Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:40/15.5BECTB
Secção:CA
Data do Acordão:10/09/2025
Relator:ALDA NUNES
Descritores:INDEMNIZAÇÃO POR RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE EM PRAIA FLUVIAL
ILICITUDE/ CULPA
DANO BIOLÓGICO
DANO NÃO PATRIMONIAL
Sumário:
Votação:UNANINIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo – Subsecção Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:

Relatório


Município de Proença a Nova, réu na presente ação administrativa comum, que lhe foi movida por AA, para efetivação de responsabilidade civil extracontratual, decorrente de acidente (na praia fluvial de ..., provocado pela existência de um parafuso saliente nas escadas de acesso à água, de que resultou a perda de um dedo de uma mão), recorre da sentença que julgou a ação parcialmente procedente e condenou o réu:

1. a pagar ao Autor, a título de indemnização pela perda de rendimentos de trabalho durante os anos de 2011, 2012 e 2013, € 4.062,63 (quatro mil e sessenta e dois euros e sessenta e três cêntimos).

2. a pagar ao Autor, a título de indemnização pela incapacidade parcial permanente e definitiva de que o Autor passou a sofrer em consequência do acidente, o valor de € 14.868,84 (catorze mil, oitocentos e sessenta e oito euros e oitenta e quatro cêntimos).

3. a pagar ao Autor, a título de indemnização pelas dores, angústia, sofrimentos e desgosto sofridos por este em consequência do acidente, € 34.000,00 (trinta e quatro mil euros).

4. a pagar ao Autor o que a este venha a ser ou tenha sido exigido pelo Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, E.P.E. a título de despesas de tratamento das lesões decorrentes do acidente sofrido pelo Autor no dia 17/08/2011, na ..., e que se liquide, no processo n.º 78/18.0... e seus incidentes ou noutra ação judicial, como devido a esse título, sem prejuízo do que vier a ser decidido no processo n.º 78/18.0... e seus incidentes, designadamente, quanto à exigibilidade do aí peticionado e quanto a juros.

5. a pagar ao Instituto da Segurança Social, I.P. a quantia de € 6.696,17 (€ 6.727,33 + € 241,84) paga por este ao Autor a título de subsídio de doença e de prestação compensatória do subsídio de Natal.


O Município alega o recurso e formula as seguintes conclusões:


1.ª Não pode o réu, ora recorrente, conformar-se com a, apesar de douta, sentença recorrida, pelo que requer a Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, que a reapreciem, quer do ponto de vista da matéria de facto dada por provada e não provada, quer das soluções jurídicas propostas como subsunção dos factos ao direito, por forma a que, in fine, como demonstrará, o presente recurso mereça procedência, sendo revogada a referida douta sentença, por via de acórdão que a depure de ilegalidades, vícios ou faça uma melhor aplicação do direito aos factos, que merecem ser alterados.


2.ª Também a interpretação e aplicação do direito, não só no que respeita à verificação dos pressupostos da obrigação de indemnizar ou à concorrência de culpas (culpa do lesado), mas também, subsidiariamente, em relação aos raciocínios ou fundamentos utilizados para apuramento do(s) montante(s) indemnizatório(s) nela fixados, dos quais, com a devida vénia, discorda em absoluto.


3.ª Sem que minimamente se conceda no suprarreferido, mesmo que Vossas Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores, considerem não dever ser alterada a matéria de facto dada por provada, ainda assim, deverá o presente recurso ser considerado procedente, uma vez que, como demonstrará, a douta sentença recorrida não fez uma correta aplicação e interpretação dos preceitos legais aplicáveis ao caso, nem avaliou corretamente os parâmetros indemnizatórios decorrentes dos danos efetivamente sofridos pelo autor, ora recorrido.


4.ª O recorrente tem legitimidade, é parte vencida, o valor de sucumbência não o poderá impedir (o tribunal a quo só não condenou o ora recorrente em montantes superiores aos constantes da sentença por legalmente o estar impedido do fazer, face aos pedidos efetuados) e dúvidas também não parecem poder levantar-se quanto à tempestividade, uma vez o presente recurso também versar e apelar à reapreciação da matéria de facto por recurso à prova gravada, mas isto por forma a que, mesmo a ser considerado improcedente o presente recurso na parte em que é solicitada a alteração da decisão sobre a matéria de facto, seja o mesmo apreciado e julgado procedente na parte em que é alegada a restante matéria.


Assim,


5.ª Discorda desde logo o recorrente que se encontre verificado o pressuposto da culpa / ilicitude, ainda que fosse de ser mantida a matéria de facto constante da sentença recorrida (no que não se concede) os factos dados por provados são suficientes para demonstrar o cumprimento dos adequados, razoáveis, deveres de zelo e vigilância, pois é inexigível ao réu assegurar a não ocorrência de acidentes na praia fluvial (onde andam pessoas, podem ocorrer acidentes, independentemente de qualquer culpa) para mais em local de perigo, o que é conhecido por todos, que é um rio, não sendo outro comportamento seria exigível ao réu;


6.ª Atentos os factos provados em 72., 73., 75., 76. 77., 79. (com a alteração solicitada, sobre o carácter genérico das instruções), deveria ter sido considerado cumprido o dever de zelo e vigilância, não concordando pois que os factos provados não excluam a culpa do réu, donde decorre a não verificação dos pressupostos da obrigação de indemnizar e a improcedência da ação, com a consequente revogação da sentença proferida, que se solicita a Vossas Excelências.


7.º Do exposto, sem prejuízo do que adiante se alegará a respeito da alteração da matéria de facto, que se reputa por adequada face à prova produzida, resulta que mesmo que Vossas Excelências entendam que aquela não deve ser alterada, sem que de tal se prescinda, deverá ainda assim o recurso ser considerado procedente:


A - seja por não verificação de todos os pressupostos da obrigação de indemnizar, donde decorre que a ação instaurada deverá ser julgada por improcedente, com as legais consequências, devendo ser proferido acórdão que assim determine, revogando a sentença recorrida;


sem prescindir, subsidiariamente,


B - seja porque o(s) montante(s) indemnizatório(s) global que foi o recorrente condenado a pagar ao recorrido não corresponde, em termos equitativos, à justa compensação pelos danos efetivamente sofridos, tendo o tribunal a quo recorrido a critérios ou raciocínios incorretos, desajustados ou duplamente considerados;


casos estes que, ainda que não determinem a total improcedência da ação instaurada, deverão


também determinar a revogação da sentença proferida, por acórdão a proferir por Vossas Excelências.


8.ª E quanto a montantes indemnizatórios a douta sentença recorrida, para aferir da justa indemnização socorre-se de um único raciocínio, ou fórmula de cálculo, que aliás é a que debita montante mais elevado, devendo a sentença ser revogada e serem alterados os montantes indemnizatórios, parcelares e global, o que se requer a Vossas Excelências.


9.ª A sentença recorrida procede ao computo indemnizatório por exclusivo recurso a uma média citada num douto acórdão do STJ e desconsidera quaisquer outros critérios, discordando o recorrente – com todo o devido respeito – que uma média possa ser considerada critério para a justiça do caso concreto, mas nem sequer equaciona que este possa ser exclusivo, mas, na douta sentença recorrida, é.


10.ª A parcial amputação de um dedo, que não implicou qualquer desvalorização profissional, nem redução de vencimento, mantendo o lesado toda a sua autonomia, não poderá, em termos de justiça equitativa, dar azo a tão elevada indemnização, aliás sendo desproporcionada atendendo às médias consideradas para efeitos do direito à vida, tratando-se, com todo o respeito, da cabeça de um dedo, o anelar.


11.ª Devendo pois de qualquer forma serem reavaliados, por serem excessivos os montantes parcelares indemnizatórios, nomeadamente relativos a danos futuros e não patrimoniais à incapacidade.


Mas, sem prescindir do supra alegado, acresce:


12.ª A douta sentença recorrida, salvo o devido respeito, fez errónea interpretação da prova constante dos autos, nomeadamente da prova por declarações de parte e testemunhal, pelo que requer o recorrente a Vossas Excelências se dignem proceder à audição dos depoimentos prestados que infra se indicam, e na parte indicada, sem prejuízo da audição de toda a restante, audição essa que, está seguro, dará azo à alteração da decisão da matéria de facto.


13.ª O recorrente faz notar que, relativamente a depoimentos em que não consiga identificar o momento, por inexistir, que suporta o entendimento preconizado na sentença recorrida na decisão sobre a matéria de facto, não poderá – como é óbvio – fazer mais do que dar conta disso mesmo, isto é, de que, em sua opinião, em lado algum do depoimento prestado se poderá alicerçar a prova dos factos dados por provados 16 e 79, não descortinando o recorrente as partes que terão servido a tal conclusão.


14.ª E, por outro lado, não constam, devendo constar do elenco de factos provados outros, que justificadamente infra se indicam.


15.ª A prova constante dos autos, se corretamente avaliada, não poderia determinar ser considerado provado os pontos 14, 16, 74 e 79 da matéria de facto dada por provada, mas, de qualquer forma, considera o recorrente ser insuficiente ou incorreta a fundamentação constante da sentença recorrida por forma a que fossem considerados provados supra indicados.


16.ª Pelo contrário, como demonstrará, deveria ter sido considerado provado:


– que o autor, recorrido, não prosseguiu, continuou tratamentos prescritos, nomeadamente quanto a danos estéticos (cfr. depoimento departe prestado ao minuto 51, 52, 532 e segs. «Disserem que não ia ficar perfeito … » apresentou como justificação);


– que o autor, recorrido, escorregou no momento em que descia a escada e ocorreu o acidente (cfr. depoimento de BB aos minutos 01:06:00 e segs, nomeadamente 01:145:00, 01:16:00: ex: «ele terá escorregado e terá ficado preso»; «ele disse-me eu escorreguei»);


- que o parafuso em causa era visível (cfr. minuto 01:17:00 «via-se perfeitamente que o parafuso estava de fora», 01:27:00 «era bastante evidente que o parafuso estava de fora»);


- que, se o parafuso, na ronda matinal efetuada pelo nadador-salvador estivesse saído, teria por este sido visto e reparado ou feito reparar (cfr. depoimento de CC ao minuto 05:42:00 e seguintes, em especial 05:46:00: «se tivesse o parafuso saído na ronda matinal, teria visto»);


17.ª Não pode o recorrente concordar com o facto não provado indicado em F), discordando o recorrente dos argumentos aduzidos na sentença recorrida para que o depoimento da testemunha DD fosse por completo desconsiderado, isto, apesar do mesmo ter sido claro, congruente, não contraditório, seguro, convincente.


18º Tendo apenas a sentença recorrida referido que o tribunal não ficou convencido por a testemunha ter interesse na causa (face a responsabilidades que lhe fossem apontadas em direito de regresso e face à dependência hierárquica), discordando em absoluto o recorrente de tais fundamentos não só porque inexiste, nem poderia existir qualquer direito de regresso, assim como qualquer responsabilidade disciplinar estaria prescrita, tal como claramente resulta da lei (LGCFP e LRC do Estado e outras Entidades Públicas).


