Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1910/15.6BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/10/2024
Relator:ISABEL VAZ FERNANDES
Descritores:RCO
PRESCRIÇÃO
PROCEDIMENTO
Sumário:I – Para efeitos de aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 33.º do RGIT, deve entender-se que a infracção depende da liquidação sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção que lhe é aplicável depende da prévia determinação do valor da prestação tributária devida.
II - Tendo sido imputada à Arguida infracção punida pelo artigo 114.º, nºs. 2, e 5, al.f), do RGIT, e estando a mesma dependente do apuramento do imposto em falta, o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional é igual ao prazo de caducidade do direito à liquidação desse imposto, o qual, de harmonia com o artigo 45.º, nº.4, da LGT, é de quatro anos contados a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contra-Ordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul
I – RELATÓRIO


L....- RESTAURAÇÃO LD.ª, melhor identificada nos autos, interpôs recurso da decisão, proferida em 20 de dezembro de 2014, pelo chefe de Serviço de Finanças de Lisboa-2, em sede do processo de contra-ordenação n.º 3247.2014/060000361129, que a condenou na coima de € 3.912,00 pela prática da contra-ordenação, prevista no artigo 27.º, n.º1 e 41.º, n.º1, alínea b) do CIVA e punida pelo artigo 114.º, n.º2 e n.º5 alínea a) e 26.º, n.º4 do RGIT - falta de entrega da prestação tributária dentro do prazo.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença de 12 de janeiro de 2017, julgou procedente o recurso e dispensou a recorrente do pagamento da coima fixada no montante de € 3.912,00 (três mil, novecentos e doze euros).

Não se conformando com a decisão, a Fazenda Pública, interpôs recurso da mesma, tendo, nas suas alegações de recurso, formulado as seguintes conclusões:

«I - O presente recurso visa reagir contra a decisão que anulou a coima aplicada, no montante de € 3.912,00 acrescida de custas, no montante de € 76,50, sendo o montante total de € 3.988,50, tendo considerado que não haveria prejuízo efectivo e que a situação configuraria uma dispensa da coima, nos termos do art.º 32.º do RGIT.

II – A Fazenda Pública recorre porquanto os requisitos do art.º 32.º do RGIT, requisitos cumulativos não se encontram contemplados, desde logo, o prejuízo efectivo, tal como é mencionado por L.... S... quando referem que mesmo que a prestação tributária se encontre paga posteriormente houve prejuízo efectivo, pois só não haveria se houvesse falta na apresentação de declarações que não tenham por fim permitir a administração tributária determinar, avaliar ou comprovar a matéria colectável.

III - Ora, a declaração periódica de IVA foi entregue no dia 18/08/2014 quando o terminus do seu prazo foi em 15/08/2014, nos termos do art.º 41.º, n.º 1 al. b) do CIVA, sendo um prazo peremptório, pelo que a coima aplicada contemplava quer a falta de entrega da declaração quer a falta de imposto dentro do prazo.

IV - A obrigação tributária respeita a IVA, sendo a arguida quem entrega a declaração periódica, em conjunto com o TOC, bem como o pagamento do imposto, uma vez que é extraído do sistema o DUC para se efectuar o pagamento.

V – Assim, não tendo pago imposto no prazo devido houve prejuízo para o Estado que se viu prejudicado na arrecadação de receita e, como tal, o legislador não contemplou nem premiou esta actuação da arguida como dispensa de coima, nos termos do art.º 32.º do RGIT, tal como foi mencionado nas anotações de L.... S....

VI – Ora, a falta de entrega da prestação tributária dentro do prazo previsto na lei é punível nos termos do art.º 114.º, n.º 2 e art.º 26.º, n.º 4, ambos do RGIT.

VII – E sendo punida a coima é devida, pois já vimos que um dos requisitos cumulativos não se encontra contemplado, o de não haver prejuízo efectivo para o Estado, não podendo ter sido anulada a coima, sob pena de se violar o próprio art.º 32.º do RGIT.

