Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 04128/00 |
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Secção: | Contencioso Administrativo - 1º Juízo Liquidatário |
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Data do Acordão: | 01/15/2009 |
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Relator: | José Gomes Correia |
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Descritores: | AUTORIZAÇÃO DE ACUMULAÇÃO. PRINCÍPIOS DA IGUALDADE E DA LIBERDADE DE ESCOLHA DE PROFISSÃO |
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Sumário: | I) -O princípio constitucional da igualdade tem um conteúdo pluridimensional, que postula várias exigências, designadamente, a de obrigar a um tratamento igual de situações de facto iguais e a um tratamento desigual de situações de facto desiguais, de maneira a não serem criadas discriminações arbitrárias e irrazoáveis desprovidas de justificação objectiva e racional. II) -Não tendo o recorrente demonstrado qual haja sido a situação idêntica à sua que tenha merecido da Entidade Recorrida tratamento diferente e limitando-se a alegar que o seu pedido, agora rejeitado, é em tudo idêntico ao que, em 1997, mereceu despacho de concordância do Comandante da GNR, e lhe permitiu no ano lectivo de 1997/98 acumular as funções que desempenha com a actividade da docência, tal é absolutamente irrelevante na medida em que a precedente autorização foi considerada ilegal por afrontar o disposto no artigo 269º, n.º 1 da CRP e no artigo 12º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho, sendo certo que uma situação de ilegalidade, mesmo a existir, nunca poderá justificar a persistência no incumprimento da lei (artigo 266, n.º2, da CRP e artigo 3º do CPA). III) -O exercício de funções pública norteia-se pelo princípio da exclusividade, à luz do qual a acumulação de cargos ou lugares na Administração Pública é proibida, salvo nos casos em que a lei expressamente o admita (artigo 269. n.º 4 da CRP), dito por outras palavras, assume natureza excepcional. IV) -Tal proibição, em nada contraria a liberdade de profissão, pois, além de não atingir o conteúdo essencial do direito, é uma das restrições impostas pelo “ interesse colectivo”, expressamente admitidas na Constituição (cfr. artº 47º). A proibição não afecta, obviamente, o direito à liberdade de escolha da profissão e liberdade de acesso ao trabalho, está outrossim justificada por outro valor, também ele constitucionalmente protegido (arts 269º/1 da CRP) e não excede a medida do necessário para o garantir (cf. art. 18º/2 da CRP). V) -Da concatenação dos normativos constitucionais infere-se que o legislador constitucional teve a intenção de sujeitar a regimes diferentes a acumulação de empregos ou cargos públicos e a acumulação destes com o exercício da actividade privada. VI) -Para os primeiros rege o princípio da proibição relativa, ou seja, a acumulação de funções ou cargos públicos só é permitida quando se fundamente em superiores interesses da colectividade que exijam e reclamem que um funcionário público ou agente seja autorizado a exercer mais do que um cargo na função pública (cfr. art.º s 12º do Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho e 31º do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro). Por esse prisma, não se antolha, qual seja in casu o interesse público que exija ou reclame que o recorrente desempenhe as funções inerentes a um militar da GNR e dar aulas numa escola pública para alunos do ensino secundário. VII) -Ao contrário do que ocorre com a acumulação de funções públicas, o exercício cumulativo de empregos públicos e de actividades privadas só é proibido quando a lei expressamente determinar uma incompatibilidade entre ambos, tendo a Constituição (artigo 269º,n.º5) devolvido ao legislador ordinário a tarefa de indicar quais as actividades privadas que não podem ser objecto de exercício cumulativo pelo mesmo trabalhador. VIII) -Resulta do artigo 9º do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republica (EM/GNR), que um dos deveres dos militares da GNR é o dever de permanente disponibilidade para o serviço “, ainda que com sacrifício dos interesses pessoais” (n.