Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:252/22.5 BEBJA
Secção:CA
Data do Acordão:11/23/2023
Relator:LINA COSTA
Descritores:INFORMAÇÃO NÃO PROCEDIMENTAL
DOCUMENTO PRÉ-EXISTENTE
Sumário:I - O direito à informação não procedimental, consagrado no artigo 268º, nº 2, da CRP e densificado no artigo 17º do CPA e na Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (LADA), aprovada pela Lei n.º 26/2016, de 22 de Agosto, visa permitir o acesso a documentos existentes, detidos nos arquivos das entidades públicas administrativas, ou a prestação de informação/certidão negativa, se não existirem;
II - Nos artigos 104º e 105º do CPTA exige-se para que o pedido de intimação possa ser julgado procedente, cumulativamente, que (i) tenha sido validamente formulado um pedido de informação, procedimental ou não procedimental, junto de uma entidade que a deva prestar, (ii) esse pedido não tenha sido integralmente satisfeito no prazo legalmente previsto para o efeito; (iii) a intimação judicial seja requerida pelo interessado no prazo de 20 dias, contado do termo do prazo procedimental, e (iv) o indeferimento ou recusa em prestar a informação requerida não se encontre legalmente justificado nos limites, restrições previstos ao exercício do direito à informação;
III - Se o pedido de informação, no momento em que foi formulado, não visou o acesso a documentos existentes na posse do Requerido, mas informação sobre a instauração ou não de um procedimento administrativo, nem obter certidão da inexistência de um qualquer documento, mas o acesso a um documento futuro ou incerto, o mesmo não consubstancia um efectivo pedido de informação de informação não procedimental e a acção de intimação não pode proceder.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção COMUM
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Subsecção Comum da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