VIII – Nos termos expostos, deverá a douta sentença do Tribunal a quo ser revogada por outra, por erro de julgamento, uma vez que os requisitos do art.º 32.º do RGIT não se encontram contemplados e sendo eles cumulativos, faltando um a dispensa não poderá prosseguir, sendo a coima aplicada pelo Serviço de Finanças de Lisboa 2 devida.

Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente anulando-se a recorrida decisão em apreço, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.»


*

A Recorrida apresentou resposta com as motivações do recurso concluindo com as seguintes conclusões:

«I. A Autoridade Tributária e Aduaneira imputou à Arguida a prática da uma infracção prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 27º/1 e 41º/1, b) do Código do IVA.

II. Em 14.10.2014, a Arguida foi notificada pelo Serviço de Finanças Lisboa-2 da intenção de lhe aplicar uma coima no montante de €322,13 (trezentos e vinte e dois euros e treze cêntimos), em virtude de o pagamento do IVA referente ao 2º trimestre de 2014 ter sido efectuado fora do prazo e, portanto, em violação do disposto nos artigos 27º/1 e 41º/1, B) do CIVA.

III. Nessa sequência, a Arguida, através do seu Técnico Oficial de Contas, remeteu ao referido Serviço de Finanças a comunicação constante do DOC. Nº 4 junto com a petição de recurso judicial da decisão de aplicação de coima, a qual não mereceu qualquer resposta por parte da autoridade tributária.

IV. Através de notificação recebida em 04/12/2014 (cfr. DOC. Nº 5 junto com a petição de recurso judicial da decisão de aplicação de coima), a Arguida foi notificada para apresentar defesa ou proceder ao pagamento da coima pelo mínimo, mínimo esse que ascendia, então, a € 3.865,61 (três mil oitocentos e sessenta e cinco euros e sessenta e um cêntimos), acrescida do valor de € 38,25 (trinta e oito euros e vinte e cinco cêntimos) referente a custas do processo, num total de €3.903,86.

V. A Arguida apresentou defesa, o que fez por carta registada remetida ao Serviço de Finanças de Lisboa -2 em 12 de Dezembro de 2014 (cfr. DOC. Nº 6 junto com a petição de recurso judicial da decisão de aplicação de coima), não tendo uma vez mais sido a mesma merecedora de qualquer resposta;

VI. A Arguida foi notificada, em 07 de Janeiro de 2015, da decisão de aplicação de uma coima pela Autoridade Tributária e Aduaneira (Serviço de Finanças Lisboa - 2), coima essa no montante de €3.912,00 acrescida de custas processuais no montante de €76,50 e referente ao processo de contra-ordenação nº 32472014060000361129;

VII. Nos termos do nº 1 artigo 27º do CIVA, os sujeitos passivos de IVA enquadrados no regime normal trimestral devem efectuar o pagamento do imposto no prazo previsto no artigo 41º do mesmo código, ou seja, no caso da arguida, nos termos da alínea b) do nº 1 do citado artigo (até ao dia 15 do 2º mês seguinte ao trimestre do ano civil a que respeitam as operações).

VIII. Apesar das dificuldades técnicas encontradas, a Arguida conseguiu proceder à entrega da declaração periódica de imposto no prazo legalmente previsto para o efeito, designadamente no ultimo dia do referido prazo, nos termos do DOC. Nº 7 junto com a petição de recurso judicial da decisão de aplicação de coima, mas quando tentou proceder ao pagamento do imposto devido, imediatamente após ter entregue a declaração e durante as horas que se seguiram, a Arguida foi confrontada com a impossibilidade de o fazer, porquanto a referencia constante da nota de liquidação do imposto não era reconhecida, antes se obtendo a informação de "referencia inválida".

IX. A Arguida efectuou diversas tentativas de pagamento, tendo todas elas resultado frustradas com a informação "referência inválida", apenas tendo conseguido efectuar o pagamento no dia subsequente ao termo do prazo por só nessa data a referência ter sido aceite pelo sistema de pagamento - DOC. Nº 8 junto com a petição de recurso judicial da decisão de aplicação de coima.

