Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 24/21.4BELRA-S1 |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 04/28/2022 |
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Relator: | PATRÍCIA MANUEL PIRES |
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Descritores: | PERÍCIA COLEGIAL RECUSA IMPERTINENTE DILATÓRIA CONHECIMENTOS ESPECIALIZADOS E TÉCNICOS FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO |
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Sumário: | I - A prova pericial, designada enquanto tal, como a obtida pelo exame ou apreciação de factos por pessoas especialmente competentes em determinadas matérias (peritos), designadas pelo juiz ou pelas partes, deve ter lugar sempre que para a perceção dos factos sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, devendo, por conseguinte, o juiz indeferir a diligência probatória, rejeitando o meio de prova (perícia), caso entenda que a mesma é “impertinente” ou “dilatória” (artigos 338.º do CC, 116.º, n.º 1, do CPPT e 475.º, n.º 1, e 476.º ambos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 116.º, n.º 4, do CPPT); II - Reportando-se os factos a que a Recorrente faz alusão e requer a realização de perícia colegial a gastos cuja dedutibilidade fiscal é sindicada, por a aquisição dos bens contemplados nas faturas não serem utilizados pelo sujeito passivo para as suas operações ativas, e bem assim a perdas por imparidade, não carece da intervenção de qualquer perito, porquanto a perceção ou averiguação desses factos não reclamam conhecimentos especiais que o julgador comprovadamente não domina, podendo ser assegurados por prova documental complementada com prova testemunhal ou mesmo por prestação de declarações de parte. III - A prova pericial é exigida em contextos em que o julgador não se encontra habilitado, per se, a aquilatar, ponderar e averiguar os factos alegados, por convocarem “conhecimentos especiais” que não possui. IV - É impertinente ou dilatória a perícia que não respeita a factos condicionantes da decisão final ou que, embora a eles respeitando, o respetivo apuramento não dependa de prova pericial, por não estarem em causa os conhecimentos especiais que a aludida prova pressupõe. |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | I-RELATÓRIO
F…, SA, interpôs recurso dirigido a este Tribunal tendo por objeto o despacho que indeferiu a perícia, por “[s]e afigurar que a prova pericial requerida não é pertinente para a decisão final a proferir nos presentes autos (…) cf. artigo 476.º, n.º 1, do CPC, a contrario sensu, aplicável ex vi artigo 116.º, n.º 4, do CPPT.” *** A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem: “A) O Tribunal a quo, indeferir a perícia requerida, limita-se a afirmar que a prova dos factos ou circunstâncias que a mesma visa demonstrar pode ser feita a partir de prova testemunhal, ou documental, não identificando, qual seja o objecto da perícia, com excepção da «matéria de perdas por imparidade, quanto ao crédito decorrente da assunção pela Impugnante de uma dívida da sociedade M…, LDA., a que se reportam os artigos 98.º a 138.º da petição inicial», para a partir daí - e necessariamente daí - aferir da relevância ou irrelevância ou inutilidade da perícia requerida. B) De facto, o despacho sob escrutínio torna-se de impossível escrutínio, sem uma análise dos próprios fundamentos da impugnação deduzida pela Impugnante, que permitam aferir da utilidade da perícia para a demonstração das realidades aí alegadas. C) O despacho proferido «não se mostra devidamente fundamentado quando não permite perceber as razões pelas quais se verifica a "clara desnecessidade" da prova requerida, nem incide sobre realidade onde seja evidente a desnecessidade de produção dessa prova, o que tornava imprescindível essa fundamentação.»: o Ac. Do TCA Sul, de 10-12-2020, (P. nº 360/11.8BEBJA-A). D) O direito à prova constitui uma dimensão essencial da tutela jurisdicional efetiva e do direito a um processo justo e equitativo consagrados no art. 20.