S…, Lda. requerente nos autos de acção de intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões instaurados contra o Município de Almodôvar, inconformada, interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida em 23.11.2022, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, que decidiu julgar totalmente improcedente, por não provada, a presente intimação para prestação de informações e passagem de certidões, e em consequência, absolveu a Entidade Requerida do pedido.
Nas respectivas alegações, a Recorrente formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem:
«1. A Recorrente discordando da sentença proferida pelo Tribunal a quo que julgou improcedente a ação proposta pela Autora, aqui Recorrida[sic], e vem dela agora interpor recurso.
2. Na sentença impugnada, o Tribunal a quo começou por considerar que a Requerente não apresentou um efetivo pedido de acesso à informação – o que não corresponde à realidade.
3. A Recorrente dirigiu-se à Entidade Requerida com o intuito de denunciar uma série de ilegalidades que considera existirem na execução contrato celebrado entre o Município de Almodôvar e a empresa municipal Municípia, solicitando, nesse sentido, a aplicação das devidas sanções contratuais, mas, ao mesmo tempo, também dirigiu um pedido de informação autónomo a essa autarquia local pretendendo saber que medidas essa entidade iria adotar perante aquela denúncia, mormente se iria abrir um procedimento administrativo para ponderar a aplicação de sanções contratuais.
4. Ou seja, tendo enviado uma missiva a denunciar irregularidades e a pugnar, no fundo, pela sua correção, obviamente que, no imediato, a Recorrente não pretendia saber qual a intenção do Município ou se, eventualmente, este tencionava praticar um ato administrativo de aplicações de sanções contratuais – alcançando que certamente seria necessário mais tempo para a Entidade Recorrida adotar uma decisão final desse tipo, consciente e informada.
5. E, tanto é assim, que a Recorrente dividiu o seu pedido de informação em dois pontos: (i) quis saber se a Recorrida iria abrir o procedimento para aplicação das sanções pecuniárias, num prazo de 10 dias úteis, e (ii) solicitou também o acesso à respetiva decisão final, mas e apenas, quando ela fosse tomada.
6. O que significa que, naqueles 10 dias úteis seguintes ao envio da missiva em causa nos presentes autos, a Recorrente só tinha a expectativa de vir a saber se, mediante a sua denúncia, iria ou não ser aberto um procedimento administrativo – e absolutamente mais nada.
7. Ou seja, e a resposta que era bastante para a Recorrente e que podia ter sido prestada pela Recorrida, era uma resposta de “sim” ou “não”: “sim, foi aberto procedimento administrativo para apurar a eventual necessidade de aplicação de sanções contratuais” ou “não, não foi aberto procedimento”.
8. Contudo, a Recorrida nada disse, o que justificou a proposição da presente intimação.
9. Mais tarde a Recorrente esperava saber qual a decisão final que teria sido tomada – à qual naturalmente podia ter acesso visto que, nesse momento e com a prolação da decisão final, o procedimento sempre iria findar e a Recorrente, ao abrigo do artigo 5.º da LADA, poderia ter acesso a um documento de um procedimento findo sem ter de enunciar ou justificar qualquer interesse nisso.
10. A Recorrente tinha interesse e, mais do que isso, o direito de saber se seria dado seguimento à denúncia por si efetuada, pois, ao contrário do que a Entidade Requerida fez crer perante o Tribunal a quo, com a carta enviada ao Município de Almodôvar, a Requerente não deu início a um procedimento administrativo de iniciativa particular que constituía, automaticamente, a Entidade Recorrida no dever de decidir, nos termos do artigo 13.º do CPA.
11. Ao invés, a Requerente exerceu o direito de petição que lhe assiste, neste caso, denunciando ilegalidades das quais teve conhecimento – o que apenas pode dar origem a um procedimento administrativo de iniciativa oficiosa.
12. O que significa que, uma vez dirigido um requerimento à Requerida, expondo uma série de ilegalidades, esta tinha o dever de analisar o requerimento recebido e ponderar se se justificava ou não a abertura oficiosa desse procedimento.
