Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:00849/03
Secção:CT - 1.º Juízo Liquidatário
Data do Acordão:10/04/2005
Relator:José Correia
Descritores:IMPUGNAÇÃO DE IVA
CASO JULGADO
OPERAÇÕES FICTÍCIAS
Sumário:I)- É sabido que uma sentença ( ou Acórdão) constitui caso julgado logo que se torne imodificável por reclamação ou recurso ordinário. E o caso julgado que se fez é também material, o que significa que o decidido tem força obrigatória dentro do processo e fora dele, impedindo que o mesmo ou outro Tribunal ou qualquer autoridade possa definir em termos diferentes o direito aplicável à relação material litigada.

II)- Teleologicamente, o que essencialmente se pretende com o caso julgado é que os tribunais e, por maioria de razão, as autoridades públicas, respeitem ou acatem a decisão, não julgando de novo a questão ou contrariando os efeitos daquela.

III)- É certo que o caso julgado tem limites, uns de carácter objectivo, outros de natureza subjectiva que decorrem dos termos que está definida a excepção do caso julgado que pressupõe a repetição de uma causa ( artº 497º, nº 1, do C.P.C. ) e sua identidade quanto aos sujeitos, pedido e causa de pedir ( artº 498º, nº 1 do C.P.C. ).

IV)- Mas também é certo que a eficácia do caso julgado se limita às partes ( artº 674º do C.P.C. ) pelo que se pode concluir que com o caso julgado se visa evitar não a colisão apenas teórica de decisões, mas a contradição prática dos julgados, ou seja, a existência de decisões concretamente incompatíveis.

V)- Donde que, tendo sido as questões objecto deste recurso sido decididas por acórdão transitado em julgado, a decisão desta causa terá de processar-se de harmonia com a daquele aresto, não se podendo‚ pois, alterar a fundamentação e valores após o trânsito em julgado da acórdão do STJ, o que é apanágio decisões judiciais e logo que se verifique, nos termos da lei, a sua insusceptibilidade de recurso ordinário, cumpridos e esgotados todos os trâmites legais atrás citados.

VI)- A AT no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei, actua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabendo-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação adicional, designadamente a prova da verificação dos pressupostos que a determinaram à aplicação dos métodos indiciários que suportam a liquidação.

VII)- Nesse sentido, a AT está onerada com a demonstração da factualidade que a levou a desconsiderar certos custos contabilizados em termos de abalar a presunção de veracidade das operações inscritas na contabilidade da recorrente e nos respectivos documentos de suporte de que aquela goza em homenagem ao princípio da declaração e da veracidade da escrita vigente no nosso direito – ao tempo consagrado no artº 78° do CPT-, passando a, a partir daí, a competir ao contribuinte o ónus de prova de que a escrita é merecedora de credibilidade.

VIII)- Não é exigível que a AF prove cabalmente os pressupostos da simulação previstos no art. 240°do C.Civil (a existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros), sendo bastante a prova de elementos indiciários que levam a concluir nesse sentido, isto é, de indícios sérios e objectivos – ou factos índice- que traduzam uma probabilidade elevada de que a escritura não titula o negócio nos termos dela constantes, que estes não correspondem à realidade.

IX)- Nesse sentido, dentro do principio da livre apreciação da prova cabe ao juiz aceitar os factos que a experiência ditar como mais razoáveis e impõe-se concluir, face ao início da prova documental que foi produzida, que as operações não existiram tal como foram declarados nos documentos e, assim, que nos negócios em causa houve simulação que teve por fim que a recorrente pagasse menos imposto.

X)- Assim sendo, porque, em face do decidido, incumbia à recorrente infirmar a conclusão de que houve acordo simulatório carreando factos que permitissem credibilizar os dados da sua escrita, uma vez que os alegou mas não ofereceu prova eficaz, impõe-se a conclusão de que a A.F. demonstrou suficientemente os factos-índice bem andando ao considerar que esses factos não foram infirmados e permitem inequivocamente a conclusão de que a contabilidade não espelha a realidade das operações, sendo tangível a presunção da veracidade da escrita da impugnante.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:1.-A EXCELENTÍSSIMA REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, com os sinais identificadores dos autos, interpôs recurso jurisdicional da decisão do Mmo. Juiz do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Braga, que julgou procedente a presente impugnação judicial deduzida por B...- INDÚSTRIA DE BORDADOS, LDª contra a liquidação de IVA do ano de 1993 e de juros compensatórios, concluindo assim as suas alegações:
a)- Tendo sido arrolada e ouvida como segunda testemunha o Sr. Joaquim Constantino Pereira de Sousa que era sócio-gerente da Impugnante à data dos factos ora discutidos, ou seja parte no processo, o que, por força do disposto nos art. 553º, 617° e 636° do CPCivil, o torna inábil para depor como testemunha, tomando o seu depoimento não poderá ser tomado em consideração;
b)- A douta sentença proferida pelo M.° Juiz "a quo", não considerou nem deu como provados todos os factos que fundamentaram a liquidação, não tendo analisado directamente a questão da simulação, questão essencial.
c)- A douta sentença proferida pelo M.° Juiz "a quo" deu como provados factos, que no entender da Fazenda Pública, e pelos motivos acima expostos, não estão efectivamente provados.
d)- A douta decisão decidiu com base no facto não provado, no nosso entender, de que o IVA mencionado na factura foi entregue nos cofres do Estado, facto que nos parece secundário e irrelevante para a decisão, dada a redacção do art. 19°, n.°3 do CIVA;
e)- A Impugnante, contrariamente ao decidido, não logrou apresentar prova da qual resulte que a factura titulou um fornecimento efectivo, nomeadamente através da prova do meio de pagamento ao fornecedor.
É esta a posição da Fazenda Pública que os Ilustres Desembargadores terão de decidir, em conclusão final.
Pelo que, tendo decidido o Meritíssimo Juiz do Tribunal "a quo" na douta sentença em sentido contrário, deve ser revogada a douta decisão recorrida, sendo proferido acórdão que decida pela improcedência dos mesmos, como é de inteira JUSTIÇA.
Não houve contra – alegações.
A EPGA emitiu o seguinte douto parecer:
“I - A Fazenda Pública vem interpor recurso da sentença do Mmo Juiz do TT de 1a Instância de Braga que julgou procedente a impugnação que "B... - Industria de Bordados, Lda" oportunamente deduziu contra a liquidação adicional de IVA de 1993, apontando nas conclusões do recurso a discordância da mesma no que diz respeito à interpretação dos factos e dos preceitos legais que determinaram a decisão e que aqui se dão por reproduzidos.
A sentença recorrida fixou a fls. 237 dos autos, os factos que dá como provados e que servem de base à decisão sob apreço.
II - A pretensão da recorrente vertida nas conclusões de recurso merece proceder, uma vez que contraria os argumentos mencionados na sentença.
A decisão recorrida parte do pressuposto de ter sido entregue nos cofres do Estado a quantia de IVA posteriormente deduzida pela impugnante, quando dos documentos juntos aos autos tal entendimento não é possível de retirar.
Tal como bem refere o MP na 1a instância «os factos dados por provados no douto acórdão de fls. 193/205, confirmados pelo douto acórdão do STJ de fls. 220/229, transitado em julgado, afastam categoricamente a tese da impugnante)- fls. 233.
Toda a prova constante dos autos determina a inexistência de uma transacção comercial consentânea com os sãos princípios contabilísticos que pudessem levar à pretendida dedução de IVA pela impugnante.