º da CRP, daí resultando igualmente que só excecionalmente, nos casos em que se mostre impertinente, por recair sobre factos irrelevantes, ou dilatória, por incidir sobre matéria que não carece de especiais conhecimentos pode ser indeferida a prova pericial. E) No que respeita aos factos relativos à arborização de zonas envolventes à pedreira, condicionantes legais aplicáveis e regime fiscal daí decorrente, o objecto da perícia reporta-se ao apuramento das razões que determinam a diferença de entendimentos e respectivos valores a considerar fiscalmente, inerentes ao dissídio entre o sujeito passivo e os serviços de inspecção tributária, designadamente, tendo em conta a necessidade de produzir prova quanto às espécies arbóreas utilizadas pela I. Na reabilitação do espaço envolvente à pedreira que explora e a sua aptidão para o efeito vs adequação às concretas especificidades do terreno e clima; F) A intervenção dos peritos, corresponde neste caso a fazer a confrontação entre as facturas emitidas, as espécies arbóreas implementadas no terreno e a sua valência para os fins legalmente impostos, de modo a permitir a correspondência entre umas e outros. G) E mesmo sem saber qual seja, quanto a tal matéria - atenta a ostensiva omissão de indicação de qualquer fundamento a tal propósito - a posição do Tribunal a quo, sempre se dirá que não se trata, obviamente de (simplesmente ... ) saber se determinadas despesas devem ou não ser consideradas como integrantes de certa categoria de custos previstos como dedutíveis, já que constitui pura questão de direito que escapa à prova pericial, que se restringe à apreciação de questões com carácter meramente técnico. H) A matéria objecto da perícia requerida é, portanto, matéria sobre a qual, claramente, o tribunal a quo não tem conhecimentos específicos (tal como - e basta quanto a isso atentar à própria impugnação, no que às facturas emitidas pela sociedade "J…" diz respeito - a própria A.T.!), implicando a necessidade de um pré-juízo de adequação de uma despesa a um objectivo, função e circunstâncias específicas que a determinam, com subsequente subsunção jurídica. I) O mesmo vale relativamente aos factos alegados relativamente à imparidade, a que o despacho recorrido faz leve referência, sem mencionar, porém, a noção legal de indispensabilidade recortada sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento, directo ou indirecto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro, pelo que o sujeito passivo deve ser admitido a completar a prova da existência do custo através do recurso a quaisquer meios admitidos em direito. J) A tal propósito, a Impugnante alegou que contabilização das imparidades de crédito, tem de ser enquadrada no exercício normal da empresa, a que corresponde um crédito decorrente da assunção de uma dívida de outra sociedade, que teve como objetivo permitir a continuação da laboração desta, que por um lado, contribuiu de forma relevante para o início da atividade da Impugnante e de que resultou a obtenção dos rendimentos que têm vindo sujeitos a tributação de IRC, e por outro, tendo em vista que a mesma pudesse recuperar a sua capacidade financeira e comercial que lhe permitisse no futuro voltar a estabelecer parcerias comerciais. K) A análise de tal realidade exige conhecimentos específicos, técnicos e científicos, que não se espera que sejam do saber do julgador, na medida em que importam, desde logo, a percepção de uma opção de gestão subjacente. L) A tal respeito, é evidente que o juízo pericial não incide sobre a noção legal de indispensabilidade, mas sim, sobre os factos concretamente alegados pela Recorrente, máxime, sobre a adequação abstracta de uma assunção, pela I., de uma dívida da Marcofil, permitir a continuação da laboração daquela empresa, no pressuposto de a mesma ter contribuído de forma relevante para o início da atividade da I. no mercado de extração de rochas ornamentais, sem a qual não teria sido possível iniciar e desenvolver a sua atividade, de cujo exercício resulta a obtenção dos rendimentos que têm vindo sujeitos a tributação de IRC. M) Os referidos temas probatórios constituem, manifestamente, matéria a que é inerente um juízo técnico extra-jurídico, o qual corresponde à verificação de circunstâncias ou condições prévias à opção tomada pelo Sujeito Passivo, e portanto, prévias à operação de subsunção, sendo pois aí, precisamente aí, que se coloca a questão da aptidão da prova pericial requerida para demonstração dos factos alegados pela ora Recorrente. Nestes termos, deve o presente recurso merecer provimento, sendo Despacho recorrido revogada por Acórdão que ordene a baixa dos autos para aí ser proferido novo despacho que admita a prova pericial requerida ou, em alternativa, declare a invocada falta de fundamentação, Assim se fazendo sã e serena JUSTIÇA!” *** Não foram produzidas contra-alegações. *** Os autos foram com vista ao Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP), ao abrigo do artigo 146.