X. O prazo para entrega da declaração periódica e para pagamento do imposto em causa terminava no dia 18 de Agosto de 2014 (porquanto o dia 15 de Agosto foi dia feriado e os dias 16 e 17 desse mesmo foram respectivamente sábado e domingo, pelo que nos termos legais o referido prazo se transferiu para o dia útil imediatamente seguinte, in casu o dia 18 de Agosto.

XI. A Arguida tentou por diversas vezes efectuar o pagamento no dia 18 de Agosto, sempre sem sucesso, tendo apenas conseguido efectuar o mesmo no dia subsequente, logo pela manhã, conforme decorre do citado DOC. Nº 8.

XII. Contrariamente ao alegado pela Recorrente, é entendimento da doutrina e da jurisprudência a aplicabilidade do artigo 279º do CC;

XIII. Na verdade, e conforme resulta, entre outros, do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 08/10/2014 - Processo nº 0548/14, in www.dgsi.pt,

"É doutrina uniforme deste Supremo Tribunal que, o prazo que termine num sábado se transfere para o dia útil seguinte, por se dever fazer uma interpretação actualista do disposto no art. 279º, al e), 1ª parte, do Código Civil, cfr., entre outros, os acórdãos datados de 28/11/2007, 23/01/2008 e 16/04/2008, respectivamente recursos, n.ºs 0533/07, 0701/07 e 0846/07.

No essencial, a argumentação deste STA tem sido a seguinte: A alínea e) do art. 279.º do Código Civil estabelece que «o prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e dias feriados são equiparadas as férias judiciais, se o acto sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo».

(...)

Isto é assim para todos os prazos, sem razão para excluir o prescricional, de acordo, aliás, com o artigo 296.º do mesmo diploma, que estabelece serem «aplicáveis, na falta de disposição especial em contrário, aos prazos e termos fixados por lei», as regras do artigo 279º.

(...)

A alínea em análise nada prevê relativamente ao termo do prazo que ocorra ao sábado. Todavia, deve interpretar-se a norma, quando se refere aos domingos e feriados, como incluindo os sábados, ou seja, todos os dias não úteis. Assim entendeu, em jurisprudência já do ano corrente, este Tribunal', nos processos nºs 360/07, 359/07, 613/07 e 538/07, de 20 de Junho, 5 de Julho, 10 de Outubro, e 17 de Outubro, respectivamente.

O Código Civil foi aprovado pelo Decreto-Lei nº 47344, de 25 de Novembro de 1996, para vigorar a partir de 1 de Junho de 1967, como se dispõe no nº 1 do seu artigo 2º. Nesse tempo, a vulgarmente chamada «semana inglesa» não estava generalizada, e muito menos a «semana americana». Ou seja, o sábado era um dia útil, ou, ao menos, parte dele. Os tribunais só a partir de 1980 passaram a encerrar ao sábado, por determinação do artigo 3º da Lei nº 35/80, de 29 de Julho. Assim, o legislador, ao determinar a transferência do termo do prazo de prescrição para um dia útil, quando este termo caísse em dia não útil, identificando como tais os domingos e feriados, exprimiu o mesmo que, se fosse hoje, significaria com uma referência aos sábados, domingos e feriados (veja-se o artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil). Como, aliás, fez em 1985, ao alterar o Código de Processo Civil, cujo artigo 145º aludia, na versão inicial, apenas, aos domingos e dias feriados. Não se vê agora razão para divergir desta doutrina que se tem consolidado ao longo dos anos.

Também na situação concreta dos autos, o acto jurídico/material a praticar pelo interessado deveria ser perante um oficial público, sendo certo que não é regra, que os notários prestem os seus serviços ao sábado. A generalidade dos serviços estaduais e municipais, bem como a maioria das empresas, encontram-se encerrados ao sábado, apenas funcionando com regularidade o comércio, da parte da manhã, considerando- se, por essa razão, um dia não útil.

