Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1364/24.6BELRA
Secção:CA
Data do Acordão:09/25/2025
Relator:LINA COSTA
Descritores:CAUTELAR
EFEITO MERAMENTE DEVOLUTIVO
SUSPENSÃO DE LICENÇA DE EXPLORAÇÂO
FUMUS BONI IURIS
Sumário:I - O efeito de subida dos recursos de decisões cautelares é meramente devolutivo, por força do disposto na alínea b) do nº 2 do artigo 143º do CPTA, não sendo aplicável a faculdade prevista no respectivo nº 4;
II - A Recorrente foi notificada para exercer o direito de audiência a prévia e apresentou pronúncia que foi ponderada na tomada de decisão de suspender a respectiva licença, pelo que não se verifica a preterição, formal e substancial, desse direito;
III - O acto suspendendo resulta da aplicação do disposto no artigo 81º, nº, alíneas d) e e) do RGGR, por a Recorrida ter constatado que foi ultrapassada a capacidade de depósito autorizada na licença do aterro e que tal não foi comunicado à entidade licenciadora, o que determinou o incumprimento do TUA aprovado e a suspensão da licença, sem qualquer necessidade de aferir da culpa ou não, da Recorrente na produção desse resultado;
IV - Dito de outro modo, o acto de suspensão da licença, em referência nos autos, não consubstancia uma medida acessória, aplicada no âmbito e no termo de um processo de contra-ordenação ambiental, onde a actuação culposa ou negligente da Recorrente, se constituída como infractora, teria necessariamente de ser aferida, pelo que não se verifica o alegado vício de erro nos pressupostos de facto e de direito;
V - A suspensão da licença não é violadora do princípio da proporcionalidade, por ser adequada, necessária e não se afigura excessiva, nos termos e para os efeitos pretendidos no referido artigo 81º do RGGR;
VI - A improcedência do recurso, torna inútil a apreciação do pedido de ampliação do respectivo objecto pela Recorrida.
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:E..– Empresa Intermunicipal para o Tratamento de Resíduos Sólidos, EIM, devidamente identificada como requerente nos autos de outros processos cautelares instaurados contra a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo, IP [CCDRLVT], inconformada veio interpor recurso jurisdicional da sentença de 11.11.2024 proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou improcedente a presente acção e, em consequência, recusou a providência cautelar requerida [de suspensão da eficácia do acto que determinou a suspensão da Licença de Exploração da Requerente, em concreto, acto administrativo emitido pela CCDR-LVT, I.P. em 4.9.2024].
A Recorrente requer que o recurso suba com efeito suspensivo e nas respectivas alegações formula as conclusões que seguidamente se reproduzem:
«I. O presente recurso de apelação tem por objeto a impugnação da Sentença, datada de 11 de novembro de 2024 que julgou improcedente o presente processo cautelar e recusou a adoção da providência cautelar requerida consistente na suspensão da eficácia do ato administrativo, datado de 04.09.2024, emitido pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Vale do Tejo (CCDR-LVT), que determinou a suspensão da Licença de Exploração e a suspensão da atividade de receção de resíduos em aterro.
II. E tem por objetivo a revogação da decisão recorrida e a substituição da mesma por douto Acórdão que julgue totalmente procedente a presente ação cautelar, com a consequente suspensão da eficácia do ato administrativo suspendendo.
III. A Recorrente é uma empresa intermunicipal, participada pela R…. que é uma Associação de Municípios de que fazem parte os Municípios de Almeirim, Alpiarça, Benavente, Cartaxo, Chamusca, Coruche e Salvaterra de Magos, e tem por objeto a gestão de resíduos urbanos e a recolha seletiva dos mesmos.
IV. A Recorrente é, nessa qualidade e para efeito de desempenho da sua atividade, titular de um aterro sanitário que é utilizado para a deposição de resíduos, atividade essa que é desenvolvida, nos termos legais, ao abrigo de um Título Único Ambiental (TUA) n.º 20201027000341 que integra a Licença Ambiental emitida pela APA (Agência Portuguesa do Ambiente), em 15.03.2021, e pela Licença de Exploração emitida pela Recorrida/Requerida em 30.09.2021.
V. O ato administrativo suspendendo determinou a suspensão da Licença de Exploração acima identificada e a suspensão da atividade de receção de resíduos em aterro, o que implica que a Requerente/Recorrente não possa dar destino final (mediante deposição no aterro) dos resíduos que recolhe na sua área de atuação que corresponde à soma das circunscrições territoriais dos municípios associadas na RESIURB, com consequências muito gravosas (e perigosas), tanto para o desempenho da atividade da Recorrente, como também para a saúde pública.
VI. A Recorrente intentou o presente processo cautelar peticionando o decretamento da providência cautelar de suspensão da eficácia do ato administrativo, datado de 04.09.2024, que determinou a suspensão da mencionada licença e da atividade de deposição dos resíduos em aterro.
VII. O Tribunal a quo julgou verificado o requisito do periculum in mora, mas considerou que o pressuposto cumulativo do fumus boni iuris não estava preenchido, tendo ainda considerada prejudicada a decisão quanto ao critério da ponderação de interesses.
VIII. O Tribunal a quo, ao julgar improcedente a presente ação cautelar, incorreu em erros de julgamento da matéria de direito, por errada interpretação e aplicação, e consequente violação, pelo menos das normas constantes dos artigos 18.º, 266.º, 267.º da Constituição, 7.º, 121.º do CPA e das alíneas d) e e) do n.º 2 do artigo 81.º do Anexo I (RGGR) e dos artigos 10.º e 15.º do Anexo II (RJDRA) ambos do Decreto-Lei n.º 102-D/2020, de 10.12.
IX. É absolutamente essencial que a Recorrente possa continuar a depositar os resíduos recolhidos no referido aterro sanitário da Raposa, tendo em linha de conta que na região da Lezíria do Tejo (e arredores) não existe qualquer alternativa para o tratamento do resíduos, sendo certo ainda que os resíduos urbanos (resíduos sólidos) não podem deixar de serem recolhidos (sob pena de acumulação dos mesmos nas ruas) e, os recolhidos, também não podem deixar de ter um destino final que, in casu, é a deposição em aterro, isto é, numa infraestrutura licenciada e apta para este fim.
X. A Requerida/Recorrida não apresentou resolução fundamentada para afastar o efeito da proibição de execução do ato a que se refere a norma do artigo 128.º do CPTA, o que significa que a referida entidade (a CCDR-LVT) reconheceu que o diferimento da execução do ato suspendendo não causaria prejuízos para o interesse público.
XI. Tanto o Tribunal a quo, explicitamente e com fundamentação exemplar no que respeita à verificação do periculum in mora, como a entidade requerida reconhecem que a execução do ato suspendendo causará, certamente, prejuízos irreparáveis para a esfera jurídica (funcional e patrimonial) da Requerente/Recorrente, como também, e sobretudo, para a satisfação das necessidades coletivas em matéria de gestão de resíduos, com um risco sério (grave e qualificado) para o meio ambiente e para a saúde pública.
XII. Em face do exposto, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 143.º do CPTA, requer-se que seja atribuído efeito suspensivo ao presente recurso de apelação, com a manutenção da proibição de execução do ato suspendendo ou, caso assim não se entenda, que seja determinada a adoção de providências adequadas para evitar a produção dos danos e que podem consistir na autorização, ainda que provisória, da Recorrente para a continuação da atividade de receção e deposição dos resíduos no aterro sanitário da Raposa na pendência do presente recurso.
XIII. O Tribunal a quo, na sequência de um julgamento exemplar da matéria de facto, considerou preenchido o requisito do periculum in mora, mas considerou não verificado o pressuposto cumulativo do fumus boni iuris e, nesta sequência, por considerar tal apreciação prejudicada, não se pronunciou sobre o critério da ponderação de interesses.
XIV. A Recorrente/Requerente não concorda com a decisão recorrida, na parte em que a mesma considerou não verificado o mencionado requisito da aparência de bom direito, dado que, conforme foi alegado e demonstrado no requerimento inicial, é evidente que o ato suspendendo se encontra inquinado dos vícios de preterição do direito de audiência prévia, de erros nos pressupostos de facto e de direito e de violação do princípio da proporcionalidade, sendo, assim, manifesto que a ação principal impugnatória será julgada procedente.
XV. Pelo que incorreu o Tribunal a quo em erros de julgamento da matéria de direito, nos termos que se seguem.
XVI. A Recorrente não concorda com o entendimento do Tribunal a quo que considerou não verificado o vicio de preterição do direito de audiência prévia.
