Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 319/23.2BESNT |
| Secção: | CA |
| Data do Acordão: | 05/15/2025 |
| Relator: | JOANA COSTA E NORA |
| Descritores: | FALTA DE INDICAÇÃO DE FUNDAMENTO DO RECURSO VIOLAÇÃO DE PRAZO RAZOÁVEL |
| Sumário: | I - Os recursos não podem assentar numa alegação genérica de reapreciação da situação jurídica controvertida, antes servindo para corrigir erros que devem ser concretizados pelo recorrente, a quem cabe invocar razões de facto e de direito aptas a pôr em causa o julgamento efectuado pelo Tribunal recorrido. II - Insurgindo-se a recorrente contra a decisão recorrida mas não atacando os fundamentos de tal decisão, não cumpre a mesma o ónus de indicar, nas conclusões da sua alegação, os fundamentos por que pede a alteração da decisão, nos termos do artigo 639.º, n.º 1, do CPC, o que tem como consequências, não só o trânsito em julgado da decisão, mas também que não se conheça do recurso dessa decisão por falta de objecto. |
| Votação: | Unanimidade |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Administrativa Comum |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO Acordam, em conferência, os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO S… intentou acção administrativa contra o Estado Português. Pede a condenação do réu a pagar-lhe a quantia de € 15.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento, por violação do prazo razoável de decisão de processo judicial e pela actuação da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Cascais. Pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra foi proferida sentença a julgar (i) procedente a excepção dilatória de incompetência absoluta, em razão da matéria, e, consequentemente, absolvendo o réu da instância quanto ao pedido indemnizatório respeitante aos danos não patrimoniais pela morte da menor E… (filha da autora), devido a erros judiciários cometidos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, e (ii) improcedente a presente acção administrativa e, consequentemente, absolvendo o réu do pedido indemnizatório relativamente aos danos não patrimoniais por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável e pela morte de E… devido à actuação da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Cascais. A autora interpôs o presente recurso de apelação, cujas alegações contêm as seguintes conclusões: “1 - Não obstante o respeito que as decisões judiciais, sempre e em qualquer circunstância merecem, vem o presente recurso interposto da douta Sentença de Fls., por não se conformar a ora Autora/recorrente com a mesma e que decidiu julgar “- procedente a excepção dilatória de incompetência absoluta, em razão da matéria, e, consequentemente, absolve-se o Réu da instância quanto ao pedido indemnizatório formulado pela Autora, no que diz respeito aos danos não patrimoniais pela morte de E… alegadamente devido a erros judiciários cometidos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste. - improcedente a presente acção administrativa e, consequentemente, absolve-se o Réu do pedido indemnizatório formulado pela Autora, no que diz respeito aos danos não patrimoniais por alegada violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável e pela morte de E… alegadamente devido à actuação da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Cascais.” 2 - O Tribunal recorrido fundamentou sua decisão no artigo 4.º, n.º 4, al. a) do ETAF, sem ter em consideração que a Recorrente não fundamentou sua pretensão exclusivamente em erro judiciário, mas especificamente na morosidade processual e na omissão do Estado na protecção da menor, o que está inequivocamente no âmbito de competência dos tribunais administrativos e fiscais. 3 - O artigo 4.º, n.º 1, al. f), do ETAF estabelece a competência dos tribunais administrativos para julgar pedidos de responsabilidade civil extracontratual contra o Estado, incluindo aqueles decorrentes de funcionamento anormal da justiça. 4 – Por outro lado, nos termos do artigo 12.º da Lei n.º 67/2007, o Estado pode ser responsabilizado por atraso excessivo na decisão judicial, o que se verifica no presente caso. 5 – No caso concreto a Recorrente denunciou o hiato temporal decorrido desde a admissão do recurso apresentando junto do Tribunal de primeira instância e o despacho que ordenou a sua subida (23 de Outubro de 2019 e 25 de Novembro de 2020, conforme factos provados mmm) e zzz) ). 