Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:749/25.5BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/30/2025
Relator:FILIPE CARVALHO DAS NEVES
Descritores:OMISSÃO DE PRONÚNCIA
NULIDADE
SENTENÇA
Sumário:I - A nulidade da decisão por omissão de pronúncia sucede quando a mesma deixe de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra questão submetida à apreciação do Tribunal.
II - As questões, por um lado, não são passíveis de qualquer confusão conceptual com as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa do seu juízo de valoração, e por outro lado, abrangem todas as que são colocadas pelas partes, incluindo, naturalmente, as questões suscitadas na resposta ao pedido de pronúncia arbitral, configurem elas, defesa por impugnação, ou defesa por exceção.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

A… veio apresentar recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, em 06/08/2025, que, além do mais, julgou parcialmente improcedente a reclamação judicial apresentada contra o despacho de 26/03/2025 proferido pelo Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Lisboa que indeferiu o pedido de prescrição de dívidas exequendas respeitantes a Imposto sobre o Valor Acrescentado («IVA») dos períodos de 2001 a 2006, Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas («IRC») e de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares («IRS») do exercício de 2003, em cobrança nos processos de execução fiscal («PEF») n.ºs 3344200101014994 e apensos, 3344200501003224 e apensos e 3344200801005022 e apenso, no valor total de 648.091,00 Euros.