13. A opção pela abertura ou não um procedimento oficioso deveria ter sido comunicada à Recorrente, conforme esta havia, aliás, solicitado com o presente pedido de informação.
14. E, no fundo, era isto que a Requerente tão-só queria saber – se a denúncia efetuada tinha sido considerada sólida o suficiente para que a Entidade Recorrida, por sua própria iniciativa, decidisse abrir um procedimento no qual, e só mais tarde, iria decidir pela aplicação (ou não) das sanções contratuais em causa; ou se não e porquê.
15. Consequentemente, o Município não poderia ter entendido que a Requerente estava a solicitar que lhe fosse comunicada a decisão final quando, antes disso, lhe competia examinar a queixa apresentada pela Recorrente e decidir se seria aberto (ou não) o respetivo procedimento de averiguação.
16. De facto, o procedimento para análise e adoção de decisões quanto a queixas ou denúncias apresentadas é um procedimento administrativo atípico que não se encontra regulado, a título principal, pelo Código do Procedimento Administrativo, mas antes pela Lei n.º 43/90, de 10 de agosto, que regula o exercício do direito de petição, mais concretamente, da apresentação de queixas junto de entidades públicas – como sucedeu in casu – prevendo, mormente, no artigo 8.º o direito de se ser informado sobre as decisões adotadas nesses procedimentos; mormente a decisão de abertura ou não do próprio procedimento.
17. Em bom rigor, o pedido de informação da Requerente não se reporta a qualquer procedimento existente nem a procedimentos já extintos; antes a Requerente pretendia saber a atuação que a Administração adotara seguir perante as denúncias que lhe havia comunicado.
18. Consequentemente, o direito de acesso a esse tipo de informação não pode ser regulado pelos artigos 82.º e segs. do CPA, visto que não está em causa informação relativa a um procedimento administrativo em curso, mas sim a prestação de informação relativamente a uma queixa apresentada pela Recorrente que poderá (ou não) originar um procedimento administrativo futuro.
19. O pedido por si formulado enquadra-se então no exercício do direito à informação não procedimental com cobertura legal no artigo 5.º da Lei n.º 26/2016 pois que, tal como o mesmo pode ser exercido por um interessado por referência ao acesso a informações e documentos constantes de arquivos ou registos, relacionados com procedimentos administrativos findos, pode igualmente ser exercido à margem de todo o procedimento, extinto ou em curso, apenas tendo em vista o direito de informação sobre a sua existência. O trecho final do artigo 5.º, socorrendo-se dos substantivos “existência” e “conteúdo”, a tal conclusão hermenêutica conduz - em idêntico sentido ao defendido pela aqui Recorrente, decidiu o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, no proc. n.º 1848/21.8BEPRT, a 14 de setembro do presente ano assim como o Tribunal Central Administrativo Norte, a 19 de novembro de 2021, no mesmo processo.
20. A Lei n.º 26/2016, 22 de agosto, regula nos termos do n.º 1 do artigo 1.º o acesso não só aos documentos administrativos bem como à informação administrativa.
21. Por outras palavras, e ao contrário do que consta da sentença do Tribunal a quo, a Requerente só devia ter identificado documentos concretos que pretendia consultar ou relativamente aos quais pretendia que fosse emitida certidão se quisesse aceder a documentos administrativos. Contudo, in casu, só estava em causa o exercício do direito de acesso a informação administrativa, conforme reconhecido pela CADA e pelos tribunais (Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proc. n.º 2232/18.6BELSB, de 27 de fevereiro de 2020).
22. Acresce ainda referir que, de acordo com o artigo 8.º da Lei n.º 43/90, que regula o exercício do direito de petição, a Entidade Recorrida encontra-se obrigar[sic] a comunicar à Recorrente todas as decisões que adotar, na sequência da denúncia que foi apresentada.
23. Consequentemente, quer pelo regime especial do artigo 8.º constante da Lei n.º 43/90 – que obriga a Entidade Requerida a comunicar as decisões adotadas ao longo do procedimento iniciado após a receção da respetiva petição –, quer por estar em causa informação de caráter não procedimental, a que todos têm acesso nos termos do artigo 5.º da LADA – deve ser julgada procedente a presente intimação e prestada a informação devida à Recorrente.».