º1), devendo igualmente privar-se de exercer quaisquer actividades de natureza lucrativa e recusar qualquer emprego privado, sem prévia autorização da entidade competente (respectivamente, als. h) e i) do artigo 14º do EM/GNR). IX) -Havendo a autoridade recorrida indeferido a pretensão do recorrente com fundamento em que a rigidez dos horários escolares colide com o dever de disponibilidade permanente que o Estatuto exige ao militar da GNR, advindo, pois, a incompatibilidade da possibilidade de o recorrente ser chamado ao serviço e a ele dever comparecer quando se encontra a leccionar, o certo é que pouco importa que o recorrente da acumulação não possa cumprir o horário, previsto para a prestação da actividade privada, o que importa é que a actividade pública não seja prejudicada, em termos do cumprimento integral das funções. X) -Assim, se o recorrente cumprir com as exigências que EM/GNR lhe impõe, concretamente o dever de permanente disponibilidade, pouco importa ou deveria ter importado à entidade recorrida, se ele teria ou não que abandonar aula que estava a leccionar, tal questão resolvê-la-á ele com o seu empregador privado. XI) -A entender-se de outra forma, os juízos de prognose, sem base em factos concretos, mas em simples conjecturas, justificariam a proibição, em termos absolutos, do exercício de funções públicas e privadas, em manifesta contradição, senão com um direito subjectivo à acumulação que a Constituição consagre, pelo menos com directa violação do interesse juridicamente protegido, de igual conteúdo, que as normas que disciplinam esse exercício, obviamente, reconhecem. |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, no 1º Juízo Liquidatário do Tribunal Central Administrativo Sul: 1.RELATÓRIO João ..., melhor id. a fls. 2 dos autos, interpôs em 23.02.2000, recurso contencioso de anulação do acto tácito de indeferimento, que se teria formado sobre o requerimento apresentado em 04.08.99 ao Ministro da Administração Interna, no qual solicitava que lhe fosse concedida autorização para acumular as funções que exerce na Guarda Fiscal com a actividade de docência, tanto no ensino Público como no Privado. Com a sua resposta, a entidade recorrida veio informar que em 03.05.2000, proferiu despacho de indeferimento, juntando cópia do mesmo. Cumprido o disposto no art.º 54º, da LPTA, o recorrente requereu, ao abrigo do artigo 51º, n.º 1 da LPTA a ampliação do objecto do recurso (cfr. fls.41 a 51 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integramente reproduzido) O Relator, por despacho de fls.60, admitiu a ampliação do objecto do recurso, passando a figurar como tal o referido despacho de 03.05.2000 do Secretário de Estado da Administração Interna (fls. 35/39). A entidade recorrida notificada para se pronunciar, nada disse sobre o pedido de ampliação e quanto ao mérito sustentou a legalidade do despacho impugnado, pedindo que seja negado provimento ao recurso. Cumprido o preceituado no art. 67º, do RSTA, o recorrente apresentou alegações, onde enunciou as seguintes conclusões: “ A. O recorrente é Cabo de Infantaria da GNR e licenciado em Gestão e Administração Pública pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa, com especialização em Recursos Humanos. B. Possui as habilitações necessárias para leccionar no ensino secundário nas áreas das ciências empresarias e ciências humanas, actividade que gostaria de exercer como complemento, profissional e pessoal, das funções exercidas na GNR. C. De modo a utilizar de forma eficaz os seus conhecimentos adquiridos na licenciatura e respectiva especialização na área da Gestão e Administração pública e Recursos Humanos, conhecimentos esses que não têm sido aproveitados pela GNR com bastante desapontamento do recorrente, que mantém o posto de Cabo tendo-lhe sempre sido negado o ingresso na carreira de Oficiais! D. As aulas serão prestadas em Lisboa e exclusivamente fora do horário de serviço do recorrente na GNR por forma a não colidir com o seu serviço na Guarda. E. Já anteriormente foi autorizado, ao recorrente, o exercício de actividades estranhas à GNR, com efeito, foi-lhe dada autorização para estudar, sem nunca ter faltado com os seus deveres para com a GNR. F. No ano lectivo de 1997/98 foi autorizado a leccionar no ensino secundário, fora do horário de serviço da GNR e com as restrições compatíveis com o exercício daquelas duas actividades. (Cfr. Notificação da