Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:26086/24.4BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:05/15/2025
Relator:JOANA COSTA E NORA
Descritores:REPRODUÇÃO DE DOCUMENTOS
MEIO DE PROVA
ENUNCIAÇÃO DE FACTOS
IRRELEVÂNCIA DA ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
OBRIGAÇÃO DE ENCAMINHAMENTO
DESPEJO
Sumário:I - Sendo os documentos meios de prova de factos, os factos provados com base em documentos devem ser discriminadamente enunciados, não correspondendo a reprodução do teor de um documento à enunciação de factos.
II - Estando escrito na matéria de facto fixada na sentença que consta de um documento que a ocupação de habitação municipal se deu em determinada data, tal não constitui a enunciação do facto de que tal ocorrência se deu nessa data.
III - A determinação da data da ocupação do fogo por parte do autor é irrelevante para a decisão do recurso porquanto o que o recorrente põe em causa é apenas que tenha sido cumprida a obrigação de encaminhamento “para soluções legais de acesso à habitação ou para prestação de apoios habitacionais”, nos termos do n.º 6 do artigo 28.º da Lei n.º 81/2014, de 19 de Dezembro.
IV - O incumprimento da obrigação de encaminhamento prevista no n.º 6 do artigo 28.º da Lei n.º 81/2014, de 19 de Dezembro, não afecta a legalidade do acto de despejo, na medida em que este acto é um pressuposto da obrigação de encaminhamento, sendo anterior à mesma.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

Acordam, em conferência, os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul:


I – RELATÓRIO

R… instaurou processo cautelar contra o MUNICÍPIO DE LISBOA e a GEBALIS – GESTÃO DO ARRENDAMENTO DA HABITAÇÃO MUNICIPAL DE LISBOA, E.M., S.A., pedindo a intimação das entidades requeridas a absterem-se de criar obstáculos ou impedir o normal uso da casa sita na Rua R…, Lote …, 1ºDtº, em Lisboa, para o fim a que se destina (habitação própria e exclusiva), pelo requerente, até que seja celebrado um contrato de arrendamento desta ou de outra qualquer habitação com as requeridas.
Pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa foi proferida sentença que, antecipando o juízo sobre a causa principal, nos termos do n.º 1 do artigo 121.º do CPTA, julgou a acção improcedente, absolvendo as entidades demandadas do pedido deduzido, consubstanciado na anulação do despacho proferido pela vereadora do pelouro da habitação, que aprovou a desocupação, por parte do autor, do fogo municipal sito na Rua R…, lote …, 1.º direito, Bairro d…, em Lisboa, bem como no reconhecimento do direito do autor a celebrar um contrato de arrendamento de habitação social com as entidades demandadas, intimando-as a absterem-se de perturbarem o gozo do locado até que tenha lugar a efectiva celebração do contrato de arrendamento.
O requerente interpôs o presente recurso de apelação, cujas alegações contêm as seguintes conclusões:
“1ª
O Recorrente, a companheira, e os três filhos, dois menores com apenas 5 e 2 anos de idade tal como Doc. 1 que se junta, habitam na sua atual habitação desde Julho de 2018, por terem sido despejados verbalmente pelos progenitores da antiga habitação não sendo possível continuar a residir com estes pois estes proibiram-no de voltar a lá ir, tendo como alternativa habitacional irem morar ao relento!

O Recorrente, a companheira, e os três filhos, dois menores com apenas 5 e 2 anos de idade tal, aqui entraram em puro desespero e em severo estado de necessidade para salvaguardar a vida pois não podiam habitar ao relento! No próprio dia da entrada o Recorrente informou as Recorridas e estes garantiram que iram encaminhar este agregado, mas não podiam esperar eternamente! A casa estava devoluta há largos anos! E as Recorridas nada fizeram! Se assim não fosse, estariam a residir ao relento!

O Recorrente já está inscrito para os concursos de habitação social desde que pode, mas as Recorridas e as Assistentes Socias têm conhecimento da situação do agregado familiar do Recorrente, garantiram que a situação iria ser resolvida, mas nada fizeram. Para mais, o Recorrente indagou as Recorridas sobre o destino das suas candidaturas ao longo dos últimos anos tendo esta respondido que tinha azar que não foi atribuída qualquer habitação apesar de vários vizinhos do Recorrente que estão mesma situação foram realojados e para mais encontraram-se centenas de fogos devolutos! Como era o caso da atual habitação que se encontrava devoluta!

Atualmente, o agregado familiar é composto pelo Recorrente, a companheira, e os três filhos menores com apenas 5 e 2 anos de idade.
Contradição insanável entre os factos provados C) G) e H) com os factos I) e J)

Na medida em que os primeiros por relatório de notificação elaborado em 6 de Julho de 2023 e com base em documentação junta pelo Recorrente deram como provado que o Recorrente e o seu agregado familiar aqui residem desde julho de 2018.

Contrariamente ao suportado pelo factos dados como provados I) e J) que têm como dada inicial da residência do Recorrente apenas em ser posterior a setembro de 2021.