Notificada para o efeito, a Recorrida veio dizer não pretender apresentar contra-alegações por concordar com a sentença recorrida.

O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, não emitiu parecer.

Sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente, o processo vem à conferência da Subsecção Comum do Contencioso Administrativo para julgamento.

A questão suscitada pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, consiste, no essencial, em saber se a sentença recorrida incorreu em erros de direito ao considerar que não apresentou junto da Recorrida um efectivo pedido de acesso à informação procedimental, julgando a presente intimação improcedente.

A sentença recorrida considerou, com relevância para a decisão, provados os seguintes factos:

A) Em 31.05.2022, por carta registada com AR, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, o sócio-gerente da ora Requerente, solicitou, ao Presidente da Câmara Municipal de Almodôvar, um “Pedido de informação administrativa”, com referência ao Contrato n.º 32/2021, designado por “Contrato de Aquisição de Serviços para Produção de Cartografia Numérica Vetorial à escala 1:10 000 para o Município e Almodôvar”, nos seguintes termos:
Por fim, mais se requer que informem a S…, ao abrigo do disposto nos artigos 82.º e seguintes do CPA e dos artigos 3.º e 5.º, ambos, da LADA, se irão abrir o procedimento para aplicação das sanções pecuniárias, num prazo de 10 dias úteis, e da respetiva decisão final, quando for tomada.” (cfr. docs. n.º 1 e 2 juntos aos autos pela Requerente com r.i.);

B) Em 01.06.2022, a missiva supra referida foi rececionada pelos serviços da Entidade Requerida (cfr. doc. 3 junto aos autos pela Requerente com o r.i.);

C) Em 21.06.2022, a Requerente deu entrada, em juízo, do r.i. da presente intimação para prestação de informações e passagem de certidões (cfr. “Comprovativo de Entrega de Documento”, a fls. 1 e ss. no SITAF);