6 - Verifica-se que o referido recurso ficou retido mais de um ano no Tribunal de 1ª Instância, o que não pode ser ignorado como mero erro judiciário, pois demonstra um funcionamento anormal do serviço público de justiça, 7 – Neste sentido o entendimento do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) nos processos Martins Castro e Alves Correia de Castro c. Portugal (Queixa no 33729/06) e Oliveira Modesto e outros c. Portugal ( 68445/10). 8 - Pelo que deveria ter sido reconhecida a competência do Tribunal Administrativo e Fiscal para julgar a responsabilidade do Estado pela morosidade processual e omissão administrativa. 9 -O Tribunal a quo concluiu que o atraso processual não seria imputável ao Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, mas sim a "circunstâncias externas e ao comportamento das partes", conclusão que é juridicamente insustentável. 10 – Ora, nos termos do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH), qualquer cidadão tem direito a uma decisão judicial em "prazo razoável". 11 - O TEDH tem reiteradamente condenado Portugal por atrasos excessivos em processos judiciais, considerando que tais situações violam garantias fundamentais. 12 - Ademais, o Tribunal recorrido também desconsiderou falhas da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ), sendo que resulta dos factos provados que a CPCJ tinha conhecimento do estado vulnerável da menor e falhou em adoptar medidas adequadas. 13 - Efectivamente, verifica-se que houve omissão grave do Estado na protecção da menor, o que justifica a condenação por responsabilidade civil extracontratual, no que nesta sede administrativa se peticionou - ser reconhecida a responsabilidade do Estado pelo atraso processual e pela omissão da CPCJ, impondo-se o pagamento de indemnização. 14 - Nos presentes Autos a ora Recorrente peticionou a condenação do Estado Português ao pagamento de €15.000 por danos não patrimoniais, com fundamento no sofrimento causado pela demora processual e pela omissão do Estado na protecção da sua filha. 15 – Com a sua decisão o Tribunal a quo desconsiderou a Jurisprudência do TEDH, que já fixou indemnizações por atrasos judiciais em valores entre€1.000 e €1.500 por ano de demora e o impacto emocional irreversível sofrido pela Recorrente com a morte da menor, facto que poderia ter sido evitado com uma actuação eficaz do Estado (Sistema Judicial). 16 – Violou, igualmente, o artigo 4.º, n.º 1, al. f), do ETAF, artigo 12.º da Lei n.º 67/2007, artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH),” O recorrido Estado Português respondeu à alegação do recorrente, com as seguintes conclusões: “1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos presentes autos, com os fundamentos aí explanados que aqui se dão por reproduzidos, na qual o tribunal a quo: a. Julgou procedente a exceção de incompetência absoluta, em razão da matéria da jurisdição administrativa para conhecer o pedido de condenação do Réu ao pagamento de indemnização fundada em alegado erro judiciário; b. Julgou improcedente a presente ação administrativa e, consequentemente, absolveu o Réu do pedido indemnizatório formulado pela Autora, no que diz respeito aos danos não patrimoniais por alegada violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável e pela morte de E… alegadamente devido à atuação da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Cascais. 2. No que respeita à decisão de incompetência material, o Autor verdadeiramente não demonstra discordar da douta sentença recorrida, sendo que o que resulta das alegações de recurso é uma deficiente interpretação por parte do Autor do teor da sentença nessa parte, uma vez que tal decisão judicial apenas incidiu sobre a causa de pedir relacionada com alegados erros judiciários – o que o mesmo nem sequer demonstra discordar – e já não quanto a omissão de decisão em prazo razoável ou relativamente à conduta da CPCJ, para as quais se manteve a competência matéria do tribunal administrativo. 