Logo os facto dados como provados I) e J) estão em contradição insanável com os factos dados como provados C), G) e H) na medida em que têm como entrada na habitação datas com 3 anos de intervalo. Mais, é de mister importância dar-se como provada a entrada anterior a Setembro de 2021 pois que, deste modo, eram os Recorridos obrigados a dar cumprimento às deliberações 855/A/CM/2022 e 855/CM/2022, o que nunca fizeram! Com base em tais deliberações, dezenas de agregados familiares que viviam, vivem e continuam a viver em casa sociais geridas pela GEBALIS, e assim permaneciam até Maio de 2021, viram a sua situação locaticia regularizada com a assinatura de contratos e pagamento de rendas nos valores médios de 10€.

É precisamente contra essa discriminação que o Recorrente não se conforma, pois que foi convidado a entregar toda a documentação à semelhança dos vizinhos e ainda hoje não sabe a que se deveu a mudança de atitude por parte da Exma. Vereadora do Pelouro da Habitação que não pode pautar a sua atuação com base em critérios discricionários; subjetivos e discriminatórios pois que a igualdade de tratamento impunha que o Recorrente também tivesse sido comtemplado com um contracto de arrendamento, ou seja, tem o recorrente o direito potestativo à celebração de tal contracto, não se podendo pura e simplesmente remeter para uma ocupação quando todas as ocupações passaram a ser qualificadas como situações legais e merecedoras de contrato de arrendamento.