XVII. Com efeito, o exercício do direito de audiência prévia não se dá por cumprido com a mera verificação de um momento procedimental para o efeito, sendo necessário, antes sim, que seja passível de comprovar da análise da decisão administrativa os juízos e considerações do órgão decisor sobre o argumentário aduzido pelo interessado na devida sede.
XVIII. Da análise do ato suspendendo deve concluir-se que a Requerida/Recorrida não deu cumprimento ao direito de audiência prévia, eximindo-se de analisar concretamente os argumentos apresentados pela Requerente.
XIX. De facto, a Requerida não se pronuncia nem sobre o primeiro dos circunstancialismos expostos – a falta de alternativa viável – nem sequer quanto ao segundo dos argumentos aventados – o facto de que já se terem iniciado os esforços com vista à concretização do projeto de reengenharia do aterro.
XX. Deve concluir-se que a Requerida/Recorrida, por um lado, não considerou os argumentos e factos apresentados pela Recorrente/Requerente em sede de audiência prévia e, por outro lado, o ato suspendendo contém argumentos novos que não estavam presentes no projeto de decisão, o que sempre obrigaria à realização de uma nova audiência prévia, o que não sucedeu.
XXI. Pelo que é evidente que foi violado/preterido o direito de pronúncia em sede de audiência prévia que gera a nulidade do ato suspendendo ou, pelo menos, a sua anulabilidade por violação do disposto, nomeadamente, no n.º 5 do artigo 267.º da Constituição e do artigo 121.º do CPA.
XXII. O Tribunal a quo, ao não julgar verificado o vicio de preterição do direito de pronúncia em sede de audiência prévia incorreu em erro de julgamento da matéria de direito, por errada interpretação e aplicação, e consequente violação, pelo menos, do disposto no n.º 5 do artigo 267.º da Constituição e do artigo 121.º do CPA.
XXIII. O Tribunal a quo entendeu, erradamente, que o ato suspendendo não constitui um ato sancionatório, não sendo de aplicar ao mesmo o regime da responsabilidade (que pressupõe a verificação de uma atuação culposa, ilícita e danosa), e que tal ato apenas se baseia na aplicação das normas pertinentes à situação de facto concreta.
XXIV. A Recorrente não concorda com este entendimento, na medida em que, ao contrário do sustentado na decisão recorrida, o ato suspendendo (que não é vinculado) pressupõe o incumprimento de determinadas regras, ao qual (incumprimento) a lei atribui determinada consequência jurídica, sendo que, todo o incumprimento, para ser sancionado, pressupõe, em regra, a ocorrência de uma atuação culposa, pelo que, não havendo culpa, isto é, não havendo a possibilidade de atuar de forma diferente, não ocorre incumprimento e, não havendo incumprimento, o mesmo não pode ser sancionado.
XXV. A Requerente/Recorrente fez tudo o que estava ao seu alcance para assegurar o cumprimento integral do regime aplicável e dos termos da sua licença, incluindo, nomeadamente, a adoção das diligências necessárias para a reengenharia do aterro sanitário, sendo certo que não existe qualquer alternativa à deposição dos resíduos urbanos no aterro sanitário da Raposa.
XXVI. A Requerida/Recorrida procedeu à emissão do ato administrativo de suspensão da licença invocando, para tanto, o disposto nas alíneas d) e e) do n.º 2 do artigo 81.º do Regime Geral da Gestão de Resíduos (RGGR), que constitui o anexo I do Decreto-Lei n.º 102-D/2020, de 10.12.
XXVII. A suspensão da licença e da atividade de deposição de resíduos em aterro não constitui um ato vinculado, mas sim discricionário, pelo que, ainda que se verifique uma situação de facto que tenha cabimento em alguma das referidas alíneas, tal não significa que a consequência jurídica tenha de ser, necessariamente, a suspensão da licença.
XXVIII. A Requerida/Recorrida devia ter optado, na sequência da ponderação dos interesses envolvidos, desde logo a ausência de alternativas à deposição em aterro, por não suspender, nem total nem parcialmente, a referida licença, partindo dos seguintes pressupostos: (i) não há culpa na atuação da Recorrente e (ii) também não existe qualquer alternativa que não seja a deposição dos resíduos no aterro sanitário da Raposa.
XXIX. Pelo que, inexistindo culpa por parte da Requerente/Recorrente, é evidente que não se encontram preenchidos os requisitos, nomeadamente o da culpa, de que depende a aplicação da sanção consistente na suspensão da licença.
XXX. O Tribunal a quo, ao não considerar procedente o referido vício de erro nos pressupostos de facto e de direito do ato suspendendo, incorreu em erro de julgamento da matéria de direito, por errada interpretação e aplicação, e consequente violação, pelo menos das normas constantes das alíneas d) e e) do n.º 2 do artigo 81.º do Anexo I (RGGR) e dos artigos 10.º e 15.º do Anexo II (RJDRA) ambos do Decreto-Lei n.º 102-D/2020, de 10.12.
XXXI. O Tribunal a quo entendeu, erradamente, que o vício de violação do princípio da proporcionalidade se não verifica, entendimento esse que assenta em pressupostos errados, dado que é evidente que o ato suspendendo viola, manifestamente, o princípio da proporcionalidade.
XXXII. A suspensão da licença não constitui, no caso concreto, um ato vinculado, ou seja, a Requerida/Recorrida podia e devia ter optado por outra medida menos gravosa.
XXXIII. A Requerida/recorrida podia ter autorizado expressamente a deposição temporária em aterro, de acordo com o artigo 10.º do Anexo II (RJDRA) do Decreto-Lei n.º 102-D/2020, por períodos de 180 dias prorrogáveis, até que, em concreto, fosse possível proceder à ampliação do aterro na sequência da sua reengenharia, nos termos já constantes da matéria de facto dada como provada.
XXXIV. O que permitiria que, até à reengenharia do aterro sanitário, fosse possível dar um destino adequado aos resíduos.
XXXV. Ou seja, a suspensão da licença não é, no caso concreto, adequada, nem necessária e muito menos proporcional.
XXXVI. Pelo que o Tribunal a quo ao não considerar verificado o vicio de violação do princípio da proporcionalidade incorreu em erro de julgamento da matéria de direito, por errada interpretação e aplicação, e consequente violação, pelo menos, das normas dos artigos 18.º e 266.º da Constituição e 7.º do CPA.
XXXVII. Em suma, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de direito ao não considerar preenchido o pressuposto do fumus boni iuris.
XXXVIII. Deve concluir-se, como fez, e bem, o Tribunal a quo, que se encontra preenchido o requisito do periculum in mora.
XXXIX. Sendo que, estando preenchidos os dois requisitos acima mencionados (periculum in mora e fumus boni iuris), deve concluir-se ainda que se verifica o critério da ponderação de interesses.
XL. Com efeito, tendo em linha de conta que a Requerida/Recorrida não apresentou resolução fundamentada para afastar ou tentar afastar o efeito automático da proibição de execução do ato e considerando ainda que o Tribunal a quo julgou verificado o requisito do periculum in mora, temos por evidente que a presente providência é adequada e proporcional e que o decretamento da mesma não prejudica qualquer interesse público ou privado.
XLI. Pelo que se deve concluir que o Tribunal a quo, ao não julgar verificado o requisito do fumus boni iuris e ao não decretar a providência requerida, incorreu em erros de julgamento de direito, por errada interpretação e aplicação, e consequente violação, pelo menos, das normas dos artigos 18.º, 266.º, 267.º da Constituição, 7.º, 121.º do CPA e das alíneas d) e e) do n.º 2 do artigo 81.º do Anexo I (RGGR) e dos artigos 10.º e 15.º do Anexo II (RJDRA) ambos do Decreto-Lei n.º 102-D/2020, de 10.12.
XLII. Pelo que deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, revogando-se a Sentença recorrida e substituindo-se a mesma por douto Acórdão que julgue totalmente procedente a providência cautelar requerida de suspensão da eficácia do ato administrativo, datado de 04.09.2024, praticado pela CCDR-LVT que determinou a suspensão da Licença de Exploração e da receção de resíduos em aterro.»,
requerendo, que:
«a) Seja atribuído ao presente recurso de apelação efeito suspensivo, com a consequente manutenção da proibição de execução do ato suspendendo;
OU, CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, E SUBSIDIARIAMENTE,
b) Sejam determinadas, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 143.º do CPTA, providências adequadas para evitar para evitar a produção dos danos e que podem consistir na autorização, ainda que provisória, da Recorrente para a continuação da atividade de receção e deposição dos resíduos no aterro sanitário da Raposa na pendência do presente recurso; E CUMULATIVAMENTE, c) Seja julgado totalmente procedente o presente recurso de apelação com a consequente revogação da Sentença recorrida e a substituição da mesma por douto Acórdão que julgue totalmente procedente o presente processo cautelar e determine a suspensão da eficácia do ato administrativo, datado de 04.09.2024, praticado pela CCDR-LVT que determinou a suspensão da Licença de Exploração.».