19.ª Deverá pois ser considerado provado o facto indicado em F) da matéria de facto dada por não provada, assim o requerendo a Vossas Excelências se dignem julgar.


Termos em que, com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser dado provimento ao presente recurso, com as legais consequências.


O recorrido contra-alegou o recurso, afirmando ser o recurso sobre a matéria de facto escasso e irrelevante, daí que a impugnação fáctica pretendida pelo Recorrente não deverá receber acolhimento, mantendo-se assim totalmente inalterada a matéria de facto, provada e não provada, tal como a douta Sentença Recorrida decidiu.


Também o recurso da matéria de direito é muito escasso, limitando-se o recorrente a alegar que não é exigível ao réu outro comportamento para lá dos cuidados razoáveis que diz ter observado. Ora, no caso sub judice, um facto da mais alta importância para aquilatar do cumprimento ou incumprimento do dever de vigilância por parte do Réu Município, é justamente tratado na douta Sentença Recorrida: o desenroscar de um parafuso cabeça-de-tremoço, como era o das escadas de acesso à água, não é um facto rápido e imediato, mas sim um processo lento, que vai expulsando o parafuso do orifício, sempre pela cedência circular –


lenta, repete-se – das estrias do mesmo parafuso.


Um tal processo de desenroscamento demora, por isso, muitos dias, ou melhor, muito uso das escadas e do respetivo balancear, uso esse que não pode ser sequer medido em dias. Pode mesmo demorar meses.


Para isso acontecer serão necessários dois fatores, qualquer deles revelador do incumprimento dos deveres de diligência e vigilância:


O primeiro é simples e decisivo: este parafuso foi mal enroscado quando o R.–Município recolocou as escadas da praia fluvial no início da estação balnear de 2011.


Só assim se explica que todos os outros parafusos da mesma escada – e também os das outras escadas – não tenham sofrido o mesmo processo de desenroscamento.


E o segundo fator é também ele, óbvio: se o processo de desenroscamento é lento (como resulta da experiência comum), então os funcionários do R.-Município tiveram muito tempo para detetar essa anomalia.


Mas não o fizeram.


Obviamente porque não realizaram qualquer vistoria às escadas, ou, se as realizaram, não o fizeram com o cuidado, competência e zelo necessários.


Assim sendo, dúvidas não subsistem que o R.-Município, através dos seus funcionários, não cumpriu o dever de diligência a que estava adstrito.


Violou, portanto, as suas obrigações legais neste domínio (deveres objetivos de cuidado), donde resultou a ofensa do direito subjetivo da pessoa do A..


Nestes termos e nos mais de direito, não existindo qualquer erro ou violação da Lei por parte da douta Sentença Recorrida, quer no domínio do julgamento da matéria de facto, quer no âmbito da aplicação da lei aos factos, não deve a mesma Sentença merecer censura ou revogação, devendo antes manter-se integralmente o julgado.


O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no art 146º do CPTA, não emitiu parecer.


Com dispensa dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à conferência para julgamento.


Objeto do recurso.


Considerando o disposto nos arts 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC ex vi art 140º, nº 3 do CPTA, nos termos dos quais as questões submetidas a recurso são delimitadas pelas conclusões, verificamos que cumpre apreciar se a sentença recorrida padece de:

i. erro no julgamento da matéria de facto;

ii. erro de julgamento de direito quanto à verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual culpa/ ilicitude;

iii. erro de julgamento de direito na fixação do quantum indemnizatório a pagar ao recorrido.

Fundamentação


De facto.


A sentença recorrida fixou a seguinte matéria de facto:


Provada:

1. No dia 17/08/2011, por volta das 17:00, o A. foi vítima de um acidente na ..., sita no Concelho de Proença-a-Nova – facto admitido por acordo expresso do Réu no artigo 26.º da contestação; quanto à hora, a prova testemunhal e por declarações de parte e o “relatório completo de episódio de urgência” reproduzido a fls. 228 do processo físico.

2. A praia fluvial de ... é um local de lazer, com envolvência ajardinada e urbanisticamente preparada para esse fim – facto admitido por acordo expresso do Réu no artigo 26.º da contestação.

3. As águas do rio estão represadas e as margens muradas, de modo a formar uma piscina fluvial, onde se banham os veraneantes – facto admitido por acordo expresso do Réu no artigo 26.º da contestação; cfr., ainda, os documentos nº 3 e 4 juntos com a petição inicial, cujos originais a cores foram igualmente juntos a fls. 213 e ss. do processo físico.

4. Para acesso às águas da piscina fluvial assim formada, existem escadas metálicas do tipo piscina, cravadas nos paredões das margens do mesmo lago – facto admitido por acordo expresso do Réu no artigo 26.º da contestação.

5. Tais escadas têm cinco degraus, todos eles abaixo do nível da margem - cfr. os documentos nº 3 e 4 juntos com a petição inicial, cujos originais a cores foram igualmente juntos a fls. 213 e ss. do processo físico.

6. Cada um desses degraus é fixado à escada através de parafusos do tipo “cabeça de tremoço”, sem ranhura nem orifício na cabeça, cujo aperto é feito através de uma porca localizada por baixo do degrau e não pela cabeça – facto colhido do testemunho de EE e do documento n.º 5 junto com a petição inicial, cujo original a cores foi igualmente junto a fls. 215 do processo físico.

7. A ... encontra-se sob gestão direta do Réu – facto admitido por acordo expresso do Réu no artigo 26.º da contestação.

8. No dia 17/08/2011, o nível da água era inferior ao do último degrau das referidas escadas, último degrau esse que se encontrava, portanto, fora de água – provado pela conjugação dos testemunhos de BB, FF, GG [que, medindo 1,57 metros de altura, afirmou que nesse dia a água dava-lhe mais ou menos pelo peito] e de HH [que, medindo 1,67 metros de altura, afirmou igualmente que nesse dia a água dava-lhe mais ou menos pelo peito] com a prova fotográfica reunida nos autos, designadamente, documentos nº 3 a 5 juntos com a petição inicial, cujos originais a cores foram igualmente juntos a fls. 213 e ss. do processo físico.

9. Uma das escadas de acesso à água tinha, ao nível do segundo degrau a contar na perspetiva de quem desce (quarto degrau, quando contado de baixo para cima) um parafuso parcialmente desapertado, com cerca de 1,5 centímetro para fora, conforme retratado na imagem seguinte:

- provado pela conjugação dos testemunhos de BB e de FF com a prova fotográfica reunida nos autos, designadamente, documento n.º 5 junto com a petição inicial, cujo original a cores foi igualmente junto a fls. 215 do processo físico.

10. O Autor utilizou a escada a que se refere o facto provado n.º 9 para aceder à água - provado pelo testemunho de FF.

11. O Autor desceu a escada degrau a degrau, voltando-se de frente para a mesma e de costas para a água - provado pelos testemunhos de FF e HH.

12. Enquanto descia a escada, o Autor usava um anel no quarto dedo (anelar) da mão direita - provado pelos testemunhos de FF e de HH.

13. Ao descê-la, o anel que o A. trazia no quarto dedo (anelar) da mão direita ficou preso na cabeça do parafuso a que se refere o facto provado n.º 9 - provado pela conjugação das declarações prestadas pelo Autor com os testemunhos de BB e de FF e com a fotografia junta com a petição inicial como documento n.º 5, dada a compatibilidade com a natureza das lesões comprovadas, a seguir referidas.

14. O que o Autor não viu nem sentiu - provado pelas declarações prestadas pelo Autor.

15. Chegado perto do espelho de água – cfr. os testemunhos de FF [declarou que o Autor não escorregou na escada, tendo-a descido normalmente, e que entrou na água sem “estrondo”] e de HH [que, não tendo visto em que degrau estavam os pés do Autor quando largou a escada, declarou que este desceu ao ponto de ter ficado com a cabeça abaixo da cota da beira da piscina e, assim, fora do seu campo de visão].

16. O Autor, para entrar dentro de água, afastou os pés da escada ao mesmo tempo que a largou – cfr. o testemunho de FF [declarou que o Autor não escorregou na escada, tendo-a descido normalmente, e que entrou na água sem “estrondo”],

17. pelo que, por força do peso do seu corpo e por ter o anel engatado no dito parafuso – facto provado pelo testemunho de FF, dada a compatibilidade com a natureza das lesões comprovadas, a seguir referidas.

18. O Autor sofreu, no quarto dedo da mão direita (anelar), imediata amputação da falange distal – facto provado pelo relatório clínico reproduzido pelo documento n.º 6 junto com a petição inicial,

19. avulsão do tendão flexor profundo – facto provado pelo relatório clínico reproduzido pelo documento n.º 14 junto com a petição inicial,

20. avulsão parcial do aparelho extensor – facto provado pelo relatório clínico reproduzido pelo documento n.º 14 junto com a petição inicial,

21. e ficou com esse dedo totalmente descarnado (desluvamento) – facto provado pelo relatório clínico reproduzido pelo documento n.º 14 junto com a petição inicial.

22. No momento imediatamente anterior ao momento em que o Autor tirou os pés da escada para entrar para dentro de água, o Autor não tinha os pés no degrau da escada cujo parafuso se soltou mas sim em degrau abaixo desse – o que estava ao nível desse degrau e do parafuso em causa era a sua mão direita, como revela a lesão sofrida, não os seus pés.

23. O estado saliente do parafuso a que se refere o facto provado n.º 9 não foi causado por impulso dado pelo Autor, no momento do acidente, para entrada na água – a ter existido impulso esse impulso teria sido exercido pelos seus pés, que, como se refere no facto provado n.º 22, estariam firmados, não no degrau da escada cujo parafuso se soltou mas sim em degrau abaixo desse.

24. O A. foi transportado de urgência pelo INEM para o Hospital de Castelo Branco – facto provado pelo “relatório completo de episódio de urgência” n.º ..., reproduzido a fls. 228 do processo físico,

25. onde chegou por volta das 18:00 – provado por presunção natural, estimando em até 30 minutos o tempo necessário para a chegada de viatura de emergência o local (considerando tratar-se de meio rural), em até 30 minutos o tempo de distância do local ao Hospital de Castelo Branco, e considerando, ainda, a necessidade de alguns minutos para a assistência do Autor no local do acidente,

26. donde foi transferido para o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, E.P.E., ao qual chegou pelas 21:56 desse dia – facto provado pelo “relatório completo de episódio de urgência” n.º ..., reproduzido a fls. 228 do processo físico.

27. Aqui foi operado de urgência e ficou internado – provado pelo relatório clínico reproduzido pelo documento n.º 6 junto com a petição inicial.