Aliás, sustentar-se que o circunstancialismo em concreto poderia dar origem à atribuição de duas habitações e não apenas uma, não corresponde à verdade pois que a companheira do Recorrente foi colocada na rua com 2 filhos menores, não tendo sequer a possibilidade de vir a acontecer duas atribuições de habitação.
10ª
Trata-se de uma questão que não tem qualquer correspondência com a realidade, verificando-se até um abuso de direito quando a entidade gestora invoca um fundamento para excluir a atribuição do Reconhecimento do direito ao arrendamento com base numa situação que não tem qualquer correspondência com a realidade no que se denominada de erros sobre os pressupostos de facto. Que assim inquina o ato administrativo do vicio de violação de lei.
11ª
Acresce ainda que está dado como assente, nos fatores de atribuição que o Recorrente é pai solteiro, mas o que não se compreende é a razão porque esse facto não merece a correspondente ponderação positiva para efeitos de atribuição do direito de habitação.
12ª
A fundamentação inquinada de contradição insanável, como é o caso, determina igualmente a nulidade do indeferimento com base em erro sobre os pressupostos de direito.!
13ª
De fato a ordem de despejo das Recorridas, coloca a Recorrente numa verdadeira situação de carência habitacional pois que as Recorridas, com o ato suspendendo, encontram-se a violar o disposto no 28º, n.º 6 da Lei 81/2014, na redação da Lei 32/2016, 13.º da Lei 83/2019, de 3/9 (Lei de bases da habitação), e artigos 3.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 89/2021, de 3/11), pois que, perante o despejo não foi existiu um reencaminhamento efetivo do Recorrente para uma outra alternativa habitacional.
14ª
Para mais, a Recorrente para chegar a esta conclusão o tribunal de 1ª instância decidiu, sem produzir a prova testemunhal arrolada, bem como das declarações de parte que iram ser requeridas pela Recorrida e explicariam toda esta situação. Baseando-se assim em premissas erradas para chegarem a esta conclusão!
15ª
Não estamos perante uma ocupação nem uma situação abusiva e muito menos ilegal pois perante as deliberações do Município de Lisboa este agregado teria direito a ver a sua situação regularizada.
16ª
Continua o Recorrente aguardar que lhe seja satisfeito o pedido de inclusão no agregado familiar.
17ª
Ainda hoje não compreende a razão da discriminação das Recorridas a qual só pode basear-se na falta de rendimento quando se encontra desempregado. De facto, a habitação social é para entregar e maioritariamente para manter em quem dela careça.
18ª
Se passarem a residir ao relento os perigos e riscos agravam-se todos os dias!
19ª
Desde há vários anos atras que o Recorrente tem feito tudo para que junto das Recorridas lhe fosse regularizada a situação visto que quer pagar as rendas e passem a fazer constar da ficha deste agregado familiar.
20ª
Temendo pela dignidade e integridade da sua família, temem pelo eminente despejo tal como outros exemplos da sua família e amigos que foram despejados, foi o seu agregado familiar a terem de pernoitar ao relento, sem proceder aos tramites impostos por lei do reencaminhamento para outras entidades competentes.
21ª
O Recorrente não tem possibilidades económicas que lhes permitam arrendar uma casa.
22ª
Se as Recorridas não se dignarem incluir o Recorrente nesta ficha, a sobrevivência do agregado familiar estará grave e irremediavelmente afetada.
23ª
Nos termos do disposto no artº 65ºnº 1 da CRP todos têm direito para si e para sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.
24ª
Se as Recorridas não se dignarem fixar o valor da renda ao Recorrente, dentro dos parâmetros legais a sobrevivência do agregado familiar estará grave e irremediavelmente afetada, nomeadamente a vida e o bem-estar dos filhos do Recorrente!
25ª
O Tribunal não se pronunciou quanto à ilegalidade do despejo pois que baseou-se em fatos distintas da realidade, pois que de fato o Recorrente não ter qualquer alternativa habitacional e ter dois filhos menores, devendo este ter-se pronunciado sobre a mesma!
26ª
Tal disposição tem como sujeito passivo o Estado e naturalmente que incumbindo-lhe competências quer para gerir um parque habitacional perfeitamente delimitado. Logo, a notificação da Recorrida no que respeita à omissão culposa da regularização da situação não só era oportuna como perfeitamente ilegal ao abrigo da CRP.
27ª
Foi indevidamente julgado no Tribunal de 1ª instância que que não se encontra verificado o requisito do fumus bonus iuris, conforme estabelecido no artigo 120.º, n.º 1 do CPTA.
28º
O Recorrente sustenta que, ao não indicar qualquer alternativa habitacional, o Recorrido se encontra a violar o disposto no artigo 28.º, n.º 6, da Lei n.º 81/2014, de 19.12, bem como o artigo 13.º, n.º 4 da Lei de Bases de Habitação.
29º
De acordo com a primeira daquelas disposições, aplicável ex vi artigo supracitado artigo 35.º, n.º 4, da mesma Lei n.º 81/2014, “Os agregados alvos de despejo com efetiva carência habitacional são previamente encaminhados para soluções legais de acesso à habitação ou para prestação de apoios habitacionais”.
30º
Já o segundo comando legal elencado, por sua vez, preceitua que “O Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais não podem promover o despejo administrativo de indivíduos ou famílias vulneráveis sem garantir previamente soluções de realojamento, nos termos definidos na lei, sem prejuízo do número seguinte”, sendo que “Em caso de ocupação ilegal de habitações públicas, o despejo obedece a regras procedimentais estabelecidas por lei”.
31º
Isto visto, quanto a esta matéria, o acórdão do TCA Sul de 20-10-2022, proc. 1012/22.9BELSB, disponível para consulta em www.dgsi.pt, procedeu à análise do bloco normativo aplicável (em situação com identidade factual à dos presentes autos), com grande profundidade e amplitude, pelo que se segue de perto o aresto aludido (no tocante à análise normativa).
32º