E, portanto, é com este sentido, que deve ser interpretado o disposto naquele artigo 279º, al. e), 1ª parte, do CC, ou seja, considerando também o sábado como um dia não útil, tal como o domingo e os dias feriados, cfr. a respeito da interpretação da lei com um sentido actualista, João Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 2013, págs. 190 e 191.

XIV. Não assiste, assim, razão à Recorrente, no que se refere ao prazo de entrega da declaração.

XV. Não é verdade que a arguida não tenha informado o serviço de finanças que o imposto devido já se encontrava liquidado: a arguida informou, designadamente através do email que constitui o já referido DOC. 4 e mesmo que não tivesse informado a Recorrente sabia, até porque tem acesso obviamente a essa informação, através do seu sistema informático. E tanto sabia que na notificação a que se refere no ponto 14 das suas alegações (que constitui o DOC 5 já referido) consta que o imposto devido foi liquidado e que nada há a pagar a título de imposto...

XVI. Não é igualmente verdade, diga-se uma vez mais, o alegado no ponto 15 das alegações da Recorrente, como resulta da mera confrontação com o DOC. 6 junto com a petição de recurso judicial da decisão de aplicação de coima...

XVII. Assim, perante toda a factualidade exposta, tendo a declaração sido entregue em tempo sendo a causa do atraso de pagamento alheia à Arguida e tendo o imposto sido pago no dia imediatamente subsequente ao termo do prazo, a Arguida não pode concordar com a aplicação de uma coima pelo atraso de um dia (na verdade de 10 horas) no pagamento, muito menos com a aplicação de uma coima no valor acima referido.

XVIII. A aplicação de uma coima no valor global de €3.9.12,00 é manifestamente injusta e desproporcionada, mesmo que estivéssemos na presença de uma actuação negligente da Arguida (o que não foi o caso, conforme exposto) uma vez que o atraso foi de um único dia!

XIX. Acresce que, contrariamente ao invocado pela Recorrente, da situação exposta não decorreu qualquer prejuízo para a receita tributária, uma vez que o imposto foi liquidado no dia subsequente.

XX. Perante esta factualidade entendeu, e bem, o Tribunal a quo ao decidir, como decidiu que estão reunidas as condições e requisitos legais para dispensa da coima, nos termos do artigo 32º/1 do RGIT e que, de acordo com os princípios da culpa e da proporcionalidade, é desproporcional aplicar uma coima, nos casos em que o atraso do pagamento da prestação é muito curto e em que a situação foi regularizada mediante o pagamento.

TERMOS EM QUE,

Deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo- se a douta Sentença Recorrida.»


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Do despacho proferido pela Exmª Srª Juíza Relatora, em 03 de abril de 2024, notificado às partes, veio a Recorrida pronunciar-se nos seguintes termos:
«1. Em 07 de Janeiro de 2015, a ora Recorrida foi notificada da decisão de aplicação de uma coima pela Autoridade Tributária e Aduaneira (Serviço de Finanças Lisboa – 2), referente ao processo de contra-ordenação nº 32472014060000361129;
2. A infracção imputada à recorrida, melhor identificada nos autos, refere-se ao pagamento fora do prazo do IVA referente ao 2º trimestre de 2014, prevista e punida nos termos dos artigos 27º/1 e 41º/1, b) do CIVA ;
3. Conforme dispõe o artigo 33º, n.º 1 do RGIT, o procedimento por contra-ordenação extingue-se, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática do facto sejam decorridos cinco anos,
4. sendo que o artigo 33º/3 do RGIT remete para a aplicação das normas sobre suspensão e interrupção da prescrição do processo contra-ordenacional previstas no regime geral do ilícito de mera ordenação social (RGCO - Decreto-Lei n.º 433/82).
Ora,
5. De acordo com a matéria vertida nos autos, apenas se vislumbra a existência de um vector suspensivo do prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional, de 6 meses e previsto no artigo 27ºA, n.º 1, al. c) e n.º 2 do RGCO;
6. E, por força do disposto no art.º 28º/3 do RGCO, aplicável às infrações tributárias por via da al. b) do art.º 3 do RGIT, a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.
7. Considerando que o prazo total decorrido desde a prática da infracção (Agosto de 2014) é de 9 (nove) anos e 8 (oito) meses,
8. resulta evidente que, ressalvado o tempo de suspensão (6 meses), o procedimento contraordenacional se encontra prescrito desde Agosto de 2022.
9. Consequentemente, e para os devidos efeitos legais, invoca a Recorrida a excepção peremptória de prescrição do procedimento contra-ordenacional, devendo em consequência proceder-se ao arquivamento dos presentes autos.»
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O DMMP junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
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Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul para decisão.