28. O Autor esteve internado neste hospital desde 17/08/2011 até 22/08/2011, data em que teve alta – provado pelos documentos nº 6 e 7 juntos com a petição inicial.

29. A fim de reconstruir o dedo e de revestir a estrutura óssea do mesmo com cobertura cutânea transplantada do abdómen (retalho abdominal tipo Colson), o Autor foi submetido a uma primeira intervenção cirúrgica a 18/08/2011, no Centro Hospitalar da Universidade de Coimbra, E.P.E. – provado pelos relatórios clínicos reproduzidos pelos documentos nº 6 e 14 juntos com a petição inicial.

30. Em 25/08/2011, o Autor voltou ao hospital para ser observado em consulta e fazer penso – provado pelo relatório clínico reproduzido pelo documento n.º 6 junto com a petição inicial.

31. Em 08/09/2011 o Autor foi novamente internado, para segundo tempo de retalho de Colson – provado pelo relatório clínico reproduzido pelo documento n.º 6 junto com a petição inicial.

32. A 12/09/2011 realizou-se o segundo tempo de retalho de Colson – provado pelo relatório clínico reproduzido pelo documento n.º 15 junto com a petição inicial.

33. Esteve internado no hospital desde esse dia 8 de Setembro de 2011 até 13/09/2011, data em que teve alta – provado pelos documentos nº 6 e 8 juntos com a petição inicial.

34. O retalho abdominal para cobertura cutânea do dedo exigiu que o Autor estivesse com o dedo ligado ao abdómen durante vinte e quatro dias entre as datas a que se referem os factos provados nº 29 e 32 – cfr. os documentos nº 12, 18 20 e 38 juntos com a petição inicial.

35. Em 20/01/2012, o Autor foi submetido a terceira cirurgia, desta vez em regime ambulatório, ou seja, sem internamento, para desengorduramento do retalho abdominal – provado pelos relatórios clínicos reproduzidos pelos documentos nº 6 e 14 juntos com a petição inicial.

36. Em 17/02/2012 voltou ao hospital para ser observado em consulta – provado pelo relatório clínico reproduzido pelo documento n.º 6 junto com a petição inicial.

37. Em 15/10/2012 foi submetido a uma quarta cirurgia, também em regime ambulatório, para remodelação com desengorduramento do retalho abdominal usado para cobertura óssea do quarto dedo da mão direita – provado pelos relatórios clínicos reproduzidos pelos documentos nº 6 e 14 juntos com a petição inicial.

38. Após o transplante, o abdómen ficou com uma cicatriz na zona em que foi retirada pele – provado pelo documento n.º 13 junto com a petição inicial.

39. Em 30/09/2013, o A. sofreu uma quinta e última cirurgia, também em regime ambulatório para remodelação com desengorduramento do retalho abdominal – Provado pelo documento n.º 14 junto com a petição inicial.

40. Por força do acidente e das operações, internamentos e tratamentos descritos, o A. esteve de baixa com incapacidade temporária para o trabalho entre 17/08/2011 e 08/04/2012 e entre 15/10/2012 e 26/10/2012 – provado pelos documentos nº 21 a 31 juntos com a petição inicial.

41. Por força da quinta intervenção cirúrgica, esteve também de baixa com incapacidade temporária para o trabalho desde 30/09/2013 a 11/10/2013 – provado pelo documento n.º 32 junto com a petição inicial.

42. O dedo recuperado ficou, após as primeiras duas cirurgias, com o aspeto retratado nas fotografias reproduzidas pelos documentos nº 9, 10, 11, 16, 17, 19 juntos com a petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - cfr., ainda, o testemunho de HH.

43. No final dos tratamentos, o dedo recuperado ficou com o aspeto retratado na fotografia junta com a petição inicial como documento n.º 15, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido – provado por observação direta do Tribunal.

44. Passaram a crescer no dedo pelos, que o Autor corta com lâmina de barbear – provado pelos testemunhos de HH e de GG.

45. Clinicamente é possível ao Autor melhorar ligeiramente a estética do dedo reconstituído através da realização de mais cirurgias estéticas para desengorduramento adicional – facto confessado pelo Autor (minuto 54 das declarações de parte).

46. O Autor é destro – provado pelos testemunhos de II e de HH.

47. Por força do acidente, o Autor ficou sem sensibilidade e perdeu o tato no quarto dedo da mão direita – provado pelos testemunhos de II e de HH,

48. o que por sua vez lhe provoca cortes e queimaduras frequentes, de que só dá conta quando lhe começa a cheirar a pele queimada – provado pelos testemunhos de II e de HH,

49. e deixou de conseguir fechar a mão direita completamente, o que lhe dificulta o movimento preênsil de objetos pequenos como, por ex., moedas – provado pelos testemunhos de HH e de II.

50. No dia 30-05-2013, o A. foi submetido a Junta Médica do Ministério da Saúde, que o considerou portador de deficiência definitiva e lhe atribuiu uma incapacidade permanente global de 4 %, nos termos da alínea b) [«Perda de mais de 50 % da 3.ª falange»] do número 8.5.4. [«perdas do anelar»] do capítulo I da Tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho ou doenças profissionais, aprovada como anexo I ao Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro – provado pelo documento n.º 33 junto com a petição inicial.

51. O A. era, e é, motorista profissional de transportes de passageiros, como empregado da empresa "PPPP", onde auferiu em 2010 (ano anterior ao acidente) rendimentos de trabalho no valor de € 15.488,37 – provado pelo documento n.º 34 junto com a petição inicial conjugado com os testemunhos de II e de HH.

52. No ano de 2011 (ano do acidente), o A. auferiu rendimentos de trabalho, pagos pela PPPP, no valor de € 11.391,70 – provado pelo documento n.º 35 junto com a petição inicial.

53. No ano de 2012, o A. auferiu rendimentos de trabalho, pagos pela PPPP, no valor de € 9.573,51 – provado pelo documento n.º 36 junto com a petição inicial.

54. O A. recebeu do Instituto da Segurança Social, I.P. subsídio de doença e prestação compensatória da perda de subsídio de Natal, nos seguintes períodos e montantes – provado pela certidão da segurança social junta a fls. 243 do processo físico e pelo documento n.º 40 junto com a petição inicial:
      prestação
      período
valor
data início
      data fim
subsídio de doença
      17/08/2011
      08/04/2012
      6 332,23
subsídio de doença
      15/10/2012
      26/10/2012
      198,54
subsídio de doença
      30/09/2013
      11/10/2013
      196,56
prestação compensatória subsídio de natal
      2011
      137,17
prestação compensatória subsídio de natal
      2012
      104,67
55. Após a lesão, o Autor não ficou impossibilitado de conduzir – facto confessado pelo Autor em declarações de parte.

56. Contudo, em virtude da perda de sensibilidade e da perda de capacidade de execução do movimento preênsil de objetos pequenos com a mão direita, o Autor passou a ter dificuldade em manusear a caixa da cobrança (pelo motorista) de bilhetes, dos autocarros que até aí conduzia, para recolhimento do preço do bilhete e realização de trocos – facto admitido em virtude da indivisibilidade da declaração da não impossibilidade de conduzir, confessada pelo Autor em declarações de parte [Código Civil, 360.º], e confirmado pelos testemunhos de HH e de II,

57. pelo que o empregador do Autor o retirou das funções de motorista, tendo-lhe atribuído outras funções na gestão da gare – facto admitido em virtude da indivisibilidade da declaração da não impossibilidade de conduzir, confessada pelo Autor em declarações de parte [Código Civil, 360.º], e confirmado pelo testemunho de HH.

58. O Autor manteve, no entanto, a remuneração base de motorista – facto confessado pelo Autor em declarações de parte.

59. Desde o momento do acidente, a que se refere o facto provado n.º 1, até, pelo menos, à sua admissão no Hospital de Castelo Branco (no qual deu entrada pela hora que consta do facto provado n.º 25), o Autor sofreu dores lancinantes – provado por presunção natural, pelo testemunho de HH e pelas declarações de parte prestadas pelo Autor.

60. Durante o internamento Hospitalar e até à primeira cirurgia, o Autor continuou a sofrer dor na mão direita, embora atenuada pela medicação que lhe foi ministrada – provado por presunção natural, pelo testemunho de HH e pelas declarações de parte prestadas pelo Autor.

61. As duas primeiras cirurgias foram realizadas com anestesia geral e as restantes com anestesia local, não tendo o Autor sentido dor durante a execução das mesmas – provado por confissão.

62. Entre as duas primeiras cirurgias e durante o recobro da segunda cirurgia, o Autor sofreu dor na mão direita e no abdómen, embora atenuada pela medicação que lhe foi ministrada – provado por presunção natural, pelo testemunho de HH e pelas declarações de parte prestadas pelo Autor.

63. Após ter alta na sequência da segunda cirurgia e até à retirada dos pontos, o Autor esteve medicado para as dores, com medicação de toma regular e com prescrição de medicamentos para toma em S.O.S., nos momentos em que a dor fosse mais intensa – provado pelo testemunho de HH.

64. Após ter alta na sequência da segunda cirurgia e até à retirada dos pontos, em virtude da medicação tomada, o Autor apenas sentiu dor com a execução de determinados movimentos corporais ou contacto com as partes do corpo doridas (mão e abdómen) – provado pelas declarações de parte prestadas pelo Autor (minuto 24).

65. Quando foram retirados os pontos colocados na segunda cirurgia, o Autor já não sentia dores na mão nem no abdómen – provado pelas declarações de parte prestadas pelo Autor e pelo testemunho de HH.

66. Até serem retirados os pontos colocados na segunda cirurgia, o Autor esteve angustiado pela incerteza acerca do estado em que ficaria o seu dedo – provado por presunção natural, pelas declarações de parte prestadas pelo Autor e pelos testemunhos de HH e II.

67. O Autor vive com desgosto pelo estado em que ficou o quarto dedo da sua mão direita, descrito nos factos provados nº 43 a 50 – provado por presunção natural, pelas declarações de parte prestadas pelo Autor e pelos testemunhos de HH e II.

68. O Autor ficou com cicatriz no abdómen, na zona que foi retalhada para transplantar a respetiva pele para o dedo acidentado – cfr. o documento n.º 13 junto com a petição inicial, novamente junto, a cores, a fls. 219 do processo físico.

69. O Autor vive com desgosto pela cicatriz que lhe ficou no abdómen – provado pelo testemunho de HH.

70. O A. nasceu a 20/03/1969, pelo que tinha 42 anos de idade à data do acidente – provado pelo documento n.º 39 junto com a petição inicial.

71. O valor da esperança média de vida aos 42 anos de idade para o período 2011- 2013 é estimado pelo INE, para uma pessoa do sexo masculino residente em Portugal, em 36/ 37 anos – cfr. a estatística divulgada e consultada no portal do Instituto Nacional de Estatística, na página eletrónica com o endereço https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_indicadores&indOcorrCod=0004161&contexto=bd&selTab=tab2.

