Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:17/24.0BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:03/19/2024
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:TAD
ARBITRAGEM
INFRAÇÃO DISCIPLINAR
ART. 112.º DO RDLPFP 2021
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
Sumário:I- O comentário técnico do jogo e das decisões de arbitragem nele praticadas, sempre que se limite a apontar erros técnicos, não consubstancia uma violação das normas regulamentares que protegem o direito à honra dos agentes desportivos.
II- O ilícito disciplinar, previsto e punido pelo art. 112.º do RDLPFP 2021, terá de consubstanciar-se numa afirmação de que os erros técnicos de arbitragem se fundaram numa intencionalidade dolosa dos agentes desportivos com o intuito de favorecer ou prejudicar alguma das equipas.
III- A liberdade de expressão se não permitir a insensatez de pouco vale, havendo que ser justo e cuidadoso na necessária conformação deste direito fundamental com outros direitos fundamentais.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul, Subsecção Social, no âmbito de Reclamação para a Conferência:


I – RELATÓRIO
A Demandada Federação Portuguesa de Futebol, nos Autos em que é Demandado F…………., tendo tomado conhecimento do sentido e teor do acórdão arbitral proferido em 7 de Dezembro de 2023, e com ele não se conformando, veio dele interpor RECURSO para este Tribunal Central Administrativo do Sul.


Efetivamente, decidiu-se Arbitralmente “Julgar procedente o pedido de revogação da decisão que condenou o Demandante pela prática da infração disciplinar prevista no 136.°, n.ºs 1 e 3, do Regulamento Disciplinar (lesão da honra e da reputação e denúncia caluniosa), por referência ao disposto no artigo 112.°, n.° 1, do mesmo Regulamento, nos termos da qual foi aplicado ao Demandante uma sanção de 45 dias de suspensão e uma pena de multa no valor de € 7.650”.