Há um depoimento, dado como provado no acórdão do STJ, onde se refere que a venda a dinheiro de fls. 86 foi forjada, sendo certo que esta venda a dinheiro se refere às máquinas constantes da factura de fls. 117, o que possibilitou a dedução do IVA.
III - Esta fez uma incorrecta apreciação da prova existente nos autos e uma incorrecta interpretação dos preceitos legais que fundamentam a decisão, pelo que merece censura. Pelo exposto, entende-se que deve ser concedido provimento ao recurso.”
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTAÇÃO
2.1.- DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se o seguinte probatório:
Factos provados e respectiva fundamentação:
1.-Na contabilidade da impugnante, referente ao exercício de 1993, está arquivada a factura n° 513, de Fábrica de Confecções Edrofel - Luís Manuel Martins da Fonseca (Edrofel), respeitante a 6 máquinas de bordar (factura e máquinas) - facto incontroverso e fls. 177;
2. O IVA liquidado na factura foi entregue nos cofres do Estado - ponto 20 da fundamentação de facto do douto acórdão de fls. 193 a 205 e relatório de inspecção tributária, da Direcção Distrital de Finanças do Porto, de fls. 80 a 85, maxime fls. 80 v°;
3. As máquinas foram pagas pela impugnante, e colocadas nas instalações fabris desta - conjunto da prova produzida, designadamente a prova testemunhal e os factos de a própria AF ter verificado o pagamento do IVA liquidado na factura e de as máquinas estarem no local referido -relatório de inspecção tributária, da Direcção Distrital de Finanças do Porto, de fls. 80 a 85, maxime fls. 80 v° e 82 v°.
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2.2.- DO DIREITO:
Fixada a materialidade fáctica plausível à solução do pleito, vejamos agora o direito.
Como é pacificamente defendido pela nossa doutrina e decidido na nossa jurisprudência, por força dos termos conjugados dos artºs. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC, o âmbito do recurso é determinado pelas conclusões da alegação do recorrente, só abrangendo as questões que nestas estejam contidas (cfr. Prof. J.A.Reis, in CPC Anotado, Vol. V, pág. 363, Rodrigues Bastos, in Notas ao CPC, Vol. III, pág. 299 e, entre muitos, os Acs. do STJ de 4/7/76, BMJ 258º-180, de 2/12/82, BMJ 322º-315 e de 25/7/86, BMJ 359º-522).
Donde que:
A questão decidenda consiste, em primeiro lugar, em saber se era admissível o “depoimento de parte” do sócio –gerente da impugnante (conclusão a).
Resolvida essa questão, cumpre depois determinar se a sentença incorre em erro de julgamento sobre a matéria de facto, cometido na apreciação e valoração dos meios de prova, mormente e em atenção ao parecer da EPGA junto desta instância, por accionamento do “caso julgado” constituído pelo Acórdão do STJ junto aos autos (conclusões b),c) e e)).
Finalmente, procedendo o fundamento anterior, importa determinar qual o direito aplicável até porque, mesmo aceitando a bondade da decisão fáctica, a sentença terá incorrido em erro de julgamento sobre a matéria de direito não tendo analisado directamente a questão da simulação, questão essencial (conclusões b) e d)- ).
Vejamos:
a)- Da admissibilidade do “depoimento de parte” do sócio –gerente da impugnante (conclusão a).
Diz a recorrente FªPª que foi arrolada e ouvida como segunda testemunha o Sr. Joaquim Constantino Pereira de Sousa que era sócio-gerente da Impugnante à data dos factos ora discutidos, ou seja parte no processo, o que, por força do disposto nos art. 553º, 617° e 636° do CPCivil, o torna inábil para depor como testemunha, tomando o seu depoimento não poderá ser tomado em consideração.
De acordo com o disposto no artº 660º, nº 2 do CPC, o juiz deve conhecer todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, salvo se estiverem prejudicadas pela solução dada a outras anteriormente resolvidas, devendo neste particular atentar-se no regime especial estabelecido no artº 124º do CPPT.
Pela solução que adiante se adoptará quanto ao segundo fundamento de recurso acabado de enunciar, resulta manifesta a sua prejudicialidade sobre a questão sob apreciação, pelo que dela não se conhece.(1)
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b)- Do erro de julgamento sobre a matéria de facto (conclusões b),c) e e)):
Insurge-se a recorrente FªPª contra o julgamento da matéria de facto efectuado na sentença por não ter considerado nem dado como provados todos os factos que fundamentaram a liquidação, não tendo analisado directamente a questão da simulação, questão essencial.
Segundo ainda a recorrente, a sentença proferida deu como provados factos não estão efectivamente provados, acabando por decidir com base no facto não provado de que o IVA mencionado na factura foi entregue nos cofres do Estado, facto que nos parece secundário e irrelevante para a decisão, dada a redacção do art. 19°, n.°3 do CIVA.
E isso também porque a Impugnante, contrariamente ao decidido, não logrou apresentar prova da qual resulte que a factura titulou um fornecimento efectivo, nomeadamente através da prova do meio de pagamento ao fornecedor.
Na sentença recorrida, foi levada ao probatório a factualidade elencada em 2.1. desta fundamentação, de que se faz a seguinte rescensão:
Na contabilidade da impugnante, referente ao exercício de 1993, está arquivada a factura n° 513, de Fábrica de Confecções Edrofel - Luís Manuel Martins da Fonseca (Edrofel), respeitante a 6 máquinas de bordar (factura e máquinas) - facto incontroverso e fls. 177;
O IVA liquidado na factura foi entregue nos cofres do Estado - ponto 20 da fundamentação de facto do douto acórdão de fls. 193 a 205 e relatório de inspecção tributária, da Direcção Distrital de Finanças do Porto, de fls. 80 a 85, maxime fls. 80 v°;
As máquinas foram pagas pela impugnante, e colocadas nas instalações fabris desta- conjunto da prova produzida, designadamente a prova testemunhal e os factos de a própria AF ter verificado o pagamento do IVA liquidado na factura e de as máquinas estarem no local referido -relatório de inspecção tributária, da Direcção Distrital de Finanças do Porto, de fls. 80 a 85, maxime fls. 80 v° e 82 v°.
Mas, como salienta a EPGA no seu douto parecer a decisão recorrida parte do pressuposto de ter sido entregue nos cofres do Estado a quantia de IVA posteriormente deduzida pela impugnante, quando dos documentos juntos aos autos tal entendimento não é possível de retirar.
Evocando o expendido no parecer do MP na 1a instância, afirma ainda a EPGA que «os factos dados por provados no douto acórdão de fls. 193/205, confirmados pelo douto acórdão do STJ de fls. 220/229, transitado em julgado, afastam categoricamente a tese da impugnante)- fls. 233.
Assim, prossegue aquela Distinta PGA, toda a prova constante dos autos determina a inexistência de uma transacção comercial consentânea com os sãos princípios contabilísticos que pudessem levar à pretendida dedução de IVA pela impugnante, fundamentalmente porque há um depoimento, dado como provado no acórdão do STJ, onde se refere que a venda a dinheiro de fls. 86 foi forjada, sendo certo que esta venda a dinheiro se refere às máquinas constantes da factura de fls. 117, o que possibilitou a dedução do IVA.
Nos auto desenvolveram-se diligências tendentes a para eles cerrear certidão do acórdão do Tribunal Colectivo das Varas de Competência Mista de Guimarães que condenou o além arguido Luís Manuel Martins da Fonseca pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal, e do Acórdão do STJ proferido no recurso daquele interposto, transitado em julgado (cfr. fls. 194 a 205e fls. 208 a 229), proferido em autos de processo criminal comum, onde foram analisada as questões de facto referidas no douto parecer da EPGA.
