas à prática de atividades desportivas e que (3) o destinatário da prestação de serviço seja a pessoa que pratica a atividade desportiva.
2 – A pessoa que pratica a atividade desportiva é aquela em quem se produzem os benefícios que a atividade física provoca no desportista, sendo que a isenção opera desde que a prestação do serviço seja usufruída por pessoa que pratique desporto, isto é, por um atleta, que não pelo clube ou qualquer outro agente desportivo, como um treinador, ainda que quem suporte a contraprestação seja uma pessoa coletiva.
3 – No âmbito de provas de pombal único (os designados derbies, competições desportivas realizadas sob a égide da Federação Portuguesa de Columbofilia), os columbófilos realizam diretamente os treinos iniciais dos pombos, mas depois de os enviarem para o pombal/columbódromo apenas indiretamente potenciam a capacidade de orientação dos seus pombos para regressarem ao pombal da competição, traçam um plano de alimentação ou acompanham o estado físico dos seus pombos (quem o faz é a entidade organizadora da competição, ainda que no âmbito da prestação de serviço contratada com o columbófilo).
4 - Nos derbies em análise nos autos, a atividade desportiva dos columbófilos foi a de técnico/treinador (na medida em que visaram potenciar o rendimento dos seus pombos), e a dos pombos foi a de atleta/praticante (uma vez que o seu objetivo foi obter o melhor desempenho possível de maneira a chegar ao pombal em primeiro lugar).
5 – Consequentemente, as prestações de serviço em crise nos autos não foram prestadas às pessoas que praticam a atividade desportiva (as corridas), nem os beneficiários efetivos foram pessoas que praticam desporto, não se encontrando reunidos os três requisitos cumulativos de que depende a isenção prevista no artigo 9.º, alínea 8), do CIVA.
6 – Tem de ser levada à matéria de facto, e nela discriminada como provada ou não provada, a factualidade relativa aos factos essenciais que constituem a causa de pedir.
7 – Para se concluir se se encontra preenchido o segmento normativo do artigo 9.º, alínea 19), do CIVA que prevê que “a única contraprestação seja uma quota fixada nos termos dos estatutos”, impõe-se levar ao probatório, com pronúncia positiva ou negativa sobre a sua ocorrência, os factos que permitam qualificar se as quantias consideradas contrapartida das prestações de serviços tributadas foram, ou não, entregues a título de quota estatutariamente exigida.
8 – Não tendo tais factos sido levados ao probatório e não constando do processo todos os meios de prova que permitiriam a alteração da matéria de facto pelo Tribunal de segunda instância, nomeadamente os estatutos da associação em vigor à data das provas, a sentença deve ser anulada por se mostrar indispensável a ampliação da matéria de facto.
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Assim, acorda-se conceder parcial provimento ao recurso nos seguintes termos:
- Anula-se a sentença na parte em que julgou improcedente a Impugnação Judicial por não se verificar a isenção prevista no artigo 9.º, alínea 19), do Código do IVA, e, ordenando a baixa do processo à 1.ª instância, determina-se a ampliação da matéria de facto de modo a que nela sejam incluídos os factos que permitem concluir se as quantias consideradas contrapartida das prestações de serviços tributadas foram, ou não, entregues a título de quota fixada nos termos dos estatutos, e a tramitação subsequente do processo até à prolação de nova sentença concordante com o resultado da ampliação; e
- Mantém-se a sentença na parte em que anulou as liquidações quanto às correções efetuadas através de métodos indiretos, bem como na parte em que julgou improcedente a Impugnação Judicial por não se verificar a isenção prevista no artigo 9.º, alínea 8), do Código do IVA.

Custas pela Recorrente e pela Recorrida, na proporção do vencido que se fixa em 50%.
Lisboa, 19 de dezembro de 2024.
Tiago Brandão de Pinho (relator) – Vital LopesMargarida Reis
(assinaturas eletrónicas no cabeçalho da primeira página)