Apresentou a Recorrente/Federação Portuguesa de Futebol, as seguintes Conclusões:
“1. O presente recurso tem por objeto o Acórdão Arbitral proferido pelo Colégio Arbitral constituído junto do Tribunal Arbitrai do Desporto, notificado em 7 de Dezembro de 2023, que julgou procedente o recurso apresentado pelos Recorridos, que correu termos sob o n.º 45/2023.
2. Em concreto, o presente recurso versa sobre a decisão do Colégio Arbitral em anular as sanções aplicadas ao Recorrido pelo Conselho de Disciplina no processo disciplinar n.º …. - 2022/2023, que correu termos na Secção Profissional daquele órgão, pela prática de uma infração disciplinar p. e p. no artigo 136.º, n.ºs 1 e 3 [Lesão da Honra e da reputação e denúncia caluniosa] do RDLPFP, por referência ao disposto no artigo 112.º, n.º 1 do mesmo Regulamento, que consistiram em sanção de suspensão de 45 (quarenta e cinco) dias e, acessoriamente, em sanção de multa no montante de 7.650€ (sete mil seiscentos e cinquenta euros), porquanto entende o Tribunal a quo que as mesmas não têm relevância disciplinar, não logrando ser aptas a preencher os elementos típicos das infrações p. e p. pelos artigos 136.º e 112.º do RDLPFP;
3. Em causa nos presentes autos estão declarações proferidas pelo Recorrido F………, cujo teor - ao contrário do que considerou o Tribunal a quo - consubstancia comportamento desrespeitoso e lesivo da honra e consideração do agente de arbitragem L………, colocando em causa o núcleo essencial da função da arbitragem, materializado na isenção e imparcialidade que a deve caracterizar, afetando a credibilidade e o bom funcionamento da competição desportiva. Vejamos,
4. O Tribunal a quo erra ao considerar disciplinarmente irrelevante as declarações proferidas pelo Recorrido F……….., melhor referidas no ponto 1.º dos factos dados como provados, porquanto intervindo como comentador na edição do programa «U……..», transmitida televisivamente no dia 11.04.2023, pelo «P………», o Recorrido proferiu as seguintes declarações:
"No lance do T…….., compreendo que o árbitro não tenha percebido a joelhada que o Vlachodimos lhe deu. Mas quem está na função do VAR tem a obrigação de ajudar o árbitro. O l/AR tinha a obrigação de sinalizar este penálti. No lance do Z…….. é ainda mais escandaloso que o VAR L……. não tenha ajudado o árbitro. Esta época estamos a assistir a uma regressão do VAR. O VAR surgiu para ajudar o árbitro a ajuizar melhor e, esta época, tem havido erros grosseiros nos jogos do S……... Depois há senhores árbitros que parecem ter um azar terrível, como é o caso de L……….. Quer a VAR ou a árbitro, tem decidido permanentemente em prejuízo do F……...
Se os erros fossem distribuídos uma vez para um lado e outra para outro.... Não há memória, há vários casos de erros graves do árbitro L………. contra o F………. E mais uma vez, neste clássico, foi sistemático. Ele não interveio a ajudar a arbitragem, o jogo e a verdade desportiva como era sua obrigação. O caso do lance do Z………. é mesmo indesculpável. É demasiado visível.
Não consigo entender. Também no lance do T………. tinha obrigação de sinalizar.
Acrescentou: «Desde o início do campeonato que o S……… parece que beneficia de um regime de exceção por parte dos VAR, que não assinalam lances de penálti contra o S………... Neste jogo
célebre lance do A……….., um penálti claríssimo. No jogo com o V………, também há um penálti que poderia ter dado o empate, mais recentemente houve outro no jogo com o R……….e e, agora, estes dois no jogo com o F…….»
O que que se passa? Que condicionamento existe? Estes árbitros têm de ser sancionados corretamente para não se repetir. Tivemos uma volta inteira para beneficiar de um penálti. O caso mais gritante foi contra o C………. Depois, no jogo com o G………., aí o VAR T……….. interveio e bem para marcar penálti contra o F…….., mas depois houve um pisão sobre o T……..i que já não foi sinalizado e um lance de mão que também não foi sinalizado. Parece que os árbitros na função de VAR estão condicionados para assinalar lances capitais a favor do F……… e lances capitais contra o S……... Isto faz com que existam sete pontos de distância entre as duas equipas. É muito triste notar que a verdade desportiva é beliscada pelo desempenho dos senhores árbitros. Que nas jornadas que faltam o desempenho seja isento"
5. Entendeu o Tribunal o quo que as expressões utilizadas pelo Recorrido não são disciplinarmente relevantes, porquanto, as declarações em causa não preenchem o tipo de ilícito disciplinar que foi imputado ao Recorrido.
Não concebemos tal entendimento, senão vejamos,
6. O Acórdão recorrido padece de graves erros na aplicação do Direito e na valoração da matéria de facto considerada provada, com os quais a Recorrente não se pode conformar.
7. Ora, desde logo, cabe chamar à colação que o bem jurídico a proteger no âmbito disciplinar é distinto daquele que se visa proteger no âmbito penal, ainda que existam normas punitivas semelhantes, por vezes coincidentes, que possam induzir o aplicador em erro. Deste modo, a análise subjacente num e noutro caso tem, também, de ser muito distinto.
8. A afirmação de que a responsabilidade disciplinar é independente e autónoma da responsabilidade penal está, desde logo, presente na Lei e nos Regulamentos Federativos.
9. Assim, quando analisado o artigo 112.º do RD da LPFP é possível vislumbrar, em abstrato, indícios do ilícito penal correspondente à injúria ou difamação.
10. Por outro lado, não se pode olvidar que o Recorrido F………. tem deveres concretos que tem de respeitar e que resultam de normas que não pode ignorar.
11. O Recorrido F………….. tem, designadamente, o dever de "manter uma conduta conforme aos princípios desportivos de lealdade, probidade, verdade e retidão em tudo o que diga respeito às relações de natureza desportiva" {artigo 19.n.9 1, do RDLPFP19}; e de manter comportamento de urbanidade e correção entre si, bem como para com os representantes da Liga Portugal e da FPF, os árbitros e árbitros assistentes." (artigo 51.9, n.9 1 do Regulamento de Competições da LPFP).
12. Naturalmente que as sociedades desportivas, clubes e agentes desportivos não estão impedidos de exprimir publica e abertamente o que pensam e sentem. Contudo, os mesmos estão adstritos a deveres de respeito e correção que os próprios aceitaram determinar e acatar mediante aprovação do RD e RC da LPFP.
13. Quando uma pessoa (singular ou coletiva), qualquer que seja, aceita aderir a determinada associação ou grupo organizado, aceita também as suas regras, deontológicas, disciplinares, sancionatórias, etc..