A Recorrida, notificado para o efeito, contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
«(i) Objeto do presente recurso e a Sentença preferida pelo TAF de Leiria em 11.11.2024, que indeferiu a providencia cautelar de suspensão de eficácia do ato e absolveu a Requerida do pedido, por considerar corretamente que não se pode dar como verificado o requisito do fumus bonus iuris;
(ii) A Recorrente imputa a Sentença três erros de julgamento, ao julgar improcedentes: (i) o alegado vício de preterição da audiência previa; (ii) o suposto de vício de erro nos pressupostos de facto e de direito, na base do entendimento de que o ato suspendendo não tem natureza sancionatória; (iii) o putativo vício de violação do princípio da proporcionalidade.
(iii) A Recorrente pede, ainda, que seja atribuído efeito suspensivo ao recurso e/ou adoção de providencias adequadas, ao abrigo do artigo 143.º/4 do CPTA.
(iv) A jurisprudência e clara a este respeito: a regra nos recursos nos processos cautelares e o efeito meramente devolutivo dos mesmos; por outro lado, o n.º 4 do artigo 143.º do CPTA só se aplica nos casos em que foi requerida a atribuição de efeito devolutivo ao recurso, ao abrigo do n.º 3 do mesmo preceito;
(v) A Recorrente não invoca quaisquer danos concretos para fundamentar o pedido de atribuição do efeito suspensivo e de providencias – muito menos danos que permitam afastar a regra do efeito meramente devolutivo do recurso.
(vi) O efeito suspensivo do recurso ou a adoção dessas providencias resultariam no agravamento de uma situação ilegal, com inegáveis riscos para a saúde publica e para o ambiente.
(vii) Quanto aos erros de julgamento imputados a Sentença, a Recorrente não se esforça por rebater o discurso fundamentador da decisão que impugna, limitando-se a reproduzir o que consta da mesma e o arrazoado do requerimento inicial.
(viii) É de manter integralmente o juízo do Tribunal a quo quanto a improcedência dos vícios de preterição de audiência previa, seja em sentido formal ou material, de erro nos pressupostos e de violação do princípio da proporcionalidade, pelas razoes aduzidas na Sentença e que oportunamente foram alegadas pela Recorrida, na sua Oposição.
(ix) Subsidiariamente, caso o recurso seja julgado procedente e se considere verificado o fumus bonus iuris, a Recorrida pretende ver reapreciada Sentença apenas quanto ao juízo que formulou quanto a existência de periculum in mora, nos termos do artigo 636.º/1 do CPC.
(x) Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento nesta parte, tendo procedido a uma aplicação incorreta do Direito aos factos dados por provados.
(xi) A Sentença reconheceu que a alegação da Recorrente a respeito do periculum in mora se baseou maioritariamente em considerações e matéria conclusiva, não densificando ou concretizando os factos alegados e os prejuízos invocados.
(xii) Não obstante, o Tribunal a quo concluiu pela existência desse requisito, sustentando que a execução do ato suspendendo causará à Recorrente uma situação de facto consumado de difícil reparação.
(xiii) O “fundado receio” a que o artigo 120.º/1 do CPTA se refere só será verdadeiramente fundado se for alegada e provada factualidade concreta que o suporte: de outro modo, qualquer decisão desfavorável preencheria o requisito do periculum in mora.
(xiv) A Recorrente limitou-se a invocar, em sede cautelar, prejuízos hipotéticos, eventuais ou conjeturais, que não são atendíveis no âmbito da suspensão de eficácia de um ato administrativo.
(xv) Por outro lado, o Tribunal a quo não teve quaisquer dúvidas quanto a responsabilidade da Recorrente pela situação de esgotamento da capacidade que se verificou no aterro sanitário da Raposa.
(xvi) A conclusão da Sentença a propósito da existência de periculum in mora não pode subsistir, sob pena de incoerência com outros pontos da decisão, mas também por implicar uma subversão do ónus de alegação e de prova que impende sobre o requerente da providencia cautelar.»