3. Seja como for, dúvidas não podem subsistir do acerto da decisão nesta parte proferida pelo tribunal a quo. 4. O critério passa pela distinção entre erro in procedendo, relativo ao deficiente funcionamento da administração da Justiça no âmbito da função acessória, preparatória ou complementar do processo, e erro in judicando, sendo que é este último que é atraído para a noção de erro judiciário, referindo-se o mesmo ao cerne da função jurisdicional, englobando todos os atos jurídicos, praticados pelo magistrado titular do processo, que possam condicionar o sentido e o conteúdo da decisão final. 5. In casu, dúvidas não podem subsistir, face ao teor da petição inicial, que substancialmente os fundamentos em que a A. assenta parcialmente a presente ação resultam de erradas decisões do juiz titular do processo (artigos 28º, 45º, 51º, 52º, 53º, 54º da petição inicial). 6. Ora, no que concerne à responsabilidade por erro judiciário, é da competência dos tribunais comuns, exceto se tal erro tiver sido cometido pelos tribunais administrativos ou tributários, o que, in casu, não sucede (art.º 4º, nº4, al. a) do ETAF). 7. Assim, bem andou o tribunal a quo ao julgar procedente a exceção dilatória de incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria para conhecer do pedido de indemnização com fundamento em erros judiciários e, consequentemente, ao absolver o R. Estado Português da instância nesta parte, nos termos do art.º 89º, n.º 1, 2 e 4, al. a) do CPTA, prosseguindo a ação com fundamento apenas nas restantes causas de pedir relacionadas com omissão de decisão em prazo razoável e com a conduta da CPCJ de Cascais. 8. No que respeita aos erros de julgamento de direito apontados à douta sentença recorrida relacionados com omissão de decisão em prazo razoável e com a conduta da CPCJ de Cascais, o recorrente nada de novo em concreto alega, limitando-se a apresentar uma mera conclusão, sem qualquer verdadeira fundamentação – não cumprindo sequer, na nossa perspetiva, os ónus previstos no art.º 144º, n.º 2 do CPTA e no art.º 639º, n.º 2 do Código de Processo Civil. 9. O presente recurso é, nesta parte, manifestamente infundado, por nas alegações de recurso não constarem os fundamentos de direito que possam consubstanciar tal erro de julgamento, nem se invocar como os preceitos legais cuja violação se alega deveriam ser interpretados. 10. Depois de gastar 43 páginas do seu recurso a transcrever a sentença recorrida, limita-se o recorrente a apresentar uma mera afirmação conclusiva, sem qualquer suporte ao nível da fundamentação, pelo que verdadeiramente não se pode contra-alegar aquilo quem nem sequer foi alegado no presente recurso. 11. Todavia, sem conceder, sempre se dirá que manifestamente não se verificam os alegados erro de julgamento. 12. Pela clareza e precisão da sua fundamentação, e face à falta de alegações nesta parte da recorrente, remete-se, com a devida vénia, e para os devidos efeitos legais, para o teor da douta sentença recorrida, cumprindo concluir pela clara inexistência de qualquer erro de julgamento. 13. Conforme muito bem refere a douta sentença recorrida, sentimento que o Ministério Público, em representação do Estado Português, partilha, “Ainda que o tribunal não descure ou ignore a tragédia que representa o decesso da menor, não se pode confundir tal acontecimento, com qualquer ilicitude”. 14. Sem prejuízo, relativamente à omissão de decisão em prazo razoável, tendo em conta a natureza do processo de jurisdição voluntária, e face a todas as circunstâncias da tramitação do processo relatadas na douta sentença, cumpre concluir que a duração do processo em causa não teve uma duração irrazoável à luz da previsão do art.º 6º § 1º da Convenção dos Direitos do Homem, pelo que está efetivamente afastada a ilicitude imputada. 15. Relativamente à imputada conduta da CPCJ de Cascais, esta entidade só interveio porque ambos os progenitores prestaram o seu consentimento expresso à intervenção dessa comissão, e porque não existiu oposição da criança ou do jovem com idade igual ou superior a 12 anos, nos termos doi art.º 9º, n.º 1 e 2 e art.º 10º da Lei de proteção de crianças e jovens em perigo, aprovada pela Lei n.º 147/99, de 01 de Setembro. 16. Por outro lado, desde a data da celebração do APP, 5 de junho de 2019, até à data do arquivamento do PPP, 25 de julho de 2019, a mãe de E…, ora A., nunca manifestou a sua vontade em retirar o consentimento à intervenção dessa comissão, o que poderia ter feito a qualquer momento. 