º, nº1, do CPTA, que proferiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso. *** Com dispensa dos vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão. *** II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Visando a decisão do presente recurso, este Tribunal dá como provada a seguinte matéria de facto: 1. A Recorrente, foi objeto de uma ação inspetiva credenciada pela Ordem de Serviço nº OI20………., de natureza externa, e de âmbito geral, ao exercício de 2016, tendo sido realizadas, designadamente, correções meramente aritméticas à matéria coletável de IRC, particularmente, as que infra se descrevem: a. Gastos não relacionados com a atividade da empresa; (facto que extrai do teor da p.i., corroborado pelo teor do RIT, junto aos de impugnação judicial 24/21, a fls.80 e seguintes dos autos numeração plataforma SITAF, referência 464207); 2. Em 10 de janeiro de 2021, deu entrada via plataforma SITAF, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, ação de impugnação judicial contra a liquidação adicional de IRC, com o nº 2020………, referente ao exercício de 2016, emitida em resultado da ação inspetiva evidenciada no ponto antecedente, a qual corre termos sob o nº de processo 24/21.4BELRA e na qual se peticiona a realização de prova pericial, conforme infra se identifica: “Prova Pericial: Nos termos do art. 116º do CPPT, requer a realização de perícia colegial, tendo por objeto os factos referidos nos pontos 38 a 113; A I. indica como perito: A…, Contabilista Certificado, com domicílio profissional na Estrada N3…, nº 55, Campos, em 2…-009 M….” ” (cfr. p.i. de impugnação judicial a fls. 1 a 126 dos autos numeração plataforma SITAF, referência 004409874); 3. A 17 de novembro de 2021, a Mmª Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, prolatou despacho do qual se extrata na parte que para os autos releva, designadamente, o seguinte: “Prova pericial requerida pela Impugnante: 4. A 29 de novembro de 2021, a Recorrente, na sequência de despacho referido no ponto antecedente, apresentou requerimento cujo teor na parte que, ora, releva, se extrata infra: “ 1º Segmento do Despacho: 5. A 12 de janeiro de 2022, a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, prolatou despacho com o seguinte teor: “Requerimentos apresentados em 29/11/2021 e em 04/01/2022, a fls.v1000-1002 e 1009-1012 do SITAF: 6. Na sequência da prolação do despacho descrito no ponto antecedente, a Recorrente apresentou o presente recurso jurisdicional (cfr. fls. 1019 a 1028 dos autos de impugnação numeração plataforma SITAF, referência 005441255); *** A convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto estruturada supra, fundou-se no teor dos documentos, alicerçada na consulta da plataforma SITAF e na posição das partes, conforme referido em cada um dos números do probatório. *** III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
In casu, o despacho recorrido corresponde ao evidenciado no ponto 5 supra, ou seja, aquele que indeferiu a perícia, por “[s]e afigurar que a prova pericial requerida não é pertinente para a decisão final a proferir nos presentes autos (…) cf. artigo 476.º, n.º 1, do CPC, a contrario sensu, aplicável ex vi artigo 116.º, n.º 4, do CPPT” o qual se subsume no artigo 644.º, nº2, alínea d), do CPC, ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT, cuja apelação autónoma se justifica “[p]ela necessidade de preservar, tanto quanto possível, o efeito útil da atividade desenvolvida no processo (1)”. Cumpre, assim, aferir se o aludido despacho deve manter-se na ordem jurídica com a consequente manutenção do indeferimento da perícia colegial, competindo, nessa medida, aquilatar se o mesmo padece de falta de fundamentação, ou não padecendo desse vício formal se o Tribunal a quo, incorreu em erro sobre os pressupostos de facto e de direito ao ter indeferido a realização da perícia colegial. Vejamos, então. Comecemos por convocar o quadro jurídico que releva para o caso vertente. Dispõe o artigo 116.º, do CPPT, sob a epígrafe de “pareceres técnicos e prova pericial” que: “1 - Poderá haver prova pericial no processo de impugnação judicial sempre que o juiz entenda necessário o parecer de técnicos especializados. 2 - A realização da perícia é ordenada pelo juiz, oficiosamente ou a pedido do impugnante ou do representante da Fazenda Pública, formulado, respetivamente, na petição inicial e na contestação. 