14. Com efeito, para que o Recorrido seja condenado pela prática do ilícito disciplinar previsto no artigo 112.5, n.5 1, do RD da LPFP é essencial indagar se as declarações respetivas violam, pelo menos, um dos bens jurídicos visados pela norma disciplinar: a honra e bom nome dos visados ou a verdade e a integridade da competição, particularmente evidenciados pela imparcialidade e isenção dos desempenhos dos elementos das equipas de arbitragem.
15. Ao contrário daquilo que parece entender o TAD, não estamos, obviamente, perante a prática de um ilícito disciplinar que pretende, exclusivamente, proteger a honra e o bom nome dos árbitros visados, nem muito menos perante uma questão que deva ser analisada da perspetiva do direito penal, sendo que, o Acórdão recorrido erra também ao analisar a questão sub judice sob a perspetiva do direito penal e não da perspetiva do direito disciplinar, pelo que se impõe que o TCA proceda a uma correta aplicação do direito ao caso.
16. Ao contrário do que entendeu o TAD o conteúdo das declarações proferidas pelo Recorrido em órgão de comunicação social da propriedade da F…………, tem relevância disciplinar, porquanto quando o Recorrido afirma: "Que condicionamento existe (...) Parece que os árbitros na função de VAR estão condicionados para assinalar lances capitais a favor do F…… e lances capitais contra o S………... Isto faz com que existam sete pontos de distância entre as duas equipas. (...) Que nas jornadas que faltam o desempenho seja isento", - está a levantar suspeição sobre a atuação do referido elemento de arbitragem, apenas se podendo considerar que tais declarações não configuram uma lesão da honra e reputação do referido árbitro, se se abordar tal questão, como parece fazer o TAD, tendo por referência as normas penais que sancionam condutas típicas dos crimes de injúria ou difamação.
17. E é aí que reside, desde logo, o grande equívoco dos Exmos. Árbitros. Com efeito, a questão deve ser colocada, como acima se referiu, no âmbito da apreciação no campo disciplinar e não no campo do direito penal, autónomo e distinto deste.
18. Ao afirmar o desejo que nas jornadas seguintes o desempenho das arbitragens seja isento, deixa explícita a ideia de que até àquele momento, as atuações das equipas de arbitragem dos jogos que identifica, não foram isentas.
19. Não se verifica a existência de base factual que suporta a crítica, apenas pelo facto - não provado - de existirem alegadas notícias da imprensa desportiva que aludem a erros de arbitragem, carecendo assim de base factual, pelo menos, as seguintes afirmações do Recorrido: "Depois há senhores árbitros que parecem ter um azar terrível, como é o caso de L………. Quer a VAR ou a árbitro, tem decidido permanentemente em prejuízo do F………. (...) o S……. parece que beneficia de um regime de exceção por parte dos VAR, que não assinalam lances de penálti contra o S……... (...) Que condicionamento existe? (...) Parece que os árbitros na função de VAR estão condicionados para assinalar lances capitais a favor do F…………o e lances capitais contra o S……".
20. Nesse sentido, andou ma! o Tribunal a quo ao afirmar que existe base factual para o que afirmou o Recorrido, porquanto, com o devido respeito, ao colocar-se em causa a imparcialidade e isenção de um agente de arbitragem, extravasamos o direito de crítica objetiva, uma vez que, na perceção do leitor/ouvinte médio tais afirmações fazem recair sobre um árbitro concreto uma suspeita de parcialidade decisória, porquanto lança dúvidas sobre a capacidade de o árbitro se nortear pelos princípios da objetividade, da racionalidade e da isenção no desempenho da sua função, pondo, assim, em causa a imparcialidade objetiva do mesmo.
21. Nesse sentido, quando o Recorrido afirma que "Isto faz com que existam sete pontos de distância entre as duas equipas. É muito triste notar que a verdade desportiva é beliscada pelo desempenho dos senhores árbitros. Que nas jornadas que faltam o desempenho seja isento", está a levantar suspeição sobre a atuação do árbitro do jogo a que alude, sem qualquer base factual para o que afirma.
22. Em suma, afirmar o que afirmou o Recorrido, é remeter para uma postura volitiva do sujeito, no caso, o agente de arbitragem L…………, a quem é imputada uma conduta de tomar decisões em virtude de um "condicionamento" e no âmbito de um "regime de exceção" de que, nas palavras do Recorrido, beneficia um dos competidores diretos.
23. Lançando mão do exemplo trazido à liça pelo Tribunal a quo, seria inadmissível aludir que determinado magistrado haja atuado de forma parcial ou não isenta e é o que o Recorrido faz nos presentes autos quanto ao árbitro L……….
24. Com a agravante de que, ao produzir e publicar tais declarações, como facilmente também alcança, as mesmas são difundidas por outros órgãos de comunicação social - como aliás ficou documentalmente demonstrado, a fls. 6 a 7, do PD, e facto provado n.9 4.2 do Despacho/Decisão lançando sobre os visados um clima de suspeição e prejudicando a reputação dos mesmos.
25. Conforme já deixámos bem patente na parte inicial deste recurso, o valor protegido pelo ilícito disciplinar em causa, à semelhança do que é previsto nos artigos. 180.9 e 181.9, do Código Penal, é o direito "ao bom nome e reputação", cuja tutela é assegurada, desde logo, pelo artigo 26.- n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, mas que visa em primeira linha, e ao mesmo tempo, a proteção das competições desportivas, da ética e do fair play.
26. A nível disciplinar, como é o caso, os valores protegidos com esta norma (artigo 112.º do RD da LPFP) é, em primeira linha, os princípios da ética, da defesa do espírito desportivo, da verdade desportiva, da lealdade e da probidade e, de forma mediata, o direito ao bom nome e reputação dos visados, mas sempre na perspetiva da defesa da competição desportiva em que se inserem.
27. Atenta a particular perigosidade do tipo de condutas em apreço, designadamente pela sua potencialidade de gerar um total desrespeito pela autoridade das instituições e entidades que regulamentam, dirigem, disciplinam e gerem o futebol em Portugal, o sancionamento dos comportamentos injuriosos, difamatórios ou grosseiros encontra fundamento na tarefa de prevenção da violência no desporto, enquanto fator de realização do valor da ética desportiva.