17. Ao longo de todo o PPP de E…, a CPCJC teve sempre em consideração o superior interesse da menor, E… respeitando os pareceres clínicos, a vontade dos pais e da jovem. 18. Face ao exposto, cumpre concluir que a douta sentença recorrida fez uma ponderada análise dos factos e do direito, tendo decidido de acordo com a lei ao julgar a ação improcedente e, em consequência, ao absolver o R. Estado Português do pedido respeitante à alegada omissão decisão em prazo razoável e à conduta da CPCJ de Cascais, não tendo ficado demonstrado a existência de qualquer ato ilícito por parte do R. Estado Português, ou por parte de titular de órgão, funcionário ou agente do R. Estado Português, ou dos seus serviços, ficando assim desde logo afastado o pressuposto “ilicitude” da responsabilidade civil extra-contratual. 19. Por isso, improcedem as alegações do recorrente, não sendo a douta sentença recorrida merecedora de qualquer censura, devendo a mesma, como tal, ser integralmente confirmada.” Com dispensa de vistos dos juízes-adjuntos (cfr. n.º 4 do artigo 657.º do CPC), cumpre apreciar e decidir. II – QUESTÕES A DECIDIR Face às conclusões das alegações de recurso – que delimitam o respectivo objecto, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC -, a questão que ao Tribunal cumpre solucionar é a de saber se a sentença padece de erro de julgamento de direito, não só por ter absolvido o réu da instância por incompetência em razão da matéria quanto ao erro judiciário, mas também por ter considerado não verificado o requisito da ilicitude para afeitos de apuramento da responsabilidade civil extracontratual do Estado por violação do prazo razoável de decisão e pela morte da menor E… devido à actuação da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Cascais. III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Considerando que não foi impugnada, nem há lugar a qualquer alteração da matéria de facto, remete-se para os termos da decisão da 1.ª instância que decidiu aquela matéria, nos termos do n.º 6 do artigo 663.º, do CPC. IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Nos presentes autos, é pedida a condenação do réu a pagar à autora uma indemnização pelos danos não patrimoniais por si sofridos com a actuação da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Cascais e com a violação do prazo razoável de decisão, não só do incidente de alteração da pensão de alimentos (apenso B), mas também do recurso da decisão que altera a residência da menor (apenso C), no âmbito do processo n.º 2704/15.4T8CSC, que correu nos termos no Juízo de Família e Menores de Cascais, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, relativo à regulação das responsabilidade parentais da menor E…, filha da ora autora recorrente. A sentença recorrida decidiu pela procedência da excepção dilatória de incompetência absoluta, em razão da matéria, com a consequente absolvição do réu da instância quanto ao pedido indemnizatório assente em erros judiciários cometidos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, traduzidos na omissão de decretamento das medidas necessárias para garantir o bem-estar e a segurança da menor no âmbito do processo n.º 2704/15.4T8CSC, bem como pela improcedência da acção, com a consequente absolvição do réu do pedido indemnizatório relativamente aos danos não patrimoniais por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável e pela actuação da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Cascais. No tocante à incompetência do Tribunal em razão da matéria, embora a recorrente se insurja contra o assim decidido, não ataca os fundamentos de tal decisão, não pondo em causa a incompetência dos tribunais administrativos para decidirem matéria relacionada com o erro judiciário imputável a Tribunal não integrado na jurisdição administrativa e fiscal, não dando, assim, cumprimento ao ónus que sobre a mesma impende de indicar, nas conclusões da sua alegação, o fundamento específico da recorribilidade, bem como os fundamentos por que pede a alteração da decisão, nos termos dos artigos 637.