O juiz a quo proferiu despacho de admissão do recurso com efeito de subida meramente devolutivo.

Notificada para o efeito, a Recorrente pronunciou-se pela improcedência da ampliação do objecto do recurso, requerida pela Recorrida.

O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Notificado o parecer que antecede às partes, a Recorrente veio reiterar para que o recurso seja considerado procedente.

Sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. o nº 2 do artigo 36º do CPTA), mas com apresentação prévia do projecto de acórdão, vem o mesmo à sessão para julgamento.

A questão suscitada pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, consiste, no essencial, em saber se a sentença recorrida incorreu em erros de julgamento de direito ao julgar a providência improcedente, por não verificação dos requisitos do fumus boni iuris.
E se assim se concluir se, no âmbito do pedido de ampliação do objecto do recurso pela Recorrida, o tribunal recorrido errou na apreciação do requisito do periculum in mora, julgando-o verificado.
A título prévio importa aferir do efeito de subida do recurso.

A matéria de facto relevante é a constante da sentença recorrida, a qual, por não ter sido impugnada, aqui se dá por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 6 do artigo 663º do CPC, ex vi o nº 3 do artigo 140º do CPTA.

Da questão prévia - do efeito do recurso:
No requerimento do recurso a Recorrente alega que o efeito suspensivo do recurso se justifica pelo dano que a execução imediata da decisão recorrida lhe causará, bem como à saúde pública e ao meio ambiente, por não existir na região da Lezíria do Tejo (e arredores) qualquer alternativa para o tratamento do resíduos, sendo certo ainda que os resíduos urbanos (resíduos sólidos) não podem deixar de ser recolhidos (sob pena de acumulação dos mesmos nas ruas) e, os recolhidos, também não podem deixar de ter um destino final que, no caso, é a deposição em aterro, pelo que é essencial que continue a depositar os resíduos recolhidos no aterro sanitário da Raposa.
Determina o nº 4 do artigo 143º do CPTA que “[q]uando a atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso possa ser causadora de danos, o tribunal pode determinar a adoção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos e impor a prestação, pelo interessado, de garantia destinada a responder pelos mesmos”, o que pressupõe, desde logo, que o efeito meramente devolutivo do recurso dependa de despacho judicial que o atribua.
Ora, do disposto na alínea b) do nº 2 do mesmo artigo resulta especificado que os recursos interpostos de decisões respeitantes a processos cautelares são meramente devolutivos, pelo que não está na disposição do juiz do processo fixar efeito diferente, mesmo que o requerente venha alegar de forma especificada e fundamentada prejuízos que a execução imediata da sentença cautelar lhe irá causar, o que, aliás, a Recorrente também não faz, limitando-se a uma alegação genérica de danos.
Em face do que se mantém o efeito meramente devolutivo do recurso fixado pelo juiz a quo.

Do recurso - dos erros de julgamento de direito:

Alega a Recorrente, em suma, que está verificado o requisito do fumus boni iuris por ser manifesto que o acto suspendendo enferma de vícios de preterição do direito de audiência prévia, de erro nos pressupostos de facto e de direito, e de violação do princípio da proporcionalidade, pelo que é evidente que a acção principal impugnatória será julgada procedente.