72. As escadas de acesso à água da ... foram retiradas e guardadas em 2010, depois de finda a época balnear, para não se degradarem durante o inverno, e foram novamente recolocadas por volta de Maio de 2011, na preparação do início da época balnear – facto colhido dos testemunhos de JJ e de EE.

73. No momento em que as escadas de acesso à água foram recolocadas, o Réu testou a fixação dos degraus, abanando-os – facto colhido do testemunho de EE.

74. A verificação dos degraus a que se refere o facto provado n.º 73 não passou pela verificação, um a um, dos seus parafusos de fixação – facto colhido do testemunho de EE.

75. No ano de 2011, antes da vistoria realizada pelo centro de saúde, a que se refere o facto provado n.º 76, antes do início da época balnear, o Réu, por intermédio de JJ, técnica superior, acompanhada de EE, encarregado-geral de pessoal não qualificado, realizou uma vistoria à ...que abrangeu as condições de segurança e manutenção dos equipamentos da praia – facto colhido dos testemunhos de JJ e de EE.

76. No dia 18/05/2011, a praia fluvial de Aldeia Ruiva foi vistoriada pela ULS de Castelo Branco, com vista à atribuição da bandeira de “praia acessível” – provados pelos documentos juntos a fls. 256 verso a 257 do processo físico.

77. A vistoria da ULS de Castelo Branco incidiu sobre os itens discriminados no formulário de “avaliação da zona envolvente”, reproduzido pelos documentos juntos a fls. 256 verso a 257 do processo físico e que aqui se dá por integralmente reproduzido, designadamente, sobre os seguintes itens – cfr. os documentos juntos a fls. 255 a 257 do processo físico:

B. Estruturas de Apoio

ACESSIBILIDADE

1. Acessos fáceis à zona balnear dotado de um percurso acessível que permita o acesso a pessoas com mobilidade condicionada

2. Acessos fáceis a estruturas de apoio dotado de

3. Estacionamento destinado aos utentes da zona balnear.

4. Espaço destinado a estacionamento de viaturas para pessoas com mobilidade condicionada.

ESTABELECIMENTOS

5. Existência de estabelecimentos de restauração e/ou de bebidas (incluindo os apoios de praia).

6. Existência de estabelecimentos de produtos alimentares pré-embalados.

7. Existência de outros equipamentos:

7.1 Empreendimentos Turísticos; 2

7.2 Quiosque (s); 1

7.3 Parque (s) Infantil (s).

INSTALAÇÕES SANITÁRIAS 9. (…)

DUCHES

10 (…)

11 (…)

OUTRAS ESTRUTURAS 12 Armazém de apoio à zona balnear.

13 Mala de primeiros socorros

c. Segurança

SEGURANÇA

1. Existe vigilância permanente

2. Existe equipamento de salvamento (nomeadamente bóias) disponível e facilmente acessível.

3. Sinalização do estado do mar

4. Sinalização de zonas perigosas.

5. Sinalização de utilizações conflituosas.

6. Permite o acesso fácil a meios de socorro e de emergência.

7. Mala de primeiros socorros equipado com material de primeiros socorros.

8. Existe pessoal habilitado à prestação de primeiros socorros

9. Disponibilidade de meios de telecomunicações e/ou outros meios que permitam a comunicação com o exterior.

10. Existe um painel de informação de saúde e segurança.

11. Ausência de veículos não autorizados na zona de lazer.

D. Salubridade (…) (…)

78. A vistoria da ULS de Castelo Branco não incidiu sobre o estado de segurança, manutenção nem conservação das escadas de acesso à água – cfr., a contrario, o formulário de avaliação da zona envolvente a que se refere o facto provado n.º 77, reproduzido pelos documentos juntos a fls. 256 verso a 257 do processo físico.

79. O Réu deu instruções genéricas e verbais aos nadadores salvadores para, diariamente, de manhã, procederem a uma ronda pela praia para verificação do estado da praia, designadamente dos seus equipamentos, inspecionando-os visualmente e experimentando-os – cfr. o testemunho do nadador salvador, CC.

80. Durante a época balnear, o nadador-salvador de serviço procedia a uma ronda diária, pela manhã, para verificação do estado da praia fluvial e dos seus equipamentos – cfr. o testemunho do próprio, CC.

81. No dia do acidente, de manhã, o nadador-salvador realizou a ronda diária habitual pelos equipamentos – cfr. o testemunho do próprio, CC.

82. Na ronda a que se refere o facto provado n.º 81, o nadador-salvador procedeu, desde a beira da piscina, à inspeção visual da escada em que se deu o acidente, observando-a de cima para baixo, apoiando-se na mesma, e abanou os seus corrimãos para testar a fixação da escada ao solo – cfr. o testemunho do próprio, CC.

83. Na inspeção visual a que se refere o facto provado n.º 82, o nadador-salvador não testou os degraus da escada, nem a desceu, nem verificou especificamente e um a um os parafusos que fixam os degraus à escada – cfr. o testemunho do próprio, CC, que, designadamente, declarou que a inspeção visual a que procedeu e que diariamente realizava era “genérica”, declarou que não via os parafusos um a um, declarou que, por isso mesmo, se porventura faltasse um parafuso, possivelmente poderia não reparar nisso; não sem declarar, no entanto, que entende que com a inspeção visual “genérica” a que procedeu conseguiria detetar um parafuso tão saliente como aquele a que se refere o facto provado n.º 9, se o parafuso já naquele estado estivesse no momento da ronda, pois o mesmo “dava nas vistas”.

84. Na inspeção visual a que se refere o facto provado n.º 82, o nadador-salvador não detetou nenhuma anomalia na escada – cfr. o testemunho do próprio, CC.

85. Na data e hora do acidente, encontrava-se de serviço na praia um nadador salvador disponibilizado pelo Réu – provado por todos os testemunhos ouvidos.

86. Em 07/09/2011, o A. escreveu ao R. Município, mas este declinou qualquer responsabilidade por resposta de 21/10/2011 – provado pelos documentos nº 41 e 42 juntos com a petição inicial.

87. O Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, E.P.E., intentou neste Tribunal a ação administrativa que corre termos sob o n.º 78/18.0... em que demanda a condenação do aqui Réu no pagamento das despesas em que incorreu para tratamento do aqui Autor.

*


Não provada


Os factos que, em face das várias soluções plausíveis de direito, são relevantes para a presente decisão e que se julga não provados são os seguintes:

A. O valor dos rendimentos de trabalho auferidos pelo Autor no ano de 2013.

B. No dia 20/06/2011, a praia fluvial de ... foi vistoriada pela ARH Tejo – os documentos juntos a fls. 255 a 257 do processo físico apenas provam que a praia foi vistoriada pela ULS Castelo Branco.

C. Tendo, na sequência da constatação de que todos os bens e equipamentos cumpriam os requisitos legais e as condições de segurança, sido emitidas as correspondentes licenças.

D. Tendo aliás a praia fluvial de ... recebido a bandeira de acessibilidade.

E. O Autor fez uso inadequado da escada de acesso à água – nenhum facto concreto revelador de uso inadequado do equipamento da praia pelo Autor foi alegado ou resultou da instrução da causa.

F. Os serviços camarários procediam, mensalmente, a uma vistoria às condições de segurança e manutenção dos equipamentos da ... – Apesar de a testemunha JJ, funcionária do Réu, ter afirmado que, durante a época balnear, procedia, munida de uma “checklist”, a duas vistorias mensais (uma em Julho e a outra em Agosto) depois da vistoria realizada antes da abertura da praia; e que pelo menos uma dessas vistorias subsequentes seria realizada na companhia de uma pessoa em representação do centro de saúde e do encarregado-geral de pessoal não qualificado, EE, este não confirmou a sua presença nem a realização senão da vistoria realizada antes do início da época balnear e nenhuma prova de presença de representante do centro de saúde em tais vistorias subsequentes, nem da referida checklist (apesar de a testemunha JJ ter referido tê-la guardada no serviço) foi oferecida aos autos.

Acresce que, mesmo que a vistoria do mês de agosto tenha sido realizada, a própria testemunha JJ não soube dizer se o foi antes do dia 17 de agosto de 2011, data do sinistro.

Quanto a este ponto da matéria de facto, o Tribunal não ficou convencido com a versão de uma única testemunha – que tem evidente interesse na causa (desde logo pelas responsabilidades que lhe poderiam, por hipótese, ser imputadas em eventual ação de regresso) e que depende funcional e (presume-se) financeiramente do Réu – não confirmada pela outra testemunha arrolada que o poderia confirmar, nem sustentada em prova documental (as checklists) que a própria afirmou estaria na posse do Réu.

*


*


Motivação do julgamento da matéria de facto


Além da motivação já avançada a cada ponto da matéria de facto provada e não provada, acresce referir que prova testemunhal ouvida se apresenta ao Tribunal como credível na parte em que versou sobre a matéria de facto relevante para a decisão – as versões dos factos narradas pelas testemunhas apenas se mostraram inconciliáveis em aspetos que se mostram laterais à decisão aqui a proferir, designadamente no que se refere à existência ou não de estojo de primeiros socorros na praia.


O tribunal não se convenceu, contudo, relativamente ao facto “F”, julgado não provado, pelas razões já expostas.


Os documentos juntos aos autos pelo Autor – designadamente, as fotografias – não foram impugnados pelo Réu.


Para além disso, a testemunha HH declarou que as fotografias presentes aos autos como documentos nº 1 a 4 juntos com a petição inicial foram tiradas no dia do acidente, antes de ocorrido o mesmo, da parte da manhã.


A testemunha FF declarou que a fotografia presente aos autos como documentos n.º 5 junto com a petição inicial foi tirada por si, no dia do acidente, depois de ocorrido o mesmo, afiançando que corresponde ao local do sinistro.


A testemunha BB confirmou que o acidente se deu junto da escada a que se refere o documento n.º 5 junto com a petição inicial, tendo confirmado que a mesma tinha um parafuso saído como retratado nessa foto.


O tribunal não levou ao julgamento da matéria de facto o alegado no artigo 43.º da petição inicial [«O A. era, à data do acidente, um homem robusto e saudável»]. Alegar e provar que assim não era, e, portanto, que a esperança de vida do Autor era, já antes do sinistro, inferior à média, competia ao Réu (é matéria de exceção) e o Réu não alegou a falta de saúde do Autor. Assim, esta alegação de facto, ainda que não provada, é irrelevante».


O Direito


Erro no julgamento da matéria de facto.


O recorrente clama pela alteração e aditamento da matéria de facto, por entender que a sentença recorrida fez uma avaliação errada da prova produzida, nomeadamente da prova por declarações de parte e testemunhal.


O recorrente alega que o Tribunal recorrido errou no julgamento da matéria de facto provada nos nº 14, 16, 74 e 79 e considera ser insuficiente ou incorreta a fundamentação constante da sentença recorrida por forma a que tais factos fossem considerados provados.