autorização junta à Petição Inicial como doc. 4) G. indeferimento, ora proferido, baseou-se essencialmente no argumento de exclusividade de funções dos trabalhadores da função pública e demais agentes do Estado, por forma a garantir o principio da imparcialidade e da eficiência. H. O recorrente conhece o principio da exclusividade de funções, tanto que veio solicitar autorização para leccionar, mas de forma alguma este princípio pode ser interpretado de forma tão extrema que restrinja e limite inadmissivelmente outros princípios constitucionais, mais importantes, como sejam o direito fundamental de igualdade de tratamento perante a lei e a própria liberdade de escolher livremente a profissão. I. Estatuto Militar da Guarda Nacional Republicana (EMGNR) em disposição alguma impede que um militar da GNR possa cumular o exercício das suas funções na Guarda com o exercício da docência, apenas impõe que seja solicitada autorização à respectiva entidade competente (Cfr. Art. 14.° al. i) do EMGNR), mas, naturalmente, pressupondo que a autorização só será negada com um fundamento objectivo ou de manifesta incompatibilidade entre as funções a exercer, o que de modo algum é o caso do requerente! J. Inclusive o próprio superior hierárquico do recorrente "(...) afirma que não existe incompatibilidade, desde que o militar assegure o dever de disponibilidade, tal como vem definido no art. 9.° do EMGNR" (Cfr. citação do ponto 4 do parecer da Auditoria Jurídica do MAI) K. O recorrente nunca recusou assegurar o dever de disponibilidade supra referido, antes pelo contrário, a actividade de docência que pretende exercer será prestada fora do horário do serviço na GNR, mas dentro da sua área de actividade na Guarda, isto é, em Lisboa, por forma a não violar o dever de disponibilidade a que está obrigado L. Mas mesmo que surja um serviço inopinado na Guarda a direcção da escola está a par da situação profissional do requerente e imediatamente autoriza a dispensa das aulas. M. Enquanto militar da GNR, o recorrente sempre esteve bem consciente dos seus direitos e obrigações, mesmo quando exerceu actividades autorizadas fora da GNR nunca faltou aos seus deveres, nem deixou de cumprir as suas funções. N. Por outro lado, o art. 15.° do EMGNR salvaguarda ao militar da GNR o gozo de todos os direitos, liberdades e garantias reconhecidos aos demais cidadãos, O. Os quais passam pelo principio de igualdade de tratamento perante a lei (art. 13.° n.° 1 e 2 da CRP) e pela liberdade de escolher livremente a profissão (Cfr. art 47 ° n ° 1 da CRP), ressalvadas que sejam as devidas restrições legais impostas pelo interesse colectivo inerente às funções militares desempenhadas, P. O que no caso do Requerente nem sequer está em causa pois a docência será exercida fora do horário de serviço da Guarda e na área de Lisboa, portanto nem se levanta o problema de haver restrições ou incompatibilidades legais inerentes às funções desempenhadas. Q. Mas mesmo que assim não se entenda, "a Constituição (em conexão com o dever de isenção política dos militares) prevê explicitamente (após 1982) restrições ao exercício dos direitos de expressão, reunião, manifestação, associação, petição colectiva e capacidade eleitoral passiva na estrita medida das exigências das suas funções próprias" (art. 270.° CRP)". (Cfr. Direito Constitucional II Direitos Fundamentais, Jorge Miranda, Lisboa 1993-1994, página 151). R. Qualquer outra restrição, legal ou não, só se poderá considerar inconstitucional na medida em que viola claramente o disposto no art. 270.°, n.° 1 da CRP. S. Assim, nunca poderá haver restrições injustificadas e não objectivas, sem qualquer critério de proporcionalidade, ao exercício da livre escolha de profissão, mesmo que seja, como é o caso uma segunda actividade exercida em tempo parcial e como complemento da actividade exercida a tempo completo. T. Pelo exposto só se poderá considerar o acto expresso de indeferimento do Senhor Secretário de Estado da Administração Interna ferido de nulidade pois ofende o conteúdo essencial de direitos fundamentais, nomeadamente o Principio da Igualdade e a Liberdade de escolha de profissão(Cfr. artigos 133.° n.° 2 al. d) e 134.° do CPA e artigos 13.° e 47.° da CRP), pois ao impedir que o recorrente exerça livremente a docência o acto de indeferimento viola expressamente os artigos 12.