Da fundamentação da sentença recorrida, extrai-se o seguinte:
«i. Da alegada preterição do direito de audiência prévia
Resulta do probatório indiciário que formalmente foi concedido o direito de audiência prévia, direito assegurado constitucionalmente no artigo 267.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e concretizado nos artigos 122.º e 122.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), tendo a Requerente sido ouvida quanto à intenção comunicada pela Entidade Requerida de suspender a licença de exploração em causa [cfr. Factos Provados Q) a S) e U)].
Temos assim que, face à alegação da Requerente (concretamente artigos 89.º e seguintes), estará em causa uma falta de apreciação/discordância dos fundamentos invocados em sede de audiência prévia, o que consubstancia vício material e não qualquer vício de preterição de audiência prévia. E, no caso dos autos, como consta da alegação quer em sede de audiência de interessados quer em sede de requerimento inicial (cfr. artigo 92.º e seguintes) o que faz a Requerente é, no fundo, apontar as razões que justificaram a manutenção da sua atuação (ex.: a necessidade de depositar no aterro resíduos em quantidades e volumes superiores aos autorizados será de imputar a circunstancialismo externos e nunca à Requerente; a falta de capacidade ou interesse das entidades privadas para o desenvolvimento desta atividade e, consequentemente, a falta de alternativas que surjam como uma resposta viável a esse circunstancialismo, o procedimento a correr no Município de Almeirim, quanto às questões relacionadas com a alteração do PDM que impossibilitam a Requerente de encetar os esforços necessários à concretização do projeto de reengenharia do aterro sanitário de Raposa, etc.), razões essas cuja validade não compete a este Tribunal apreciar.
Ora, neste enquadramento, e visto quer o requerimento apresentado pela Requerente em sede de audiência prévia quer o teor da decisão ora suspendenda temos que do mesmo resulta ter sido dado cabal cumprimento ao direito de audiência prévia, pois foi ouvida a Requerente quanto ao projeto de decisão de suspensão da licença. Com efeito, dispõe o artigo 121.º, n.º 1 do CPA que “Os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta (destaque nosso)” e coligido o probatório verifica-se que foi dado cumprimento a este trâmite.
Note-se que ao contrário do invocado nem tal direito é absoluto (vejam-se, por exemplo, as situações de possibilidade de dispensa de audiência prévia – cfr. artigo 124.º do CPA) nem conduz à nulidade do ato (antes à mera anulabilidade, sendo exceção apenas as situações configuradas no direito sancionatório equiparado a direito penal - cfr. artigo 32.º, n.º 10 da CRP-, o que não é o caso].
Refira-se ainda que, em todo o caso, também não pode ser apontado à Entidade Requerida que se pronuncie sobre todas as questões suscitadas pelo interessado, mas sim que avalie do impacto da alegação no projeto de decisão e, no caso, considerando que a alegação da Requerente em sede de audiência prévia se reconduziu a justificações da situação em causa, considerou a Entidade Requerida que essa alegação não obstava à decisão de suspensão da licença em causa. A este propósito, consigna-se na decisão suspendendo que “(…) não tendo sido apresentadas pela E..soluções concretas (com cronograma) que visem, quer a garantia da regular gestão dos resíduos urbanos de que é responsável, quer a recondução da instalação à legalidade, não pode a CCDRLVT, I.P. na qualidade de entidade licenciadora da atividade, permitir o perpetuar da situação de incumprimento legislativo.” [cfr. Facto Provado W)].
Reitera-se que a Requerente em sede de audiência prévia apontou, grosso modo, a ausência de imputabilidade da situação à Requerente, a falta de alternativa viável e o facto de que já se terem iniciado os esforços com vista à concretização do projeto de reengenharia do aterro. Mas concluiu a Entidade Requerida que tal não obstava à verificação de motivos para suspensão da licença. Discordar desse entendimento corresponde a vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto ou de direito e não qualquer violação do direito de audiência prévia.
Assim, não pode aqui colher a alegada violação do direito de audiência prévia em sentido material desenvolvido pela Requerente nos artigos 90.º e seguintes do requerimento inicial pois que a referência a “soluções, alternativas ou planos estratégicos de resolução do problema” na decisão final perspetiva apenas uma possibilidade apontada pela Entidade Requerida de ultrapassar a questão já que os fundamentos para a suspensão da licença de exploração se reconduzem, no essencial, ao facto de ter sido extravasada a capacidade autorizada, o que configura incumprimento do Regime Geral da Gestão de Resíduos (RGGR), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 102-D/2020 de 10 de dezembro e do Regime Jurídico da Deposição de Resíduos em Aterro (RJDRA), constante do Anexo II do Decreto-Lei n.º 102-D/2020, de 10 de dezembro, representa potencial perigo para a saúde pública e ambiental, não poder ser aberto precedente face a outros operadores, a alteração das capacidades e condições configurar uma alteração do projeto inicial devendo ser submetido a procedimento de licenciamento, caber ao explorador antecipar ações e medidas para evitar o incumprimento da legislação e da licença emitida, a deposição temporária ser permitida em situações excecionais e sujeita a autorização prévia.
Por fim, uma última nota quanto à questão do aproveitamento do ato, invocada pela Entidade Requerida, pois que não sendo controvertido que a capacidade do Aterro da Raposa tenha sido ultrapassada (limitando-se nesta sede a Requerente a invocar que a mesma não lhe é imputável), mesmo numa análise perfunctória como ora se impõe, sempre seríamos levados a concluir pelo incumprimento do TUA e pela legalidade da aplicação do artigo 81.º, n.º 2, alíneas) e e) do RGGR. Logo, mesmo que se considere que não tenha sido dado cumprimento da audiência dos interessados, sempre seria de recorrer à figura do aproveitamento do ato, prevista no artigo 163.º, n.º 5, alínea c) do CPA, já que outra solução não poderia ter sido adotada pela Entidade Requerida.
Por conseguinte, não se vislumbra que a ação principal venha a proceder com base neste vício.».
O assim bem decidido é para manter pois a Recorrente, em sede de recurso, limita-se a discordar, reiterando o já alegado no respectivo requerimento inicial [r.i.] na matéria (verificando-se mesmo uma correspondência quase ipsis verbis entre as alegações de recurso 32. a 101. e os artigos 74º a 143º daquele requerimento), sem atacar especificadamente os fundamentos expendidos pelo juiz a quo para o efeito.
E não se vislumbrando que o tribunal recorrido tenha incorrido no alegado erro de julgamento da matéria de direito da sentença recorrida por errada interpretação e aplicação, e consequente violação do disposto no nº 5 do artigo 267º da CRP e do artigo 121º do CPA – por não ter ocorrido a preterição, formal e substancial, do direito de audiência prévia da Recorrente, uma vez que foi expressamente notificada para o efeito, apresentou pronúncia que, ainda que negativamente, foi ponderada na tomada de decisão de suspensão da licença, bem como porque a efeito invalidante desse vício, a verificar-se, é a anulabilidade, permitindo a renovação do acto sanado o vício ou o aproveitamento do acto anulável, verificados os respectivos pressupostos legais –, forçoso é concluir que não logrou a Recorrente demonstrar ser provável que a acção principal venha a ser julgada procedente com base nesse vício.