D) Até à data referida na alínea anterior, a Requerente não tinha recebido nenhuma resposta ao pedido de informações por si apresentado, nem qualquer justificação para essa omissão (facto alegado pela Requerente, não impugnado pela Entidade Requerida);

E) Por ofício datado de 04.07.2022, com a referência 1326, em resposta ao “Pedido de Informação Administrativa” apresentado pela Requerente, o Presidente da Câmara Municipal de Almodôvar, apresentou a exposição infra reproduzida:

“(texto integral no original; imagem)”

“(texto integral no original; imagem)”
“(texto integral no original; imagem)”

(cfr. doc. n.º 1 junto aos autos pela Entidade Requerida com a sua resposta).

1.2 Dos factos não provados
Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa.

1.3 Motivação da decisão de facto
A formação da convicção do Tribunal, que permitiu julgar provados os factos acima descritos nas alíneas A) e B), ficou a dever-se ao teor dos documentos juntos aos autos pela Requerente com o seu r.i., cuja genuinidade não foi posta em causa pela Entidade Requerida.
Por sua vez, a prova do facto elencado sob a alínea E) do probatório, ficou a dever-se ao teor do documento junto aos autos pela Entidade Requerida com a sua resposta.
Para a prova do facto constante da alínea C) do probatório, foi determinante o conhecimento, adquirido pelo Tribunal, em virtude do exercício das suas funções, designadamente, mediante a consulta dos autos no SITAF (cfr. artigo 412.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA).
Finalmente, a prova do facto dado como provado na alínea D), deveu-se à alegação expressa que do mesmo foi feita pela Requerente no r.i., sem que o mesmo tivesse sido impugnado pela Entidade Requerida na sua resposta.

*
Quanto ao mais, não se deram como provados, ou não provados, quaisquer outros factos alegados pelas partes, por se afigurarem os mesmos irrelevantes para o teor da decisão que aqui importa proferir, conclusivos, ou por consubstanciarem alegações de direito.».