°, n.° 1, 13.° n.° 1 e 2, 18.°, 47.° n.° 1 e 270 todos da CRP. U. Caso assim não se entenda, o que apenas por mera cautela de patrocínio se admite, o supra referido acto de indeferimento deverá ser anulado por violação de lei (Cfr. artigos 135.° e 136.° do CPA), pois ao indeferir a pretensão do recorrente, para além da violação dos princípios constitucionais supra mencionados, foram violados princípios legais que limitam a actuação da Administração Pública nestas matérias nomeadamente o Principio da Imparcialidade, da Justiça e o Principio da Igualdade (Cfr. artigos 266.° e ss. da CRP). V. E, segundo a doutrina maioritária, "Quando sejam infringidos os princípios gerais que limitam ou condicionam, de forma genérica, a discricionariedade administrativa, designadamente os princípios constitucionais: o principio da imparcialidade, o principio da igualdade, o principio da justiça, etc. (...) há violação de lei."(Cfr. "Direito Administrativo", Diogo Freitas do Amaral, vol. Ill, Lisboa 1989, página 305 e 306) Nestes termos, e nos demais de direito aplicáveis requer a manutenção do requerido na PI, isto é, seja declarado nulo o acto expresso de indeferimento da autorização para leccionar no ensino secundário público e privado, fora do horário de serviço na Guarda e na área de Lisboa, por violação do conteúdo essencial de direitos fundamentais, nomeadamente o Principio da Igualdade e a liberdade de Livre Escolha de profissão, nos termos dos artigos 12.° n.° 1, 13.°, 18.° 47.° e 270.° todos da CRP e 133.° n.° 2 al. d) e 134.° do CPA, Ou, caso assim não se entenda deverá o mesmo acto expresso de indeferimento ser anulado por vicio de violação de lei e de princípios constitucionais , nos termos dos artigos 12.° n.° 1, 13.°, 18.°, 47.° e 270.° todos da CRP e 135.° e 136.° do CPA, E, em ambos os casos ser substituído por outro acto que autorize o recorrente João ... a leccionar no ensino secundário, público e privado, nas áreas das ciências sociais e ciências humanas, fora do horário de serviço na GNR e na área de Lisboa.” A entidade recorrida contra-alegou (cfr. fls. 81 a 89, que aqui se dão por integralmente reproduzidas), finalizando do modo que segue: “ I. O despacho impugnado não é nulo, por violação do conteúdo essencial de direitos fundamentais, pela simples e decisiva razão de que não está previsto, não existe, na Constituição ou em qualquer diploma legal, o direito à acumulação de funções, a qual, de resto, só pode ser autorizada a título excepcional (artigo 269°., n°s. 1, 4 e 5, da CRP e artigo 12°., n°. 1, do Decreto-Lei n°. 184/89, de 2 de Junho); II. O despacho impugnado não é anulável, porque não padece do vício de violação de lei – cuja norma, aliás, o Recorrente não especifica – nem de violação dos princípios constitucionais ou legais que limitam a actuação da Administração” Termina pedindo que seja negado provimento ao recurso e, em consequência, que seja mantido o despacho impugnado. O EPGA junto deste TCA emitiu douto parecer a fls. 91/92 dos autos, no qual se pronuncia pelo não provimento do recurso. Colhidos os Vistos legais, cumpre decidir. * 2. DA FUNDAMENTAÇÃO2.1 DOS FACTOS Do acervo documental constante dos autos e do processo instrutor apenso, resultam provados e com interesse para a decisão, os seguintes factos: 1) O recorrente é militar da GNR, com o posto de Cabo de Infantaria, colocado, à data dos factos, no posto do Yual Móvel do Comando do Agrupamento Fiscal de Lisboa, da Brigada Fiscal da GNR, actividade que é sobretudo desenvolvida durante a noite e é Licenciado em Gestão e Administração Púbica (doc. n.º1 junto à petição inicial a fls. 12 dos autos, e doc. n.º2 do processo instrutor apenso). 2) Em 04.08.1999, através de requerimento dirigido ao Ministro da Administração Interna, o recorrente solicitou autorização para acumulação do exercício de funções que desempenha na GNR com a actividade de docência no ensino secundário, público e privado, na área de Lisboa (doc. n.º2 junto à petição inicial a fls. 12/13, doc 13, do processo instrutor apenso). 3) Como não obteve resposta sobre o dito pedido, o recorrente apresentou em 16.11.1999, reclamação para o Ministro da Administração Interna, nos termos constantes de fls. 15 a 17 dos autos, que aqui se dão por integramente reproduzidas (doc. n.