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1, do CPC, não podendo os recursos assentar numa alegação genérica de reapreciação da situação jurídica controvertida, antes servindo “para colmatar eventuais erros que o recorrente tem o ónus de concretizar”– cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.09.2022, proferido no processo n.º 773/19.7T8CBR.C1.S1, in www.dgsi.pt. Não tendo a autora recorrente concretizado qualquer erro na sentença recorrida nem invocado razões de facto e de direito aptas a pôr em causa o julgamento efectuado pelo Tribunal recorrido quanto à decisão de incompetência em razão da matéria, nessa parte a sentença transitou em julgado e o presente recurso carece de objecto, o que determina que não se conheça do mesmo – neste sentido, cfr. os Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15.05.2013, proferido no processo n.º 0508/13, e de 01.10.2014, proferido no processo n.º 0838/14 (in www.dgsi.pt). Quanto à decisão de improcedência da acção com vista à efectivação da responsabilidade civil do réu, a sentença recorrida concluiu pela não verificação do pressuposto da ilicitude, não só quanto à violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, mas também quanto à actuação da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Cascais. Relativamente à alegada violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, considerou a sentença recorrida que, não obstante se ter verificado um atraso na prolação de decisão definitiva no âmbito do processo principal, por referência ao prazo médio de 3 anos, globalmente fixado na jurisprudência, tal atraso não se afigura ilícito, não se tendo devido a expedientes dilatórios ou de reduzida utilidade por parte do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, antes às seguintes razões: (i) alteração da pretensão da autora ao longo do processo, pois, em 30.04.2019, a autora manifestou a intenção de que o exercício das responsabilidades parentais fosse atribuído provisoriamente ao pai, o que veio a ocorrer, atento o acordo de promoção e protecção celebrado entre ambos, em 05.06.2019; (ii) particular instabilidade do estado clínico da menor desde Agosto de 2016, com sucessivos períodos de internamento compulsivo da mesma em ambiente hospitalar e um agravamento significativo dos seus comportamentos autolesivos; (iii) falta de clareza e contraditoriedade das manifestações de vontade demonstradas pela menor entre residir em Portugal, com a autora, ou na Alemanha, com o pai, fruto da sua situação clínica; (iv) comportamento processual das partes determinante de uma intensa tramitação das acções (principal e apensos), através da apresentação de diversos requerimentos, relatórios médicos e demais elementos documentais relativos à evolução do estado clínico da menor; (v) necessidade de prévia fixação do exercício das responsabilidades parentais relativamente à determinação do valor da pensão de alimentos. Neste contexto, entendeu o Tribunal recorrido que a situação existente dificilmente se compadecia com uma decisão definitiva relativamente à alteração do regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais da menor, antes aconselhando o decretamento de medidas judiciais de caráter provisório, até que a situação clínica da menor demonstrasse algum sinal de estabilização, que foram, efectivamente, tomadas pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste: determinação da realização de audição técnica especializada da menor, a realizar pela Segurança Social, de conferência de pais em 10.01.2017 e em 31.10.2018, e de nova audição da menor em 05.02.2019, bem como alteração provisória do regime de visitas e da guarda da menor, em 02.10.2019, através da atribuição provisória do exercício das responsabilidades parentais de E… ao pai, na Alemanha. Insurge-se a recorrente contra o assim decidido, considerando que o hiato temporal decorrido entre a admissão do recurso pela mesma interposto (em 23.10.2019) contra a decisão que alterou a residência da menor e o despacho que determinou a subida do recurso (proferido em 25.11.2020) “não pode ser ignorado como mero erro judiciário, pois demonstra um funcionamento anormal do serviço público de justiça”. Assim, tendo em conta que a recorrente autora invocou, na p.i., a violação do prazo razoável de decisão, não só do incidente de alteração da pensão de alimentos (apenso B), mas também do recurso da decisão que altera a residência da menor (apenso C), no âmbito do processo n.