Ora, o Recorrente enquadra-se nesta concreta classificação, na medida em que mesma não detém qualquer outra habitação, a que título for (proprietária, arrendatária, comodatária ou outro), ou seja, não tem alternativa habitacional e, além disso, está em claro risco de doença, por força de decisão que determinou a desocupação do imóvel.
33º
Assim, as Recorridas não poderiam ordenar a desocupação sem mais, pois teria de encaminhar, previamente, o Recorrente (rectius, o seu agregado familiar) para uma solução habitacional, ainda que transitória, não sendo admissível a ordem de desocupação tout court.
34º
O Recorrente tem o direito a ser encaminhado para (outra) solução habitacional, sendo incumbência dos Recorridos salvaguardar que o Recorrente e o seu agregado são acomodados em habitação condigna (ainda que temporariamente, reiterasse), e isso não foi feito pelas Recorridas, uma vez que o ato que ordena a desocupação não alude, em qualquer segmento, a eventual encaminhamento do Recorrente para uma solução habitacional.
35ª
Nos termos do artigo 28.º da Lei n.º 6 da Lei 81/2014, “os agregados alvos de despejo com efetiva carência habitacional são previamente encaminhados para soluções legais de acesso à habitação ou para prestação de apoios habitacionais”. Igualmente, nos termos do disposto no artigo 13.º da Lei 83/2019 (Lei de Bases da Habitação), se constata que as autarquias locais não podem promover o despejo administrativo de indivíduos ou famílias vulneráveis sem garantir previamente soluções de realojamento.
36º
Até porque, relativamente ao despejo de agregados com carência habitacional, dispõe o n.º 4 do artigo 4.º do DL n.º 89/2021, de 3/11, que o município deve encaminhar ou assegurar a implementação de uma solução de alojamento temporário destas famílias, em articulação com o Instituto da Segurança Social, I. P. (ISS, I. P.), e o IHRU, I. P., no âmbito das respetivas competências, o que, como vimos, não foi feito no caso dos autos.
37º
Assim sendo, o vício de violação de lei imputado ao ato que levou ao despejo do Recorrente e do seu agregado, num juízo perfunctório, afigura-se que procede em sede de ação principal por vício de violação de lei (violação do disposto nos artigos 28º, n.º 6 da Lei 81/2014, na redação da Lei 32/2016, 13.º da Lei 83/2019, de 3/9 (Lei de bases da habitação), e artigos 3.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 89/2021, de 3/11).
38º
Assim, numa análise perfunctória, própria do processo cautelar, pode concluir-se que esta causa de invalidade imputada ao ato será, muito provavelmente, julgada procedente, o que só por si determinará a anulação do ato impugnado podendo, pois, afirmar-se, sem necessidade de mais indagações e de análise das outras causas de invalidade suscitadas contra o ato, que é muito provável que a ação principal venha a ser julgada procedente.
39º
Mostra-se, assim, preenchido o requisito do fumus bonus iuris necessário ao decretamento de uma providência cautelar – é provável que a pretensão formulada no processo principal venha a ser julgada procedente.
40º
Ora, interpretando a causa de pedir que sustenta o pedido, verifica-se que o pedido em causa se reporta ao decretamento provisório da providência cautelar de suspensão de eficácia da decisão de desocupação do imóvel retro aludido.
41ª
A tutela provisória prevista no art. 131º do CPTA destina-se a assegurar o efeito útil do processo cautelar e a evitar que, perante a verificação de uma situação de especial urgência, passível de dar causa a uma situação de facto consumado durante a pendência do processo cautelar, este se mostre infrutífero e incapaz de assegurar a tutela que lhe é própria, qual seja a de evitar a infrutuosidade do processo principal do qual depende.
42ª
O decretamento provisório da providência, nos termos do art. 131º do CPTA, pressupõe que se mostre verificado, através da alegação feita no requerimento inicial, um periculum in mora qualificado, que deve revestir características de irreparabilidade absoluta, de forma a justificar esta tutela provisória. Como é do agravamento, todos os dias do estado de saúde dos seus filhos mais o risco de lhe serem retirados os menores pela CPCJ.
43ª
Neste caso, estando em causa a alegada desocupação do imóvel onde o Recorrente reside e a inexistência de alternativa habitacional, por falta de meios económicos, ao que acresce a alegada debilidade de alguns dos membros do agregado familiar visado, é manifesto que se mostra preenchida a previsão do art. 131º/1 do CPTA, pois que a execução da ordem de despejo, ao determinar que o Recorrente eo seu agregado fiquem desalojados, é passível de gerar prejuízos irreparáveis para os mesmos, ainda que venha a proceder o pedido cautelar, ainda mais, sendo concedido prazo exíguo para o efeito que inviabiliza qualquer solução de procura de alternativa habitacional.
44ª
É quanto basta para que se determine o decretamento provisório da providência cautelar requerida.
45ª
O tribunal de 1ª instância julgou erradamente a existência de alternativa habitacional.
46ª
O Recorrente nada aufere, não tendo qualquer atividade remunerada, não tendo possibilidades económicas que lhes permitam arrendar uma casa.
Nestes termos e nos demais de direito doutamente supridos deve o presente Recurso ser julgado procedente por provado, revogando-se a douta sentença recorrida que em nada julga e conhece das concretas questões colocadas, pois que as frequentes situações de falta de habitação têm sempre na origem falta de recursos; incompreensão dos jovens sobre os critérios de atribuição tudo perante a passividade da CML/GEBALIS que não conseguem atribuir uma habitação condigna a quem dela carece e insiste em fazer tábua rasa das próprias deliberações 855/A/CM/2022 e 855/CM/2022. Condenando-se as Recorridas em custas e condigna Procuradoria.
Como É de JUSTIÇA!”
Notificada das alegações apresentadas, a requerida GEBALIS apresentou contra-alegações, contendo as seguintes conclusões:
1. Por iniciativa do Tribunal, foi decidido antecipar o juízo sobre a causa principal, nos termos do disposto no artigo 121° n°: 1 do CPTA.