Na verdade, no douto acórdão de fls. 193 a 205, confirmado pelo acórdão do STJ constante de fls. 220 a 229, e, por isso, transitado em julgao, foram dados como provados factos que infirmam em absoluto a decisão fáctica da senten ora recorrida.
Assim, decorre do probatório fixado naquele acórdão que a firma “Grotex” nunca efecytuou bordados, apenas se dedicando à confecção de têxteis, nunca vendeu as questionadas máquinas ao Lus Manuel Martins da Fonseca, referido na venda a dinheiro de fls. 86, e cessou a sua actividade em Junho de 1993, em resultado de uma remoção com penhora, ordenada pelo Tribunal Judicial de Barcelos, de todos os seus bens.
Também emerge daquele acórdão que o próprio Luís Manuel martins da Fonseca confessou ter forjado a venda a dinheiro de fls. 86, pelo que, não sendo as máquinas que figuram na factura de fls. 177 as mesmas que constam da venda a dinehiro de fls. 86, é forçoso concluir que Luís Manuel Martins da Fonseca não poderia vender aquilo que não comprou.
Nesse sentido, também foi aportada para os autos outra prova, a comçecar pelas credíveis declarações do Dr. Sousa Grilo, consubstanciadas no auto de fls. 87, nas quais refere peremptoriamente que a venda a dinheiro nº 203 da “Grotex” e que se encontra a fls. 86, não corresponde a qualquer transacção comercial e que os bens nela discriminados nunca foram pertença da “Grotex”.
No mesmo sentido pontificam o relatório de inspecção junto de fls. 80 a 85, ao descrever os cicuitos comerciais das máquinas identificadas na factura nº 513, demonstando-se também pelos decouemntos anexados a tal relatório, que as mesmas nunca pertenceram à “Grotex” nem à “Edrofel” de Luís Manuel Martins da Fonseca.
Tudo isso, associado ao facto de os pagamentos feitos pela impugnante a José Carlos de Melo Vieira terem sido efctuados antes da emissão da factura em causa, tem como colorário que eles não têm qualquer relação com a hipotética aquisição das mencionadas máquinas à “Grotex” ou à “Edrofel”, como se demonstra no parecer exrado a fls. 69.
Assim, como as questões factuais suscitadas nas conclusões deste recurso têm conexão nos argumentos e na fundamentação de facto, às que foram decididas no acórdão do STJ atrás referenciado, e não as tendo a sentença recorrida apreciado com rigor, aquando da sua apresentação na presente impugnação, tal determinou uma decisão arredada de uma correcta interpretação dos factos e dos preceitos legais aplicáveis, entende-se que tal decisão não pode ser mantida na ordem jurídica, sendo de conceder provimento ao recurso.
Ou seja, e como a EPGA invoca implicitamente, dá-se a verificação do «caso julgado» formado pelo Acórdão do STJ.
É sabido que uma sentença (ou Acórdão) constitui caso julgado logo que se torne imodificável por reclamação ou recurso ordinário ( Prof. Antunes Varela, J.M. Bezerra e Sampaio e Nora, «Manual de Processo Civil, pág. 684 » ). E o caso julgado que se fez é também material, o que «significa que o decidido tem força obrigatória dentro do processo e fora dele, impedindo que o mesmo ou outro Tribunal ou qualquer autoridade possa definir em termos diferentes o direito aplicável à relação material litigada».
Teleologicamente, o que essencialmente se pretende com o caso julgado é que os tribunais e, por maioria de razão, as autoridades públicas, respeitem ou acatem a decisão, não julgando de novo a questão ou contrariando os efeitos daquela.
É certo que o caso julgado tem limites, uns de carácter objectivo, outros de natureza subjectiva que decorrem dos termos em que está definida a excepção do caso julgado que pressupõe a repetição de uma causa ( artº 497º, nº 1, do C.P.C. ) e sua identidade quanto aos sujeitos, pedido e causa de pedir (artº 498º, nº 1 do C.P.C. ).
Mas também é certo que a eficácia do caso julgado se limita às partes (artº 674º do C.P.C. ) pelo que se pode concluir que com o caso julgado se visa evitar não a colisão apenas teórica de decisões, mas a contradição prática dos julgados, ou seja, a existência de decisões concretamente incompatíveis.
Sobre esta questão se pronunciou com brilhantismo o Acórdão deste TCA de 30/06/98, tirado no recurso nº 653/98, citado no Ac. do mesmo Tribunal Central Administrativo Sul de 21/09/2004, no Recurso nº 17/04 em que se expende, com a devida vénia e por razões de uniformidade e economia, que:
“4.1.1. Nos termos do art. 673º do CPC, a sentença constitui caso julgado, nos precisos limites e termos em que julga.
É função do caso julgado, assinalada no nº 2 do art. 497º do CPC, «evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior»; é, pois, sobre a decisão contida na sentença, e não sobre os fundamentos desta, que se forma, em princípio, o caso julgado, embora a motivação da decisão seja de considerar quando se torne necessário reconstruir e fixar o seu conteúdo (cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 124; A. Reis, CPC Anotado, Vol. III, 139 e ss; Ac. STJ, de 17/1/80, BMJ, 253, 235, entre outros).
Os limites do caso julgado são traçados pelos elementos identificadores da relação ou situação jurídica substancial definida pela sentença: sujeitos, objecto e fonte ou título constitutivo (arts. 497º e 498º do CPC).
Quando na sentença se tenha conhecido da relação jurídica substancial forma-se caso julgado material (e não apenas caso julgado formal) que projecta a sua força e efeitos para fora do processo em que foi proferida.
Por isso, em princípio, a sentença só tem força de caso julgado entre as partes (nº 2 do art. 498º do CPC), considerando-se aqui não apenas a identidade física, mas também a da sua posição jurídica.
Relativamente a terceiros, que não tenham intervindo na acção em que o caso julgado se formou, a sentença é «res inter alios acta», ou seja, não lhes aproveita nem os prejudica.
4.1.2. Mas este princípio não é absoluto e a doutrina e a jurisprudência têm vindo a reconhecer a extensão a terceiros da eficácia do caso julgado material.
Assim, distingue-se entre os chamados «terceiros juridicamente indiferentes» (todos aqueles a quem a sentença não causa qualquer prejuízo jurídico, porque deixa íntegra a consistência jurídica do seu direito, embora lhes possa causar prejuízo económico, por ser afectada a solvabilidade do devedor) e os terceiros juridicamente interessados (aqueles a quem a sentença pode causar prejuízo jurídico, invalidando a própria existência ou reduzindo o conteúdo do seu direito).
Exemplo característico daquela primeira categoria é, precisamente, o do credor perante a sentença proferida em pleito em que seja parte o devedor. Tal sentença não invalida, nem, de qualquer modo, afecta o seu direito, na sua consistência jurídica, apenas o poderá afectar na sua consistência económica, enquanto reduz o património do devedor e, consequentemente, a sua solvabilidade.”
Mas, no caso concreto, a aqui impugnante é terceiro “juridicamente interessado” porquanto o Acórdão do STJ lhe causa prejuízo jurídico, invalidando a própria existência ou reduzindo o conteúdo do seu direito.
Com efeito, com o facto de daquele aresto resultar manifestamente a inexistência de uma transacção comercial com aptidão para contabilisticamente fundar a dedução de IVA peticionada pela impugnante, o direito da recorrente é afectado juridicamente, pois o mesmo tem de ser julgado extinto na sua esfera jurídica.