3 - A perícia poderá também ser requerida no prazo de 20 dias após a notificação das informações oficiais, se a elas houver lugar. 4 - A prova pericial referida nos números anteriores será regulada nos termos do Código de Processo Civil.” Por seu turno, preceitua o artigo 476.º do CPC (aplicável ex vi artigo 116.º, n.º 4 do CPPT) que “[se] entender que a diligência não é impertinente nem dilatória, o juiz ouve a parte contrária sobre o objeto proposto” incumbindo-lhe “no despacho em que ordene a realização da diligência, determinar o respetivo objeto, indeferindo as questões suscitadas pelas partes que considere inadmissíveis ou irrelevantes ou ampliando-o a outras que considere necessárias ao apuramento da verdade”. Mais preceituando o artigo 388.º do Código Civil (CC) que “[a] prova pericial tem por fim a perceção de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objeto de inspeção judicial”. No concernente à força probatória, importa convocar o artigo 389.º do CC, o qual prescreve que a “[f]orça probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal”. Da conjugação dos normativos supra evidenciados dimana que a prova pericial, designada enquanto tal, como a “[o]btida pelo exame ou apreciação de factos por pessoas especialmente competentes em determinadas matérias (peritos), designadas pelo juiz ou pelas partes (2)”, deve ter lugar sempre que para a perceção dos factos sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem. Retira-se, assim, por argumento a contrario, do citado preceito legal 476.º, n.º 1, do CPC, que o juiz deve indeferir a diligência probatória, rejeitando o meio de prova (perícia), caso entenda que a mesma é “impertinente” ou “dilatória”. Como doutrinado por Fernando Pereira Rodrigues (3) “[a] função da prova pericial não é apenas a de recolha de factos, mas também a da apreciação técnica dos factos observados. A função típica do perito é a da colheita de factos para depois produzir quanto aos mesmos uma apreciação técnica, mediante juízos de valor que se lhe ofereçam emitir com fundamento em critérios normativos, princípios científicos ou máximas da experiência.” Visto o direito que releva para o caso vertente, e tecidos os considerandos de direito que se reputam pertinentes, atentemos, então, se o despacho recorrido padece dos vícios que lhe são assacados. Comecemos, então, pela falta de fundamentação, competindo, assim, aquilatar se o despacho recorrido cumpre este dever de fundamentação e em que medida permite compreender as razões pelas quais considerou que a prova pericial requerida seria irrelevante para a decisão a proferir. A Recorrente sustenta, neste particular, que o despacho visado padece de falta de fundamentação porquanto limita-se a afirmar que a prova dos factos ou circunstâncias que a mesma visa demonstrar pode ser feita a partir de prova testemunhal, ou documental, no entanto, não identifica, o objeto da perícia, com exceção da matéria de perdas por imparidade, a que se reportam os artigos 98.º a 138.º da p.i., não podendo, nessa medida, fazer-se o devido e competente escrutínio. Ab initio, importa ter presente que a fundamentação é, desde logo, uma imposição constitucional, porquanto a CRP, no n.º 3, do seu artigo 268.º, garante aos administrados o direito a uma fundamentação expressa e acessível de todos os atos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos. Sendo de sublinhar que, neste concreto domínio, o CPPT remete para o que vem consignado no CPC, dimanando, desde logo, do artigo 154.º do CPC que o dever de fundamentar as decisões se impõe por razões de ordem substancial, competindo, assim, ao juiz demonstrar que, da norma geral e abstrata, se extraiu a disciplina ajustada ao caso concreto e de ordem prática, por forma a que as partes percecionem, na sua plena dimensão, os motivos da decisão, a fim de, podendo, a contestar. Logo, uma decisão tem de contemplar a respetiva fundamentação, de facto e de direito, sendo certo que, como esclarece António Santos Abrantes Geraldes (4) “no campo dos despachos interlocutórios, a exigência de fundamentação pode não ser tão intensa, autorizando-se o juiz a fundamentar por remissão para os fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, desde que verificados os seguintes requisitos: faltar oposição ao pedido pela contraparte e tratar-se de caso de manifesta