º 2704/15.4T8CSC, que correu termos no Juízo de Família e Menores de Cascais, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, em face das conclusões da sua alegação de recurso – que delimitam o objecto do mesmo -, importa apenas apreciar se foi violado o prazo razoável de decisão do recurso que a mesma interpôs contra a decisão que alterou a residência da menor (apenso C), pois que a mesma não se reporta ao atraso na decisão do incidente de alteração da pensão de alimentos (apenso B). Uma nota ainda para dizer que, não obstante o Tribunal recorrido tenha apreciado a alegada violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável por referência ao processo principal, atenta a alegação da autora recorrente, apenas está em causa o atraso na decisão do recurso que a mesma interpôs da decisão proferida no processo principal, e não o atraso na decisão do processo, pelo que será nestes termos, mais restritos, que será apreciado o recurso. Vejamos, começando por fazer o enquadramento jurídico da responsabilidade civil extracontratual do Estado relevante para a análise do caso. À data dos factos, o regime jurídico aplicável e à luz do qual se têm de aferir os pressupostos legais da responsabilidade civil extracontratual do Estado era o que se encontra plasmado na Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, que aprovou o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas. Nos termos do seu artigo 12.º, “Salvo o disposto nos artigos seguintes, é aplicável aos danos ilicitamente causados pela administração da justiça, designadamente por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, o regime da responsabilidade por factos ilícitos cometidos no exercício da função administrativa.” São os seguintes os pressupostos cumulativos da responsabilidade civil extracontratual: o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade. Sobre a ilicitude, dispõe o n.º 1 do artigo 9.º o seguinte: “Consideram-se ilícitas as acções ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objectivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos.” Assim, o facto ilícito revela-se no evento enquanto ocorrência resultante da acção humana (voluntária) lesiva de bens jurídicos pessoais e (ou) patrimoniais. Acrescenta o n.º 2 do mesmo artigo que “Também existe ilicitude quando a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos resulte do funcionamento anormal do serviço, segundo o disposto no n.º 3 do artigo 7.º”. No caso dos autos, a ilicitude reconduz-se à violação do direito à prolação de uma decisão judicial em prazo razoável, consagrado nos artigos 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), norma esta que vigora na ordem jurídica interna portuguesa, de acordo com o princípio plasmado no n.º 2 do artigo 8.º da CRP. Tais comandos surgem concretizados nos artigos 2.º, n.º 1, e 6.º, n.º 1, do CPC, e 2.º, n.º 1, e 7.º-A, n.º 1, do CPTA, dos quais decorre que “O princípio da tutela jurisdicional efetiva compreende o direito de obter, em prazo razoável, (…), uma decisão judicial (…).” e que “Cumpre ao juiz, (…), dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável.” A aferição do referido «prazo razoável» é feita em concreto, e não em abstracto, considerando a data de entrada da acção no tribunal e a data da prolação da decisão definitiva e, de acordo com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, designadamente, a complexidade do processo, o comportamento das partes, a actuação das autoridades competentes no processo, o assunto do processo e o significado que o mesmo tem para o requerente. No que concerne à complexidade do processo, há que atender, além do mais, ao enquadramento factual e jurídico do processo, ao número de partes envolvidas, à extensão das peças processuais, aos meios de prova produzida, aos recursos interpostos, aos incidentes deduzidos e às reclamações apresentadas. O comportamento das partes é aferido em função da sua disponibilidade para colaborar no sentido da celeridade, do número e justificação dos requerimentos que apresentam e da extensão das peças processuais. A actuação das autoridades competentes no processo não se mostra justificada pela falta de meios e de recursos. Finalmente, releva apurar a matéria do litígio e o tipo de consequências que dele resultam para a vida pessoal ou profissional das pessoas envolvidas, como acontece em processos das áreas de direito da família e menores, do crime e laboral, sendo ainda de considerar se o processo tem natureza urgente. Também se retira da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que a duração média razoável de um processo em 1ª. instância é de cerca de 3 anos e a de todo o processo não deve ultrapassar os 6 anos, sem prejuízo de durações inferiores se mostrarem excessivas, atenta a particularidade do caso. Conforme resulta do probatório – sem que tenha sido impugnada a matéria de facto –, no âmbito do processo n.