28. O Recorrido sabia ser o conteúdo do texto publicado adequado a prejudicar a honra e reputação devida aos demais agentes desportivos, na medida em que tais declarações indiciam uma atuação do árbitro L…….. a que não presidiram critérios de isenção, objetividade e imparcialidade, antes colocando assim e intencionalmente em causa o seu bom nome e reputação.
29. Com efeito ao contrário do que entendeu o tribunal a quo e como supra se demonstra, as declarações do Recorrido não se limitam a remeter para erros das equipas de arbitragem, referindo e deixando a entender claramente que tais erros são premeditados, conscientes e com o intuito de prejudicar o F……….., e consequentemente, beneficiar outros competidores.
30. Para além de imputar a tal agente de arbitragem a prática de atos ilegais, as expressões sub judice encerram em si um juízo de valor sobre os próprios árbitros que, face às exigências e visibilidade das funções que estes desempenham no jogo, colocam em causa a sua honra, pelo menos, aos olhos da comunidade desportiva.
31. Assim, não podemos deixar de considerar que se é legítimo o direito de crítica do Recorrido à atuação dos árbitros, já a imputação desonrosa não o é, e aquelas expressões usaram esse tipo de imputação sem que se revele a respetiva necessidade e proporcionalidade para o fim visado.
32. Não se nega que expressões como a usada pelo Recorrido são corriqueiramente usadas no meio desporto em geral e do futebol em particular.
33. Porém, já não se pode concordar que por serem corriqueiramente usadas não são suscetíveis de afetar a honra e dignidade de quem quer que seja ou de afetar negativamente a competição, ademais quando nos referimos a uma suspeita de falta de isenção por parte de agentes de arbitragem, uma vez que tais afirmações têm intrinsecamente a acusação ou pelo menos a insinuação de que eventuais erros dos árbitros são intencionais. Deste modo, vão muito para além da crítica ao desempenho profissional do agente.
34. O facto de os visados serem figuras públicas, sob maior escrutínio não pode legitimar que tudo se diga, não os destituindo do direito à honra e consideração, sob pena de se negar a proteção da honra das figuras públicas, conforme sufragou já o Tribunal da Relação.
35. Não se tratará nesta sede do legítimo exercício do direito à liberdade de expressão, este deverá ser harmonizado com outro direito fundamental, o direito à honra e bom nome, devendo aquele primeiro direito - liberdade de expressão - conter-se, sempre nos limites de proporcionalidade, necessidade e adequação constitucionalmente impostos - artigo 18.º da CRP - de modo a salvaguardar o núcleo essencial do direito constitucional com que conflitua.
36. O ordenamento disciplinar desportivo - que resulta da expressão da autovinculação regulamentar, por parte dos próprios agentes desportivos, traduzida na adesão a um conjunto de deveres especiais que sobre si impendem e que comportam as necessárias restrições à sua liberdade de expressão em nome e na salvaguarda da ética e valores desportivos, bem como da credibilidade da competição - pelos princípios em que se estriba, ambiciona criar e conservar um espaço comunicacional de respeito nas relações desportivas, mesmo que isso implique, para os agentes desportivos, o dever de suportar constrangimentos à liberdade de expressão que, no campo do direito penal, isto é, enquanto cidadãos, não lhes seriam exigíveis.
37. Todo este entendimento, não é colocado em crise pelo disposto no artigo 10.5 da CEDH, havendo que atentar no respetivo n.º 2, sendo que, ali se refere que certas pessoas ou grupos, pela natureza das suas funções e responsabilidades, poderão ver a sua liberdade de expressão limitada.
38. Ademais, não nos podemos olvidar que uma das funções essenciais do desporto é, precisamente, a função de arbitragem, sendo que, todos concordarão que, se não há desporto - e futebol - sem as leis de jogo -, também não haverá sem aquele agente desportivo que tem como função fazer cumpriras mesmas, em suma, não existirá futebol sem o vulgarmente designado “juiz da partida", permanecendo no âmago dessa função de arbitragem, o valor da imparcialidade, da isenção entre os competidores, valores colocados em crise pelas declarações sub judice.
39. O futebol não está numa redoma de vidro, dentro da qual tudo pode ser dito sem que haja qualquer consequência disciplinar, ao abrigo do famigerado direito à liberdade de expressão, muito menos se pode admitir que o facto de tal linguarejo ser comum torne impunes quem o utilize e que retire relevância disciplinar a tal conduta.
40. É aliás de salientar que as declarações dos agentes desportivos têm grande relevância e podem fomentar fenómenos de intolerância e violência no mundo do desporto em geral e no futebol em particular, sendo um assunto de grande relevância social e de grande importância na consciencialização dos diversos “atores" desportivos, sobre a sua acrescida responsabilidade junto das massas que notoriamente influenciam - designadamente quando se trata do Diretor de Comunicação de uma das maiores instituições desportivas nacionais.
41. O TAD apenas poderia alterar a sanção aplicada pelo Conselho de Disciplina da FPF se se demonstrasse a ocorrência de uma ilegalidade manifesta e grosseira - limites legais à discricionariedade da Administração Pública, neste caso, limite à atuação do Conselho de Disciplina da FPF.
42. A tese sufragada pelo Colégio de Árbitros e pelo Recorrido é um passo largo para fomentar situações de violência e insegurança no futebol e em concreto durante os espetáculos desportivos, porquanto diminuir-se-á acentuadamente o número de casos em que serão efetivamente aplicadas sanções, criando-se uma sensação de impunidade em quem pretende praticar factos semelhantes aos casos em apreço e ao invés -o que é mais preocupante -, criando na comunidade um sentimento de descrédito nas competições e nas autoridades que gerem o futebol português.
43. Face ao exposto, deve o acórdão proferido pelo Tribuna! a quo ser revogado por errada subsunção dos factos provados ao direito e nessa medida, por erro de julgamento, designadamente interpretação e aplicação do disposto nos artigos 136.2, n.2 1 e 112.2, n.2 1, ambos do Regulamento Disciplinar da LPFP.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, Deverá o Tribuna! Central Administrativo Sul dar provimento ao recurso e revogar o Acórdão Arbitrai proferido, com as devidas consequências legais, assim se fazendo o que é de lei e de justiça.