Quanto ao erro nos pressupostos de facto e de direito, extrai-se da sentença recorrida o seguinte:
«ii. Do alegado erro por não estarem reunidos os pressupostos da suspensão da licença
Alega a Requerente que a sanção de suspensão da licença de exploração só poderia ser aplicada se se verificasse por parte da Requerente qualquer culpa na verificação da impossibilidade de cumprimento, o que não ocorre pois como resulta de forma expressa da audiência prévia, o incumprimento verificado – em concreto, o depósito em aterro de resíduos em quantidades/volume superiores aos autorizados – não poderá ser imputado à Requerente (cfr. artigos 144.º e seguintes do requerimento inicial).
Por seu turno, a Entidade Requerida sustentou que cai por terra o alegado pela Requerente nos artigos 144.º a 163.º do requerimento inicial pois as razões apresentadas não podem ser atendidas como justificando a sua conduta, não ocorreu qualquer “facto imprevisível” e “estranho” à vontade da Requerente que a tenha impossibilitado de cumprir os seus deveres, pelo contrário: concretizou-se a previsão do tempo de vida útil do aterro que a Requerente realizou.
Cumpre apreciar e decidir, adiantando-se, todavia, que mesmo num juízo perfunctório como ora sói fazer-se, não se afigura de proceder a alegação da Requerente.
Com efeito, a decisão de suspensão da licença de exploração resulta, como desde logo compreende e não contradiz a Requerente, de ter sido extravasada a capacidade do Aterro Sanitário da Raposa, o que traduz um incumprimento legal, conforme consta do ato suspendendo e concretamente das razões de facto e de direito ali elencadas. Na verdade, afigura-se que o juízo quanto à imputação da responsabilidade dessa conduta, quanto às suas causas ou até quanto à necessidade de adoção de medidas preventivas não cabe nesta sede.
É que, bem vistas as coisas, não colhe o argumento apontado pela Requerente no sentido de que se trata de uma medida sancionatória e que por isso seria necessário aferir do princípio da culpa. Com efeito, como também aduz a Entidade Requerida está tão só em causa a aplicação do regime do RGGR e do RJDRA.
Conforme consta da decisão suspendenda [cfr. Facto Provado W)], a suspensão da licença foi determinada pela Requerida ao abrigo do artigo 81.º, n.º 2, alíneas d) e e), do RGGR, dispondo o artigo 81.º, no que ora releva apreciar, o seguinte:
1 - A entidade licenciadora pode suspender ou revogar a licença por si emitida, nos termos do disposto nos números seguintes.
2 - A licença pode ser total ou parcialmente suspensa nos seguintes casos:
a) Verificação de um risco significativo de produção de efeitos negativos ou prejudiciais para a saúde pública ou para o ambiente em resultado de atividades relacionadas com a operação de tratamento de resíduos objeto de licenciamento;
b) Necessidade de suspensão da operação para assegurar o cumprimento das medidas impostas nos termos do artigo 78.º;
c) Incumprimento das condições impostas no âmbito das vistorias efetuadas nos termos dos artigos 64.º, 65.º, 73.º e 77.º;
d) Desconformidade do estabelecimento ou da instalação com o projeto objeto de licenciamento;
e) Incumprimento das condições definidas na licença de exploração ou parecer vinculativo. (destaque nosso) (…).”
Não está, pois, aqui em causa qualquer medida de carater sancionatório sendo que o regime contraordenacional, em que tem aplicação a culpa do infrator, encontra-se previsto nos artigos 116.º e seguintes do RGGR.
Soçobra, assim e de imediato, a alegada violação do princípio da culpa por manifesta falta de fundamento, já que a medida de suspensão da licença de exploração de resíduos decorre da verificação de incumprimento legal por ter sido ultrapassada a capacidade de depósito do Aterro da Raposa.
Nos artigos 154.º a 162.º do requerimento inicial volta a Requerente a referir-se às razões que levaram ao apontado incumprimento, descartando qualquer responsabilidade ou culpa, mas, reitera-se que o que ocorre é que tal como verificou a Entidade Requerida, expressando-o no ato suspendendo e no seguimento do apontado pela APA em sede de análise do Relatório Ambiental Anual 2023 [cfr. Facto Provado P)] foi ultrapassada a capacidade de depósito de resíduos no aterro da Raposa que havia sido aprovada, conforme consta do TUA, o que viola o regime legal previsto no RGGR e determinou a suspensão da licença nos termos do artigo 81.º, n.º 2, alíneas d) e e) do diploma e ainda o RJDRA que prevê o reporte à entidade licenciadora no caso de ter sido atingida a capacidade máxima autorizada. Com efeito o artigo 15.º do diploma dispõe que “O operador suspende a receção de resíduos quando a capacidade máxima estabelecida na licença para a operação de deposição de resíduos em aterro tenha sido atingida, informando a entidade licenciadora com uma antecedência mínima de 48 horas.” e no caso dos autos não ocorreu qualquer comunicação neste sentido [cfr. Facto Provado T)].
Não podemos deixar de notar que, quanto a esta alegação e em rigor, a Requerente não aponta em concreto qualquer vício de erro nos pressupostos de facto ao ato suspendendo, ancorando a sua tese apenas na circunstância de alegadamente não lhe poder ser imputável o incumprimento verificado, por reporte à alegada violação do princípio da culpa. Todavia, como se disse, tal não consubstancia qualquer fundamento de anulação do ato que possa vir a proceder na ação principal pois o ato suspendendo corresponde à aplicação do regime legal previsto no RGGR e não a nenhuma medida sancionatória que exigisse uma ponderação quanto à culpa.
Quanto a esta matéria, refira-se que da alegação da Requerente resulta precisamente a aceitação de que terá sido ultrapassada a capacidade do aterro pois que não contraria este fundamento, limitando-se a insurgir-se apenas quanto à falta de apreciação do alegado «pressuposto da culpa», vício que, como vimos, soçobra por falta de fundamento legal de aplicação.
Por outro lado, e mesmo que assim não se considerasse, decorre do probatório indiciário que em 06/10/2021 foi emitido o TUA 20201027000341 [cfr. Facto Provado K)], donde resulta claramente a capacidade do aterro e o seu tempo de vida útil (2 anos após a obtenção do licenciamento), o que igualmente foi referido pela Requerente em sede de esclarecimentos no âmbito do Processo n.º PL20191230001851 que levou à emissão do TUA [cfr. Factos Provados H) e J)], pelo que, independentemente da alegação da Requerente quanto a condicionantes externos já seria de esperar/prever qual o tempo de vida útil da célula e qual o seu limite de capacidade de recolha de resíduos. E o facto de ter resultado do probatório indiciário que a Autora tentou diligenciar por medidas para ultrapassar a questão [cfr. Factos Provados M) e Z)], a verdade é que tal não tem a virtualidade de afastar o facto que fundamentou o incumprimento do RGGD e do RJDRA, por ter sido ultrapassada a capacidade de depósito autorizada do aterro e por não ter sido previamente comunicado à entidade licenciadora, o que levou a incumprimento do TUA aprovado e à consequente suspensão da licença. Donde, também não se vislumbra a procedência dessa alegação.
Note-se que o artigo 81.º, n.º 4 do RGGR dispõe que “A suspensão da licença mantém-se até deixarem de se verificar os factos que a determinaram”, como é igualmente mencionado no ato suspendendo, pelo que nada obsta a que a Requerente promova medidas efetivas que levem à alteração da situação factual que levou à suspensão da licença e que esse sentido venha a ser alterado.
Por fim, quanto à alegada alteração do PDM e à necessidade de alteração do licenciamento, refira-se que o probatório indiciário demonstra que o procedimento de alteração do PDM ainda se encontra na fase de discussão pública [cfr. Factos Provados BB) e CC)], pelo que, para todos os efeitos, mesmo que tal se venha a concretizar em moldes que permitam o aumento da capacidade do aterro da Raposa a verdade é que, à data, se verificaram os fundamentos que levaram ao ato suspendendo, pois que se verificou que foi ultrapassada a capacidade máxima do Aterro da Raposa, autorizada pelo TUA (e continua a verificar dada a inexistência de alegação e prova em contrario durante a pendência destes autos, já que a Requerente não veio indicar a adoção de soluções que revertessem a situação em causa).
Por outro lado, refira-se também que as partes poderiam lograr obter acordo de suspensão dos autos até à verificação das medidas que poderiam permitir a aprovação da alteração ao PDM e dos procedimentos para ultrapassar a questão do incumprimento do RGGR quanto à capacidade do Aterro da Raposa, mas não o fizeram.
Não se antevê, assim, qualquer fundamento para a apontada violação do princípio da culpa, não se podendo concluir pela procedência da ação principal com base neste fundamento.».