Defende que deviam ter sido julgados provados os seguintes factos:


– que o autor, recorrido, não prosseguiu, continuou tratamentos prescritos, nomeadamente quanto a danos estéticos, com base no depoimento de parte prestado ao minuto 51, 52, 53 e segs. «Disserem que não ia ficar perfeito … »;


– que o autor, recorrido, escorregou no momento em que descia a escada e ocorreu o acidente, com fundamento no depoimento de BB, aos minutos 01:06:00 e segs, nomeadamente 01:145:00, 01:16:00: ex: «ele terá escorregado e terá ficado preso»; «ele disse-me eu escorreguei»);


- que o parafuso em causa era visível, com fundamento no depoimento de BB, ao minuto 01:17:00 «via-se perfeitamente que o parafuso estava de fora», 01:27:00 «era bastante evidente que o parafuso estava de fora»;


- que, se o parafuso, na ronda matinal efetuada pelo nadador-salvador estivesse saído, teria por este sido visto e reparado ou feito reparar, com base no depoimento de CC, ao minuto 05:42:00 e seguintes, em especial 05:46:00: «se tivesse o parafuso saído na ronda matinal, teria visto».


Perfilha que o facto não provado indicado em F) deve ser julgado provado com fundamento no depoimento da testemunha DD, discordando o recorrente dos argumentos aduzidos na sentença recorrida para que o depoimento da testemunha DD fosse por completo desconsiderado, isto, apesar do mesmo ter sido claro, congruente, não contraditório, seguro, convincente.


Vejamos.


Dispõe o artigo 662º, nº 1 do CPC ex vi art 140º, nº 3 do CPTA que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, estabelecendo o seu nº 2: A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:


a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;


b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;


c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta.


Como refere KK (em Recursos no Novo Código do Processo Civil, 5ª ed. de 2018, Almedina, em anotação ao artigo 662º do CPC, pág. 286), «sem embargo da correção, mesmo a título oficioso, de determinadas patologias que afetam a decisão da matéria de facto (v.g. contradição) e também sem prejuízo do ónus de impugnação que recai sobre o recorrente e que está concretizado no art 640º, quando esteja em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos a livre apreciação, a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiênciaafastando definitivamente o argumento de que a modificação da decisão da matéria de facto deveria ser reservada para casos de erro manifesto» ou de que «não é permitido à Relação contrariar o juízo formulado pela 1ª instância relativamente a meios de prova que foram objeto de livre apreciação», acrescentando que este tribunal «deve assumir-se como verdadeiro tribunal de instância e, por isso, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal, deve introduzir as modificações que se justificarem».


Tem vindo a ser entendido pela jurisprudência do STA que a «garantia de duplo grau de jurisdição em matéria de facto» [art 662º do CPC] deverá harmonizar-se com o «princípio da livre apreciação da prova», decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto [art 607º do CPC]. E que, tendo em conta que o tribunal superior é chamado a pronunciar-se privado da oralidade e imediação que determinaram a decisão de primeira instância, e que a gravação da prova, por sua natureza, não pode transmitir todo o conjunto de fatores de persuasão que foram percecionados, diretamente, por quem primeiro julgou, deve esse tribunal, sob pena de aniquilar a capacidade de livre apreciação do tribunal de primeira instância, ser particularmente cuidadoso no uso dos seus poderes de reapreciação da decisão de facto, e reservar as alterações da mesma para os casos em que ela se apresente como arbitrária, por não estar racionalmente fundada, ou em que seja seguro, de acordo com as regras da ciência, da lógica ou da experiência comum, que a decisão não é razoável [cfr, entre outros, acs do STA de 10.10.2019, processo nº 296/13.8..., de 27.6.2019, processo nº 507/11.4...].


Assim, impugnada a decisão da matéria de facto com base em meios de prova sujeitos à livre apreciação, com cumprimento dos requisitos previstos no art 640º do CPC, cabe ao tribunal de recurso reapreciar esses meios de prova e refletir na decisão da matéria de facto a convicção que formar, nos termos do art 662º. Se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa deve o tribunal ad quem alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos do art 662º, nº 1 do CPC.


A reapreciação da decisão de facto exige, do recorrente, sob pena de imediata rejeição, o cumprimento do ónus de fundamentação da discordância quanto à decisão de facto proferida, fundamentando os pontos da divergência, nos termos previstos no art 640º, nº 1 e nº 2 do CPC.


Munidos destes considerandos, de regresso ao caso concreto, verificamos que esta última exigência formal, do art 640º do CPC, indicativa dos concretos «erros de facto», dos seus «concretos fundamentos» e os meios de prova em que se funda se mostra cumprida pelo recorrente.


O recorrente observou os ónus legais impostos pelo art 640º do CPC, na medida em que identificou os factos concretos que considerou erradamente julgados pelo tribunal de 1ª instância, bem como os meios probatórios existentes no processo que impunham decisão diversa da proferida, por fim, indicou a decisão que, no seu entender, deve ser proferida em conformidade com o meio de prova que indica.


Pelo que cumpre a este tribunal de recurso analisar se o tribunal recorrido efetuou um incorreto julgamento da matéria de facto.


Facto provado nº 14:


O facto provado nº 14 tem o seguinte teor: o que o autor não viu nem sentiu.


Este facto surge na sequência do facto provado nº 13, o qual refere que, ao descer a escada de acesso à água, o anel que o autor trazia no quarto dedo (anelar) da mão direita ficou preso na cabeça do parafuso parcialmente desapertado, com cerca de 1,5 centímetros para fora.


O tribunal a quo sustentou a prova do facto nas declarações prestadas pelo autor.


O que o recorrente não aceita, imputando falta de congruência às declarações de parte, porque lhe parece de todo em todo implausível que o facto de um anel colocado num dedo se prender a um parafuso não se sinta, pelo contrário tem que se sentir pois está mesmo junto ou pegado a ele. E a descida da escada, se feita prudentemente, uma vez que as mãos vão descendo alternadamente, não poderia dar azo a que tal não se sentisse. Ou se não o sentiu foi porque a utilização do equipamento foi impudente.


Se proceder a pretensão do recorrente significa que o autor viu o parafuso parcialmente desapertado, com cerca de 1,5 centímetros para fora, sentiu o anel (colocado no quarto dedo anelar da mão direita) preso na cabeça do parafuso e ainda assim largou a escada e entrou dentro de água.


O recorrente alicerça a pretensão de facto num raciocínio decorrente da experiência comum.


Ora, as regras da experiência não são meios de prova, mas antes raciocínios, juízos hipotéticos de conteúdo genérico, assentes na experiência comum, independentes dos casos individuais em que se alicerçam, com validade, muitas vezes, para além do caso a que respeitem, adquiridas, em parte, mediante observação do mundo exterior e da conduta humana.


Tais regras permitem que se extraia um facto desconhecido do facto conhecido, porque conforme à realidade reiterada, de verificação muito frequente e, por isso, verosímil.


Neste caso, como afirma o recorrido a fls 3 das contra-alegações, a experiência comum diz-nos que se o autor tivesse sentido o anel e o dedo presos ao parafuso, naturalmente, por instinto de defesa, não teria largado a escada para entrar dentro de água, acautelando a respetiva integridade física. O autor, perante tal cenário, reagiria rapidamente para não se ferir ou amputar o dedo (como sucedeu).


Portanto, as regras da experiência comum levam-nos a uma conclusão contrária à do recorrente.


E, mais, ouvida a prova produzida em audiência final, da globalidade das declarações (não depoimento como incorretamente denomina o recorrente) do autor, prestadas nos termos do art 466º do CPC, o que retiramos é uma descrição dos factos espontânea e impressiva, dada a conhecer de forma tranquila, calma, serena, clara, muito percetível, convincente.


A convicção deste tribunal de recurso, sobre a veracidade das declarações prestadas pelo autor, coincide com a manifestada pelo tribunal recorrido. Efetivamente, o autor não viu nem sentiu como decorre das respostas às questões que lhe foram colocadas, quando afirma, sem rodeios, que: desci as escadas, quando chego à altura da água, tiro os pés do degrau para descair para a água automaticamente sinto um choque muito grande, muitas dores na mão, sangue e vejo que tinha ficado sem o dedo … o dedo ficou preso num parafuso … eu não vi o parafuso … eu não senti que estava preso … se assim não fosse não me ia largar tão pouco …


Assim, considerando a prova produzida, sem dúvida, em nosso juízo, o facto provado sob o nº 14 está corretamente julgado e, por isso, mantém-se no probatório como facto provado.


Facto provado nº 16:


O facto provado nº 16 tem o seguinte teor: o autor, para entrar dentro de água, afastou os pés da escada ao mesmo tempo que a largou.


O tribunal a quo sustentou a prova do facto no depoimento da testemunha FF, pessoa que estava na praia com o autor e desceu as mesmas escadas à frente do autor. Ouvido o depoimento da testemunha, percebe-se que, a seguir ao próprio autor, esta testemunha é quem detém a razão de ciência mais direta sobre a dinâmica do acidente. Isto porque decidiram ir à água na companhia do filho da testemunha e da filha do autor. Desceram a escada onde ocorreu o acidente, relatando a testemunha primeiro desci eu, a seguir o meu filho, depois a filha do LL e por fim o LL. O LL foi o último a descer a escada. Já na água, fiquei virado para as escadas e o LL disse que estava sem um dedo. Eu não fiquei preso porque tinha a aliança na mão esquerda, quando desci não senti o parafuso provavelmente porque não passei a mão direita ali. A instâncias dos senhores mandatários, a testemunha declarou perentoriamente que: ele não escorregou na escada, desceu normalmente e entrou na água sem estrondo.


As declarações prestadas pelo autor, antes transcritas, vão ao encontro do depoimento da testemunha, relativamente à forma como o autor desceu as escadas e entrou na água.


Nestes termos, decide-se que a impugnação do recorrente não procede e o facto inscrito no nº 16 do probatório mantém-se como facto provado.


Facto provado nº 74:


O facto provado nº 74 tem o seguinte teor: a verificação dos degraus a que se refere o facto provado nº 73 não passou pela verificação, um a um, dos seus parafusos de fixação.


O tribunal a quo sustentou a prova do facto no depoimento da testemunha EE.


Defende o recorrente que os factos provados nº 73 e 74 são contraditórios, porque se a testemunha refere que abanou individualmente os degraus era porque os parafusos que os sustentavam também estavam sob teste, devendo pois o facto nº 74 ser subtraído dos factos provados.


Ora, da audição que fizemos do depoimento da testemunha EE, a mesma explicou a forma como, em maio de cada ano, é montada a escada na praia e como são presos os respetivos degraus, com parafuso cabeça de tremoço e com uma porca que enrosca por dentro … em maio verifica-se tudo, se a escada depois de colocada não abana, está firme, não se verifica parafuso a parafuso.