O Recorrido F…………., não apresentou Contra-alegações de Recurso.


Por Despacho de 23 de janeiro de 2024, foi admitido o Recurso e determinada a subida dos Autos a esta instância, constatando-se a ausência da apresentação de Contra-alegações do Recorrido.


O Ministério Público, já neste Tribunal, notificado em 30 de janeiro de 2024, nada veio dizer, Requerer ou Promover.


II – Objeto do recurso:
Em face das conclusões formuladas, cumpre verificar e decidir, nomeadamente, se como invocado o “Acórdão recorrido erra ao analisar a questão sub judice sob a perspetiva do direito penal e não da perspetiva do direito disciplinar, pelo que se impõe que o Tribunal Central Administrativo do Sul proceda a uma correta aplicação do direito ao caso, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.


III - Fundamentação De Facto:
No acórdão recorrido, relativamente à fixação da matéria de facto, consta o seguinte:
“1) No dia 11 de Abril de 2023, no programa “U………..” transmitido pelo P………, o Demandante proferiu as seguintes declarações por referência à arbitragem do jogo n.° 1………, disputado em 7 de Abril de 2023 entre a S……… e a F………. no âmbito da 27.a jornada da liga Portugal Bwin:
“No lance do T……., compreendo que o árbitro não tenha percebido a joelhada que o Vlachodimos lhe deu. Mas quem está na função do VAR tem a obrigação de ajudar o árbitro. O VAR tinha a obrigação de sinalizar este penálti. No lance do Z……… é ainda mais escandaloso que o VAR L….. não tenha ajudado o árbitro. Esta época estamos a assistir a uma regressão do VAR. O VAR surgiu para ajudar o árbitro a ajuizar melhore, esta época, tem havido erros grosseiros nos jogos do S……. Depois há senhores árbitros que parecem ter um azar terrível, como é o caso de L………... Quer a VAR ou a árbitro, tem decidido permanentemente em prejuízo do F………..".
“Se os erros fossem distribuídos uma vez para um lado e outra para outro.... Não há memória, há vários casos de erros graves do árbitro L……….. contra o F……….. E mais uma vez, neste clássico, foi sistemático. Ele não interveio a ajudara arbitragem, o jogo e a verdade desportiva como era sua obrigação. O caso do lance do Z………. é mesmo indesculpável. É demasiado visível. Não consigo entender. Também no lance do T…….. tinha obrigação de sinalizar”.
“Desde o início do campeonato que o S…… parece que beneficia de um regime de exceção por parte dos VAR, que não assinalam lances de penálti contra o S……... Neste jogo foram dois. No S…….-P……. não foi assinalado um penálti que poderia dar o 3-3. Depois houve o célebre lance do A………., um penálti claríssimo. No jogo com o V………., também há um penálti que poderia ter dado o empate, mais recentemente houve outro no jogo com o R………… e, agora, estes dois no jogo com o F……..”
“O que que se passa? Que condicionamento existe? Estes árbitros têm de ser sancionados corretamente para não se repetir. Tivemos uma volta inteira para beneficiar de um penálti. O caso mais gritante foi contra o C….. Depois, no jogo com o G………, aí o VAR T………… interveio e bem para marcar penálti contra o F………, mas depois houve um pisão sobre o T…….i que já não foi sinalizado e um lance de mão que também não foi sinalizado. Parece que os árbitros na função de VAR estão condicionados para assinalar lances capitais a favor do F…….. e lances capitais contra o S………... Isto faz com que existam sete pontos de distancia entre as duas equipa. É muito triste notar que a verdade desportiva é beliscada pelo desempenho dos senhores árbitros. Que nas jornadas que faltam o desempenho seja isento”.
2) O Demandante foi um dos quatro comentadores presentes no referido programa desportivo, onde se analisou o jogo de futebol em causa;
3) Nas declarações proferidas, o Demandante aponta um conjunto de erros de arbitragem que, no seu entendimento, se verificaram (em particular, a ausência de marcação de dois penaltis a favor da F……. que, segundo o Demandante, poderiam ter tido um impacto decisivo na partida, e, consequentemente, na classificação do campeonato);
4) Na perspetiva do Demandante, esses erros ter-se-ão ficado a dever à atuação profissional do vídeo-árbitro;
5) O árbitro que desempenhou as funções de vídeo-árbitro foi o Senhor L……;
6) As declarações foram feitas num tom calmo e cordial;
7) Os erros apontados pelo Demandante foram também mencionados na imprensa desportiva por outros especialistas na área.
8) Na sequência dessas declarações, o Demandante foi alvo de um processo disciplinar movido pelo Conselho de Disciplina da Demandada;
9) Por decisão da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Demandada, o Demandante foi condenado na prática de uma infração disciplinar, nos termos do artigo 136.°, n.º 51 e 3, do Regulamento Disciplinar (lesão da honra e da reputação e denúncia caluniosa), por referência ao disposto no artigo 112.°, n.° 1, do mesmo Regulamento;
10) No seguimento da mencionada condenação, foi aplicada ao Demandante uma sanção de 45 dias de suspensão, para além de uma pena de multa no valor de € 7.050; e
11) 0 Demandante não se conformou com a decisão proferida e da mesma interpôs Recurso Hierárquico Impróprio, que correu termos sob o número 24- 22/23, que foi julgado improcedente por decisão proferida a 12 de Junho de 2023.


Sumariou-se no Acórdão Arbitral recorrido:
“1 - Conforme tem sido salientado pela jurisprudência mais recente (em situações idênticas à dos presentes autos), "[o] tipo de ilícito difamatório exige que as palavras ou expressões usadas não tenham outro sentido que não seja o de ofender; dito de outro modo, que inequívoca e em primeira linha as palavras ou expressões usadas visem gratuitamente ferir, achincalhar, rebaixar a honra e o bom nome do visado".
II - O Demandante não parte de forma gratuita para as alegadas ofensas ao árbitro visado. Ele alicerça o seu discurso num alegado conjunto de erros que, no seu entendimento, se verificaram (erros que foram, aliás, também apontados na imprensa desportiva por outros especialistas na área)
III - As declarações não referem expressamente, em termos inequívocos, a existência de um alegado regime de exceção por parte dos VAR e condicionamento. O Demandante equaciona essa hipótese (“parece que"), mas não o afirma expressamente, o que retira gravidade às afirmações.
IV - Ao afirmar “que nas jornadas que faltam o desempenho seja isento", o Demandante não está necessariamente a dizer que todos os erros que apontou se ficaram a dever a uma falta de isenção da equipa de arbitragem. Embora se possa entender que está a insinuar isso, também poderá ser defensável que ele está a desejar, para o futuro, que o desempenho dos árbitros se mantenha isento.


Correspondentemente, decidiu-se arbitralmente “Julgar procedente o pedido de revogação da decisão que condenou o Demandante pela prática da infração disciplinar prevista no 136.°, n.ºs 1 e 3, do Regulamento Disciplinar (lesão da honra e da reputação e denúncia caluniosa), por referência ao disposto no artigo 112.°, n.° 1, do mesmo Regulamento, nos termos da qual foi aplicado ao Demandante uma sanção de 45 dias de suspensão e uma pena de multa no valor de € 7.650.”