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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«Consideram-se provados os seguintes FACTOS, de acordo com a prova documental que se encontra junta aos autos, id. em cada uma das alíneas infra:

a) Em 20/12/2014, foi proferida decisão pelo chefe de serviço de finanças de Lisboa-2, em sede do processo de contra-ordenação, que na fase administrativa possuía o n.º 32472014060000361129, que condenou a ora recorrente na coima de € 3.912,00 (três mil, novecentos e doze euros) pela prática da contra-ordenação, prevista no artigo 27.º, n.º1 e 41.º, n.º1, alínea b) do CIVA e punida pelo artigo 114.º, n.º2 e n.º5 alínea a) e 26.º, n.º4 do RGIT - falta de entrega da prestação tributária dentro do prazo - decisão de fls. 8 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzida para todos os efeitos legais.

b) O termo do prazo para cumprimento da obrigação de imposto, id. na alínea antecedente, terminava em 17/08/2014 e a sociedade recorrente efectuou o pagamento da totalidade do imposto de IVA, no valor de € 12.885,39 em 19/08/2014, isto é no dia seguinte citada decisão administrativa.»


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Factos não provados

«Não há factos não provados com relevância para as questões que cumpre apreciar.»


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Motivação da decisão de facto

A sentença recorrida nada refere quanto a motivação


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- De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Ora, lidas as conclusões das alegações de recurso, resulta que cumpre, antes de mais, conhecer da questão da prescrição do procedimento contra-ordenacional, por se tratar de causa extintiva de conhecimento oficioso e que precede o conhecimento do mérito da causa, e que, a lograr provimento, torna inútil a apreciação de qualquer outra questão invocada em sede de recurso.

Vejamos, então, se já se completou o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional, nos termos invocados pela Recorrida.

Está em causa nos presentes autos o processo de contra-ordenação, que na fase administrativa possuía o n.º 3247.2014/060000361129, no âmbito do qual foi a ora Recorrida condenada no pagamento de coima no valor de € 3.912,00 (três mil, novecentos e doze euros) pela prática da contra-ordenação prevista nos artigos 27.º, n.º1 e 41.º, n.º1, alínea b) do CIVA e punida pelo artigo 114.º, n.º2 e n.º5 alínea a) e 26.º, n.º4 do RGIT - falta de entrega da prestação tributária dentro do prazo.

Seguiremos de perto o Acórdão do STA de 02/02/2022, proferido no âmbito do processo nº 03/16.3BESNT, do qual recuperamos o seguinte:

“(…) Jurídico-conceptualmente a prescrição do procedimento contra-ordenacional é configurada como excepção peremptória (pressuposto processual negativo) de conhecimento oficioso em qualquer momento do processo, até à decisão final (cfr., em conjunto e conjugadamente, os artºs.35º e 193º, al.b), do C.P.Tributário, e 27º, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo Dec.Lei nº 433/82, de 27/10 e o artº.33, do R.G.I. Tributárias), que obsta ao julgamento da matéria de fundo e dá origem ao arquivamento dos autos (cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, pág.1123 e seg.; Manuel Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, III, pág.14; M. Leal-Henriques e M. Simas Santos, C.Penal Anotado, Rei dos Livros, 1995, 1º.volume, pág.826 e seg.).