Assim sendo, e porque, atenta a distinção que deve fazer-se entre os «terceiros juridicamente indiferentes» e os «terceiros juridicamente interessados», se entende ser esta a posição mais consentânea com o regime legal da eficácia do caso julgado material, o Acórdão que, no caso, julgou ser inexistente a transacção comercial com base na qual foi pedida a dedução de IVA, é oponível à aqui recorrente, pese embora esta não tenha intervindo na acção judicial onde a mesma foi proferida (cfr. neste sentido, Ac. STJ, de 12/1/93, Proc. nº 83928, CJ, I, 30; Ac. RL, de 22/3/90, Rec. 2975, CJ, 1990, II, 140; Ac. deste TCA, 2ª Secção, de 18/11/97, Rec. 65290; no sentido da não oponibilidade, cfr. Acs. STJ, de 10/10/89, Proc. nº 77867, BMJ, 390, pgs. 363 ss. e de 15/12/92, Proc. nº 82737, BMJ 421, 348 e ss.).”
De resto, é nosso entendimento que a «ratio» da suspensão do processo por vontade do juiz ( cfr. artº 279º do CPC)- cfr. fls. 107, 108, 141/142, 143/145, 146, 147, 148, 149, 150 a 167, 180, 192 a 205, 206, 207 a 217, 218 e 219 a 229) aguardando que o Acórdão junto transitasse em julgado seria justamente a de conformá-la com o que neste fosse nele decidido.
A suspensão nos casos - como o dos autos- em que há controvérsia judicial, seja quanto à forma, seja quanto à substância, quer mesmo quanto ao montante da dívida, tem que se aguardar pela decisão final da demanda, o julgamento final da causa, passando então a determinar-se a matéria factual
e jurídica de harmonia com a decisão proferida.
É que a «ratio» do instituto da suspensão em apreço, foi, manifestamente, a de impedir a contradição de julgados, no que concerne à existência da questionada transacção, sendo que a decisão que foi proferida na acção judicial constitui caso julgado sobre essas questões neste processo, sendo a decisão judicial vinculativa para toda e qualquer entidade pública e privada, maxime, à 1ª instância e a este tribunal ao qual as mesma questões foram postas.
Em suma, a suspensão justificava-se por haver nexo de prejudicialidade em relação a tais questões que discutidas naqueles autos, em termos de se evitar, mediante aquele regime, a possibilidade de desencontros ou incoerências sobre a natureza da relação jurídica, direitos dela emergentes e respectivo «quantum».
Donde que, tendo sido aquelas questões decididas por acórdão transitado em julgado, a decisão desta causa terá de processar-se de harmonia com aquele aresto.
Não se poderão‚ pois, alterar a fundamentação e valores após o trânsito em julgado da acórdão, o que é apanágio das decisões judiciais logo que se verifique, nos termos da lei, a sua insusceptibilidade de recurso ordinário, cumpridos e esgotados todos os trâmites legais atrás citados.
Acresce que no processo de impugnação judicial, o ónus da prova recai sobre o impugnante, a quem cabe o encargo de provar a não existência dos pressupostos que justifiquem o acto tributário impugnado. Não provando ele, na respectiva impugnação judicial, nenhum dos factos que alegou em fundamentação do seu direito, o acto manterá a sua legalidade e consequentemente deverá ser confirmado na ordem jurídica.
Porque assim, na impugnação judicial, como na presente, em que a não contestação ou especificada impugnação não comporta confissão dos factos alegados pois estamos no campo dos direitos indisponíveis quanto à FªPª, o ónus da prova cabia à impugnante, devendo a mesma improceder quando tal prova não é feita.
Ora, o Sr. Juiz «a quo» fez tábua rasa do valor probatório do aresto do STJ junto aos autos e cujo conteúdo deixou especificado, devendo entender-se, quanto à respectiva força probatória, aquele comprovarem a «existência e quantificação do facto tributário», para além da mera dúvida que não se coloca porque não foram realizadas outras diligências de prova, aduzidas pelo impugnante ou realizadas oficiosamente pelo juiz, que funde qualquer dúvida sobre a inexistência da transacção ( de resto, tendo aquele acórdão sido proferido em matéria crime, nem sequer foi invocado o princípio do in dubio pro reo”).
O princípio da aquisição processual diz-nos que o material necessário à decisão e aduzido ao processo por uma das partes - sejam alegações, sejam motivos de prova pode ser tomado em conta mesmo a favor da parte contrária àquela que o aduziu. Reputa-se adquirido para o processo; pertence à comunidade dos sujeitos processuais. (Castro Mendes, Dir. Proc. Civil, 1980, III-209. No mesmo sentido veja-se, do mesmo autor Do Conceito de Prova em Processo Civil. l 66).
Ora, tudo isto foi postergado na sentença recorrida em que se não se ponderaram todos os elementos de prova pelo que a sentença está afectada na sua validade sendo, assim, tangível o seu valor doutrinal porque nela não se fixaram os factos essenciais e que relevam para a decisão da causa.
Do que vem dito, impõe-se a reelaboração do probatório por nos autos se encontrarem os elementos que o permitem ao agasalho do artº 712º do CPC, a que se procede do seguinte modo:
1.-Na contabilidade da impugnante, referente ao exercício de 1993, está arquivada a factura n° 513, de Fábrica de Confecções Edrofel - Luís Manuel Martins da Fonseca (Edrofel), respeitante a 6 máquinas de bordar (factura e máquinas) – cfr. fls. 177;
2. O emitente da factura mencionada no ponto anterior liquidou IVA no valor de 19.520.000$00 na declaração periódica de 1993- cfr. fls. 197.
3.- Na declaração periódica enviada ao SAIVA referente ao período 9309T, o sujeito passivo incluiu na base tributável o valor de 122.000.000$00 e liquidou IVA no montante de 19.520.000$00 – cfr. fls. 80.
4.- A venda a dinheiro de nº 203, a fls. 86, refere-se às máquinas constantes da factura de fls. 117 e que foi feita pela “Grotex” a Luís Manuel Martins da Fonseca foi forjada, o que possibilitou a dedução do IVA – cfr. Acórdão de fls. 194 e ss e declarações do Dr. Sousa Grilo, consubstanciadas no auto de fls. 87.
5.- A firma “Grotex” nunca efectuou bordados, apenas se dedicando à confecção de têxteis, nunca vendeu as questionadas máquinas ao Lus Manuel Martins da Fonseca, referido na venda a dinheiro de fls. 86, e cessou a sua actividade em Junho de 1993, em resultado de uma remoção com penhora, ordenada pelo Tribunal Judicial de Barcelos, de todos os seus bens – cfr. o dito aresto.
6.- A venda a dinheiro nº 203 da “Grotex” e que se encontra a fls. 86, não corresponde a qualquer transacção comercial e os bens nela discriminados nunca foram pertença da “Grotex” nem à “Edrofel” de Luís Manuel Martins da Fonseca. – cfr. relatório de inspecção junto de fls. 80 a 85 e declarações do Dr. Sousa Grilo, consubstanciadas no auto de fls. 87.
7.- Os pagamentos feitos pela impugnante a José Carlos de Melo Vieira foram efectuados antes da emissão da factura em causa e não têm qualquer relação com aquisição das mencionadas máquinas à “Grotex” ou à “Edrofel” como se demonstra no parecer exrado a fls. 69.
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Atentas as conclusões e a factualidade fixada e que se reputa a relevante, vejamos qual a sorte do recurso em que a questão decidenda é a da saber se ocorre erro de julgamento sobre a matéria de direito por a sentença não ter analisado directamente a questão da simulação, questão essencial relativamente à não aceitação da dedução do IVA constante na factura emitida por um dado fornecedor (conclusões b) e d)- ).