simplicidade”. Regressemos, então, ao caso vertente e convoquemos, para o efeito, as razões externadas no despacho que indeferiu a perícia requerida, por forma a aquilatar se o mesmo se encontra fundamentado, de facto e de direito. Compulsado o seu teor, verifica-se que, contrariamente ao sustentado pela Recorrente, o mesmo encontra-se fundamentado, de facto e de direito, permitindo ao destinatário percecionar quais as razões que motivaram essa recusa. Senão vejamos. A Juiz do Tribunal a quo, começa por convocar o despacho proferido a 17 de novembro de 2021, densificando, para o efeito, que face aos esclarecimentos prestados pela Impugnante, ora, Recorrente, o objeto da perícia se coadunaria com os factos elencados nos artigos 67.º a 83.º, 85.º a 96.º e 97.º a 138.º da p.i., e estabelecer uma sucinta resenha do trâmite processual, para depois externar as razões que no seu entendimento legitimam o indeferimento da perícia, convocando, designadamente, o normativo 476.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 116.º, n.º 4, do CPPT. No atinente às concretas razões externadas no despacho reclamado é evidenciado, de forma expressa, que: “Efetivamente compulsados os presentes autos, mormente os factos articulados na petição inicial, a contestação produzida pela Fazenda Pública e os documentos constantes do processo administrativo tributário apenso aos autos, constata-se que as questões que a Impugnante pretende ver esclarecidas através da realização da prova pericial requerida são suscetíveis de serem provadas através da prova documental já existente nos presentes autos, bem como através da realização da diligência de inquirição de testemunhas, sendo certo que foram pela Impugnante 12 testemunhas, tendo ainda requerido declarações de parte. Ora, tendo presente o supra exposto, verifica-se, efetivamente, que o Juiz do Tribunal a quo, indeferiu a aludida prova porquanto ajuizou que os factos alegados: Ø eram passíveis de prova documental e testemunhal, sendo certo que quanto a estas últimas foram arroladas doze testemunhas; Ø consubstanciavam matéria que poderia ser objeto de declarações de parte; Ø não careciam de conhecimentos técnicos especializados; Ø Particularizando, ainda, no atinente às perdas por imparidade que a factualidade aduzida nos artigos 98.º a 138.º da p.i., pode ser esclarecida pelas testemunhas com conhecimentos especiais para o efeito, mormente, as testemunhas R…, Revisor Oficial de Contas e F…, Contabilista Certificado. Ora, face ao supra expendido e contrariamente ao evidenciado pela Recorrente inexiste uma falta de identificação do objeto da perícia, sendo, outrossim, avançadas as razões subjacentes ao indeferimento da perícia. É certo que existe uma ulterior densificação no atinente às perdas por imparidade, mas isso não significa, bem pelo contrário, que quanto à demais factualidade não sejam invocadas e substanciadas as razões que permitam percecionar o indeferimento da prova pericial. É, igualmente, certo que no item concernente a factos passíveis de prova documental e testemunhal o Tribunal a quo, congregou essas duas realidades sem estabelecer uma concreta delimitação e definição, mas a verdade é que tal não permite concluir pela falta de fundamentação, até porque o que relevou para efeitos da rejeição é que sendo esses factos passíveis de outra prova seria irrelevante e dilatório o recurso à prova pericial. Logo, em nada releva, nesse e para esse efeito, que a apreciação seja do seu cotejo global. Ademais, e como já supra evidenciado, o despacho sindicado estabelece, outrossim, uma fundamentação remissiva para o despacho evidenciado em 3), o qual congrega, claramente, a reclamada e visada particularização, tendo, por isso, de ser valorada para o efeito. E por assim ser, entende-se que o despacho recorrido não padece da arguida falta de fundamentação formal, conseguindo apreender-se as razões que estiveram subjacentes ao indeferimento da requerida prova pericial, sendo, por isso, possível o seu escrutínio. Aliás, tal resulta inequívoco do teor das alegações do presente recurso. Note-se que, se essa fundamentação está correta ou não, ou seja, se permite alicerçar a rejeição do meio de prova em contenda, tal já redunda na fundamentação substancial, que não formal, donde no erro de julgamento e que será apreciada ulteriormente. Improcede, assim, a arguida falta de fundamentação do despacho recorrido. Continuemos, então. Analisemos, ora, se o despacho