2. Assim, a sentença objecto do presente recurso, julgou de mérito a causa principal, absolvendo as Entidades Demandadas dos pedidos
3. O Recorrente não só não impugnou a decisão prévia de antecipação como, não impugna o mérito do julgamento, já que não imputa à sentença nulidades ou erro de julgamento.
4. O Recorrente limita-se a alegar os mesmos factos e as mesmas questões de direito.
5. Não se apercebeu que há uma decisão de mérito, continuando a alegar em termos de procedimento cautelar ( artigos 27°, 37°, 38°, 39°, 41° e 44° das conclusões ).
6. Por isso, nada alega em termos de fundamentos que justifiquem a alteração ou anulação da decisão proferida.
7. Antes, pretende que o Tribunal Superior funcione em 1ª instância, proferindo nova decisão, quando devia saber que os recursos visam a modificação da decisão.
8. Há uma manifesta falta de objecto e uma manifesta desnecessidade e impossibilidade de julgar o presente recurso, por falta de matéria para decidir, sendo o mesmo inútil.
9. O Recorrente não pode ignorar a falta de fundamento e objecto do recurso pois, limita-se a requerer uma nova apreciação da causa.
10. Impõe-se a condenação como litigante de má fé.
Termos em que, deverá ser negado provimento ao presente Recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Deverá, igualmente, o Recorrente ser condenado como litigante de má fé.”
Notificado das alegações apresentadas, também o requerido Município apresentou contra-alegações, contendo as seguintes conclusões:
“1. Nos termos do disposto no nº 2 do Artº 121º do CPTA, o presente recurso da Sentença, proferida sobre o mérito da causa principal, tem efeito meramente devolutivo, o que significa que o ato administrativo, objeto da ação principal, que determinou, sob condição de execução coerciva, a desocupação do fogo municipal, permanece válido e eficaz na ordem jurídica, nada obstando ao despejo imediato do fogo ilegalmente ocupado.
2. Impendia sobre o Recorrente o ónus de indicar nas conclusões do recurso o fundamento específico e o respetivo pedido de alteração ou anulação da Decisão, mas a verdade é que tanto do arrazoado obscuro das alegações, como na titulada “EM CONCLUSÃO”, não logrou o Recorrente imputar à Sentença qualquer erro ou outro vício de julgamento, tanto da matéria de facto como de direito.
3. Conforme resulta dos factos provados na Sentença – C) a H) - julho de 2018 foi a data que o Autor ora, Recorrente declarou, mas sem comprovar no procedimento administrativo, pois, apenas se demonstrou por documento autêntico que tinha o seu domicílio fiscal na referida habitação municipal desde 01-08-2023, pelo que não se provou que residiu na habitação municipal ocupada, em data anterior a 01 de outubro de 2021.
4. Dos factos dados como provados na Sentença, em especial dos factos C) G), H), I) e J), resulta notório que, em 22-08-2018, data da afixação do edital, não foi possível averiguar quem eram os ocupantes abusivos, mas, posteriormente, apenas foi apurado que residia na referida habitação municipal, V… e filhos menores que, ulteriormente, vieram a desocupar o fogo para passarem a residir noutro fogo municipal sito na Rua F…, Lote …, 4º Dtº, Lisboa.
5. Como bem se deu como provado na Sentença sob recurso, o Recorrente é coabitante autorizado no fogo municipal sito na Avenida V…, Lote …, 2º Esq. (3º anexo), Lisboa, pelo que dispondo de casa para habitar, também dispõe de alternativa habitacional.
6. Também a situação socioeconómica e familiar do Recorrente, analisada à luz dos parâmetros das Deliberações nºs 855/A/2022 e 855/CM/2022, aplicando a Matriz do Anexo II do RMDH (condições de acesso a habitação de tipologia adequada e com valores compatíveis com o rendimento de candidatos carenciados, previstas no RMDH), indicou que a pontuação total obtida de 11,05 era inferior ao valor de referência de acesso à
7. E a pontuação obtida, relativa ao parâmetro “carência habitacional” foi de 11,05 pontos, sendo também inferior ao valor de referência (43,07) de acesso à habitação municipal.
8. Ao invés do alegado pelo Recorrente, mesmo que se admitisse que a ocupação ocorreu em 2018, a verdade é que o Recorrido nunca poderia legalizar a ocupação do referido fogo municipal T2, atribuindo-o ao Recorrente, dado que a sua situação sociofamiliar e económica nunca poderia ser subsumível ao conceito de situação de grave vulnerabilidade e carência socioeconómica, ou sequer, de agregado com efetiva carência habitacional.
9. E, apesar disso, a Entidade Recorrida GEBALIS, no exercício das suas competências legalmente atribuídas e, observando o disposto no nº 6, do Artº 28º da Lei nº 32/2016 (e de acordo com a interpretação do STA, no Ac. de 02-05-2024), assegurou o encaminhamento – ativo – do aqui, Recorrente para eventual resposta habitacional do parque habitacional público existente, caso ele venha a demonstrar reunir os respetivos pressupostos legais e regulamentares de elegibilidade.
10. Aderindo inteiramente ao julgado, ora sob recurso, o ato administrativo objeto da Sentença recorrida não poderia ter outro sentido e fundamento, à luz dos normativos ínsitos no Art.º 13º da LBH, artigos 3º e 4º do DL. n.º 89/2021, de 03-11, na versão atualizada (Lei nº56/2023, de 06-10) no Artº 28º e 35º da versão em vigor do Regime Legal do Arrendamento Apoiado para Habitação (Lei nº nº32/2016), nos Pontos 1, 2 e 3 da versão consolidada das Deliberações nºs 855-A/CM/2022 e 855/CM/2022, no Regulamento Municipal do Direito à Habitação (RMDH) e respetivo Anexo II e no Artº 4º, nºs 1, 3 e 7 do Regulamento das Desocupações de Habitações Municipais.
NESTES TERMOS,
e nos demais de Direito que V. Ex.ªs Doutamente suprirão,
Deve o presente recurso, ser julgado totalmente improcedente, por não provado, confirmando-se, em consequência, a Douta sentença, sob recurso, com as legais consequências, assim se fazendo
JUSTIÇA!”
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, nos termos da sentença recorrida.
Sem vistos dos juízes-adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. n.º 2 do artigo 36.º do CPTA), importa apreciar e decidir.