Em face do depoimento prestado por MM encarregado geral do pessoal não qualificado do Município recorrente, que acabamos de reproduzir, os factos nº 73 e 74 complementam-se e resultam textualmente do depoimento da testemunha.


Pelo que a impugnação do facto não procede, mantendo-se no elenco dos factos provados.


Facto provado nº 79:


O facto provado nº 79 tem o seguinte teor: O Réu deu instruções genéricas e verbais aos nadadores salvadores para, diariamente, de manhã, procederem a uma ronda pela praia para verificação do estado da praia, designadamente dos seus equipamentos, inspecionando-os visualmente e experimentando-os.


O tribunal a quo sustentou a prova do facto no depoimento da testemunha CC.


A testemunha foi o nadador salvador de serviço na praia fluvial no dia do acidente.


E disse em audiência final que o réu, pela pessoa da arquiteta JJ, lhe deu instruções genéricas e verbais para, diariamente, de manhã, verificar o estado da praia e dos equipamentos visualmente e abaná-los. Não tinha nenhuma checklist. Naquele dia verificou aquela concreta escada e olhou do cimo da escada para baixo, não a desceu, fez uma visualização genérica. Não testa os degraus da escada. Não tinha indicações concretas para testar os degraus e parafusos das escadas de acesso à água.


Também a testemunha JJ, citada pelo nadador salvador NN, confirmou que as instruções dadas aos nadadores salvadores eram verbais, no sentido de darem uma volta à praia todas as manhãs, para verificar a segurança e a higiene da praia.


Com estas provas, o tribunal a quo decidiu bem ao dar o facto nº 79 como provado.


Aditamento aos factos provados:


O recorrente pretende seja dado como provado o seguinte facto: o autor, recorrido, não prosseguiu, continuou tratamentos prescritos, nomeadamente quanto a danos estéticos.


O recorrente sustenta o facto nas declarações de parte, quando refere que disseram que não ia ficar perfeito.


Efetivamente o autor declarou que os médicos lhe disseram que não ia conseguir fechar a mão, nem ter sensibilidade no dedo, nova intervenção cirúrgica apenas podia contribuir para o dedo ficar menos volumoso, mas que não ia ficar perfeito. Em face disto, o autor não voltou a fazer intervenção cirúrgica ao dedo, porque não ia continuar a sofrer, as intervenções com anestesia local eram dolorosas, sentia tudo.


Note-se que o autor foi submetido à 5ª e última intervenção cirúrgica em 30.9.2013 (cfr facto provado nº 39) e, antes disso, a 30.5.2013, foi submetido a Junta Médica que o considerou portador de deficiência definitiva e lhe atribuiu uma incapacidade permanente global de 4% (cfr facto provado nº 50).


Ora, neste contexto, a alteração da matéria de facto que o recorrente pretende seja feita, com o aditamento do facto proposto como facto provado, é irrelevante para a decisão da causa. Assim sendo, porque a matéria de facto que se exige fixada e que pode justificar a alteração em sede de recurso é apenas a que releve para a decisão da causa e não qualquer outra que haja sido alegada pelas partes, se a mesma for irrelevante para a decisão a proferir, não há-de ser tomada em consideração pelo juiz em sede de 1.ª instância e tal omissão também não conduz a um erro decisório.


Termos em que se julga improcedente a pretensão do recorrente.


O recorrente pretende seja dado como provados os seguintes factos:


- O autor, recorrido, escorregou no momento em que descia a escada e ocorreu o acidente;


- o parafuso em causa era visível.


O recorrente sustenta estes factos no depoimento da testemunha BB.


Ouvido por nós o depoimento da testemunha adiantamos que as passagens que o recorrente transcreve estão descontextualizas.


Efetivamente, a testemunha em causa afirmou que estava na praia deitada e ouviu uma pessoa desesperada aos gritos. Levantou-se, indagou o que tinha acontecido e foi de imediato para a água procurar o dedo. Portanto, a testemunha não assistiu ao acidente, o que relata resulta do que falou com o LL, com a esposa deste, com outras pessoas depois de se ter dado o acidente. Disse então a testemunha que: eu entendi … deduzi … pelo que percebi …ele terá ficado com o dedo preso, terá escorregado … ele estava a sair da água … o parafuso era visível … depois de ser alertada … com a ressalva de que antes do acidente não sabe dizer se o parafuso era visível.


Este depoimento, indireto, contradiz as declarações do autor, bem como o depoimento da testemunha FF, ambos com razão de ciência direta.


Em suma, o depoimento reproduzido não legitima a pretensão do recorrente e, tendo este tribunal ad quem confirmado o acerto dos factos julgados provados nos nº 14 e 16 do probatório, logicamente não podem ser aditados os factos: O autor, recorrido, escorregou no momento em que descia a escada e ocorreu o acidente - o parafuso em causa era visível – à matéria de facto provada.


Por último, o recorrente pugna pelo aditamento do seguinte facto: se o parafuso, na ronda matinal efetuada pelo nadador salvador estivesse saído, teria por este sido visto e reparado ou feito reparar.


O meio de prova indicado para levar o facto aos factos provados é o depoimento da testemunha CC.


O facto que vem pedido seja aditado à matéria de facto provada carece de ser articulado com o facto provado sob o nº 83 (e também com os factos provados nos nº 81 e 82 para que o nº 83 remete) e com a motivação da respetiva prova.


Lê-se no facto provado nº 83 o seguinte: Na inspeção visual a que se refere o facto provado n.º 82 [realizada no dia do acidente (nº 81)], o nadador-salvador não testou os degraus da escada, nem a desceu, nem verificou especificamente e um a um os parafusos que fixam os degraus à escada.


A prova deste facto resultou do testemunho do próprio, CC, que, designadamente, declarou que a inspeção visual a que procedeu e que diariamente realizava era “genérica”, declarou que não via os parafusos um a um, declarou que, por isso mesmo, se porventura faltasse um parafuso, possivelmente poderia não reparar nisso; não sem


declarar, no entanto, que entende que com a inspeção visual “genérica” a que procedeu conseguiria detetar um parafuso tão saliente como aquele a que se refere o facto provado n.º 9, se o parafuso já naquele estado estivesse no momento da ronda, pois o mesmo “dava nas vistas”.


O julgamento da matéria de facto provada nos nº 81, 82, 83 não vem impugnado no recurso. Pelo que, estes factos provados são contrários ao que o recorrente pretende seja aditado e o meio de prova destes factos é precisamente o depoimento prestado pelo nadador salvador em funções na praia no dia do acidente, que o recorrente indica para sustentar a sua pretensão.


Sucede que a testemunha CC começou por dizer o que o recorrente transcreve na conclusão 16ª - «se tivesse o parafuso saído na ronda matinal, teria visto», mas ao longo da inquirição, a instâncias dos mandatários das partes e do juiz do processo, concretizou como no dia do acidente verificou aquela concreta escada onde se deu o sinistro. A testemunha disse que naquele dia fez a inspeção visual ao equipamento, observando a escada em causa de cima para baixo e abanou os corrimãos para testar a fixação da escada ao solo, não a desceu, não testou os degraus da escada, nem verificou um a um os parafusos que fixam os degraus à escada, nem tinha indicações concretas para testar os degraus e parafusos das escadas de acesso à água.


Portanto, o depoimento da testemunha não se limitou às afirmações veiculadas pelo recorrente, o mesmo foi mais vasto e preciso na descrição como foi efetuada a inspeção visual do nadador salvador ao equipamento no fatídico dia do acidente, como aliás se alcança da matéria de facto provada nos nº 81, 82 e 83 e da fundamentação da sentença recorrida.


Pelo que, mantendo-se a matéria de facto provada nos nº 81, 82 e 83 não pode proceder o aditamento requerido.


Facto não provado na al F)


O recorrente pretende seja dado como provado o facto julgado não provado na al F), com fundamento no depoimento da testemunha DD, porque entende que o testemunho foi claro, congruente, não contraditório, seguro, convincente e o tribunal recorrido desconsiderou-o completamente, apenas por a testemunha ter interesse na causa (face a responsabilidades que lhe fossem apontadas em direito de regresso e face à dependência hierárquica).


A al F) dos factos não provados tem a seguinte redação: Os serviços camarários procediam, mensalmente, a uma vistoria às condições de segurança e manutenção dos equipamentos da ....


O facto foi julgado não provado pelos seguintes motivos:


Apesar de a testemunha JJ, funcionária do Réu, ter afirmado que, durante a época balnear, procedia, munida de uma “checklist”, a duas vistorias mensais (uma em Julho e a outra em Agosto) depois da vistoria realizada antes da abertura da praia; e que pelo menos uma dessas vistorias subsequentes seria realizada na companhia de uma pessoa em representação do centro de saúde e do encarregado-geral de pessoal não qualificado, EE, este não confirmou a sua presença nem a realização senão da vistoria realizada antes do início da época balnear e nenhuma prova de presença de representante do centro de saúde em tais vistorias subsequentes, nem a referida checklist (apesar de a testemunha JJ ter referido tê-la guardada no serviço) foi oferecida aos autos.


Acresce que, mesmo que a vistoria do mês de agosto tenha sido realizada, a própria testemunha JJ não soube dizer se o foi antes do dia 17 de agosto de 2011, data do sinistro.


Quanto a este ponto da matéria de facto, o Tribunal não ficou convencido com a versão de uma única testemunha – que tem evidente interesse na causa (desde logo pelas responsabilidades que lhe poderiam, por hipótese, ser imputadas em eventual ação de regresso) e que depende funcional e (presume-se) financeiramente do Réu – não confirmada pela outra testemunha arrolada que o poderia confirmar, nem sustentada em prova documental (as checklists) que a própria afirmou estaria na posse do Réu.


O tribunal recorrido não atendeu ao depoimento da testemunha para prova deste facto. No entanto, o depoimento da arquiteta JJ, responsável pela praia fluvial do Município, foi considerado para prova dos factos nº 72, 75, 85.


O tribunal julgou o facto da al F) não provado porque o depoimento da testemunha JJ não foi convincente nesta matéria e não foi corroborado, nomeadamente, pelo testemunho do encarregado geral do pessoal não qualificado, EE, pessoa que a acompanhou somente na vistoria realizada antes do início da época balnear (cfr facto provado nº 75), nem por prova documental, apesar da testemunha se referir a checklist guardadas no serviço e a representação do centro de saúde, pelo menos, na vistoria de julho ou de agosto.


A decisão sob recurso não merece reparo nesta parte.


A testemunha aludiu a três vistorias à praia fluvial de ... no ano de 2011, realizadas em maio, julho e agosto, munida de uma checklist, em que em duas delas – a de maio e outra – se fazia acompanhar do encarregado geral do pessoal não qualificado e, na de julho ou agosto, por um representante do centro de saúde.