recorrido incorreu em erro sobre os pressupostos de facto e de direito, porquanto interpretou erroneamente a extensão das alegações da Recorrente e o âmbito dos conhecimentos técnicos especializados que, no seu entender, se afiguram vitais. Neste âmbito, aduz a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro ao discernir que os factos não carecem de conhecimentos técnicos específicos, materializando a necessidade de prova pericial, mormente, no atinente à arborização de zonas envolventes à pedreira, condicionantes legais aplicáveis e regime fiscal daí decorrente, porquanto é matéria sobre a qual o Tribunal a quo não tem conhecimentos específicos e bem assim quanto à contabilização das imparidades de crédito, a qual sufraga que tem de ser enquadrada no exercício normal da empresa, donde demanda conhecimentos específicos, técnicos e científicos, que não se espera que sejam do saber do julgador, na medida em que importam, desde logo, a perceção de uma opção de gestão subjacente. Porém, sem razão. Senão vejamos. Comecemos por aquilatar qual o objeto do processo de impugnação judicial, e atentar nos indicados artigos da p.i., por forma a apurar-se da aduzida necessidade de prova pericial. Compulsado o teor da petição inicial de impugnação judicial, verifica-se que o âmbito da mesma se coaduna com a liquidação adicional de IRC, emitida na sequência da ação inspetiva credenciada pela Ordem de Serviço nº OI201…….., de natureza externa, de âmbito geral, ao exercício de 2016, cujas correções assumem natureza meramente aritmética. Sendo que os factos a que a Recorrente reclama a realização de pericial colegial, estão concatenados com a dedutibilidade fiscal dos gastos. Com efeito, nos artigos 67.º a 83.º pretende-se demonstrar que os gastos corrigidos estão concatenados com a atividade da empresa, donde subsumíveis no artigo 23.º do CIRC, nos artigos 84.º a 96.º refuta-se a falta de dedutibilidade fiscal referente aos seguros de saúde, pretendendo-se demonstrar que os mesmos foram conferidos à generalidade dos trabalhadores e nos artigos 97.º a 138.º discutem-se as perdas por imparidade, visando-se a prova da sua indispensabilidade para obtenção dos proveitos. Vejamos, então, cada uma das realidades per se. A Recorrente aduz que “[n]o que respeita aos factos relativos à arborização de zonas envolventes à pedreira, condicionantes legais aplicáveis e regime fiscal daí decorrente, o objecto da perícia reporta-se ao apuramento das razões que determinam a diferença de entendimentos e respectivos valores a considerar fiscalmente, inerentes ao dissídio entre o sujeito passivo e os serviços de inspecção tributária, designadamente, tendo em conta a necessidade de produzir prova quanto às espécies arbóreas utilizadas pela I. Na reabilitação do espaço envolvente à pedreira que explora e a sua aptidão para o efeito vs adequação às concretas especificidades do terreno e clima; A intervenção dos peritos, corresponde neste caso a fazer a confrontação entre as facturas emitidas, as espécies arbóreas implementadas no terreno e a sua valência para os fins legalmente impostos, de modo a permitir a correspondência entre umas e outros.” Sufragando, assim, que é matéria relativamente à qual o Tribunal a quo não tem conhecimentos específicos. Mas, assim o não entendemos, validando-se o entendimento do despacho sindicado, porquanto essa matéria não carece de quaisquer conhecimentos técnicos específicos, sendo passível de prova documental coadjuvada com a prova testemunhal. Com efeito, os factos a que a Recorrente faz alusão reportam-se a gastos contabilizados com a emissão das faturas emitidas pela sociedade denominada de “J…, Lda”, por a aquisição dos bens nela inscritos não serem utilizados pelo sujeito passivo para as suas operações ativas, logo competirá ao Tribunal a quo aferir se a AT incorreu em erro sobre os pressupostos de facto e de direito, aquilatando do concreto objeto social da Recorrente, dos bens em contenda e fazer a devida alocação em termos de escopo societário, função e circunstâncias particulares, com a subsequente subsunção jurídica, mormente, para efeitos da dedutibilidade fiscal do gasto. Logo, como é bom de ver, a aduzida arborização de zonas envolventes à pedreira, não carece de uma intervenção de um perito, muito menos necessitará da sua intervenção no atinente às condicionantes legais aplicáveis e ao regime fiscal daí decorrente, para o qual, necessariamente, o julgador será a pessoa mais habilitada para o efeito. No fundo, e como resulta expresso, mormente, do teor do artigo 68.