II – QUESTÕES A DECIDIR

As questões que ao Tribunal cumpre solucionar são as de saber se a sentença padece de:
a) Erro de julgamento de facto por contradição insanável entre os factos provados nas alíneas C), G) e H) e os factos provados nas alíneas I) e J) do probatório, devendo dar-se como provado apenas o que resulta dos primeiros;
b) Erro de julgamento de direito por o acto impugnado não indicar qualquer alternativa habitacional nem aludir a eventual encaminhamento do recorrente para uma solução habitacional, em violação da norma do n.º 6 do artigo 28.º da Lei n.º 81/2014, de 19 de Dezembro.


III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida fixou os seguintes factos, que considerou provados:
“A) Em 23 de junho de 2023, a Gebalis elaborou e colocou debaixo da porta/caixa do correio, da fração sita na Rua R…, Lote …, 1.º Direito, Lisboa, um aviso com o seguinte teor:
“(…)

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(…).” (cf. fls. 9, do processo administrativo apenso aos autos, adiante PA);
B) Em 6 de julho de 2023, o Autor recebeu o ofício com referência 2023/1869, do Município de Lisboa e da Gebalis, do qual consta, entre o mais, o seguinte:
“(…)



«Imagem em texto no original»




(…)
(…).” (cf. fls. 7 e 10, do PA)
C) Em 6 de julho de 2023, a Gebalis elaborou o relatório notificação de ocupação, do qual consta que o Autor ocupa a fração sita na Rua R…, Lote…, 1.º Direito, Lisboa, desde julho de 2018, que é o seu único ocupante e que a sua morada anterior à ocupação se localizava na fração sita na Avenida V…, Lote …, 2.º esquerdo, Lisboa (cf. fls. 11 s., do PA);
D) Em 18 de julho de 2023, a Gebalis notificou o Autor para apresentar os seguintes documentos:
“(…)
(…).” (cf. fls. 12, do PA);
E) Em 18 de julho de 2023, o Autor declarou que o seu agregado familiar era composto apenas por si (cf. fls. 14, do PA);
F) Desde 1 de agosto de 2023, o Autor tem domicílio fiscal na Rua R…, Lote …, 1.º Direito, Bairro d…, em Lisboa (cf. fls. 25, do PA);
G) Em 10 de agosto de 2023, o Autor apresentou à Gebalis os seguintes documentos:


(cf. fls. 13 s., do PA);
H) Em 10 de agosto de 2023, o Autor apresentou à Gebalis uma declaração com o seguinte teor:


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(…)

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(…).” (cf. fls. 27, do PA);
I) A Gebalis procedeu à análise da situação do Autor, tendo elaborado informação da qual consta, entre o mais, o seguinte:
“(…)



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(…).” (cf. fls. 35 s., do PA);
J) Em 31 de maio de 2024, a Gebalis enviou uma comunicação, ao Autor, por este recebida em 6 de junho de 2024, da qual consta, entre o mais, o seguinte:
“(…)

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(…)
(…).” (cf. fls. 40 ss., do PA);
K) Em 12 de junho de 2024, a Junta de Freguesia de Marvila emitiu um atestado, do qual consta, entre o mais, o seguinte:
“(…)



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(…).” (cf. fls. 44, do PA);
L) Em 25 de junho de 2024, foi elaborada, pela Gebalis, ata de audiência dos interessados, da qual consta, entre o mais, o seguinte:
“(…)


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(…).” (cf. fls. 41, do PA);
M) Em 8 de agosto de 2024, foi elaborado, pelos serviços da Gebalis, relatório final, do qual consta, entre o mais, o seguinte:
“(…)
(…)






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(…).” (cf. fls. 57 ss., do PA);
N) Em 26 de agosto de 2024, o vogal executivo do Conselho de Administração da Gebalis, com competência subdelegada, exarou despacho no relatório referido na alínea anterior, com o seguinte teor:
“(…)


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(…).” (cf. fls. 63, do PA);
O) Em 2 de setembro de 2024, a Vereadora F… exarou despacho no relatório referido na alínea M), com o seguinte teor: “Aprovo os termos propostos.” (cf. fls. 63, do PA);
P) Em 6 de setembro de 2024, a Gebalis enviou uma mensagem de correio eletrónico, para a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, com o seguinte teor:
“(…)

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(…).” (cf. fls. 68, do PA);
Q) Em 17 de setembro de 2024, a Gebalis enviou uma comunicação, ao Autor, por este recebida em 26 de setembro de 2024, da qual consta, entre o mais, o seguinte:
“(…)


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(…)
(…).” (cf. fls. 69 ss., do PA);
R) O Autor é ocupante autorizado na fração sita na Avenida V…, Lote …, 2.º esquerdo, em Lisboa (cf. fls. 92, no SITAF).
*
Inexistem outros factos com relevância para a decisão.
*
A matéria dada como provada resulta da análise dos documentos constantes dos presentes autos e do processo administrativo, expressamente indicados em cada um dos pontos do probatório.”


IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A. Do erro de julgamento de facto

Alega o recorrente que se verifica contradição insanável entre os factos provados nas alíneas C) G) e H) e os factos provados nas alíneas I) e J) do probatório, na medida em que resulta dos primeiros que o recorrente e o seu agregado familiar residem do fogo em causa desde Julho de 2018, decorrendo dos segundos que tal residência é posterior a Setembro de 2021, devendo dar-se como provado apenas o que consta dos primeiros.
Sobre o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, dispõe o artigo 640.º do CPC, nos seus n.ºs 1 e 2, que deve o mesmo “obrigatoriamente” e “sob pena de rejeição”, especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; e c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Quanto à especificação dos concretos meios probatórios que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.

De todo o modo, a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto só deve ocorrer se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa – cfr. artigo 662.º, n.º 1, do CPC. Com efeito, a impugnação da decisão da matéria de facto não se justifica por si só, desligada da decisão de mérito proferida, sendo instrumental desta, pois que visa alterar a matéria de facto que o Tribunal a quo considerou provada, a fim de alcançar uma diferente decisão de mérito. Assim, se, «por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito", irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a atividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente. Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º.» - cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24.04.2012, proferido no processo n.º 219/10.6T2VGS.C1 (in www.dgsi.pt).
Atentemos no teor das alíneas do probatório a que se reporta o recorrente, pretendendo o mesmo a respectiva eliminação.
A alínea I) reproduz o teor da informação elaborada pela requerida Gebalis sobre a “análise da situação do autor”, quanto à composição e rendimentos do agregado familiar, constando da mesma a data de 01.08.2023 como “data de ocupação declarada”. A alínea J) reproduz o teor da comunicação enviada pela requerida Gebalis ao autor em 31.05.2024, com vista ao exercício de audiência prévia ao despejo, constando da mesma que, “Como data de ocupação comprovada da habitação municipal em análise, foi considerada a data posterior a 30/09/2021”.
Ora, ao contrário do que afirma o recorrente, as referidas alíneas limitam-se a reproduzir o teor de uma informação e de uma comunicação da autoria da requerida Gebalis, das mesmas não resultando factualidade relativa à prova da data concreta da ocupação. Diferentemente, o que se extrai de tais factos é, apenas, que da informação consta como “data de ocupação declarada”, 01.08.2023, e que da comunicação consta que, “Como data de ocupação comprovada da habitação municipal em análise, foi considerada a data posterior a 30/09/2021”.
Com efeito, a “prova como resultado probatório” distingue-se do “meio de prova”: a primeira é a demonstração da realidade de um facto; o segundo é o elemento que permite ao juiz formar a sua convicção “acerca das afirmações de factos feitas pelas partes” – cfr. Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida (in Direito Processual Civil, Volume II, 2.ª Edição, Almedina, 2015, pp. 221 e 222). Nos termos do artigo 362.º do Código Civil, “Prova documental é a que resulta de documento (...)”, sendo os documentos meios de prova de factos. Assim, os factos provados com base em documentos devem ser discriminadamente enunciados, não correspondendo a reprodução do teor de um documento à enunciação de factos.
Estando escrito na matéria de facto fixada na sentença que consta de um documento que a ocupação de habitação municipal se deu em determinada data, tal não constitui a enunciação do facto de que tal ocorrência se deu nessa data.
Não obstante, o certo é que a determinação da data da ocupação do fogo por parte do autor é irrelevante para a decisão do presente recurso porquanto o que o autor recorrente põe em causa é apenas que tenha sido cumprida a obrigação de encaminhamento “para soluções legais de acesso à habitação ou para prestação de apoios habitacionais”, nos termos da citada norma legal.
Deste modo, a alteração da matéria de facto fixada na sentença recorrida – no sentido da eliminação das alíneas I) e J) do probatório - não tem qualquer utilidade, dado que a factualidade que a recorrente põe em causa não assume relevância para a decisão da causa, atentas as soluções plausíveis da questão de direito.
Face ao exposto, não se procede à reapreciação do julgamento da matéria de facto fixada na sentença recorrida.