º3 junto à petição inicial e doc 6, do processo instrutor apenso). 4) Sobre essa reclamação não foi proferida decisão expressa e em 23.02.2000, o recorrente apresentou neste Tribunal, recurso contencioso do acto de indeferimento tácito que se teria formado sobre a reclamação referida em 3). 5) Na pendência do recurso contencioso o Secretário de Estado da Administração Interna (SEAI) proferiu, em 03.05.2000, o seguinte despacho: “Concordo. Nos termos e com os fundamentos do presente parecer, indefiro o requerimento apresentado por João ..., identificado nos autos. Comunique-se ao CG/GNR, que notificará o interessado e a sua advogada. Entregue-se no Tribunal a resposta, com este despacho. 00/05/3 Ass. Luís Manuel Patrão Secretário de Estado da Administração Interna” (fls. 35 dos autos). 6) Tal despacho assumiu, na sua fundamentação, a informação nº 313-T/00 da Auditoria Jurídica, que por sua vez se socorreu do parecer n.º101-T/00, da mesma Auditoria, relativo à possibilidade legal de acumulação de funções públicas e privadas por parte de militares da GNR, o qual de seguida parcialmente se transcreve: “ (…..) “1a Por força do disposto no art° 269°, n° 1, da Constituição da República, os trabalhadores da Administração Pública e demais agentes do Estado e outras entidades públicas devem estar exclusivamente ao serviço do interesse público. 2a Em regra, é proibida a acumulação de empregos ou cargos públicos - art° 269°, n° 4, da CRP, art° 12° do DL. 184/89 e art° 31°, n° 1, do DL 427/89. 3a A Constituição remete a determinação do regime aplicável à acumulação de empregos ou cargos públicos com outras actividades para o legislador ordinário - art° 269°, n° 5. 4a Procurando garantir o princípio da imparcialidade da administração, mas também o princípio da eficiência, a regra aplicável à acumulação de empregos ou cargos públicos com outras actividades é, ainda, a da exclusividade de funções, havendo excepções, sujeitas a autorização -art° 12°, n°s3 e 4 do DL 184/89, art° 32° do DL n° 427/89. 5a Existem também actividades que, pela sua natureza, são incompatíveis com o exercício de funções públicas em geral ou com o exercício de funções públicas determinadas - art°s 2° e 3° DL 413/93. 6a Os Decretos-Leis n°s 184/89 e 427/89 são, na matéria em apreço, aplicáveis ao pessoal militar da Guarda Nacional Republicana, sendo-o igualmente o Decreto-Lei n° 413/93, sem prejuízo das especificidades estabelecidas no Estatuto privativo daquela Força de Segurança. 7a A autorização para qualquer acumulação, seja de funções ou cargos públicos, seja de actividades privadas, nos casos em que a lei a exija, cabe ao membro do Governo competente, apenas podendo ser delegada noutro membro do Governo. 8a No caso de o exercício de funções em acumulação, por parte de militares da GNR, depender de autorização - alíneas h) e i) do art° 14° do EMGNR - é juridicamente irrelevante, para efeitos de procedimento, que haja remuneração, ou lucro, embora se prevejam os dois casos em alíneas diferentes, pelo que não encontrámos qualquer justificação para as diferenças de procedimento estabelecidas na NEP/GNR- 1.26” 4. O Comando-Geral da GNR acaba de informar que o ora Recorrente pretende leccionar em Lisboa, entre as 9HOO e as 17HOO, num total de 12 horas semanais, e em dias alternados. O interessado alega que está colocado no "PO Yuval Móvel" e que "esta actividade só é exercida de noite". O respectivo superior hierárquico afirma que não existe incompatibilidade, desde que o militar assegure o dever de disponibilidade, tal como definido no art° 9° do EI/IGNR. Porém, tendo presente o despacho que determina que seja observada a doutrina do parecer n° 101-T/00, o Comando-Geral da GNR entende que, uma vez que ao militar da GNR é exigido o dever de disponibilidade permanente, não se afigura possível a acumulação, uma vez que os horários escalares são rígidos e na Guarda Nacional Republicana muitas vezes os serviços são inopinados podendo vir a coincidir e ter que faltar a um em prejuízo do outro. 5. Assim, considerando que a possibilidade de acumular funções privadas com as funções públicas em que o agente se encontre investido é sempre excepcional, como resulta do parecer n° 101-T/00, se Vossa Excelência julgar dever acolher o entendimento do Comando-Geral da GNR sobre o caso concreto analisado (…)” -( cfr, fls. 35 a 39 dos autos que aqui se dão por integralmente reproduzidas). 