Porém, além da vistoria de maio, antes do início da época balnear, provada no facto 75, o encarregado geral afirmou ter acompanhado a arquiteta na vistoria antes da época balnear, depois disso só vai às praias quando é chamado … nós não vamos regularmente vistoriar … em maio verifica-se tudo.


As vistorias que a testemunha OO refere terem ocorrido em julho e agosto não estão documentadas, a própria não se lembrou se no dia do acidente a vistoria de agosto estava feita e as listas que disse existirem no ato das vistorias não foram oferecidas no processo.


Independentemente do interesse que a testemunha OO possa ter na causa, certo é que, ouvido o depoimento da testemunha por este tribunal de recurso, não podemos deixar de assinalar que a testemunha, enquanto técnica do Município que efetuou em 2011 as vistorias que disse ter feito, descreveu a vistoria de maio, antes da abertura da praia ao público, de modo detalhado e como uma verificação de fundo efetuada pela Câmara Municipal, quanto às realizadas nos meses de julho e de agosto denominou-as como «rotineiras», mas sem conseguir precisar em que consistiram. A lista que disse ter preenchido em cada vistoria, sobre o estado dos materiais e o que era necessário reparar/ substituir não foi mencionada por qualquer outra testemunha nem foi junta ao processo.


Pelo que resulta apurado, a versão desta testemunha sobre as vistorias realizadas pelo Município às condições de segurança e manutenção da praia em julho e em agosto de 2011, não confirmada pela testemunha EE, nem sustentada por prova documental, não é convincente para se dar a matéria de facto da al F) como provada.


Aqui chegados, cumpre concluir pela improcedência do erro de julgamento imputado à decisão sobre a matéria de facto com relevo para a solução do litígio.


Erro de julgamento de direito quanto à verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual culpa/ ilicitude.


O recorrente discorda da verificação do pressuposto da culpa / ilicitude, porque considera que os factos dados por provados, em 72., 73., 75., 76. 77., 79. (com a alteração solicitada, sobre o carácter genérico das instruções), são suficientes para demonstrar o cumprimento dos, adequados, razoáveis, deveres de zelo e vigilância, não concordando pois que os factos provados não excluam a culpa do réu.


Vejamos se lhe assiste razão, se os factos provados sob os nº 72, 73, 75, 76 e 77 demonstram o cumprimento pelo município dos deveres de zelo e vigilância no caso.


O regime da responsabilidade extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas, à data da ocorrência dos factos dos presentes autos, em 17.8.2011, encontrava-se regulado pela Lei nº 67/2007, de 31/12, com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 31/2008, de 17/7, que previa e continua a prever (por ser o regime ainda em vigor) a responsabilidade administrativa por danos decorrentes do exercício da função administrativa a diferentes títulos, entre eles por facto ilícito e culposo, na qual se integra a responsabilidade por violação dos deveres de vigilância que incumbem à Administração, presumindo-se a sua culpa (cfr art 7º, nº 1 da Lei nº 67/2007 e artigos 483º e seguintes do Código Civil).


Considerando o pedido formulado pelo autor, ora recorrido, e a causa de pedir que o sustenta, verifica-se que imputa responsabilidade por culpa in vigilando ao Município recorrente.


A responsabilidade decorrente da culpa in vigilando corresponde a uma responsabilidade delitual/ aquiliana, tendo, igualmente, de se verificar todos os requisitos dessa responsabilidade - facto, ilicitude, imputação do facto ao lesante, existência de danos e de um nexo de causalidade entre o facto e o dano - mas com particularidade de existir uma presunção juris tantum da culpa, cabendo à entidade pública o ónus de a ilidir.


O tribunal julgou verificados todos os pressupostos da obrigação de indemnizar em virtude da existência de um parafuso saliente no corrimão das escadas de acesso à água da praia fluvial de ... (factos provados sob os nº 8 a 21).


Em particular, quanto aos pressupostos da ilicitude e da culpa questionados no recurso, o tribunal decidiu que cabia ao réu, ora recorrente, o ónus de provar o cumprimento das obrigações de vigilância a que se encontrava obrigado, assim como o de provar a não censurabilidade, a título de culpa, do seu eventual incumprimento, ou a irrelevância do comportamento lícito alternativo. Alternativamente, cabia-lhe provar a culpa do lesado alegada.


Contudo, o tribunal a quo, ao contrário do que apela o recorrente, julgou a conduta do réu, provada nos factos nº 72 a 74, nº 75 a 78, nº 79, nº 80 a 83, insuficiente para o cumprimento dos deveres que sobre o réu impendiam, tanto assim que o parafuso surgiu saliente 1,5cm, num local das escadas onde é suposto que os utilizadores se segurem para poderem aceder à água.


A conduta do réu não foi a suficiente porque, fundamenta o tribunal, em primeiro lugar, entendendo o Réu como justificada às circunstâncias (à natureza dos equipamentos, aos riscos associados à sua utilização e à intensidade do uso da praia) a realização de vistorias mensais, não comprovou tê-las realizado.


Em segundo lugar, porque é de presumir, de acordo com o senso e as regras de experiência comum, que o desenroscar espontâneo de um parafuso será um processo lento, e, por isso, que o parafuso que vitimou o Autor não chegaria àquele estado (saliente 1,5 cm) no próprio dia, sendo necessários pelo menos dias até chegar àquele estado.


Em terceiro lugar, porque, considerando a natural lentidão do processo, acabada de referir, é igualmente de presumir, à luz das regras de experiência comum, que o desaperto do parafuso teria sido notado nas sucessivas rondas diárias que o Réu instruiu os nadadores salvadores a realizar, se a escada tivesse sido, não só observada, como experimentada, tal como o Réu determinou aos nadadores salvadores – cfr. o facto provado n.º 79.


O tribunal decidiu assim que a falta de vistorias mensais às condições de segurança e manutenção dos equipamentos da ... e os termos em que os nadadores efetuaram as rondas diárias à praia, sem experimentar as escadas de acesso à água, indiciam o incumprimento dos deveres de vigilância e cuidado face ao incumprimento do ónus da prova a cargo do réu.


A decisão está correta.


Na verdade, a presença de nadadores salvadores na praia fluvial durante o período balnear e a vistoria municipal realizada em maio de 2011 às condições de segurança da mesma praia são procedimentos que demonstram o zelo pela segurança dos utilizadores da Praia Fluvial.


Mas, a existência numa das escadas de acesso à água, ao nível do segundo degrau a contar na perspetiva de quem desce (quarto degrau, quando contado de baixo para cima) de um parafuso parcialmente desapertado, com cerca de 1,5 centímetro para fora, revela que a segurança dos frequentadores dos locais destinados à prática de banhos reclama um especial cuidado e vigilância por parte das entidades responsáveis por essa vigilância.


Os municípios têm a responsabilidade de assegurar a fruição segura das praias fluviais, incluindo a promoção e manutenção de infraestruturas e a coordenação com as entidades competentes para a implementação de dispositivos de segurança e assistência a banhistas.


Ou seja, neste caso, a vigilância e segurança da praia fluvial exigia do município recorrente mais e mais rigorosos testes à fixação dos degraus das escadas que dão acesso à água de modo a que fossem também verificados os parafusos de fixação dos degraus. O muito uso diário das escadas e o respetivo balancear, nos meses de julho e de agosto, clamam inspeções/ vistorias rotineiras e mais profundas durante a época balnear e o município não cuidou de as fazer.


Como refere o recorrido, o desenroscar de um parafuso «cabeça de tremoço», como eram os das escadas de acesso à água da ..., não acontece instantaneamente, de imediato, de forma espontânea até porque se provou o uso adequado das escadas pelo autor, que, no momento em que tirou os pés da escada para entrar para dentro de água, tinha os pés no degrau abaixo daquele cujo parafuso se soltou e o estado do parafuso, com cerca de 1,5cm para fora, não foi causado por impulso dado pelo autor, no momento do acidente, para entrada na água (cfr factos provados nº 22 e 23).


O parafuso que originou o acidente estava parcialmente desapertado, com cerca de 1,5cm para fora do corrimão por onde o autor foi colocando a mão direita para descer até à água, em resultado de um processo lento que vai expulsando o parafuso do orifício, sempre pela cedência circular e lenta das estrias do mesmo parafuso.


Mas provou-se que, desde a recolocação das escadas, em maio de 2011, até se dar o acidente no dia 17.8.2011, em nenhum momento os serviços do réu verificaram, um a um, os parafusos de fixação dos degraus da escada. Não procederam a tal inspeção na vistoria camarária de maio de 2011 (facto provado nº 74), nem nas inspeções visuais efetuadas pelos nadadores salvadores até ao dia do acidente (factos provados nº 80 a 84). Os serviços do réu não levaram a cabo outras vistorias, mensais ou de outra ordem temporal, às condições de segurança e de manutenção dos equipamentos da ... nomeadamente, à escada onde teve lugar o acidente. O que resulta demonstrado, no facto provado nº 80, é tão só a missão deixada a cargo dos nadadores salvadores de serviço, de durante a época balnear, procederem a uma ronda, diária, pela manhã, para verificação do estado da praia fluvial e dos seus equipamentos. No entanto, as rondas realizadas pelos nadadores salvadores até ao momento do acidente, porque omissas quanto à experimentação da escada e respetivos degraus, não detetaram o desaperto do parafuso.


Em conclusão, os factos provados no processo, não apenas os factos provados sob os nº 72, 73, 75, 76 e 77, demonstram que o município não observou o dever geral de cuidado que sobre ele impendia, vigiando e mantendo as condições de segurança dos frequentadores da praia fluvial de Aldeia Ruiva, para evitar lesões na integridade física dos veraneantes. Encontram-se, por isso, preenchidos os requisitos da ilicitude e da culpa da responsabilidade civil.


Pelo que improcede este erro de julgamento imputado à sentença recorrida.


Erro de julgamento de direito na fixação do quantum indemnizatório.


O recorrente entende ser excessivo o montante indemnizatório global que foi condenado a pagar ao recorrido, por não corresponder, em termos equitativos, à justa compensação pelos danos efetivamente sofridos, tendo o tribunal a quo recorrido a critérios ou raciocínios incorretos, desajustados ou duplamente considerados.


Pede que sejam reavaliados, por serem excessivos, os montantes parcelares indemnizatórios, nomeadamente relativos a danos futuros e não patrimoniais.


Mas limita-se a dizer o seguinte:


8ª. … a sentença recorrida, para aferir da justa indemnização, socorre-se de um único raciocínio, ou fórmula de cálculo, que aliás é a que debita montante mais elevado, devendo a sentença ser revogada e serem alterados os montantes indemnizatórios, parcelares e global, o que se requer a Vossas Excelências.