O apuramento do imposto foi efectuado pela Administração na sequência de uma acção de fiscalização em que concluiu que a factura que se encontra na contabilidade da Impugnante não titula transacção efectivamente realizada pelo seu emitentes à Contribuinte.
Mas as declarações dos contribuintes só podem ser alteadas quando haja fundados elementos no sentido de que não correspondem à verdade, designadamente, quanto ao IVA, quando delas conste uma dedução superior à devida (cfr. o art 82% n.° l, do respectivo código).
Será que no caso subjudice, face aos elementos de que a AF dispunha se pode considerar que havia fundamento para rectificar a declaração, considerando que nela consta dedução superior à devida ?
A Impugnante sustenta que não, sendo à AF que compete a demonstração de que de que à referida factura não corresponde uma efectiva transacção pois não vigora hoje a presunção da legalidade da liquidação.
Como consequência do princípio dar legalidade que preside ao Direito fiscal, o procedimento administrativo - fiscal esta sujeito ao princípio da verdade material, o que significa que a Administração não pode alterar o montante das deduções declarado, a menos que a actividade instrutória desenvolvida lhe permita concluir com segurança que às facturas era causa não corresponde a efectiva prestação de serviços, motivo por que a Contribuinte não tinha direito i dedução do IVA nela mencionado.
É certo que nos casos vulgarmente conhecidos por "facturas falsas", a AF terá, amiúde, que recorrer a provas indirectas, isto é e evocando ALBERTO XAVIER, a «factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxilio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indicio e o tema de prova». No entanto, como bem adverte o mesmo Autor, «Tais juízos devem ser, contudo, ''suficientemente sólidos para criar no órgão de aplicação do direito a convicção da verdade».
No caso subjudice há, a nosso ver, indícios mais do que suficientes para que a AF tenha concluído, como concluiu, que à factura em causa não correspondia transacção realmente efectuada e que a Impugnante não podia ter deduzido, como deduziu, o IVA nela mencionado, e, assim, proceder ao apuramento do imposto em feita.
Vejamos:
Na contabilidade da impugnante, referente ao exercício de 1993, está arquivada a factura n° 513, de Fábrica de Confecções Edrofel - Luís Manuel Martins da Fonseca (Edrofel), respeitante a 6 máquinas de bordar (factura e máquinas).
O emitente da factura mencionada no ponto anterior liquidou IVA no valor de 19.520.000$00 na declaração periódica de 1993.
Na declaração periódica enviada ao SAIVA referente ao período 9309T, o sujeito passivo incluiu na base tributável o valor de 122.000.000$00 e liquidou IVA no montante de 19.520.000$00.
A venda a dinheiro de nº 203, a fls. 86, refere-se às máquinas constantes da factura de fls. 117 e que foi feita pela “Grotex” a Luís Manuel Martins da Fonseca foi forjada, o que possibilitou a dedução do IVA.
A firma “Grotex” nunca efectuou bordados, apenas se dedicando à confecção de têxteis, nunca vendeu as questionadas máquinas ao Lus Manuel Martins da Fonseca, referido na venda a dinheiro de fls. 86, e cessou a sua actividade em Junho de 1993, em resultado de uma remoção com penhora, ordenada pelo Tribunal Judicial de Barcelos, de todos os seus bens.
A venda a dinheiro nº 203 da “Grotex” e que se encontra a fls. 86, não corresponde a qualquer transacção comercial e os bens nela discriminados nunca foram pertença da “Grotex” nem à “Edrofel” de Luís Manuel Martins da Fonseca.
Os pagamentos feitos pela impugnante a José Carlos de Melo Vieira foram efectuados antes da emissão da factura em causa e não têm qualquer relação com aquisição das mencionadas máquinas à “Grotex” ou à “Edrofel”.
Com base na conjugação das referidas circunstâncias lácticas, a AF concluiu que à factura em causa não correspondia transmissão realmente efectuada e que a Impugnante não podia ter deduzido, como deduziu, o IVA nelas mencionado, motivo por que procedeu ao apuramento do imposto em falta.
Não se detecta qualquer vício lógico, nem qualquer insuficiência na actividade instrutória desenvolvida pela AF em sede do procedimento administrativo - tributário.
As referidas circunstâncias fácticas estão suportadas pelas diligências efectuadas pelos serviços de fiscalização da AF e, conjugadas umas com as outras e apreciadas segundo um critério de experiência comum, não permitem outra conclusão senão aquela a que chegou a AF: à factura em causa não corresponde uma efectiva transacção.
Assim, a liquidação só poderia ser anulada contenciosamente com base em violação de lei por erro nos pressupostos de facto se, em sede de impugnação judicial, ficasse provada factualidade que permitisse concluir, contrariamente ao que concluiu a AF, que à factura em causa correspondera realmente a transacção nela referida.
Ou seja, a prova produzida, não pondo em causa qualquer dos referidos "factos – índice” que suportaram a conclusão da Administração em que assentou o acto impugnado, não permitem sequer abalar tal conclusão fáctica, de que aos documentos em causa não correspondem a transacção realmente feita à Contribuinte.
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No que tange à questão da simulação :
Como decorre do que dito ficou, a administração fiscal só deve praticar o acto tributário - liquidação - quando "formar convicção a existência e conteúdo do facto tributário" (assim, Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág. 150).
Esta convicção deve assentar em pressupostos objectivos e não em meras suposições ou juízos de natureza puramente subjectiva.
No caso concreto estavam reunidos os pressupostos conducentes à conclusão de que se verificava o facto tributário e qual a sua medida nos termos pretendidos pela AT.
Neste contexto, releva, sobremaneira, a fundamentação expendida no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 17/04/02, no Rec. n° 26.635 cuja doutrina vai no sentido de que é à AF que cabe «o ónus de "demonstrar a existência do fundamento legal com que se arroga a titularidade de atribuições e de competência para a pratica do acto em causa" ou da sua actuação enquanto persona potentior, pois só perante a existência deste está autorizada a actuar. (...).
A norma que confere as atribuições à administração, exercidas no tipo de acto que está aqui em causa, é a constante do art.° 82° n° l do CIVA. que textua: "O chefe de repartição de finanças competente procedera à rectificação das declarações dos sujeitos passivos quando fundamentadamente considere que nelas figura um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, liquidando-se adicionalmente a diferença".
Segundo esta norma, e no que importa ao caso concreto, são dois os requisitos legais da actuação da administração: a consideração subjectiva, na sua actividade de controlo ou de fiscalização relativa ao cumprimento dos deveres dos contribuintes, de que estes fizeram constar das suas declarações uma dedução superior à que seria devida, ou seja, superior à que resulta da aplicação da lei que as regula; que essa consideração seja tomada de modo fundamentado.
Ao usar, todavia, a expressão "...quando fundamentadamente considere que nelas figura... uma dedução superior à devida", o legislador pretende evidenciar a exigência não sé da existência de uma declaração formal fundamentadora do seu juízo subjectivo (consideração), nas também a necessidade desse juízo se equivaler ao resultado de uma ponderação fáctico - jurídica, substancial ou materialmente, correcta».
«Não importa só que a administração se diga convencida, mas também que diga porque é que se deixou convencer e que este resultado possa ser objectivamente apreciado e controlado pelo tribunal à luz dos critérios adequados.
E sendo assim, para emitir o seu juízo sobre se se deve ter por materialmente fundamentada a consideração da administração, o tribunal não se pode ater apenas à existência de uma fundamentação formal e aos elementos nela externados (...), mas terá de formar o seu próprio juízo probatório sobre a correspondência à realidade fáctico - jurídica dos elementos em que a administração disse apoiar a sua consideração e aferir, então, sobre eles se esta deve ter-se por correcta.