7) Por despacho do Comando da GNR, o recorrente foi autorizado a leccionar no ensino secundário no ano de 1997/1998, conforme se alcança do doc. n.º 4 junto com a petição inicial, a fls. 18. 8) O recorrente fez acompanhar o pedido de autorização de acumulação de funções, de duas informações do Comandante da Subunidade (de 04.08.1999 e 16.11.1999) favoráveis ao deferimento do pedido e de um requerimento onde comunica que pretende leccionar “das 09 às 17 horas, com o máximo diário de 04 horas em dias alternados” (respectivamente, doc.s n.º12 e 7, do processo instrutor, apenso e doc. n.º11 , junto à petição inicial a fls. 25 dos autos). 9) O objecto do presente recurso é o acto expresso de indeferimento descrito no ponto 5) da matéria assente. * 2.2 DO DIREITO Como se vê do requerimento de fls. 41 e ss., admitido por despacho de fls.60, nos termos do art. 51° da LPTA) esta peça passou a constituir a petição inicial, por substituição formal e material da anterior. O recorrente impugna contenciosamente o despacho do Secretário de Estado do Ministro da Administração Interna, datado de 03.05.2000, que lhe indeferiu o pedido de autorização para exercer a actividade de docente no ensino público e privado em regime de acumulação com as funções de militar da GRN. Argumenta, na conclusão T das suas alegações, que o despacho recorrido, ao impedi-lo de “exercer livremente a docência”, viola os princípios da igualdade e da liberdade de livre escolha de profissão, decorrentes dos artigos 12º,n.º1, 13º,n.º1 e 2, 18º, 47º, n.º1 e 270º da CRP. Vejamos. É sabido que o princípio constitucional da igualdade do cidadão perante a lei é um princípio estruturante do Estado de Direito Democrático e do sistema constitucional global. Trata-se, de um princípio de conteúdo pluridimensional, que postula várias exigências, designadamente, a de obrigar a um tratamento igual de situações de facto iguais e a um tratamento desigual de situações de facto desiguais, de maneira a não serem criadas discriminações arbitrárias e irrazoáveis desprovidas de justificação objectiva e racional. Ora, no caso trazido a recurso, não se vislumbra, nem o recorrente demonstra qual tenha sido a situação idêntica à sua que tenha merecido da Entidade Recorrida tratamento diferente. Defende ainda, no intuito de ver violado tal princípio, que o seu pedido, agora rejeitado, é em tudo idêntico ao que em 1997 mereceu despacho de concordância do Comandante da GNR, e lhe permitiu no ano lectivo de 1997/98 acumular as funções que desempenha com a actividade da docência. Mas, como bem assinala a Entidade Recorrida, na sua alegação, é “…absolutamente irrelevante que o próprio recorrente e outros militares tenham sido anteriormente… autorizados pelos Comandos a acumularem funções, uma vez que tais autorizações, se existiram, são claramente ilegais, face ao disposto no artigo 269º, n.º 1 da CRP e no artigo 12º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho, para além, obviamente, de as mesmas não terem sido concedidas por quem tinha competência para tal – o membro do Governo (cfr. o artigo 32º, n.º1 do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro). (…) como se sabe, uma situação de ilegalidade, mesmo a existir, nunca poderia justificar a persistência no incumprimento da lei ( artigo 266, n.º2, da CRP e artigo 3º do CPA) (….)” Do que vem dito há-de, assim, concluir-se pela improcedência da alegada violação do princípio da igualdade. * Quanto à violação da liberdade de escolha de profissão. Se bem se entende a alegação do recorrente o argumento seria o de que o despacho impugnado não pode coarctar-lhe o direito de escolher livremente a profissão, quando é sabido que após a revisão constitucional de 1982 ficou definido, no artigo 270º, quais as restrições impostas aos militares; a saber“ restrições ao exercício dos direitos de expressão, reunião, manifestação, associação e petição colectiva e à capacidade eleitoral passiva dos militares e agentes militarizados dos quadros permanentes em serviço, na estrita medida das exigências das suas funções próprias.” É sabido que o exercício de funções pública se norteia pelo princípio da exclusividade, pelo que a acumulação de cargos ou lugares na Administração Pública é proibida, salvo nos casos em que a lei expressamente o admita (artigo 269. n.