O juiz a quo, após efectuar um enquadramento jurídico do direito à informação procedimental e não procedimental, fundamentou a decisão recorrida nos seguintes termos:
«Vertendo o anteriormente exposto ao caso sub iudice, e compulsado o teor do r.i., verifica-se que a Requerente enquadra, e bem, a sua pretensão no âmbito do exercício do direito à informação administrativa não procedimental, constitucionalmente consagrado no artigo 268.º, n.º 2 da CRP, e concretizado pelo supra citado artigo 17.º do CPA, cuja regulação consta da mencionada Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (LADA), nomeadamente, do disposto no seu artigo 5.º, também anteriormente citado.
Para melhor compreender o sentido e alcance do pedido de informações administrativas formulado pela Requerente no caso sub iudice, importa, previamente, analisar o contexto da exposição escrita no âmbito da qual o mesmo foi originariamente deduzido perante a Entidade Requerida, e cujo teor foi integralmente dado como provado na alínea A) do probatório.
Compulsado o teor da missiva dirigida pela Requerente à Entidade Requerida em 31.05.2022, verifica-se que a mesma começa por explicitar a tese por si defendida, em como a Cocontratante da Entidade Requerida Municípia, E.M. , incorreu em grave incumprimento contratual do prazo de execução, no âmbito do Contrato n.º 32/2021, designado por “Contrato de Aquisição de Serviços para Produção de Cartografia Numérica Vetorial à escala 1:10 000 para o Município e Almodôvar”, e em cujo procedimento concursal, a Requerente ficou preterida.
De seguida, a Requerente prossegue a exposição em apreço, insurgindo-se contra o facto de a Entidade Requerida, ainda não ter, com base nesse fundamento, acionado os mecanismos sancionatórios que reputa de legalmente devidos, designadamente, a aplicação, à Municípia, das sanções pecuniárias previstas no contrato anteriormente identificado.
Mais adiante, a Requerente afirma ainda que, caso a Entidade Requerida não comungue deste entendimento, irá, de imediato denunciar a presente situação ao Tribunal de Contas, e caso a sua pretensão, quanto à aplicação, à Municípia, da sanção contratual que considera devida, não seja satisfeita, informa que irá agir judicialmente contra o Município de Almodôvar.
No final desta missiva, a Requerente conclui com a formulação do alegado pedido de informações administrativas não procedimentais, a saber:
“Por fim, mais se requer que informem a S…., ao abrigo do disposto nos artigos 82.º e seguintes do CPA e dos artigos 3.º e 5.º, ambos, da LADA, se irão abrir o procedimento para aplicação das sanções pecuniárias, num prazo de 10 dias úteis, e da respetiva decisão final, quando for tomada.”
Atendendo ao concreto teor do pedido de prestação de informações aqui em causa (cfr. alínea A) do probatório), analisemos, em seguida, qual o âmbito ou conteúdo material do direito à informação administrativa não procedimental, e os respetivos limites legais, a fim de apurar se a Requerente tem, in casu, direito a que a Entidade Requerida lhe preste as informações por si solicitadas.
A este propósito, importa esclarecer que, em termos gerais, o âmbito ou o conteúdo material do direito de acesso à informação administrativa, apenas diz respeito ao conhecimento sobre a existência e o conteúdo de documentos, ficheiros ou de informações constantes de documentos pré-existentes, i.e., elementos informativos que já se encontrem na esfera de disponibilidade das entidades administrativas.
Não sendo finalidade do exercício do direito à informação administrativa, a obtenção de pareceres, opiniões, instruções, ou qualquer outra forma de elucidação, convém não esquecer que o mesmo visa, tão somente, a comprovação de factos, por referência a documentos/ procedimentos escritos preexistentes, ou que atestem a inexistência dos mesmos.
Com efeito, a nossa doutrina e jurisprudência são unânimes em considerar que, a viabilidade do processo judicial de intimação para prestação de informações e passagem de certidões, pressupõe que esteja em causa o acesso dos cidadãos a informações constantes de documentos administrativos pré-constituídos ou já materializados em poder da Administração (cfr. artigo 3.º, n.º 1, al. a) da LADA), não podendo, contudo, servir para impor à entidade administrativa, o dever de produzir novos documentos, ou de praticar atos administrativos que se considerem em falta, ou ainda, para esclarecer questões atinentes à sua atuação administrativa (passada ou futura).
Ora, confrontado o concreto pedido de informações feito nos autos pela Requerente (cfr. alínea A) do probatório), com a nossa exposição precedente, verifica-se que o mesmo extravasa, claramente, o âmbito material do direito à informação administrativa não procedimental, porquanto, visa a obtenção de esclarecimentos a propósito de uma futura atuação da Entidade Requerida, concretamente, quanto à sua intenção em, eventualmente, praticar um ato administrativo que a Requerente reputa de legalmente devido, i.e., a aplicação de sanções contratuais, no âmbito da execução de um contrato público do qual a mesma não é parte.
Como é evidente, a pretensão da Requerente não encontra respaldo dentro dos limites legais do direito à informação administrativa não procedimental, na medida em que não visa a obtenção de informações, ou o acesso a documentos administrativos pré-existentes, que já se encontrem na esfera de disponibilidade da Entidade Requerida.
Dito de outro modo, não constando a informação a que a Requerente pretende ter acesso, de nenhum documento ou ficheiro já elaborado e materializado nos arquivos do Município de Almodôvar, na aceção de documento administrativo que nos é dada pelo artigo 3.º, n.º 1, al. a) da LADA, não está aqui em causa um autêntico direito de acesso à informação administrativa não procedimental, cujo incumprimento, por parte da Entidade Requerida, dentro do prazo legalmente previsto de 10 (dez) dias (cfr. artigo 15.º da LADA), legitima o recurso, pela Requerente, à presente intimação para a prestação de informações e passagem de certidões, por forma a nela obter vencimento de causa.».