Hodiernamente, o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional está prognosticado no artº.33º, do R.G.I.T., norma que mantém no seu nº.1 o prazo geral de cinco anos, já consagrado no anterior artº.119º, da L.G. Tributária, tal como no artº.35º, do C.P. Tributário, no que tange às contra-ordenações fiscais não aduaneiras.

(…) reportando-se o caso sub judice ao prazo de prescrição de contra-ordenação, por falta de pagamento do IVA dentro do prazo, é entendimento jurisprudencial uniforme que os prazos de prescrição do procedimento por contra-ordenação tributário previstos no artigo 33.º do RGIT, acrescidos de metade, nos termos do n.º 3 do artigo 28.º do DL n.º 433/82, aplicável ex vi do n.º 3, do mesmo artigo 33.º, constituem os prazos máximos de prescrição do procedimento contraordenacional, que, por isso, são sempre aplicáveis a todos os procedimentos, ainda que tenha havido interrupção desse prazo.

Pontificam, a esse propósito, entre muitos, os Acórdãos do STA de 12/12/2018, Proc. nº 0367/14.3BELRA, de 20/12/2017, Proc. nº 084/17, de 20/12/2017, Proc. nº 0224/17, de 19/09/2007, Proc. nº 0453/07, de 30/04/2019, Proc. nº 0679/11.8BEALM e de 20.05.2020, Proc. nº 1901/15.7BELRA.

Por outro lado e no tangente à contra-ordenação fiscal prevista e punida pelo artigo 114.º, n.ºs 2 e 5, alínea a), do RGIT, o prazo prescricional geral de cinco anos é reduzido para o prazo de caducidade do direito à liquidação do IVA, ou seja, quatro anos (cf. artigo 45.º, n.ºs 1 e 4, na redacção que foi conferida a este último pela Lei n.º 32-B/2002, de 31 de Dezembro, ex vi artigo 94.º, n.º 1, do Código do IVA e do artigo 33.º, n.º 2, do RGIT).
Em vista do caso concreto, há, pois, que atentar no que se determina no nº.2, do artº.33, do R.G.I.T., ao instituir um prazo especial idêntico ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação.
No entanto, a fórmula utilizada no nº.2 do referido artigo, ao indicar a dependência da infracção relativamente à liquidação da prestação tributária, não traduz esta ideia pois a infracção depende da liquidação da prestação tributária sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção aplicável deriva do valor daquela prestação, pois é a liquidação o meio de determinar este valor. Neste sentido, casos em que a existência da contra-ordenação depende da liquidação da prestação tributária são os previstos nos artºs.108, nº.1, 109, nº.1, 114, 118 e 119, nº.1, todos do R.G.I.T. (cfr. Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.323 a 325).

Em todo o caso, é enquadrável no prazo de prescrição previsto no artº.33, nº.2, do R.G.I.T., a infracção tributária que deriva da violação do regime de autoliquidação e pagamento do I.V.A., enquadrável em termos de responsabilidade contra-ordenacional no artº.114, do R.G.I.T.
E a fixação do prazo de prescrição reduzido implica que se determine qual é o prazo de caducidade do direito à liquidação, para tanto devendo levar-se em consideração o regime previsto no artº.45, da L.G.Tributária, reiterando-se que é aplicável também ao prazo previsto no artº.33, nº.2, do R.G.I.T., a regra consagrada no artº.28, nº.3, do R.G.C.O.C. (“ex vi” do artº.3, al.b), do R.G.I.T.), na qual se estabelece que a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido a totalidade do mesmo prazo acrescido de metade (cfr.artº.121, nº.3, do C.Penal).