º 4 da CRP), dito por outras palavras, assume natureza excepcional. E de que tal proibição, nas palavras de JJ Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed.. p 948 “ …em nada contraria a liberdade de profissão, pois além de não atingir o conteúdo essencial do direito, é certamente uma das restrições impostas pelo “ interesse colectivo”, expressamente admitidas na Constituição (cfr. art.º 47º)….” A proibição não afecta, obviamente, o direito à liberdade de escolha da profissão e liberdade de acesso ao trabalho, está outrossim justificada por outro valor, também ele constitucionalmente protegido (arts 269º/1 da CRP) e não excede a medida do necessário para o garantir (cf. art. 18º/2 da CRP). O interesse público impõe limites à possibilidade de se exercer mais do que uma profissão, limites que a Constituição indica “(…) ao estatuir a plena dedicação dos funcionários ou agentes administrativos à prossecução do interesse público. Entende-se ser mais rentável e eficaz para o interesse colectivo que os funcionários e agentes só se preocupem com o desempenho das funções próprias da sua categoria, não devendo a sua atenção, dedicação e esforço serem partilhados na prossecução de outros interesses. No intuito de assegurar aquela plena dedicação, os n.os 4 e 5 do art.º 269 da Constituição prescrevem: “ 4– Não é permitida a acumulação de empregos ou cargos públicos, salvo nos casos expressamente admitidos por lei. 5- A lei determina as incompatibilidades entre o exercício de empregos ou cargos públicos e o de outras actividades. “(…) “( Paulo Veiga e Moura, in Função Pública, Regime Jurídico, Direitos e Deveres dos Funcionários e Agentes, I Vol. 2º Ed., pp. 437). Da leitura dos normativos constitucionais infere-se que o legislador constitucional teve a intenção de sujeitar a regimes diferentes a acumulação de empregos ou cargos públicos e a acumulação destes com o exercício da actividade privada. Para os primeiros rege o princípio da proibição relativa, ou seja, a acumulação de funções ou cargos públicos só é permitida quando se fundamente em superiores interesses da colectividade que exijam e reclamem que um funcionário público ou agente seja autorizado a exercer mais do que um cargo na função pública, é, aliás, o que resulta da conjugação do disposto nos art.ºs 12º do Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho e 31º do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro. Ora, no caso vertente, não se antolha qual seja o interesse público que exija ou reclame que o recorrente desempenhe as funções inerentes a um militar da GNR e dar aulas numa escola pública para alunos do ensino secundário. A nosso ver, e no que à acumulação de empregos públicos concerne, a entidade recorrida ao indeferir o pedido de acumulação de cargos públicos, fez correcta interpretação e aplicação da lei. Vejamos agora se também o fez quando lhe negou a possibilidade de acumular as funções públicas com o desempenho da actividade de professor, em estabelecimento de ensino privado. Ao contrário do que ocorre com a acumulação de funções públicas, o exercício cumulativo de empregos públicos e de actividades privadas só é proibido quando a lei expressamente determinar uma incompatibilidade entre ambos. A Constituição (artigo 269º,n.º5) devolveu ao legislador ordinário a tarefa de indicar quais as actividades privadas que não podem ser objecto de exercício cumulativo pelo mesmo trabalhador. Tal tarefa, no que ao caso importa, veio a ser concretizada com a publicação dos Decretos-Leis n.ºs 184/89 e 427/89, que regulamentaram, respectivamente, no art.º12º e art.º 32º, o regime das incompatibilidades comuns a todos funcionários ou agentes que estejam abrangidos pelo regime geral da função pública. No caso do DL n.º 427/89, diz o artigo 32º, sob a epígrafe “acumulação de funções privadas” (aplicável in casu): “ 1 – O exercício em acumulação de actividades privadas carece de autorização prévia do membro do Governo competente, a qual pode ser delegada no dirigente máximo do serviço. 2 – O disposto no nº 1 não abrange a criação artística e literária e a realização de conferências, palestras, acções de formação de curta duração e outras actividades de idêntica natureza. 