Discorda a Recorrente, alegando que: apresentou um efectivo pedido de informação não procedimental; a LADA regula não só o acesso aos documentos administrativos, mas também à informação administrativa; denunciou ilegalidades na execução do contrato que identifica, solicitou a aplicação de sanções contratuais e pediu informação sobre as medidas que o Recorrido iria adoptar perante a denúncia que efectuou, mormente se iria abrir procedimento para ponderar a aplicação de sanções contratuais, e o acesso à decisão, quando tomada; pelo que, nos 10 dias úteis, apenas esperava uma resposta de “sim” ou “não” sobre a abertura do procedimento, de iniciativa oficiosa, para aplicação de sanções contratuais; de acordo com o artigo 8º da Lei nº 43/90, o Recorrido encontra-se obrigado a comunicar as decisões que adoptar, na sequência da petição/denúncia que lhe dirigiu; o seu pedido de informação não se reporta a qualquer procedimento existente ou já extinto, visando saber da actuação do Recorrido na sequência da sua denúncia; pelo que não pode ser regulado pelos artigos 82º e seguintes do CPA, por estar em causa informação não procedimental – o direito de informação sobre a existência de documentos - a que todos têm acesso nos termos do artigo 5º da LADA.

Apreciando.
A ora Recorrente dirigiu ao Recorrido um requerimento com o “Assunto: Pedido de informação administrativa - Contrato n.º 32/2021 de “Contrato de Aquisição de Serviços para Produção de Cartografia Numérica Vetorial à escala 1:10 000 para o Município e Almodôvar”, na qualidade de concorrente preterida no correspondente procedimento pré-concursal, exigindo-lhe, por considerar que a co-contratante Municípia, E.M. se encontra numa situação de grave incumprimento contratual, a abertura de um procedimento administrativo para aplicação de sanções contratuais, sob pena, caso o não faça, de denunciar a situação ao Tribunal de Contas e de agir contra o mesmo judicialmente. Termina a referida queixa/denúncia, requerendo ser informada, ao abrigo do disposto nos artigos 82º e seguintes do CPA e dos artigos 3º e 5º, ambos da LADA, se irão abrir o pretendido procedimento, no prazo de 10 dias úteis, e da respectiva decisão, quando tomada.
A saber, atendendo apenas à forma como esta parte do requerimento se encontra redigida, a Recorrente formulou pedidos de informação procedimental – se irão abrir o procedimento de aplicação de sanções pecuniárias, dando sequência à denúncia que apresentou – e não procedimental – que apenas pode corresponder ao pretendido acesso à decisão que venha a ser proferida no procedimento, se instaurado.
Apesar do que, no requerimento inicial [r.i.] e no presente recurso, considera os dois pedidos enquadráveis no direito à informação não procedimental – v. conclusão 19. “(…) o direito de acesso a esse tipo de informação não pode ser regulado pelos artigos 82.º e segs. do CPA, visto que não está em causa informação relativa a um procedimento administrativo em curso, mas sim a prestação de informação relativamente a uma queixa apresentada pela Recorrente que poderá (ou não) originar um procedimento administrativo futuro” -, invocando para o efeito o disposto nos artigos 268º, nº 2 da CRP, 17º do CPA, 3º, nº 1, alínea a), 5º, nº 1, 15º da LADA e 104º e 105º do CPTA.
O artigo 268° da CRP consagra, como direitos e garantias dos administrados, os direitos de informação procedimental – 1 - Os cidadãos têm o direito de ser informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam directamente interessados, bem como de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas.” – e de informação não procedimental – “2 – Os cidadãos têm também direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna, à investigação criminal e à intimidade das pessoas”.
O regime jurídico do acesso à informação procedimental encontra-se densificado no CPA, nos referidos artigos 82º a 85º.
Já o de acesso a documentos administrativos, resulta do disposto no artigo 17º do CPA, com a epígrafe “Princípio da administração aberta”, e na LADA, aprovada pela Lei nº 26/2016, de 22 de Agosto, em transposição da Directiva 2003/4/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de Janeiro, e da Directiva 2003/98/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de Novembro, na redacção dada pela Lei nº 68/2021, de 26 de Agosto.
Os artigos 104º a 108º do CPTA regulam a acção administrativa, de natureza urgente, que constitui o meio processual próprio para garantir o exercício do direito à informação, nas duas vertentes enunciadas.
Nos termos dos artigos 104º e 105º a procedência de um pedido de intimação judicial pressupõe, cumulativamente, que (i) tenha sido validamente formulado um pedido de informação, procedimental ou não procedimental, junto de uma entidade que a deva prestar, (ii) esse pedido não tenha sido integralmente satisfeito no prazo legalmente previsto para o efeito; (iii) a intimação judicial seja requerida pelo interessado no prazo de 20 dias, contado do termo do prazo procedimental, e (iv) o indeferimento ou recusa em prestar a informação requerida não se encontre legalmente justificado nos limites, restrições previstos ao exercício do direito à informação.
O tribunal recorrido entende que o concreto pedido formulado pela Recorrente extravasa claramente o âmbito ou o conteúdo material do direito à informação não procedimental, relativo apenas ao conhecimento sobre a existência ou conteúdo de documentos, ficheiros ou informações constantes de documentos pré-existentes, que já se encontram na esfera de disponibilidade, no caso, do Recorrido, não constituindo finalidade do respectivo exercício a obtenção de pareceres, opiniões, instruções ou qualquer outra forma de elucidação, ou a prática de acto administrativo legalmente devido, a conter em novo documento.
A Recorrente defende que formulou junto do Recorrido um pedido efectivo de informação não procedimental que não foi satisfeito no prazo cominado na LADA, justificando a instauração da acção de intimação, bem como a sua procedência.
Mas não lhe assiste razão.
Densificando o princípio da Administração aberta, o nº 1 do artigo 17º do CPA estipula: “Todas as pessoas têm o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, mesmo quando nenhum procedimento que lhes diga diretamente respeito esteja em curso, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal, ao sigilo fiscal e à privacidade das pessoas.”
O nº 1 do artigo 5º da LADA dispõe: “Todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo.”.
O artigo 3º idem define documento administrativo como “qualquer conteúdo, ou parte desse conteúdo, que esteja na posse ou seja detida em nome dos órgãos e entidades referidas no artigo seguinte, seja o suporte de informação sob forma escrita, visual, sonora, eletrónica ou outra forma material, neles se incluindo, designadamente, aqueles relativos a:
i) Procedimentos de emissão de atos e regulamentos administrativos;
ii) Procedimentos de contratação pública, incluindo os contratos celebrados;
iii) Gestão orçamental e financeira dos órgãos e entidades;
iv) Gestão de recursos humanos, nomeadamente os dos procedimentos de recrutamento, avaliação, exercício do poder disciplinar e quaisquer modificações das respetivas relações jurídicas.”.
Significando que, sem necessidade de invocar qualquer interesse específico para o efeito, qualquer pessoa, com ou sem o intuito específico de verificar da transparência da actuação da Administração, pode requerer a consulta, reprodução e informação sobre documentos administrativos [nos termos definidos no artigo 3º] existentes e detidos pela entidade a quem foram solicitados, independentemente da sua ligação a um procedimento administrativo ou de este se encontrar findo ou em curso, desde que o requerente da informação nele não tenha interesse directo e pessoal.
Se a entidade requerida concluir que os documentos cujo acesso foi solicitado não existem, seja por nunca terem sido produzidos, ou por não se encontrarem na sua posse, ou por outro motivo, deve informar ou emitir certidão negativa quanto à sua inexistência.
E só, porquanto se, de acordo com o disposto no nº 6 do artigo 13º da LADA, a entidade requerida não tem o dever de criar ou adaptar documentos para satisfazer o pedido de acesso a documentos administrativos, muito menos estará legalmente obrigada, com a mera finalidade de satisfazer o pedido de informação não procedimental, a tomar uma decisão num procedimento administrativo despoletado por uma queixa ou denúncia, ou a criar o respectivo documento de suporte.