O Recorrente apresentou alegações, rematadas com as seguintes conclusões:
«a. A sentença recorrida padece de nulidade, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi do disposto na alínea e) artigo 2.º do CPPT, por omissão de os seus efeitos na prescrição das dívidas exequendas;
b. Uma “questão” é um ponto de facto ou de direito autónomo e relevante, cuja decisão é indispensável para o desfecho da causa, enquanto os argumentos são apenas meios para sustentar posições. No presente caso, está-se perante uma verdadeira questão, dada a sua relevância e autonomia, pelo que a ausência de pronúncia sobre a mesma configura nulidade;
c. O Tribunal a quo não se pronunciou sobre a questão da declaração em falhas, expressamente suscitada pelo Recorrente, apesar de ser matéria de conhecimento obrigatório, por oficioso, nos termos do artigo 175.º do CPPT, e de relevância decisiva para a apreciação da prescrição das dívidas tributárias;
d. A jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo determina que a declaração em falhas, ou a verificação dos respetivos pressupostos, é elemento essencial para o cômputo do prazo de prescrição, devendo o Tribunal apreciar oficiosamente se, no caso concreto, se verificaram as circunstâncias que determinam a declaração em falhas e, em caso afirmativo, em que data;
e. A ausência de apreciação desta questão pelo Tribunal a quo impede a correta aplicação do regime da prescrição das dívidas tributárias, violando o dever de conhecimento oficioso e o direito do Recorrente a uma tutela jurisdicional efetiva;
f. Deve, por isso, ser declarada a nulidade da sentença recorrida, com a consequente revogação da decisão e remessa dos autos para que o Tribunal a quo supra o vício, apreciando expressamente a questão da declaração em falhas e os seus efeitos na prescrição das dívidas exequendas;
g. A sentença recorrida incorre em erro de julgamento ao considerar como provada a validade das citações e notificações nos processos de execução fiscal n.ºs 3344200101014994 e apensos e 3344200501003224 e apensos, sem que a AT tenha apresentado prova suficiente e inequívoca de que o Recorrente foi efetivamente notificado dos atos essenciais, nomeadamente do despacho de reversão e do conteúdo das notificações;
h. O Tribunal a quo baseou-se, de forma errada, na existência de avisos de receção e outros registos documentais inconclusivos, confundindo meios de prova (documentos) com o facto a provar (efetiva citação e conhecimento do conteúdo pelo Recorrente), em violação do entendimento consolidado do Supremo Tribunal de Justiça, segundo o qual os documentos não são factos, mas meros meios de prova;
i. A sentença recorrida deve ser alterada quanto à matéria de facto, aditando-se um novo ponto que esclareça a insuficiência da prova apresentada pela AT relativamente à citação válida do Recorrente;
j. Especificamente, deve ser aditado o seguinte ponto à matéria de facto, com a devida renumeração subsequente: “6. Consta apenas dos autos um ofício de citação, acompanhado dos registos CTT e do respetivo aviso de receção assinado, não resultando, porém, de tal documentação o teor do despacho de reversão que se alega ter sido notificado.”;
k. A introdução deste novo ponto é necessária para retratar com rigor a realidade dos autos, dado que a documentação apresentada pela AT – concretamente os documentos juntos aos autos, de fls. 170 e ss. e 173 e ss. do Sitaf – não demonstra, com certeza, que o despacho de reversão, peça essencial à validade da citação, tenha sido efetivamente notificado ao Recorrente;
l. O Tribunal a quo presumiu, de forma infundada, que o exercício de meios tutelares pelo Recorrente (oposição à execução/reversão) sana ou supre a nulidade da citação, quando a lei exige que a citação seja válida e assegure ao executado o pleno conhecimento dos fundamentos e alcance do ato, não bastando a mera reação processual para suprir a falta de citação;
m. A decisão recorrida inverteu, sem fundamento legal, o ónus da prova, exigindo ao Recorrente que demonstrasse a inexistência de citação válida, quando tal ónus recai sobre a AT, nos termos da lei e conforme confirma a jurisprudência dos Tribunais superiores;
n. O Tribunal a quo desconsiderou que a falta de citação, ou a sua realização em termos que não assegurem o efetivo conhecimento do ato pelo destinatário, constitui nulidade insanável do processo de execução fiscal, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 165.º do CPPT, sempre que possa prejudicar, ainda que hipoteticamente, a defesa do executado;
o. A sentença recorrida não valorou devidamente que a ausência de citação válida impede o exercício pleno dos direitos de defesa do Recorrente, designadamente a possibilidade de requerer pagamento em prestações, dação em pagamento ou outras faculdades processuais, o que configura prejuízo relevante para
efeitos de nulidade;
p. Em suma, a sentença recorrida padece de erro de julgamento de facto e de direito, ao dar como provada a validade das citações e notificações sem prova suficiente, ao presumir que o exercício de defesa supre a falta de citação, ao inverter o ónus da prova e ao desconsiderar o prejuízo para a defesa do Recorrente, devendo ser revogada e substituída por decisão que reconheça a nulidade dos atos praticados nos processos de execução fiscal em causa, com todas as consequências legais;
q. O Tribunal a quo errou ao considerar que a mera existência de processos agrupados em três processos principais elimina a necessidade de apensação, desvalorizando a dispersão processual, a duplicação de atos e o risco de decisões contraditórias, em violação do artigo 179.º do CPPT e dos princípios da economia processual e tutela jurisdicional efetiva;
r. O Tribunal a quo, ao invés de suprir ou censurar a manifesta falha ao nível da fundamentação da decisão do órgão da execução fiscal, acabou por a reproduzir, sustentando-se na ausência de fundamentação da AT e perpetuando o erro administrativo.
s. Em suma, a sentença recorrida deve ser revogada nesta parte, devendo ser substituída por decisão que corrija a ilegalidade apontada, ordenando a apensação dos processos de execução fiscal em conformidade com o disposto no artigo 179.º do CPPT, com todas as consequências legais daí decorrentes.
Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Exas. suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, sendo, consequentemente:
(i.) declarada a nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia, com as consequências legais daí decorrentes;
(ii.) determinar-se a revogação da parte da sentença em que o Recorrente decaiu, por padecer de erro de julgamento, tanto de facto como de direito, sendo substituída por outra que atenda ao peticionado pelo Recorrente, com todas as consequências legais daí advenientes.
Em face do valor do decaimento fixado na sentença recorrida, que estabelece que o valor do presente recurso excede EUR 275.000,00, requer-se a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, com as legais consequências
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Notificada das alegações de recurso, a Recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.
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O Digno Magistrado do Ministério Público («DMMP») neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido de não ser concedido provimento ao recurso.
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Com dispensa dos vistos legais, atento o carácter urgente dos autos, vem o processo submetido à conferência desta Subsecção do Contencioso Tributário para decisão.
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II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cf. art.º 635.º, n.º 4 e art.º 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil - «CPC» - ex vi art.º 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário - «CPPT»), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objeto do recurso pelas conclusões das alegações do recorrente, importa decidir se a sentença recorrida:

(i) é nula, por omissão de pronúncia, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, aplicável ex vi do disposto na alínea e) do art.º 2.º do CPPT, quanto aos efeitos da declaração em falhas na contagem do prazo de prescrição das dívidas exequendas; e,

(ii) deve ser revogada com fundamento em erro de julgamento na interpretação e aplicação dos factos e do direito, já que não se deve considerar que o Recorrente foi validamente citado para os PEF em causa e que se impõe a apensação das execuções fiscais.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.A - De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
«1. Em 24.09.2001 o então Serviço de Finanças do 11.º Bairro Fiscal de Lisboa (actualmente Serviço de Finanças de Lisboa 11) instaurou contra a sociedade T… Interiores, Lda., com o número de identificação fiscal 5…, o processo de execução fiscal n.º 3344011014994, para cobrança de dívidas provenientes de IVA referente ao período de 2000/12 e 2001/02 no valor de €2.153,88 (cf. Processo de execução fiscal a fls. 275 e ss. dos autos, suporte informático);
2. Em data não possível de apurar, mas posterior a 24.09.2001 e anterior a 07.05.2003, ao processo de execução fiscal identificado no número antecedente foram apensados os seguintes processos de execução fiscal:



(cf. Processo de execução fiscal a fls. 275 e ss. dos autos, suporte informático);
3. Em 07.05.2003 a sociedade devedora originária identificada em 1. foi citada para a execução fiscal (cf. Processo de execução fiscal a fls. 275 e ss. dos autos, suporte informático);
4. Em 06.03.2009 o Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de Lisboa 11 proferiu despacho de reversão contra A…, ora Reclamante, enquanto responsável subsidiário da sociedade devedora originária identificada em 1., pelas dívidas em cobrança coerciva no processo de execução fiscal igualmente identificado em 1., e apensos identificados em 2., com os seguintes fundamentos:



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(cf. Processo de execução fiscal a fls. 400 e ss. e 986 e ss. dos autos, suporte informático);
5. Em 10.03.2009, no seguimento do despacho referido no ponto anterior, foi enviado, por correio postal registado com aviso de recepção, ofício tendente à citação em reversão do Reclamante, no âmbito do processo de execução fiscal identificado em 1., e apensos identificados em 2., o qual foi assinado pelo próprio em 13.03.2009 (cf. Ofício de citação, registos CTT e respectivo AR assinado, a fls. 986 e ss. dos autos, suporte informático);
6. Em 23.10.2024 o Reclamante apresentou perante o Serviço de Finanças de Lisboa 11 requerimento com vista a obter a declaração de nulidade dos autos de execução fiscal identificados em 1. e 2., com fundamento na falta de citação da reversão dos mesmos contra si, com consequente prescrição das dívidas exequendas (Facto não controvertido);
7. Em 26.03.2025, no seguimento requerimento apresentado identificado no ponto precedente, foi emitida a Informação n.º E202500362, da qual consta, entre o mais, o seguinte:




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(cf. Documento 1 junto com a petição inicial, a fls. 4 e ss. dos autos, suporte informático);
8. Em 26.03.2025, foi proferido pelo Chefe de Divisão de Acompanhamento de Devedores Estratégicos da Direção de Finanças de Lisboa despacho de concordância com a Informação identificada no ponto precedente, constando do mesmo, entre o mais, o seguinte:



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(cf. Documento 1 junto com a petição inicial, a fls. 4 e ss. dos autos, suporte informático);
9. Pelo Ofício n.º 00003717 de 01.04.2025 foi o Reclamante notificado, entre o mais, de que, por despacho do Chefe de Divisão (identificado no ponto antecedente) foi indeferido o pedido de reconhecimento da prescrição da dívida em cobrança nos processos de execução fiscal 3344200101014994 e apensos, 3344200501003224 e apensos e 3344200801005022 e apensos (cf. Documento 1 junto com a petição inicial, a fls. 4 e ss. dos autos, suporte informático);
10. Em 14.05.2025, na sequência do despacho de indeferimento identificado no ponto antecedente, o Reclamante remeteu ao Serviço de Finanças de Lisboa 11 reclamação que deu origem aos presentes autos (cf. fls. 4 e ss. dos autos, suporte informático);
11. Em 30.05.2025, no seguimento da reclamação apresentada identificado no ponto precedente, foi emitida a Informação n.º E202500833, da qual consta, entre o mais, o seguinte:




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(…)




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(cf. Informação a fls. 198 e ss. dos autos, suporte informático).
Mais resultou provado que:
12. O Reclamante deduziu a oposição judicial n.º 3344200909000194, que deu origem ao processo n.º 249/11.0BELRS, instaurada em 20.04.2009, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3344200101014994 e apensos (cf. Informação a fls. 198 e ss. dos autos, suporte informático; Facto não controvertido);
13. O Reclamante deduziu, no âmbito da reversão n.º 3344.2008.166, referente ao processo de execução fiscal n.º 3344200501003224 e apensos, a oposição n.º 3344200909000186, que deu origem ao processo n.º 2741/10.5BELRS (cf. Informação a fls. 198 e ss. dos autos, suporte informático; Facto não controvertido)
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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:
«Não existem factos alegados pelas partes a dar como não provados e a considerar com interesse para a decisão».

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Mais resulta consignado em termos de motivação da matéria de facto o seguinte:
«A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos constantes dos autos, designadamente nos documentos juntos pelas partes e não impugnados, e no teor do processo de execução fiscal igualmente junto aos autos, com base na ponderação crítica e conjunta da prova, à luz de critérios de normalidade e experiência comum, conforme indicado em cada uma das alíneas do probatório».
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III.B De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente a partir da respetiva motivação que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Ora, lidas as conclusões das alegações de recurso, resulta que está em causa saber se a sentença recorrida:

(i) é nula, por omissão de pronúncia, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC , aplicável ex vi do disposto na alínea e) do art.º 2.º do CPPT, quanto aos efeitos da declaração em falhas na contagem do prazo de prescrição das dívidas exequendas; e,

(ii) deve ser revogada com fundamento em erro de julgamento na interpretação e aplicação dos factos e do direito, já que não se deve considerar que o Recorrente foi validamente citado para os PEF objeto do presente recurso jurisdicional e que se verifica necessidade de apensação das execuções fiscais.

Vejamos, então.

Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia

Neste âmbito, alega a Recorrente, fundamentalmente, que «A sentença recorrida padece de nulidade, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi do disposto na alínea e) artigo 2.º do CPPT, por omissão de pronúncia sobre a questão essencial da declaração em falhas e os seus efeitos na prescrição das dívidas exequendas».

Concluindo que «A ausência de apreciação desta questão pelo Tribunal a quo impede a correta aplicação do regime da prescrição das dívidas tributárias, violando o dever de conhecimento oficioso e o direito do Recorrente a uma tutela jurisdicional efetiva».

Apreciando.

Preceitua, neste particular, o art.º 125.º, n.º1 do CPPT, sob a epígrafe «nulidades da sentença» que:
«Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.»

Dispõe, por seu turno, a primeira parte da alínea d), do n.º 1, do art.º 615.º do CPC, que a decisão é nula, quando «o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».

Na verdade, a nulidade da decisão por omissão de pronúncia sucede apenas quando a mesma deixe de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra questão submetida à apreciação do Tribunal.

Dir-se-á, neste particular e em abono da verdade que, as questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. De notar para o efeito que, as questões não são passíveis de qualquer confusão conceptual com as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa do seu juízo de valoração, porquanto as mesmas correspondem a simples argumentos e não constituem questões na dimensão valorativa preceituada no citado normativo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.

Conforme doutrinado por Alberto dos Reis (in Código de Processo Civil anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1981 (reimpressão), pág. 143): «[s]ão, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão».