É que no artº.33º, nº.3, do R.G.I.T., remete-se para a aplicação das normas sobre suspensão e interrupção da prescrição do processo contra-ordenacional previstas no R.G.C.O.C. O curso da prescrição pode ser suspenso e interrompido. Há suspensão quando o tempo decorrido antes da verificação da causa de suspensão conta para a prescrição, juntando-se, portanto, ao tempo decorrido após essa causa ter desaparecido (cfr.artº.120, nº.3, do C. Penal). A suspensão impede que o prazo da prescrição decorra enquanto se mantiver a causa que a determinou. Inversamente, verifica-se a interrupção quando o tempo decorrido antes da causa de interrupção fica sem efeito, devendo, portanto, reiniciar-se a contagem de um novo período logo que desapareça a mesma causa (cfr.artº.121º, nº.2, do C. Penal). Quer dizer, a interrupção anula o prazo prescricional entretanto decorrido (cfr. Ac.S.T.A.-2ª.Secção, de 19/9/2007, Proc.453/07; Ac. S.T.A.-2ª.Secção, de 26/9/2007, Proc.518/07; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.327; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral, 6ª. edição, 2011, Áreas Editora, pág.261).
Volvendo ao caso dos autos, porque o IVA de Outubro de 2013
[aqui 2014] deveria ter sido entregue até 10 de Dezembro de 2013 [aqui 18/08/2014], é nesta data que a questionada infracção se considera praticada por omissão e que tem início a contagem do prazo prescricional de quatro anos (cf. artigos 5.º, n.º 2, e 33.º, n.ºs 1 e 2, do RGIT e artigos 27.º, n.º 1, e 41.º, n.º 1, alínea a), do Código do IVA, na redacção então em vigor).

Extrai-se do acabado de expor, que o prazo de prescrição capitula dentro do nº 2 do art. 33º do RGIT, ou seja o prazo consagrado no nº 1 do art. 45º da LGT – 4 anos, sendo de realçar que a prescrição do procedimento contraordenacional tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade, ou seja, conquanto a respectiva suspensão pudesse ter lugar, esta não poderia ultrapassar os seis meses (cf. artigo 27.º-A, n.º 2, do RGCO, ex vi artigo 3.º, alínea b), do RGIT).

Nessa óptica, é inelutável que o procedimento contraordenacional fiscal prescreveu em 10 de Junho de 2020 [aqui 18/02/2021], em rigor, seis anos e seis meses após o seu início (10 de Dezembro de 2013) [aqui, 18/08/2014], (…) e independentemente da verificação de factos interruptivos e suspensivos, o procedimento contraordenacional é forçosamente extinto por prescrição. (…)”


Vejamos, agora, se já ocorreu a prescrição do procedimento no caso dos autos.

Atendendo à data da prática da infracção – 18/08/2014 - e aplicando-se o prazo máximo supletivo de prescrição, acrescido de metade, ou seja, na presente situação de seis anos (4+2), acrescidos dos 6 meses de suspensão, o prazo prescricional consumou-se em 18 de Fevereiro de 2021.

Conclui-se, pois, à luz dos citados preceitos legais, que o procedimento contra-ordenacional se encontra integralmente prescrito.

Encontrando-se prescrito o procedimento contra-ordenacional relativo à infracção objecto dos presentes autos, verifica-se excepção peremptória que determina a extinção do procedimento contra-ordenacional e obsta à apreciação da matéria de fundo, ficando, assim, prejudicado o conhecimento das demais questões invocadas.

Relativamente às custas, declarado extinto o procedimento de contra-ordenação por prescrição, inexiste condenação da Arguida, não sendo, por isso, devidas custas processuais por esta.

Por outro lado, não estando previsto que o Ministério Público suporte as custas, por ser entidade isenta do seu pagamento, e inexistindo norma no regime legal de custas aplicável em processo de contra-ordenação tributária que preceitue a condenação da Autoridade Tributária, na presente lide não haverá condenação em custas.


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IV. DECISÃO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contra-ordenacionais deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, e, em consequência, julgar extinto o processo de contra-ordenação nº 3247.2014/060000361129, por prescrição.

Sem custas.

Registe.

Notifique.

Lisboa, 10 de Outubro de 2024



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(Isabel Vaz Fernandes)

(Hélia Gameiro Silva)

(Susana Barreto)