No caso em apreciação a Recorrente pretende, primeiro, ser informada sobre o seguimento que irá ser dado à sua denúncia, mormente, se o Recorrido vai instaurar procedimento de aplicação de sanções contratuais à co-contratante ou não, segundo, ter acesso à informação que irá ser proferida nesse procedimento, se instaurado e quando a mesma for tomada.
Em face do que é manifesto que, apesar das referências efectuadas aos artigos 82º e seguintes do CPA e aos artigos 3º e 5º da LADA no requerimento que dirigiu ao Recorrido, a Recorrente sabe, no momento da sua apresentação, que não há qualquer procedimento de aplicação de sanções contratuais à co-contratante que entende estar em incumprimento, e que tem de esperar que a denúncia que acaba de efectuar seja apreciada, ponderada e decidida para poder ser informada se aquele procedimento vai ser instaurado ou não. Ou seja, o pedido de informação da Recorrente não visa nem visou no momento em que foi apresentado aceder a documentos existentes na posse do Recorrido.
O mesmo pedido também não visou a obtenção de informação/certidão sobre a inexistência de um qualquer documento, mas sim requerer o acesso a um documento futuro e incerto.
Donde, não estando em causa um pedido que possa ser configurado como exercício do direito à informação procedimental – tal como a Recorrente esclareceu na acção e no recurso – nem à informação não procedimental – como entendemos, acompanhando o tribunal a quo –, não impendia sobre o Recorrido qualquer dever legal de prestar as informações requeridas, no âmbito do exercício do direito à informação, consagrado na CRP, no CPA e na LADA.
O que também significa, noutra perspectiva, que não se encontram preenchidos os pressupostos para a acção de intimação instaurada, nos termos do disposto nos artigos 104º a 108º do CPTA, poder ser julgada procedente.

A Recorrente vem ainda invocar o disposto na Lei nº 43/90, de 10 de Agosto, que regula e garante o exercício do direito de petição ara defesa dos direitos dos cidadãos e da Constituição, para suportar a sua pretensão recursiva.
Contudo, nada consta sobre esse diploma legal e os direitos que regula, quer no requerimento que dirigiu ao Recorrido quer no r.i., pelo que, tratando-se de um novo fundamento, uma questão que não foi submetida à apreciação do tribunal a quo e, consequentemente, não foi decidida na sentença recorrida, nem é de conhecimento oficioso, não tem este Tribunal que a apreciar.
Apesar do que, entendemos referir que a eventual aplicabilidade dessa Lei ao requerimento da Recorrente em nada alteraria o entendimento a que chegámos de que o pedido em referência não consubstancia o exercício do direito à informação.
Com efeito, a previsão no artigo 8º da referida Lei do direito do peticionante, denunciante, a ser informado das decisões adoptadas em função da petição, denúncia efectuada, não pode significar, como parece pretender a Recorrente que, no mesmo requerimento possa ser solicitada informação procedimental ou não procedimental, a satisfazer em 10 dias, antes daquelas decisões terem sido tomadas.
Atendendo ao que o presente recurso não pode proceder, devendo manter-se a sentença recorrida na ordem jurídica.

Por tudo quanto vem exposto acordam os Juízes desta Subsecção Administrativa Comum do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, por não provados os respectivos fundamentos, mantendo a sentença recorrida na ordem jurídica.
Custas pela Recorrente.
Registe e Notifique.
Lisboa, 23 de Novembro de 2023.
(Lina Costa – relatora)
(Ricardo Ferreira Leite)
(Catarina Vasconcelos)