As questões de que o juiz deve conhecer são ou as alegadas pelas partes ou as que sejam de conhecimento oficioso.

A este propósito cumpre sublinhar a diferença entre questões e argumentos suscitados pelas partes, porquanto apenas o não conhecimento das questões se configura como omissão de pronúncia.

Assim, para os efeitos do art.º 608.º, n.º 2, do CPC, questões são os pontos de facto ou de direito, atinentes ao pedido, à causa de pedir e às exceções. Já os argumentos são os motivos ou razões que fazem sustentar a pretensão inerente às questões. «As questões (…) reportam-se aos pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição das partes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, pedido e exceções, não se reconduzindo à argumentação utilizada pelas partes» (cf. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2019, p. 727).




A dicotomia questões / argumentos, nos termos sumariamente descritos, implica, pois, que o julgador tenha de conhecer todas as questões que lhe são colocadas (exceto se o conhecimento de umas resultar prejudicado pelo conhecimento de outras), já não lhe sendo exigível que se pronuncie sobre todos os argumentos esgrimidos (cf. José Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum à luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª Ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2013, p. 320; Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo Processo Civil, Lex, Lisboa, 1997, pp. 219 e 220.)

Feito este enquadramento, apliquemos os conceitos ao caso dos autos.

No caso vertente, entendemos que tem razão o Recorrente, pois que, compulsados os autos verificamos que, não obstante ter sido invocada, na petição inicial, a prescrição das dívidas em razão da declaração em falhas (cf. pontos 89. a 103.), a verdade é que o Tribunal a quo não logrou apreciar e decidir esta questão. Com efeito, perscrutada a sentença recorrida verificamos que, efetivamente, o Tribunal a quo não se pronunciou quanto à questão da declaração em falhas e da sua relevância para a contagem do prazo de prescrição, sendo, por isso, nula neste conspecto.

Assim sendo, é de concluir que se verifica nulidade da sentença por omissão de pronúncia, já que o Tribunal não tomou posição sobre a questão supra identificada.

Uma vez que poderá haver necessidade de determinar eventuais diligências de prova, concretamente no que diz respeito à emissão da declaração em falhas, bem como a necessidade de fixar a factualidade relevante, deverão os autos baixar à primeira instância para decisão.

Atento o supra exposto, concluímos padecer a sentença recorrida de nulidade por omissão de pronúncia, pelo que será de conceder provimento ao recurso, declarar a nulidade da sentença e determinar a baixa dos autos à primeira instância para que aí seja suprida a identificada nulidade, se a tal nada obstar.
Em consequência, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas nas alegações recursivas (cf. art.º 608.º do CPC).
*
Da dispensa do remanescente da taxa de justiça

No que respeita ao remanescente da taxa de justiça, estabelece o n.º7 do art.º 6.º do Regulamento das Custas Processuais («RCP») que «nas causas de valor superior a € 275 000 o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento».

Conforme entendimento expresso no acórdão do STA de 07/05/2014, proferido no processo n.º 01953/13, a que aderimos sem reserva, «A norma constante do nº7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz, ser lícito, mesmo a título oficioso, dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade.».

In casu, considerando que o valor da presente ação ultrapassa o valor de 275.000 Euros (recorde-se que o valor da causa foi fixado em 648.091,00 Euros) e que a mesma não assumiu especial complexidade, nem a conduta assumida pelas partes, em sede de recurso, se pode considerar reprovável, entende-se ser de dispensar do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Nestes termos, e pelos fundamentos apontados, impõe-se determinar a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no citado art.º 6.º, n.º7 do RCP.

*
IV- DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em:

(i) conceder provimento ao recurso;

(ii) declarar a nulidade da sentença recorrida; e,

(iii) determinar a baixa dos autos ao Tribunal a quo para que aí seja suprida a identificada nulidade, se a tal nada obstar, realizando, se necessário, as adequadas diligências probatórias.

Sem custas (sem prejuízo da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça).

Registe e notifique.

Lisboa, 30 de outubro de 2025

(Filipe Carvalho das Neves)

(Isabel Vaz Fernandes)

(Susana Barreto)