À administração caberá, assim, o ónus de provar, também em tribunal, os pressupostos de facto suficientes, dentre os afirmados na fundamentação do acto. para que o tribunal possa ajuizar sobre se o juízo administrativo se deve ter por, objectiva e materialmente, fundamentado...)».
«(...) Digamos, retornando ao sentido do discurso feito atrás, que à administração cabe o ónus de prova da verificação dos requisitos estabelecidos no art.° 82° n.° l do CIVA para que possa liquidar adicionalmente o IVA respeitante a deduções indevidas, mas já não a existência dos factos contra ela afirmados pelo contribuinte, traduzidos na existência dos factos tributários e sua expressão quantitativa.
Os requisitos legalmente estabelecidos para que seja permitida a dedução do imposto pago a montante não constituem, nesta óptica, também requisitos que estejam legalmente previstos enquanto requisitos de legitimação da actuação da administração. Relativamente a esta matéria, a lei basta-se com um juízo administrativo de adequação entre os factos e colorações em que a administração diz, formalmente, suportar a sua decisão e o resultado desse juízo no sentido de se lhe afigurar ter sido declarado uma dedução superior à devida, e com a prova perante o tribunal da pertinência desse juízo ou seja, com a prova, perante o tribunal, da existência dos elementos que tornam possível ter como adequada a consideração por si feita de que o contribuinte declarou uma dedução superior à permitida pela lei.
É nesta perspectiva que se poderá, de algum modo, falar que a administração apenas terá de fazer a prova, em tribunal, do bem fundado da formação das suas presunções de inexistência dos factos tributários e que, na falta dessa prova, essa questão - ou seja a questão relativa à legalidade do seu agir praticando o acto tributário - terá de ser resolvida contra ela.»
Na senda de Vieira de Andrade, in "A Justiça Administrativa" (Lições), 2° edição, pág. S69, «há-de caber, em princípio, à Administração o ónus de prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável); em contrapartida, caberá ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados estes Pressupostos». Nesse sentido, expende Jorge Lopes de Sousa, in "Código de Procedimento e Processo Tributário Anotado", 2ª edição, pág. 470, que «o ónus de prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Embora esta regra (art. 74º/1 LGT) esteja prevista para o procedimento tributário, o seu conteúdo deve ser transposto para o processo judicial que se lhe seguir, por forma a que quem tinha o ónus da prova no procedimento tributário tenha o respectivo ónus no processo judicial tributário (...)».
Por força desse entendimento, a AF tem o ónus de demonstrar a factualidade que a levou a levou a considerar determinada operação como simulada, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte (atento o princípio da declaração e da veracidade da escrita vigente no nosso direito -art.78° do CPT), só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente.
Porém, nessa actividade, não se torna necessário que a AF prove os pressupostos da simulação previstos no art. 240° do C.Civil (a existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros, sendo bastante a prova de elementos indiciários que levam a concluir nesse sentido, isto é, de indícios sérios e objectivos que traduzam uma probabilidade elevada de que as facturas não titulam operações reais, pois de contrário seria praticamente impossível atingir o objectivo legal de tributação e de combate à fraude fiscal.
E perante esses concretos indícios, essa elevada probabilidade, cessa a presunção de veracidade das operações constantes da escrita e dos respectivos documentos de suporte, passando a competir ao contribuinte o ónus de provar que elas se realçaram efectivamente.
No caso sub judice, a liquidação impugnada tem como pressuposto que não corresponderia a transacção real a titulada pela factura em causa, por existirem indícios de que titulam operações simuladas, que não teriam tido lugar.
Na verdade, face aos elementos probatórios carreados para os autos pela AF, diz esta que existem indícios sérios ( ou melhor, prova directa) de que a operação subjacente à referida factura não corresponde à realidade, indícios Ou prova esses traduzidos nos factos que se captam do relatório e parecer juntos aos autos.
Porque assim, cabia ao contribuinte demonstrar que a operação referido na factura tinha sido efectivamente realizado e para o efeito, juntou cheques reportados ao pagamento das factura susceptíveis de criar a convicção ao julgador de que as operação titulada pelas factura condiz com a realidade material dos factos.
Pergunta-se:- não serão tais factos suficientes para se concluir pela inexistência de simulação na emissão de factura?
“Um negócio diz-se simulado, preceitua o art. 240° do Código Civil, se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante.
Exige-se, portanto, a existência de um acordo simulatório entre os simuladores no intuito de enganar terceiros.
Dos elementos que resultam dos autos, é possível afirmar a existência de simulação em relação à operação a que se reporta a factura.
Os elementos que serviram para a administração fiscal chegar à conclusão a que chegou são não apenas de natureza indiciária, havendo elementos de natureza probatória directa.
É certo que a prova directa da simulação não é fácil e que, por isso, muitas vezes se chega até à conclusão de que tal simulação existiu através de prova indiciária.
Essa prova terá, no entanto, de se mostrar suficientemente sólida e segura para permitir, com a segurança necessária, lograr aquela conclusão.
Ora, os indícios apontados pela Administração e a prova directa produzida nos autos permitem concluir quanto às questão fulcral que é a de saber se ao impugnante fora ou não transmitidos os bens identificados na factura.
Não cumprimento de obrigações fiscais por parte do emitente e pagamentos, bem como a demais prova produzida e já invocada, chegam, para além dos simples indícios, para implicar a impugnante num acordo simulatório com vista a ludibriar o fisco.
Ora, dentro do princípio da livre apreciação da prova cabe ao juiz aceitar os factos que a experiência ditar como mais razoáveis.
No caso em apreço não há duvida de que os factos mais razoáveis e de acordo com a experiência são os fixados no probatório supra, o que nos leva à convicção de que não merece credibilidade a factura emitida por Luís Manuel Martins da Fonseca e, naturalmente conduz à procedência das conclusões das alegações e do recurso, com a revogação da sentença recorrida e a manutenção do acto impugnado.
Escreveu Beleza dos Santos, Simulação em Direito Civil, 1955, cópia da edição de 1921, Vol. I, pág. 63:
“O intuito de enganar terceiros, que torna a simulação inconfundível com as declarações não sérias consiste em pretender que pareça real o que no intuito das partes não é, criando para terceiros uma aparência”.
Em vista do disposto no artº 1414º do Ccivil, que não define a simulação e, quanto à simulação relativa, fala de contrato aparente, tem de concluir-se que a intenção das partes é criar perante terceiros uma aparência, e o engano de terceiros consiste em fazer parecer real o que, em relação aos simuladores, não o é. Se a simulação é a criação artificiosa do que não se quer ou a ocultação do que se quer, tem em si imanente o fim de enganar; quando se simula, isto é, se finge ou oculta, tende-se a enganar terceiros. Não há dúvida de que a simulação tem sempre por fim enganar terceiros. Geralmente, as partes criam uma aparência com o propósito de iludir direitos ou expectativas de terceiros, não sendo porém necessário o intuito fraudulento. Cria-se uma situação aparente destinada, na intenção das partes, a enganar terceiros.
Assim, por via de regra pelo menos, identifica-se o intuito de enganar terceiros com a intenção de criar uma aparência, sendo no fingimento, na intenção de criar a aparência de uma realidade «fazendo crer que», como é próprio da simulação, há o desígnio de provocar uma ilusão normalmente destinada a enganar terceiros.
Em reforço desse ponto de vista, tenha-se em conta que, como já alegado foi, o que constitui elemento de simulação é, o intuito de enganar ou iludir (animus decipiendi) e não o intuito de prejudicar, ou seja, de causar um dano ilícito (animus nocendi).