º 2704/15.4T8CSC, que correu termos no Juízo de Família e Menores de Cascais do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, no âmbito do apenso A (instaurado pelo pai para alteração do regime de visitas e ao qual foi atribuído carácter de urgência em 29.08.2019), em 02.10.2019 foi proferida decisão a determinar que a menor ficaria à guarda e cuidados do pai, com quem residiria na Alemanha, tendo a autora interposto recurso de tal decisão em 23.10.2019, recurso esse que deu origem ao apenso C, no qual a ora autora também faz assentar a sua pretensão indemnizatória por violação do direito a uma decisão em prazo razoável. Ora, tal recurso foi admitido por despacho de 25.11.2019, mas a sua subida ao Tribunal da Relação de Lisboa (tribunal de recurso) apenas foi determinada em 25.11.2020, já depois de extinta a instância relativamente ao apenso A (ocorrida em 28.07.2020), em virtude da morte da menor, em 18.05.2020. Assim, entre a interposição do recurso da decisão que determinou que a menor ficaria à guarda e cuidados do pai (em 23.10.2019), com quem residiria na Alemanha, e a morte da menor (em 18.05.2020) decorreram 6 meses e 25 dias. É certo que, tendo o recurso subido mais de 1 ano e 1 mês após a respectiva interposição, é manifesta a demora na subida do processo ao Tribunal de recurso para reapreciação da decisão tomada pelo Tribunal de 1.ª instância, tanto mais que se trata de um processo ao qual foi atribuído carácter urgente. Todavia, tendo ocorrido a morte da menor cerca de 6 meses após a decisão sob recurso, ainda que o processo tivesse subido ao tribunal de recurso e que tivesse sido reapreciada a decisão recorrida em 6 meses, tal lapso de tempo não se mostra excessivo para a decisão de um recurso. Com efeito, considerando a tramitação processual legalmente prevista – não só no artigo 32.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 08 de Setembro) – aplicável ao caso -, mas também nos artigos 638.º e ss. do CPC -, após a interposição de recurso, teria de haver lugar a resposta do recorrido à alegação da recorrente, despacho de apreciação do requerimento de interposição do recurso, remessa do processo ao tribunal superior, distribuição do processo no tribunal de recurso, elaboração do projecto de acórdão pelo relator, vista aos juízes adjuntos, inscrição do processo em tabela, e, enfim, o julgamento que culmina com a decisão do recurso. Toda esta tramitação leva tempo, pelo que 6 meses não se mostra um prazo excessivo e desrazoável para a decisão do recurso, ainda que, note-se, não haja registo da ocorrência de tal decisão. O que sucede é que a morte da menor, a quem respeitava o processo judicial cujo atraso está em causa, determina a extinção do mesmo, nos termos em que veio efectivamente a ocorrer. Não tendo havido decisão do recurso interposto pela autora uma vez decorridos 6 meses sobre a data da sua interposição, não podemos concluir pela violação do prazo razoável de decisão do recurso interposto pela autora, nos termos expostos, e, deste modo, falha o pressuposto da ilicitude, o que afasta a responsabilidade civil extracontratual do réu pelo atraso invocado, improcedendo, nesta parte, o erro de julgamento de direito. Quanto à actuação da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Cascais – que mediou a celebração do acordo de promoção e protecção da menor E… por parte dos seus pais, em 05.06.2019, nos termos do qual o exercício das responsabilidades parentais da menor ficaria a cargo do pai, por um período de 3 meses -, entendeu o Tribunal recorrido que a mesma não colocou em causa a saúde e o bem-estar da menor, tendo sido conforme à vontade comum