º da p.i. a Recorrente pretende demonstrar que a exclusão da dedutibilidade das despesas, tituladas por faturas emitidas pela sociedade denominada de “J…, Lda”, é ilegal, na medida que tais gastos foram contraídos “[n]a aquisição de material para efetuar a recuperação paisagística em toda a área da pedreira, com árvores e taludes, plantação de novas espécies vegetais endógenas”, pelo que a perceção ou averiguação desses factos não reclamam conhecimentos especiais que o julgador comprovadamente não domina, podendo ser assegurados por prova documental complementada com prova testemunhal ou mesmo por prestação de declarações de parte. De relevar, outrossim, que o alegado nos artigos 73.º a 77.º da p.i., em nada carece de prova pericial, sendo passível de prova documental, para a qual a Recorrente, desde logo, remete, sendo certo que os artigos 79.º, 80.º a 83.º são conclusivos e concatenados com o direito, e os artigos 80.º e 81.º valorativos e opinativos. E por assim ser, nenhuma censura padece o despacho recorrido neste concreto particular. Prosseguindo. No atinente aos seguros de saúde e ainda que a Recorrente não faça expressa alusão aos mesmos, sempre se dirá que tal realidade-invocada nos artigos 84.º a 96.º da p.i.-não carece, de todo, da requerida prova pericial, na medida em que o expendido nesses artigos visa, tão-só, demonstrar a existência de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, mormente, de que tais seguros foram contratualizados para a generalidade dos trabalhadores, importando, designadamente, extrapolar as devidas considerações atinentes à concreta valoração da proposta de prestação de serviços a que faz alusão a Recorrente, logo realidade passível de prova documental e coadjuvada, sendo caso disso, por prova testemunhal. Sem embargo do exposto, sempre se dirá que os artigos 94.º a 96.º mais não representam que asserções e valorações sobre Jurisprudência do CAAD que a Recorrente apela por entender aplicável ao caso vertente. Logo, conforme bem evidenciado pelo Tribunal a quo, tais realidades fáticas são suscetíveis de apreciação e demonstração mediante a concatenação da prova documental com a prova testemunhal, em nada relevando a requerida prova pericial. Subsiste, ora, por analisar as perdas por imparidade elencadas e descritas nos artigos 97.º a 138.º da p.i. Sufraga a Recorrente, neste âmbito, que tais custos têm de ser analisados à luz e com a devida ponderação do normal exercício da atividade da empresa, pretendendo-se demonstrar que os mesmos correspondem a um crédito decorrente da assunção de uma dívida de outra sociedade, que teve como objetivo permitir a continuação da laboração desta, donde com relevo e indispensáveis para a obtenção de proveitos. Reclamando, por isso, que tal análise exige conhecimentos específicos, técnicos e científicos, que não se espera que sejam do saber do julgador, na medida em que importam, desde logo, a perceção de uma opção de gestão subjacente. No entanto, mais uma vez não se afigura que o Tribunal a quo tenha incorrido em erro rejeitar a aludida prova pericial, e isto porque o que a Recorrente visa demonstrar é, novamente, um erro sobre os pressupostos de facto e de direito, mormente, da “[a]dequação abstracta de uma assunção, pela I., de uma dívida da M…” por forma a “[p]ermitir a continuação da laboração daquela empresa, no pressuposto de a mesma ter contribuído de forma relevante para o início da atividade da I. no mercado de extração de rochas ornamentais, sem a qual não teria sido possível iniciar e desenvolver a sua atividade, de cujo exercício resulta a obtenção dos rendimentos que têm vindo sujeitos a tributação de IRC.”, pelo que em nada carece de conhecimentos específicos e técnicos que só um perito possua. Ademais, e conforme avançado pelo Tribunal a quo, e que, ora, secundamos foram arroladas como testemunhas R…, Revisor Oficial de Contas e F…, Contabilista Certificado, logo testemunhas com conhecimento direto e que podem esclarecer, com idoneidade e precisão, as questões concatenadas com o dissídio das imparidades. Ademais, como é bom de ver, o julgador estará em perfeitas condições para ajuizar da concreta adequacidade de um gasto à realidade e ao escopo empresarial, retirando daí todas as consequências legais em termos de dedutibilidade fiscal, mormente, em termos de indispensabilidade, concretamente, se foram suportados “para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”. De relevar, in fine, que a expressa alegação de que há um reconhecimento do crédito no processo de insolvência (artigo 105.