Vejamos;
Socorrendo-nos da resenha jurisprudencial constante do Acórdão deste TCAS nº 160/22.0BCLSB, de 26-01-2023, por referência ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10.11.2022, proferido no Procº nº 092/22.1BCLSB, importa deixar expresso, o seguinte:
“No acórdão do STA de 26.02.2019, P. 066/18.7BCLSB, concluiu-se que as declarações — «Golo limpo anulado ao B………. que nem o vídeo árbitro viu. Esta é a jornada da vergonha» e «Não se via uma jornada com uma arbitragem assim desde o Apito Dourado: falta nítida de (…) antes do penalty a favor do C (…), dois penalties limpos contra o D (…) não assinalados e golo limpo mal anulado à B (…). É um escândalo, esta é a jornada da vergonha» — atingiam não apenas os árbitros envolvidos, mas que assumiam, também «potencialidade para gerar um crescente desrespeito pela arbitragem e, em geral, pela autoridade das instituições e entidades que regulamentam, dirigem e disciplinam o futebol em Portugal, é o sancionamento dos comportamentos injuriosos, difamatórios ou grosseiros necessário para a prevenção da violência no desporto, já que tais imputações potenciam comportamentos violentos, pondo em causa a ética desportiva que é o bem jurídico protegido pelas normas em causa (nº 1 do art. 112º, 17º e 19º do RDLPFP)».
No acórdão de 04.06.2020, P. 0154/19.2BCLSB, concluiu também aquele Colendo Tribunal que: «I – Preenche o tipo de infração disciplinar previsto e punido nos artigos 19.º e 112.º do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional (RDLPFP) a publicação de um artigo, na imprensa privada de um clube de futebol, onde se afirma que os árbitros atuaram com a intenção deliberada de errar e de favorecer a equipa adversária, imputando-lhes um comportamento ilícito e, por isso mesmo, desonroso. II – Aquelas normas não restringem desproporcionalmente a liberdade de expressão e de informação garantidas pelo artigo 37.º da CRP, que neste caso cedem para assegurar a salvaguarda de outros direitos e valores constitucionais, nomeadamente os direitos de personalidade inerentes à honra e à reputação dos árbitros (artigo 26º/1 da CRP), e a prevenção da violência no desporto (artigo 79.º/2 da CRP)”; estavam em causa declarações com o seguinte teor: “Por uma Liga com verdade desportiva O balanço da primeira volta da Liga 2018/19 fica marcado por um conjunto de erros de arbitragem de uma dimensão que há muitos anos não se via. Muitos deles inexplicáveis e incompreensíveis. O que habitualmente se verifica é que, entre eventuais benefícios e perdas, acaba por haver um equilíbrio no final das contas, entre equipas que lutam pelos mesmos objetivos. Na atual temporada isso não acontece. Pelo contrário: desta vez existe um clube que tem beneficiado sistematicamente de erros a seu favor. Situação reconhecida pela esmagadora maioria dos analistas e que coloca em causa a verdade desportiva desta competição. Outra evidência é que, no confronto direto entre os principais candidatos ao título, não se tem afirmado a superioridade de quem surge destacado na liderança. Bem pelo contrário. Trata-se, pois, de uma liderança muito alicerçada em erros sucessivos em momentos decisivos de jogos, a que não será alheio todo o clima de pressão, ameaças e coação dirigidos a diferentes agentes desportivos. Neste quadro, mais se torna urgente que, de forma transparente, se faça um balanço e se tornem públicos os 9 erros que recentemente foram assumidos. Ao nível do VAR, assistiram-se inclusive às mais incríveis decisões, onde mesmo com a ajuda de diversos ângulos e imagens, houve quem não visse o que toda a gente viu. Esperamos que, na segunda volta, esta dualidade de critérios e proteção absurda a um clube termine para que todos estejam em igualdade de circunstâncias e assim, com verdade desportiva, possam lutar pelos seus objetivos. O S………. também assume os seus erros quando eles existem. E não nos custa reconhecer o mérito dos adversários. Demonstrámos isso mesmo já esta época, nos jogos que não conseguimos vencer».
No acórdão de 02.07.2020, P. 0139/19.9BCLSB, concluiu-se também que: «I – Preenche a infração disciplinar prevista e punida pelos artºs. 19.º e 112.º do RDLPFP a publicação de um artigo na “newsletter” de um clube desportivo onde se imputa ao VAR uma atuação deliberada de erro com o objetivo de favorecer um clube em detrimento de outro, colocando em causa a sua idoneidade para o exercício das funções que desempenha. II – Os citados preceitos do RDLPFP não podem ser interpretados no sentido de que a liberdade de expressão e de informação se sobrepõe à honra e reputação de todos aqueles que intervêm nas competições desportivas organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional.”.
Em causa estava um comunicado com o seguinte teor: “A (…) teve uma carreira de árbitro recheada de decisões insustentáveis e, agora como VAR, segue a mesma lamentável tradição. Ontem, na feira, assinalou um penálti a favor do S……. depois de um toque tão levezinho que fez G (…) cair em câmera (sic) lenta, mas fez vista grossa a dois lances na área doS………., um deles uma pisadela clara. Já no ano passado, também na Feira, o mesmo VAR deixou passar um penálti claríssimo sobre H (…). Definitivamente, A (…) parece ter um problema com a imparcialidade, o que pode e deve afastá-lo dos jogos que vão decidir o campeonato».
No acórdão de 09.09.2021, P.050/20.0BCLSB, sufragando a tese de que no caso não se verificaram factos, condutas, ofensivas da honra de agentes desportivos, sumariou-se o seguinte: «Questão diferente [da mera referência a erros de apreciação técnica] é o clube perdedor extravasar do plano objetivo dos erros técnicos implicados no resultado desfavorável e passar para o plano subjetivo, afirmando que os erros técnicos nas faltas assinaladas e omitidas foram levados à prática pela equipa de arbitragem por esta prever e querer o resultado desfavorável que veio a verificar-se, ou seja, imputando aos árbitros um agir claramente preordenado e ilícito à luz do princípio da verdade desportiva, dirigido ao cometimento dos erros técnicos assinalados tendo por finalidade o resultado verificado».
Neste caso estava em apreço um comunicado com o seguinte teor: «Campeonato Desvirtuado - Mais uma jornada, mais uma demonstração da falência da arbitragem em Portugal, da incoerência dos seus critérios e da sua clara interferência na classificação em prol do "status quo" vigente. Este domingo, contra o S…….., assistimos a mais um rol de decisões inacreditáveis em prejuízo do SS………. Desde logo, um penálti por assinalar por jogo perigoso com contacto sobre (…) (17’). Aos 57’, porém, seria indevidamente marcada grande penalidade a favor do S………., apesar de não existir falta de (…). Tão instável como o critério técnico foi o critério disciplinar, com (…) (61') e (…) (78' e 79') a escaparem a claras infrações merecedoras de segundo cartão amarelo (...)».
Assim como no acórdão de 03.11.2022, P. 041/22.7BCLSB, se qualificou como não violador do art. 112.º n.º 1 do RDLPFP 2020 o uso das seguintes expressões por um dirigente desportivo num órgão de comunicação social do clube: «(…) A APAF está a ser coerente com ela própria... Quando o SSS……… fala, a APAF reage, quando os outros falam, a APAF fica em silêncio... Uma dualidade de critérios de que nos queixamos fora e dentro do campo. Em 9 jogos realizados, o SSS……….. apenas perdeu pontos em 2 jogos. Curiosamente teve o mesmo árbitro e curiosamente ambas as atuações foram contestadas [...]. Não queremos regras diferentes para o S………., não queremos fazer nomeações cirúrgicas dentro do Sistema para as coisas correrem melhor para nós. Nós queremos regras iguais para todos. Eu acho que isto assusta muita gente, assusta o poder instalado. O verdadeiro poder instalado assusta-se com a transparência e com as regras iguais para todos. Não queremos nomear este árbitro para aqui, aquele árbitro para ali, como já o disseram outros clubes e até com orgulho...... não apitou bem nos 2 jogos com o SSS... [...] Se me pergunta se eu quero ver o ….. a apitar mais jogos do SSS... Não, não quero... E não quero até para o proteger a ele próprio... [...] mais uma vez provou-se que seria útil ouvir as comunicações entre árbitro e VAR ...Gostaria de ouvir a conversa entre …. e …, perceber qual foi o critério. Quem é competente não teme a transparência...(…)».
Aqui chegados, e fazendo apelo à doutrina que decorre do citado aresto do STA de 10.11.2022, podemos dizer que «[d]a jurisprudência antes referenciada resulta um padrão claro de decisão deste STA que assenta no pressuposto de que o comentário técnico do jogo e das decisões de arbitragem nele praticadas, sempre que se limite a apontar erros técnicos, não consubstancia o ilícito previsto e punido pelo artigo 112.º, n.º 1 do RDLPFP 2020.
Tal violação terá de consubstanciar-se numa afirmação de que os erros se fundaram numa intencionalidade dolosa para favorecer ou prejudicar alguma das equipas.» e que «[o] critério de decisão antes mencionado, que consubstancia um parâmetro decisório conforme com as regras constitucionais e da CEDH e com a jurisprudência do TC e do TEDH em matéria de harmonização em abstrato da colisão potencial entre o direito à honra e ao bom nome e a liberdade de expressão, deve igualmente prevalecer no caso sub judice, para assim se assegurar uma interpretação e aplicação uniforme do direito (artigo 8.º, n.º 3 do CC).»