E também quanto a este vício a Recorrente limita-se a discordar e a insistir, reproduzindo nas alegações de 109. a 128. os artigos 144º a 163º do r.i., que o acto suspendendo é sancionatório e que, enquanto sanção, não lhe pode ser aplicado porque o incumprimento ocorrido não resulta de culpa sua.
Mas não lhe assiste qualquer razão pelos fundamentos expendidos pelo juiz a quo, não infirmados pelo mero desacordo da Recorrente.
Com efeito, o artigo 81º do RGGR, norma ao abrigo da qual o acto suspendendo foi praticado, insere-se na Secção IV – Vicissitudes da licença e controlo da operação licenciada, do Capítulo VIII – Licenciamento das actividades de tratamento de resíduos e sistemas de gestão de fluxos, do Título II – Regulação da gestão de resíduos, sendo que o Regime contra-ordenacional vem regulado no Título V, prevendo o artigo 117º as contra-ordenações ambientais, designadamente, no nº 2, a alínea rrr) que estipula que constitui contra-ordenação ambiental grave, nos termos da Lei Quadro das Contra-ordenações ambientais, a prática de actos de exercício das actividades de tratamento de resíduos em violação das condições impostas na licença de exploração, nos termos do artigo 63º, por sua vez o artigo 118º determina que compete às entidades referidas no artigo 116º a instrução e decisão da aplicação da coima e sanções acessórias. A Lei Quadro das Contra-ordenações Ambientais, aprovada pela Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto, actualizada, define contra-ordenação ambiental como “todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal correspondente à violação de disposições legais e regulamentares relativas ao ambiente que consagrem direitos ou imponham deveres, para o qual se comine uma coima” [v. artigo 1º, nº 2] e elenca nas sanções acessórias a cessação ou suspensão de licenças …relacionadas com o exercício da respectiva actividade [v artigo 30º, nº 1, alínea g)].
A saber, conforme alegado pela Recorrente e Recorrida e consta da factualidade indiciariamente assente, o acto suspendendo resulta da aplicação do disposto no artigo 81º, nº, alíneas d) e e) do RGGR, por a Recorrida ter constatado que foi ultrapassada a capacidade de depósito autorizada na licença do aterro e que tal não foi comunicado à entidade licenciadora, o que determinou o incumprimento do TUA aprovado e a suspensão da licença, sem qualquer necessidade de aferir da culpa ou não, da Recorrente na produção desse resultado.
Dito de outro modo, o acto de suspensão da licença, em referência nos autos, não consubstancia uma medida acessória, aplicada no âmbito e no termo de um processo de contra-ordenação ambiental, onde a actuação culposa ou negligente da Recorrente, se constituída como infractora, teria necessariamente de ser aferida.
Assim, não se verifica o alegado erro nos pressupostos de facto – ocorreu efectivamente incumprimento dos termos da licença, como aliás a Recorrente admite na providência e no recurso, a respectiva suspensão tem previsão legal e a Recorrida tem competência para a aplicar, observado o correspondente procedimento administrativo (não sancionatório), o que sucedeu – pelo que também não pode proceder a alegação da Recorrente, quanto a este vício, para fundamentar a verificação do requisito do fumus boni iuris.