º da p.i.), carece, naturalmente, de prova documental, e bem assim que os artigos elencados a 105.º a 107.º mais não representam que conclusões. Adensando-se, ainda, que os artigos 106.º a 108.º são opinativos e conclusivos, o artigo 109.º representa uma conclusão de direito, os artigos 110.º a 112.º mais não representam que a refutação da realidade plasmada no RIT, os artigos 113.º a 115.º consubstanciam meras interpretações jurídicas quanto ao conceito de atividade e os artigos 116.º a 118.º considerações de direito e doutrinais atinentes ao princípio da tributação do lucro real e ao conceito de indispensabilidade dos custos. Destarte, essa matéria contempla asserções que não são factos, mas, tão-só, juízos conclusivos, opinativos e valorativos insuscetíveis, nessa medida, de prova pericial. Conclui-se, assim, face a todo o expendido anteriormente, que face ao desiderato particular e específico da prova pericial a mesma é impertinente e dilatória, porquanto os factos que com ela se pretendem demonstrar extravasam o seu objeto legal, por serem suscetíveis de demonstração, ou infirmação, por outro tipo de prova já devidamente densificada anteriormente. Neste particular, convoque-se o Aresto do Tribunal da Relação do Porto, prolatado no âmbito do processo nº 5818/17, de 27 de janeiro de 2020, [e também o Aresto deste Tribunal prolatado no âmbito do processo nº 10/21, de 15 de dezembro de 2021, prolatado pelo mesmo coletivo], o qual, doutrina, claramente que: “É impertinente ou dilatória a perícia que não respeita a factos condicionantes da decisão final ou que, embora a eles respeitando, o respetivo apuramento não dependa de prova pericial, por não estarem em causa os conhecimentos especiais (cfr. art. 388º, do Código Civil) que aquela pressupõe, sendo que o que se pretende do perito é que realize uma observação técnica - objetiva -, do objeto da perícia e relate, no relatório final apresentado, o resultado dessa observação, não podendo integrar o seu objeto qualificações, questões jurídicas, opiniões e avaliações subjetivas, suscetíveis de influenciar a livre convicção do julgador.” De relevar, in fine, que o Tribunal ad quem anui com o aludido quanto à circunstância de o direito à prova se encontrar constitucionalmente reconhecido (artigo 20.º da CRP) facultando, assim, às partes a possibilidade de utilizarem em seu benefício os meios de prova que considerarem mais adequados tanto para a prova dos factos principais da causa, como, também, para a prova dos factos instrumentais ou mesmo acessórios, no entanto, tal não significa que todas as diligências requeridas devam ser deferidas, porquanto apenas o deverão ser desde que legalmente admissíveis, pertinentes e não tenham cariz dilatório. Logo, a dimensão constitucional do aludido direito carece sempre da devida apreciação casuística, sendo que, in casu, não foi postergado qualquer direito apenas recusada a perícia porquanto não reunia os requisitos legais atinentes ao efeito. Com efeito, “[a] prova pericial é exigida em contextos em que o julgador (pessoa já necessariamente diferenciada pela sua preparação académica e técnica, e pela respectiva experiência profissional) não se encontra habilitado a, por si só, percepcionar factos, ou a apreciá-los, por convocarem «conhecimentos especiais» que não possui, a credibilidade inerente à competência própria dos peritos não possa ser atribuída a outras indiferenciadas pessoas (partes ou testemunhas) (5)”, o que, como visto, não é de todo o caso vertente. E por assim ser, nenhum erro de julgamento pode ser apontado ao Tribunal a quo quando recusou a perícia impetrada, por impertinente ou meramente dilatória, não consubstanciando a mesma qualquer diligência necessária ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, o qual, nessa medida, se mantém. *** III. DECISÃO Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR provimento ao recurso, mantendo-se o despacho recorrido. Custas pela Recorrente. Registe. Notifique. Lisboa, 28 de abril de 2022 (Patrícia Manuel Pires) (cristina Flora) (Luísa Soares) ____________________________ (1) In CPC anotado, Vol. I, António Santos Abrantes Geraldes e outros, Almedina, 2019, Reimpressão,pág.778 |