Neste pressuposto, e retomando agora o caso em apreço, atentemos, tal como a decisão recorrida que as visadas declarações do identificado dirigente e comentador desportivo, comportam, em si, vários segmentos, a saber (Facto Provado nº 1):
“No lance do T……….., compreendo que o árbitro não tenha percebido a joelhada que o Vlachodimos lhe deu. Mas quem está na função do VAR tem a obrigação de ajudar o árbitro. O VAR tinha a obrigação de sinalizar este penálti. No lance do Z……… é ainda mais escandaloso que o VAR L………. não tenha ajudado o árbitro. Esta época estamos a assistir a uma regressão do VAR. O VAR surgiu para ajudar o árbitro a ajuizar melhor, esta época, tem havido erros grosseiros nos jogos do S…….. Depois há senhores árbitros que parecem ter um azar terrível, como é o caso de L………... Quer a VAR ou a árbitro, tem decidido permanentemente em prejuízo do F………".
“Se os erros fossem distribuídos uma vez para um lado e outra para outro.... Não há memória, há vários casos de erros graves do árbitro L………. contra o F………... E mais uma vez, neste clássico, foi sistemático. Ele não interveio a ajudar a arbitragem, o jogo e a verdade desportiva como era sua obrigação. O caso do lance do Z……….. é mesmo indesculpável. É demasiado visível. Não consigo entender. Também no lance do T…….. tinha obrigação de sinalizar”.
“Desde o início do campeonato que o S……… parece que beneficia de um regime de exceção por parte dos VAR, que não assinalam lances de penálti contra o S…….. Neste jogo foram dois. No S…..-P……….. não foi assinalado um penálti que poderia dar o 3-3. Depois houve o célebre lance do A……., um penálti claríssimo. No jogo com o V………., também há um penálti que poderia ter dado o empate, mais recentemente houve outro no jogo com o R……… e, agora, estes dois no jogo com o F………..”
“O que que se passa? Que condicionamento existe? Estes árbitros têm de ser sancionados corretamente para não se repetir. Tivemos uma volta inteira para beneficiar de um penálti. O caso mais gritante foi contra o C……….. Depois, no jogo com o G…………., aí o VAR T………. interveio e bem para marcar penálti contra o F………, mas depois houve um pisão sobre o T…….. que já não foi sinalizado e um lance de mão que também não foi sinalizado. Parece que os árbitros na função de VAR estão condicionados para assinalar lances capitais a favor do F……… e lances capitais contra o S………. Isto faz com que existam sete pontos de distancia entre as duas equipa. É muito triste notar que a verdade desportiva é beliscada pelo desempenho dos senhores árbitros. Que nas jornadas que faltam o desempenho seja isento”.