No caso concreto, porém, a simulação apresentar-se-ia como fraudulenta pois, segundo o Fisco, tudo aponta para que foi feita com o intuito não só de enganar mas também de prejudicar terceiros (de modo ilícito) ou de contravir a uma disposição legal – artº 2159º do CCivil (animus nocendi).
Na situação em apreço, de harmonia com a tese da AT, além do negócio simulado, patente, ostensivo, decorativo, aparente ou fictício, haveria um negócio oculto, latente, disfarçado, real- o negócio dissimulado. Ou seja e como diziam os antigos tratadistas, colorem habet, substantiam vero alteram (tem uma cor e outra substância).
É que um juízo de indeterminabilidade do negócio jurídico é resultado final de uma actividade interpretativa da vontade das partes, frustre por não chegar a ser possível, no fim do processo hermenêutico, determinar qual o sentido identificativo com que deva valer a declaração ou, no caso dos negócios jurídicos contratuais, as declarações cruzadas que se formam (nesse sentido, v. o Ac. do STJ de 8.11.95 no recurso nº 085750).
Diga-se, no entanto, que não é exigível que a AF prove cabalmente os pressupostos da simulação previstos no art. 240°do C.Civil (a existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros), sendo bastante a prova de elementos indiciários que levam a concluir nesse sentido, isto é, de indícios sérios e objectivos que traduzam uma probabilidade elevada de que a factura não titula o negócio nos termos dela constantes, que estes não correspondem à realidade.
Nesse sentido apontam, como início de prova, os fundamentos pela AT aduzidos, sendo que tal doutrina cobre o caso concreto pois, dentro do principio da livre apreciação da prova cabe ao juiz aceitar os factos que a experiência ditar como mais razoáveis e impõe-se concluir, face à prova documental que foi produzida, que inexistiu a transacção e pagamentos e, assim, que no negócio em causa houve simulação que teve por fim que a contribuinte pagasse menos imposto.
Assim sendo, incumbindo à impugnante infirmar a conclusão de que houve acordo simulatório carreando factos que permitissem credibilizar os dados da sua escrita e não há dúvida que os alegou mas não ofereceu prova cabal.
Logo, são espúrias as considerações da recorrente de que, a factura em causa emitida pelo s.p. Luís Fonseca, podem ser atendidas fiscalmente, por existirem indícios suficientes da sua falta de veracidade, não se enquadrando por isso nos custos previstos no artº 23.° do CIRC e se enquadrar no n.° 3 do art.° 19.° do CIVA, não tendo tais indícios sido afastados pela impugnante e, como todas correcções efectuadas em IRC, têm efeitos em termos de IVA, estão justificadas em sede deste imposto as correcções em conformidade com o art.º 82.° do CIVA.
É que já se deixou comprovado que a contabilidade da impugnante não correspondia à sua verdadeira situação patrimonial e resultados obtidos e que isso impossibilitava a aferição dos resultados com base nos elementos contabilísticos, logo, que se verificam os pressupostos previstos na lei para as efectuar as correcções sub judicibus.
Na verdade, a materialidade apurada quanto à questionada factura cabe na incidência normativa pretendida pelo Fisco, sendo certo que o acto tributário se funda sempre numa situação de facto ou de direito concreta, prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto.
Como refere CARDOSO DA COSTA, “ Curso de Direito Fiscal “, 2ªed., 1972, pág. 126, «frequentemente o legislador fiscal liga a obrigação do imposto à prática de actos, ao exercício de actividades e ao gozo de situações, que são disciplinadas enquanto tais pelo direito privado».
Nesses casos, o facto gerador do imposto deriva ou é pelo menos influenciado nos seus contornos pela celebração dum negócio jurídico de determinado tipo.
E, assim, no douto ensinamento de ALBERTO XAVIER, «Conceito e Natureza do Acto Tributário», 324, « O facto tributável com ser facto típico, só existe como tal, desde que na realidade se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos que, por esta nova óptica, se convertem em elementos do próprio facto ».
Ora, em vista do mecanismo das deduções regulado nos artºs. 19º a 25º do CIVA, a dedução do imposto suportado a montante faz parte da própria essência do IVA pois este assenta num sistema de pagamentos fraccionados do imposto visando a tributação do consumo final, sendo por isso a dedução do imposto pago nas operações intermédias do circuito económico, indispensável ao funcionamento do sistema e ao estabelecimento da cadeia da importação ou produção até ao consumo final ou exportação.
Na dedução do IVA é utilizado o chamado método indirecto subtractivo no qual não há que determinar o valor acrescentado pela empresa, operando-se a dedução de imposto a imposto, ou seja, através das facturas relativas a determinado período, deduz-se ao imposto liquidado nos «outputs» o imposto suportado nos «inputs» no mesmo período, independentemente da venda dos bens a que respeita o imposto deduzido. Todavia e por força do disposto no nº 3 do artº 19º do CIVA, não poderá deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente.
Esse princípio vai na linha de defesa dos interesses da Fazenda sendo seu escopo fundamental a manutenção da cadeia das deduções ao frustrar as tentativas de obtenção da dedução de imposto não suportado mediante a exigência de facturas de aquisição de bens e serviços pelos sujeitos passivos, travando o passo à evasão fiscal.
Na verdade, não há direito à dedução quando a operação é simulada ou se o preço constante da factura ou documento equivalente é simulado, o que o mesmo é dizer que nessas situações não é admitido o direito à dedução do imposto respectivo a fim de não se obter dedução de um imposto que não foi suportado pelo sujeito passivo.(2)
Importa por isso averiguar se, sob o prisma do artº 240º do Ccivil, que define a simulação, por acordo entre o declarante e o declaratário e no intuito de enganar terceiros- neste caso o Fisco- se verifica divergência entre a declaração negocial e a vontade real das partes.
Como expende Alberto Anvicchio in A Simulação no Negócio Jurídico, 36, nota simular é tornar semelhante ao que não é verdadeiro pelo que a simulação pode comparar-se a um fantasma em cotejo com a dissimulação que é uma máscara. Dito por outras palavras, na simulação não se dissimula acto algum, e então o acto realizado é uma mera aparência, vazia de qualquer sentido («colorem habet substantiam vero nulam»).
Segundo Beleza dos Santos in A Simulação em Direito Civil, 1955, 2º-179, há duas espécies de actos simulados relevantes sob o ponto de vista fiscal, a saber:- a)- aqueles que dão lugar ao pagamento de um imposto que não seria cobrado se não fora a simulação, ou pelos quais se pagou contribuição maior do que aquela que seria paga se a simulação não existisse; e b)- aqueles em que a simulação teve por fim evitar no todo ou em parte o pagamento do imposto devido por um facto a ele sujeito, espécie em que se integra claramente a situação dos autos.
Conforme a sua epígrafe, o artº 82º regula as correcção das deduções e liquidações adicionais com base nas declarações periódicas remetidas pelos sujeitos passivos aos Serviços do IVA dentro dos respectivos prazos, atribuindo-se ao Sr. CRF promover a liquidação adicional da diferença quando a análise daquelas declarações revelar que foram cometidas omissões ou inexactidões de que resultou a entrega de imposto inferior ao devido ou, como «in casu» se perfila, dedução indevida.
E, como decorre dos nºs 2 a 4 do artº 82º do CIVA, as inexactidões ou omissões nas referidas declarações podem vir ao conhecimento do Fisco, designadamente, através do confronto com declarações de períodos anteriores, da comparação com o rendimento do irc, do resultado de exames à contabilidade, da inventariação física das existências ou da conferência dos elementos constantes nas declarações.