Por fim, quanto à alegada violação do princípio da proporcionalidade, consta designadamente da sentença recorrida, o seguinte:
«Por fim, alega a Requerente que as razões elencadas pela CCDRLVT, em sede de ato administrativo suspendendo não justificam a suspensão da Licença de Exploração da Requerente, não tendo sido respeitado em concreto e nomeadamente, o subprincípio da adequação e da proporcionalidade em sentido estrito.
A Entidade Requerida reforçou que a atual situação foi integralmente causada pela Requerente, que permitiu que o aterro esgotasse a sua capacidade sem tomar as providências adequadas em tempo de o evitar, continuando, depois disso, a depor resíduos no aterro, o que bastaria para julgar como improcedente a alegação. Mas acrescenta que, em todo o caso, (i) a decisão em crise suspende apenas e só a licença de exploração da Requerente do Aterro Sanitário da Raposa, ao abrigo do disposto no artigo 81.º, n.º 2 do RGGR pelo que não interfere com o cumprimento de todos os deveres e obrigações que para a Requerente resultam da lei e do Contrato de Gestão Delegada que celebrou com a RESIURB; (ii) a lei prevê a possibilidade de serem excecionalmente admitidos resíduos em aterro não abrangidos pela respetiva licença (artigo 16.º RJDRA) ; (iii) a Requerente gere ainda as estações de transferência/ecocentros de resíduos de Coruche e de Salvaterra de Magos, bem como o Ecocentro do Cartaxo, pelo que o “estado de calamidade” de resíduos a acumularem-se nas ruas que reitera ao longo do requerimento inicial não é minimamente verosímil; (iv) tal é igualmente corroborado pela Requerente quando afirma que os resíduos que agora foram depositados no aterro para lá da sua capacidade “serão, futuramente, transferidos para outro lado”; (v) ato suspendendo afigura-se adequado, necessário e proporcional aos fins que visa, pois está em causa uma mera suspensão da licença de exploração, de caráter temporário; (vi) é ainda necessário, uma vez que, tendo em conta o contexto factual já descrito, a Requerente com toda a probabilidade continuaria a depor resíduos no aterro se não fosse suspensa a licença; (vii) por fim, é proporcional em sentido estrito, pois possibilita à Requerente retomar a exploração do aterro se sanar as desconformidades detetadas, não a inibindo, como se viu, de prosseguir as atividades de recolha e tratamento de resíduos que não devam ser depositados no aterro.
[…]
Regressando ao caso dos autos temos que o fim que a medida de suspensão visa alcançar é o adequado ao objetivo da mesma, isto é, impedir temporariamente que a capacidade do depósito de resíduos continue a ser ultrapassada. Com efeito, suspender a atividade porque se verifica o incumprimento do TUA por violação da capacidade aprovada do aterro é medida adequada (idónea) a alcançar tal fim, sendo que em ultimo desiderato importa relembrar que, com forme dispõe o artigo 6.º do RGGR “Constitui objetivo prioritário da política de resíduos evitar e reduzir os riscos para a saúde humana e para o ambiente, garantindo que a gestão de resíduos seja realizada recorrendo a processos ou métodos que não sejam suscetíveis de gerar efeitos adversos sobre o ambiente, nomeadamente poluição da água, do ar, do solo, afetação da fauna ou da flora, ruído ou odores ou danos em quaisquer locais de interesse e na paisagem”, o que ocorre, desde logo com o cumprimento do TUA.
No que concerne à necessidade, resulta da própria alegação da Requerente que se tem verificado o incumprimento da capacidade do Aterro da Raposa. Com efeito ainda que exprima alegação no sentido da provisoriedade dos resíduos no local e na tese de que não agiu com culpa, o certo é que não contesta o facto de ter sido ultrapassada a capacidade do aterro. Assim, afigura-se desde logo que a medida de suspensão da licença de exploração de resíduos se afigura necessária, em cumprimento do disposto no artigo 81.º, n.º 2, alíneas d) e e) do RGGR.
É certo que decorrem elementos que permitem inferir que poderão estar em vista alterações ao PDM de Almeirim que permitam a alteração da capacidade do aterro. Todavia, corre ainda prazo de discussão pública [cfr. Factos Provados BB) e CC)] sem que se possa antecipar se as mesmas se irão efetivamente concretizar e, em todo o caso, sempre carecem de aprovação pelas entidades competentes, nomeadamente a APA e a CCDR, pelo que não teriam a virtualidade de obstar à decisão de suspensão da licença, encontrando-se ainda no campo das hipóteses.
Nesta sede é ainda de relevar que o tempo de vida útil do aterro era conhecido da Requerente e aquando da emissão do TUA em 06/10/2021 [cfr. Facto Provado K)] foi fixado em 2 (dois) anos. Reitera-se que não bastante ter resultado do probatório que a Requerente tentou diligenciar por medidas de resolução da questão, a verdade é que se verificou o incumprimento do TUA por ter sido ultrapassada a capacidade aprovada, conforme aliás estatui o artigo 81.º, n.º 2, alíneas d) e e) do RGGD, sem que tenha sido também informada a entidade licenciadora como previsto no artigo 15.º do RJDRA. E mesmo durante a sede cautelar, mantiveram-se as condições que levaram à decisão de suspensão da licença, pois que as partes não comunicaram qualquer alteração quanto a esta matéria.
Por fim, consideramos que, pelas razões expostas e porque como se disse, nos termos do artigo 81.º, n.º 4 do RGGR, a suspensão da licença mantém-se até deixarem de se verificar os factos que a determinaram (o que pode ser revertido a todo o tempo), a decisão em causa não ultrapassa o limite da justa medida, não sendo excessiva.
Assim, na apreciação sumária própria da tutela cautelar, não se indicia a violação do princípio da proporcionalidade, não se mostrando provável que a pretensão da Requerente na ação principal venha a ser julgada procedente, pelo que, não se julga verificado o pressuposto da aparência do bom direito.».

E, mais uma vez, a Recorrente manifesta a sua discordância do assim decidido, repetindo nas alegações 144. a 181. os artigos 164º a 202º do r.i., e acrescentando, de forma inovatória, que a Recorrida podia ter autorizado expressamente a deposição temporária em aterro, de acordo com o artigo 10º do Anexo II (RJDRA) do Decreto-Lei nº 102-D/2020, por períodos de 180 dias prorrogáveis, até que, em concreto, fosse possível proceder à ampliação do aterro na sequência da sua reengenharia, para reforçar a alegação de que a suspensão da licença não é, no caso concreto, adequada necessária e muito menos proporcional.
O recurso jurisdicional tem por objecto a sentença recorrida, em termos formais e substanciais, significando que o tribunal ad quem não pode conhecer de questões ou fundamentos de invalidade/vícios do acto suspendendo que não foram trazidos aos autos pelas partes e, consequentemente, não foram analisados e decididos pelo tribunal recorrido, excepto se forem de conhecimento oficioso, o que não é o caso. Assim, não cumpre a este tribunal apreciar desta nova alegação.
O demais alegado foi devidamente analisado e rechaçado pelo juiz a quo, nos termos expendidos e que aqui se reiteram, nada mais havendo a acrescentar, mantendo-se o decidido quanto à inexistência do requisito do fumus boni iuris.

Da ampliação do objecto do recurso.
Formulada a título subsidiário pela Recorrida, caso este Tribunal considerasse verificado o requisito do fumus boni iuris, a improcedência dos fundamentos do recurso, torna inútil a sua apreciação.

Por tudo quanto vem exposto acordam os Juízes da Subsecção Comum da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, e, em consequência, manter a sentença recorrida na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 25 de Setembro de 2025.


(Lina Costa – relatora)

(Marta Cavaleira)

(Ricardo Ferreira Leite)