Em face do que, e transpondo a aplicação do parâmetro normativo de decisão que resulta da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo supra enunciado e transcrito, para a factualidade descrita, não se pode concluir que o elemento intencional, esteja predominantemente presente nas declarações em causa, para além das críticas que foram genericamente dirigidas a desempenhos da arbitragem, e que se inserem na liberdade de expressão que não pode ser coartada aos dirigentes e comentadores desportivos, só pelo facto de o serem, desde que não extravasem a normal lisura e urbanidade no modo como efetivam as suas observações.


É certo que algumas das expressões que justificaram a aplicação das controvertidas sanções disciplinares, nomeadamente quando se afirmou que “Estes árbitros têm de ser sancionados corretamente para não se repetir”, poderão pecar por algum excesso e, porventura insuficiente ponderação, mas tal não significa que devam determinar, só por si, a aplicação de sanções disciplinares, o que, a prazo, tenderia a condicionar a liberdade de expressão de quaisquer comentadores, na certeza que o objetivo final sempre será o de garantir que a arbitragem possa mitigar os erros cometidos, o que certamente não será atingível através do mero silenciamento dos comentadores.


Importa, em qualquer caso, ser justo e cuidadoso na necessária conformação deste direito fundamental com outros direitos fundamentais, no caso, com o direito à honra e ao bom nome dos árbitros, nos termos do n.º 2 do art. 18.º da Constituição da República Portuguesa.


Como se afirmou no Acórdão arbitral recorrido, transcrevendo-se o descrito em acórdão deste TCAS, relatado pelo aqui igualmente relator, em 25/08/2022, Processo nº 127/22.8 BCLSB, importa ter presente que “o tipo de ilícito difamatório exige que as palavras ou expressões usadas não tenham outro sentido que não seja o de ofender; dito de outro modo, que inequívoca e em primeira linha as palavras ou expressões usadas visem gratuitamente ferir, achincalhar, rebaixara honra e o bom nome do visado", sendo que ficou por provar que assim tenha sido.


Como o Tribunal Arbitral afirmou no discurso fundamentador da sua decisão, se é certo “que as declarações em causa não preenchem o tipo de ilícito disciplinar imputado ao Demandante, reconhece-se que parte das suas afirmações (…) se podem considerar algo infelizes e insensatas”, o que não permite, ainda assim, concluir que as mesmas não se insiram no âmbito da liberdade de expressão.


Correspondentemente, decidiu-se singularmente em 16 de fevereiro de 2024, nos termos do Artº 656º CPC, negar provimento ao Recurso, confirmando-se a decisão recorrida.


Na realidade, refere-se no aludido Artº 656º do CPC que “Quando o relator entender que a questão a decidir é simples, designadamente por ter já sido jurisdicionalmente apreciada, de modo uniforme e reiterado, ou que o recurso é manifestamente infundado, profere decisão sumária, que pode consistir em simples remissão para as precedentes decisões, de que se juntará cópia.”


Efetivamente, uma vez que a matéria controvertida, como resulta da resenha jurisprudencial supra referenciada, tem vindo a ser decidida ultimamente de modo uniforme, mostrava-se a decisão simples, sendo o Recurso manifestamente infundado.


Em qualquer caso, veio legitimamente a FPF em 26 de fevereiro de 2024 Reclamar da referida decisão para a Conferência, concluindo a Reclamação afirmando que “Deverá o coletivo de juízes revogar a decisão singular proferida, determinando procedente o recurso apresentado, e, consequentemente, a revogação do Acórdão Arbitral, proferido pelo TAD, com as necessárias consequências, assim se fazendo o que é de lei e de justiça.”


Refira-se que a Reclamação ara a Conferencia não determina um novo julgamento, com base em argumentos e pedidos diversos, antes se impondo verificar se o Coletivo acompanha o sentido da decisão singular preteritamente adotada.


Assim, independentemente da argumentação esgrimida em sede de Reclamação, é incontornável que a questão objeto da decisão singular reclamada acompanha aquele que é o mais recente entendimento dos Tribunais Superiores da Jurisdição Administrativa.


Aqui chegados, este tribunal Coletivo acompanha o entendimento adotado pelo Tribunal Arbitral ao considerar que as declarações em causa não preenchem o tipo de ilícito disciplinar que foi imputado ao aqui Recorrido.


IV. Decisão
Deste modo, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, Subsecção Social, em indeferir a reclamação para a conferência, mantendo a decisão sumária do relator, negando provimento ao Recurso.


Custas pela Recorrente.


Lisboa, 19 de março de 2024

Frederico de Frias Macedo Branco

Eliana de Almeida Pinto

Maria Helena Filipe