3 – A autorização referida no nº 1 só pode ser concedida se se verificarem as seguintes condições: a) Se a actividade a acumular não for legalmente considerada incompatível, b) Se os horários a praticar não forem total ou parcialmente coincidentes; c) Se não ficarem comprometidas a isenção e a imparcialidade do funcionário ou agente no desempenho de funções; d) Se não houver prejuízo para o interesse público e para os direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos. 4.- A recusa de autorização para o desempenho de funções públicas em acumulação com actividades privadas carece de fundamentação, nos termos gerais”. Este regime legal visa garantir os princípios da imparcialidade e da eficiência da administração, disciplinando o exercício de actividades privadas que, ou, pela sua natureza, ou, pelas concretas condições do seu exercício, possam prejudicar o interesse público, conflituando com a necessária dedicação ao cumprimento dos horários e das tarefas da função pública. Como resulta do probatório (ponto 6) a autoridade recorrida indeferiu a pretensão do recorrente, por entender que, no caso, a rigidez dos horários escolares colide com o dever de disponibilidade permanente que o Estatuto exige ao militar da GNR. A incompatibilidade adviria, pois, da possibilidade de o recorrente ser chamado ao serviço e a ele dever comparecer quando se encontra a leccionar. Efectivamente resulta do artigo 9º do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republica (EM/GNR), que um dos deveres dos militares da GNR é o dever de permanente disponibilidade para o serviço “, ainda que com sacrifício dos interesses pessoais” (n.º1), devendo igualmente privar-se de exercer quaisquer actividades de natureza lucrativa e recusar qualquer emprego privado, sem prévia autorização da entidade competente (respectivamente, als. h) e i) do artigo 14º do EM/GNR). Mas será que tal exigência constitui fundamento legal bastante para a entidade recorrida negar provimento à pretensão do recorrente, quando resulta do probatório que à data do pedido o militar se encontrava colocado no Yual Móvel do Comando do Agrupamento Fiscal de Lisboa, da Brigada Fiscal da GNR e desenvolvia a sua actividade sobretudo à noite (ponto 1 da matéria assente)? Cremos que não, a argumentação expendida pela entidade recorrida, para indeferir a pretensão do recorrente, não tem correspondência com o interesse que o legislador pretende defender e proteger nas 4 alíneas do n.º3 do art.º 32º do citado diploma. De facto pouco importa ao legislador que o recorrente da acumulação não possa cumprir o horário, previsto para a prestação da actividade privada, o que lhe importa é que a actividade pública não seja prejudicada, em termos do cumprimento integral das funções. Ora, se o recorrente cumprir com as exigências que EM/GNR lhe impõe, concretamente o dever de permanente disponibilidade, pouco importa ou deveria ter importado à entidade recorrida, se ele teria ou não que abandonar aula que estava a leccionar, tal questão resolvê-la-á ele com o seu empregador privado. A entender-se de outra forma, os “ juízos de prognose, sem base em factos concretos, mas em simples conjecturas, justificariam a proibição, em termos absolutos, do exercício de funções públicas e privadas, em manifesta contradição, senão com um direito subjectivo à acumulação que a Constituição consagre, pelo menos com directa violação do interesse juridicamente protegido, de igual conteúdo, que as normas que disciplinam esse exercício, obviamente, reconhecem. “(Ac. do STA , de 26.06.1993, rec. 31915). Perante o que fica dito é de concluir que assiste razão ao Recorrente, na medida em que, o despacho impugnado ao não lhe permitir a acumulação de funções públicas com a actividade privada, fundamentado na hipotética violação do dever de disponibilidade, colide com o direito consagrado no artigo 47º da CRP. * Face à procedência deste vício, fica prejudicado o conhecimento dos restantes vícios invocados pelo recorrente. * Face ao exposto, acordam, os juízes do 1º Juízo Liquidatário do Tribunal Central Administrativo Sul, em conferência, em conceder provimento ao recurso anulando o despacho recorrido. Sem custas. * Lisboa, 15 de Janeiro de 2009 (Gomes Correia) (A. Vasconcelos) (Coelho da Cunha) |