Assim, a rectificação prevista no citado preceito legal será realizada directamente pelo sr. CRF através do conhecimento directo das omissões ou inexactidões cometidas, ou assim que lhes sejam comunicadas pelos serviços centrais do IVA ou- como aconteceu no caso presente- pelos agentes de fiscalização.
Assim aconteceu no caso vertente em que os factos dados como provados, mormente a veracidade da factura de Luís Fonseca, demonstram a inexistência de transacção.
Assim, afigura-se-nos que a impugnante não fez prova positiva de que lhe foram transmitidos os bens em causa e que, naturalmente, não os pagou.
Isto basta para se afirmar a tese da simulação na factura.
Na verdade, no caso dos autos, e visto que a liquidação impugnada resulta da não aceitação de factos tributários declarados pelo contribuinte como constitutivos do seu direito à dedução do IVA pago às pessoas referidas, cabia, pois, à AF provar a verificação dos pressupostos legais que legitimam a sua actuação legal, ou seja, os constantes do art. 82° n° l do CIVA.
Vale isto por dizer que lhe cabia demonstrar não só a existência da declaração formal fundamentadora do seu juízo subjectivo quanto à existência de dedução superior à devida como, ainda, provar a pertinência desse juízo, pela enunciação de elementos fáctico - jurídicos aptos a convencerem sobre a adequação e correcção desse juízo, isto é, pela enunciação de indícios sérios de que as operação referida na factura cujo IVA foi deduzido foi simulada.
Consequentemente, não era necessário que a AF provasse os pressupostos da simulação previstos no art. 240° do C. Civil, sendo bastante a prova de elementos indiciários que levam a concluir nesse sentido, isto é, de indícios sérios e objectivos, que traduzam uma probabilidade elevada de que a factura não titula operações reais.
Assim, no caso sub judice, a materialidade exposta no probatório não pode deixar de se considerar como suficiente e adequada ao juízo formulado pela AF.
Em face destes elementos, não eram necessárias outras diligências tendentes a colher mais dados ou factores indiciantes, podendo concluir-se que a AF fez prova da legalidade da sua actuação, isto é, dos pressupostos legais que legitimam a correcção e subsequente liquidação Impugnada.
É que dúvidas não podem subsistir de que ficou confirmado o juízo formulado pela AF segundo a qual a factura titula operação simulada, podendo e devendo concluir-se que a AF logrou provar em tribunal o bem fundado da formação da sua presunção de inexistência dos factos tributários.
E face a essa prova, essa questão - relativa à legalidade do agir da administração fiscal - terá que ser resolvida contra a impugnante.
Em síntese: o circunstancialismo fáctico aduzido pela AF na declaração fundamentadora do seu juízo subjectivo quanto à existência de deduções superiores às devidas mostra-se apto a convencer sobre a adequação desse juízo, dada a prova directa e a suficiência de indícios sérios que traduzem uma probabilidade elevada de que a operação referida na factura cujo IVA foi deduzido, era simulada.
Tendo a AF feito prova do bem fundado da formação do seu juízo, a questão relativa à legalidade do seu agir terá de ser resolvida contra a impugnante, sem necessidade de ir analisar se a impugnante logrou ou não provar, em tribunal, a existência dos factos tributários que subjazem à dedução de imposto que efectuou.
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III.- DECISÃO:
Nestes termos, acordam os juizes deste TCAS em:
v Conceder provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública;
v Revogar a sentença recorrida;
v Julgar improcedente a impugnação;
v Manter o acto tributário impugnado;
v Condenar a impugnante nas custas com a taxa de justiça de 7 UCs.
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Lisboa, 04/10/2005
Gomes Correia
Pereira Gameiro
Ascensão Lopes

(1) De acordo com a doutrina dimanada do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 20-09-2005, no Recurso nº 00635/05, sempre se dirá que o depoimento de parte enquanto meio de prova tem em vista obter uma confissão judicial e tem por objecto o reconhecimento de factos que são desfavoráveis ao depoente e favoráveis à parte contrária, sendo requerido pela parte contrária àquela que o presta; como tal o depoimento de parte não pode ser prestado para tentar alcançar fim contrário àquele, a requerimento da própria parte, com vista a reconhecer factos que lhe são favoráveis e desfavoráveis à parte contrária.
Segundo o citado douto aresto, “Nos termos do disposto nos art.ºs 211.º e 115.º do CPPT, então já vigente e aplicável, no processo de oposição à execução fiscal são admitidos os meios gerais de prova, com as excepções previstas no n.º2 deste último normativo, estas não aplicáveis no caso, sendo por isso, neste caso, tais meios de prova os previstos no Código de Processo Civil, designadamente no seus art.ºs 552.º e segs, que ali logram aplicação subsidiária por força do disposto no art.º 2.º e) do mesmo CPPT.
E o depoimento de parte previsto naquela norma do art.º 552.º, apenas pode ser requerido pela parte contrária e apenas deve ser admitido nos casos em que possa levar à confissão, que é um dos meios de prova constantes da lei (art.º 352.º do Código Civil), desta forma originando uma confissão judicial provocada, nos termos do disposto nos art.ºs 356.º n.º2 do Código Civil e 553.º n.º3 do CPC, sendo que esta (a confissão), mais não é do que o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária. Ou seja, em contrário do peticionado pelo recorrente, que pretendia requerer a prestação do seu próprio depoimento e não para alcançar qualquer confissão mas sim para constituir um meio de prova sobre os factos para si favoráveis e por si articulados na petição inicial de oposição.
O princípio do inquisitório invocado pelo recorrente, vigente no direito processual tributário, com assento actualmente nas normas dos art.ºs 99.º da LGT e 13.º do CPPT (aliás, em sentido semelhante dispunha já a norma do art.º 265.º n.º3 do CPC), que dispõem que aos juízes dos tribunais tributários incumbe a realização de todas as diligências que considerem úteis para o apuramento da verdade dos factos que lhe seja lícito conhecer, não significa que tenham de realizar ou admitir todas as diligências requeridas pelas partes, designadamente aquelas que não sejam legais ou aquelas que não se perspectivem como úteis para o apuramento da verdade dos factos de que lhes seja lícito conhecer(1)- (1) Cfr. neste sentido, Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado, 2.ª Edição, 2000, Vislis, pág. 127, nota 10-, (...), já que no caso, o depoimento de parte do próprio oponente, como meio de prova se encontrava afastado, por através dele pretender o mesmo antes provar factos que lhe eram favoráveis e não desfavoráveis, contrariando o fim para que se encontra instituído o depoimento de parte, desta forma culminando tal depoimento, se prestado, em acto inútil, como tal em geral não permitido, nos termos do disposto no art.º 137.º do CPC.”
(2) O Mº Juiz veicula o entendimento de que o nº 3 do artº 19º do CIVA deve se interpretado no sentido de que apenas não poderá ser deduzido o imposto que resulte de operação simulada quando, comprovadamente, o IVA aí (factura ou documento equivalente) liquidado não tenha dado entrada nos cofres do Estado”. Mas, como resulta do aqui fundamentado, na senda do afirmado nas conclusões pela recorrente FªPª, de que a decisão foi tomada com base no facto não provado de que o IVA mencionado na factura foi entregue nos cofres do Estado, esse facto seria secundário e irrelevante para a decisão, dada a redacção do art. 19°, n.°3 do CIVA que, de acordo com a doutrina que dimana do Ac. do TT 2 ª Instância de 28/09/1993, CTF 374-274, proíbe a dedução do IVA em caso de simulação:”A simulação reporta-se apenas às operações e não ao IVA. Este pode ou não ser pago sem que isso releve para efeitos do nº 3 do artº 19º do CIVA”.