da autora, da menor e do pai desta, pelo que não se afigura ilícita e, como tal, não se encontram reunidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado, por facto da função administrativa. A recorrente reage contra o assim decidido, alegando que o Tribunal recorrido “desconsiderou falhas da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens”, além de que “resulta dos factos provados que a CPCJ tinha conhecimento do estado vulnerável da menor e falhou em adoptar medidas adequadas”. Estamos no domínio da responsabilidade civil extracontratual do Estado e das demais pessoas colectivas de direito público por danos resultantes do exercício da função administrativa, importando aferir da verificação dos pressupostos, nos termos acima já referidos. Antes de mais, a recorrente ataca a decisão recorrida por ter desconsiderado falhas da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens na adopção de medidas adequadas mas não as concretiza, nem as falhas nem as medidas que considera adequadas. De todo o modo, atenta a factualidade alegada pela autora recorrente na sua p.i., o facto ilícito que a mesma imputa à Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Cascais reconduz-se a ter esta permitido a ida da menor para a Alemanha com o pai, considerando que se tratou de uma decisão errada e que teve consequências negativas, a mais grave das quais a morte da menor. Sucede que, para além de a ida da menor para a Alemanha com o pai não ter resultado de uma decisão da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Cascais, resultou a mesma de acordo no qual a autora interveio. Com efeito, o que se mostra provado nos autos é que, em 30.04.2019, no âmbito do apenso A do mesmo processo principal – correspondente a incidente de alteração do regime de visitas, instaurado pelo pai da menor -, a autora manifestou a intenção de que o exercício das responsabilidades parentais fosse atribuído provisoriamente ao pai, tendo ambos os progenitores, em 05.06.2019, celebrado acordo, nos termos do qual o exercício das responsabilidades parentais da menor ficaria a cargo do pai, por um período de 3 meses, acordo este que foi objecto de pronúncias favoráveis por parte do Ministério Público e do Tribunal. Mais resulta que, em 21.08.2019, a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Cascais remeteu aos autos do apenso A um relatório de avaliação do estado clínico da menor, elaborado pela sua congénere alemã (Gabinete de Apoio a Crianças, Jovens e Famílias, em Bona), datado de 13.08.2019, no qual se refere que a menor teve um segundo episódio de crise psicótica aguda, com acção de automutilação, tendo sido internada compulsivamente na LVR - Klinik Bonn em 01.08.2019, na qual permanecia, e que a mesma manifestou intenção de ficar na Alemanha a residir com o pai, não se conhecendo indícios que o contraindicassem. Da factualidade provada nos autos não decorre que a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Cascais tenha tomado qualquer decisão relativa à menor, tendo-se limitado a sua actuação à mediação de acordo entre os progenitores sobre a residência e guarda da menor e à prestação de informações ao Tribunal sobre o estado clínico da menor. Em suma, para além de não ter sido a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Cascais a decidir a ida da menor para a Alemanha com o pai, tal ida teve o acordo da autora, não se perspectivando, atenta a matéria de facto provada, qualquer falha na sua actuação. Nestes termos, não podemos concluir pela ocorrência de uma actuação ilícita da parte da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Cascais, e, por falta de verificação de tal pressuposto, não pode a mesma ser responsabilizada civilmente nos termos alegados pela autora, improcedendo, também neste ponto, o erro de julgamento de direito. * Vencida, é a recorrente responsável pelo pagamento das custas, nos termos do artigo 527.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA.V – DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul em: a) Não conhecer do objecto do recurso quanto à decisão de absolvição do réu da instância por incompetência em razão da matéria; b) Negar provimento ao recurso. Custas pela recorrente. Lisboa, 15 de Maio de 2025 Joana Costa e Nora (Relatora) Lina Costa Alda Nunes |