B. Do erro de julgamento de direito

A sentença recorrida, antecipando o juízo sobre a causa principal, nos termos do n.º 1 do artigo 121.º do CPTA, julgou a acção improcedente, absolvendo as entidades demandadas do pedido, considerando que o acto impugnado (despacho proferido pela vereadora do pelouro da habitação, que aprovou a desocupação, por parte do autor, do fogo municipal sito na Rua R…, lote …, 1.º direito, Bairro d…, em Lisboa) não padece dos vícios de violação de lei que o autor lhe imputa.
É contra o assim decidido que se insurge o recorrente, alegando que se impunha a anulação do acto impugnado uma vez que o mesmo não indica qualquer alternativa habitacional nem alude a eventual encaminhamento do recorrente para uma solução habitacional, sem que o recorrente detenha alternativa habitacional, pelo que não foi cumprido o determinado no n.º 6 do artigo 28.º da Lei n.º 81/2014, de 19 de Dezembro.
Vejamos.
Nos termos do n.º 6 do artigo 28.º da Lei n.º 81/2014, de 19 de Dezembro, “Os agregados alvos de despejo com efetiva carência habitacional são previamente encaminhados para soluções legais de acesso à habitação ou para prestação de apoios habitacionais.”
Antes de mais, cumpre referir que tal norma é aplicável às desocupações previstas no artigo 35.º do mesmo diploma (quando não haja título de ocupação, como contrato ou documento de atribuição ou de autorização que a fundamente) por força do respectivo n.º 4, pelo que é aplicável ao caso em apreço, em que o autor, enquanto destinatário da ordem de desocupação, ocupa um fogo municipal sem dispor de título de ocupação do mesmo.
Ademais, importa assentar em três pontos relevantes para a interpretação e aplicação da norma em causa, pertinentemente elencados no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02.05.2024 (processo n.º 02681/17.7BEPRT), cujo entendimento seguimos. Em primeiro lugar, a obrigação de encaminhamento pressupõe uma prévia ordem de despejo, razão pela qual a validade dessa ordem não depende – nem pode depender, atenta a sua anterioridade – do cumprimento daquela obrigação. Ou seja, “A obrigação de «encaminhamento» é, pois, uma consequência, e não um pressuposto legal do despejo.” Em segundo lugar, “o cumprimento da obrigação legal em questão não é, sequer, uma consequência necessária e automática do despejo, dado que apenas beneficiam do «encaminhamento» previsto na lei «os agregados alvos de despejo com efetiva carência habitacional», o que supõe uma avaliação casuística da sua necessidade (…)”. Em terceiro lugar, ainda que o agregado beneficie do “encaminhamento”, “(…) a efetivação do respetivo despejo” não depende “da existência de uma alternativa concreta para a resolução do seu problema habitacional”, não conferindo a norma legal em análise “o direito a exigir a disponibilidade de uma habitação determinada”, antes estabelecendo apenas “uma obrigação de meios, mas não de resultado”, a qual se cumpre, “essencialmente, através da prestação de informações sobre as «soluções legais de acesso à habitação» e os «apoios habitacionais» existentes”, sem que se imponha a “realização de diligências concretas para obtenção de uma nova habitação”.
Não estando em causa apurar se o agregado do autor, alvo do despejo, se encontra em situação de efectiva carência habitacional, o que o autor recorrente põe em causa é que tenha sido cumprida a obrigação de encaminhamento “para soluções legais de acesso à habitação ou para prestação de apoios habitacionais”, nos termos da citada norma legal.
A sentença recorrida entendeu que tal obrigação foi cumprida, em virtude de se ter provado, como resulta da alínea Q) dos factos provados, que a comunicação que ordena a desocupação da fracção em causa, datada de 17.09.2024, remetida ao autor pela requerida Gebalis e por este recebida em 26.09.2024, inclui “informações sobre as soluções legais de acesso à habitação e os apoios habitacionais existentes”, nos seguintes termos:



Vejamos.
Da alínea Q) dos factos provados resulta que, na comunicação que ordena a desocupação da fracção em causa, datada de 17.09.2024, remetida ao autor pela requerida Gebalis e por este recebida em 26.09.2024, são prestadas ao mesmo as seguintes informações: (i) que o seu agregado familiar foi sinalizado junto da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa; (ii) que poderá efectuar registo de adesão na Plataforma Habitar Lisboa (indicando-se, para o efeito, o link de acesso à mesma), ou contactar linha telefónica gratuita (cujo número é indicado, fazendo-se referência ainda ao horário de atendimento e à opção a escolher); (iii) que dispõe dos seguintes programas de acesso à habitação, para além dos programas de acesso à habitação desenvolvidos pela Administração Central (referindo-se que pode aceder aos mesmos através do site do IHRU): Programa de Arrendamento Apoiado, Programa de Renda Acessível e Subsídio Municipal ao Arrendamento Acessível, indicando-se os correspondentes contactos telefónicos e de email; (iv) que, caso não disponha de acesso a meios informáticos, poderá solicitar o agendamento de atendimento presencial através de contacto telefónico, que é indicado. Nestes termos, concluímos que foram prestadas informações sobre as «soluções legais de acesso à habitação» e os «apoios habitacionais» existentes, pelo que se mostra cumprida a obrigação de encaminhamento prevista no n.º 6 do artigo 28.º da Lei n.º 81/2014, de 19 de Dezembro.
Sem embargo, sempre se dirá que, ainda que tal obrigação não tivesse sido cumprida, esse incumprimento não afectaria a legalidade do acto impugnado (o acto que determina a desocupação do fogo municipal por parte do autor recorrente), na medida em que, como acima referido, a ordem de despejo é um pressuposto da obrigação de encaminhamento, situando-se esta a jusante do acto, porque posterior ao mesmo. E sendo posterior ao acto, não pode o incumprimento da obrigação contender com a validade do acto.
Termos em que se impõe julgar o presente recurso improcedente.
*
Vencido, é o recorrente responsável pelo pagamento das custas, nos termos dos artigos 527.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA.

V – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes da Subsecção comum da Secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso interposto.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 15 de Maio de 2025

Joana Costa e Nora (Relatora)
Marcelo Mendonça
Ricardo Ferreira Leite