9.ª A sentença recorrida procede ao computo indemnizatório por exclusivo recurso a uma média citada num douto acórdão do STJ e desconsidera quaisquer outros critérios, discordando o recorrente – com todo o devido respeito – que uma média possa ser considerada critério para a justiça do caso concreto, mas nem sequer equaciona que este possa ser exclusivo, mas, na douta sentença recorrida, é.


10.ª A parcial amputação de um dedo, que não implicou qualquer desvalorização profissional, nem redução de vencimento, mantendo o lesado toda a sua autonomia, não poderá, em termos de justiça equitativa, dar azo a tão elevada indemnização, aliás sendo desproporcionada atendendo às médias consideradas para efeitos do direito à vida, tratando-se, com todo o respeito, da cabeça de um dedo, o anelar.


Da leitura conjunta da sentença e das conclusões que acabamos de reproduzir (as quais são uma cópia ipsis verbis da alegação de recurso (cfr fls 6)) percebe-se que os valores questionados pelo recorrente são apenas os atribuídos pela incapacidade parcial permanente e definitiva, de € 14.868,84, e (quando muito) pelas dores, angústia, sofrimento e desgosto, de € 34.000,00.


No entanto, o recorrente também foi condenado no pagamento ao autor, a título de indemnização pela perda de rendimentos de trabalho durante os anos de 2011, 2012 e 2013, do valor de € 4.062,63 e do que a este venha a ser ou tenha sido exigido pelo Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, E.P.E.; bem como no pagamento ao Instituto da Segurança Social, I.P. da quantia de € 6.696,17 (€ 6.727,33 + € 241,84). Nem nas alegações, nem nas conclusões do recurso o recorrente põe em causa estes montantes indemnizatórios, os quais se consideram decididos e transitados em julgado.


Os valores questionados pelo recorrente, atribuídos pela incapacidade parcial permanente e definitiva, de € 14.868,84 e pelas dores, angústia, sofrimento e desgosto, de € 34.000,00 foram fixados pelo tribunal recorrido com recurso à equidade, de acordo com a faculdade proporcionada pelos arts 566º, nº 3 e 496º, nº 1 e 4 do CC.


Dano biológico


Assim a questão de direito que cabe aferir é se o juízo equitativo, enquanto elemento legal auxiliar ou exclusivo para a fixação do montante quantitativo de danos indemnizados-compensados, se encontra alinhado com os princípios da igualdade e da razoabilidade e, nessa medida, conduziu a uma decisão equilibrada, sem arbitrariedade, de acordo com a aplicação dos critérios jurisprudenciais generalizadamente adotados em situações análogas ou equiparáveis, tendo em vista a «interpretação e aplicação uniformes do direito» impostas pelo art 8º, nº 3 do CC.


A sentença recorrida segmentou os danos a indemnizar, por um lado, arbitrou uma indemnização para reparar o «dano biológico», por outro lado, arbitrou uma indemnização para compensar o «dano não patrimonial» decorrente das dores, angústia, sofrimento, desgosto.


Quanto ao «dano biológico», fê-lo nos seguintes termos:


Está em causa o que se usa denominar por “dano biológico”, …, de que … resulta, em termos de normalidade, uma diminuição de condição física que se traduzirá numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das atividades pessoais em geral e numa consequente e igualmente previsível maior penosidade na execução das diversas tarefas que normalmente se lhe depararão no futuro, além da situação de desigualdade em relação aos demais cidadãos, face à incapacidade parcial permanente futura e definitiva, na proporção de 4% de que o autor/ recorrido passou a sofrer.


… os factos provados nos nº 46 a 51, e 58 revelam-nos, por um lado, que, o Autor é destro; que por força do acidente, ficou sem sensibilidade e perdeu o tato no quarto dedo da mão direita e deixou de conseguir fechar a mão direita completamente, o que lhe dificulta o movimento preênsil de objetos pequenos como, por ex., moedas; que por junta médica lhe foi reconhecida incapacidade permanente global de 4 %, nos termos da alínea b) [«Perda de mais de 50 % da 3.ª falange»] do número 8.5.4. [«perdas do anelar»] do capítulo I da Tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho ou doenças profissionais, aprovada como


anexo I ao Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro.


Revelam-nos, por outro lado, que o A. era, e é, motorista profissional de transportes de passageiros, como empregado da sociedade "PPPP"; que após a lesão, o Autor não ficou impossibilitado de conduzir; que, contudo, em virtude da perda de sensibilidade e da perda de capacidade de execução do movimento preênsil de objetos pequenos com a mão direita, o Autor passou a ter dificuldade em manusear a caixa da cobrança (pelo motorista) de bilhetes, dos autocarros que até aí conduzia, para recolhimento do preço do bilhete e realização de trocos, pelo que o seu empregador o retirou das funções de motorista, tendo-lhe atribuído outras funções na gestão da gare; que, em virtude da referida perda de sensibilidade, o Autor sofre frequentemente queimaduras de que só dá conta quando lhe começa a cheirar a pele queimada.


Assim, apesar de o Autor não ter visto, à data do encerramento da discussão da causa, reduzida a remuneração base que até ao acidente auferia, a incapacidade permanente com que ficou, fruto do referido impacto negativo da lesão sofrida sobre o tato e o movimento preênsil, são idóneas a reduzir as suas oportunidades de ser admitido a prestar o mesmo tipo de trabalho que até ao acidente realizava [motorista cobrador de bilhética], como bem revela o facto de ter sido afastado dessas funções pelo seu atual empregador.


Assim, porque tal representa uma redução plausível e relevante do leque de tarefas que o Autor pode profissionalmente exercer, e, assim, da sua versatilidade laboral, com reflexos na capacidade de conseguir trabalho, e tal tem expressão patrimonial, configura-se como dano patrimonial futuro indemnizável.


No sentido defendido se inclina, além da jurisprudência acima citada [acórdão do STJ de 12.1.2021, processo nº 2787/15], o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido, no dia 03-11-2016, no processo n.º 1971/12.0...: …


Por outro lado, a perda funcional decorrente da perda de sensibilidade e das dificuldades motoras, afeta o dia-a-dia do Autor, refletindo-se designadamente, em queimaduras frequentes e em maior dificuldade de execução das mais diversas tarefas - a começar no simples agarrar de objetos.


Há ainda de levar em consideração que, considerando a idade do Autor à data do acidente [42 anos de idade – cfr. o facto provado nº 70] e a idade da reforma, atualmente fixada em 66 anos e 7 meses em 2022 [cfr. o artigo 1.º da Portaria n.º 53/2021, de 10 de março], restarão ao Autor, presumivelmente, 24,17 anos de vida ativa, o que releva para a diminuição de oportunidades de trabalho; por outro lado, que o valor da esperança média de vida aos 42 anos de idade para o período 2011-2013 é estimado pelo INE, para uma pessoa do sexo masculino residente em Portugal, em 36,37 anos - cfr. o facto provado n.º 71 -, o que releva para o impacto da incapacidade na vida pessoal do Autor..


(…). Uma primeira aproximação ao valor da indemnização devida pode ser tentada pela aplicação dos critérios previstos Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio [para a determinação de valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel de proposta razoável para indemnização do dano corporal], na redação que lhe foi dada pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho, que não é vinculativo para os Tribunais nem se sobrepõe aos critérios legais de determinação a indemnização [designadamente artigos 566.º, n.º 3, e 496.º, n.º 4, do Código Civil]. Considerando o disposto no artigo 8.º e no anexo IV desta portaria, a indemnização devida ao Autor aproxima-se dos € 825,93 previstos para uma incapacidade permanente de cinco pontos percentuais aos quarenta e um anos de idade. Trata-se de um valor demasiado baixo, que não compensa de modo minimamente razoável a incapacidade.


A valor radicalmente distinto [€ 14.976,65] se chega pela fórmula de cálculo proposta pelo Autor, que apura os anos de vida ativa partindo da idade do mesmo à data do acidente [42 anos] e à idade legal de reforma [66 anos e 7 meses], …, e multiplica-os por 4% (equivalentes ao grau da incapacidade) dos rendimentos de trabalho de 2010 (ano anterior ao do acidente - €: 15.488,37) o que dá o valor indemnizatório pedido de €: 14.976,65.


Uma terceira aproximação ao valor da compensação devida pode ser tentada através da consideração de precedentes jurisprudenciais.


(…). Este Tribunal entende que a fixação do montante da indemnização devida por dano biológico traduzido em défice de capacidade funcional permanente deve, em casos como o presente, partir de um valor encontrado objetivamente com base em três fatores fundamentais:


a) O número de anos que o lesado terá, presumivelmente, de viver com a incapacidade.


b) O grau de incapacidade com que o lesado terá de viver.


c) Um valor de compensação unitário (por cada ano de vida que o lesado terá, presumivelmente, de viver com cada grau de incapacidade), considerando as indemnizações conferidas em casos análogos).


(…) Seguindo este método, sistematizámos na tabela que se segue dados sobre a idade do lesado à data da lesão, grau de incapacidade e valor da indemnização ministrada, nos litígios sobre que se debruçaram o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido, no dia 14-07-2021, no processo n.º 454/19.1..., o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido, no dia 12-01-2021, no processo n.º 2787/15.7..., já referidos, e os citados por este. A última coluna da tabela que se segue indica o valor de indemnização arbitrado por cada ano de vida com cada grau de incapacidade.
Tribunal
      n.º de anos de vida

      com incapacidade

      (considerando uma

      Esperança de vida

      de 80 anos)

      indemnização por

      ano de vida com

      incapacidade

      idade grau indemnização

valor unitário
      (indemnização por ano de vida

      com cada grau de

incapacidade)

[E ÷ B = F]

Supremo Tribunal de Justiça
      1364/06.8...
406
      25 000,00
40
      625,00
      104,17
Supremo Tribunal de Justiça
      730/11.1...
232
      6 500,00
57
      114,04
      57,02
Supremo Tribunal de Justiça
      5968/13.4...
213
      20 000,00
59
      338,98
      112,99
Supremo Tribunal de Justiça
      1043/12.7...
357
      10 000,00
45
      222,22
      31,75
Supremo Tribunal de Justiça
      1343/13.9...
565
      10 000,00
24
      416,67
      83,33
Supremo Tribunal de Justiça
      307/04.8...
428
      15 000,00
38
      394,74
      49,34
Supremo Tribunal de Justiça
      211/10.0...
568
      30 000,00
24
      1 250,00
      156,25
Supremo Tribunal de Justiça
      559/10.4...
312
      20 000,00
49
      408,16
      204,08
Supremo Tribunal de Justiça
      3901/10.4...
103
      10 000,00
70
      142,86
      47,62
Supremo Tribunal de Justiça
      67/12.9...
257
      35 000,00
55
      636,36
      90,91
Supremo Tribunal de Justiça
      952/12.8...
443
      14 000,00
36
      388,89
      129,63
Supremo Tribunal de Justiça
      125/14.5...
473
      30 000,00
33
      909,09
      303,03
Supremo Tribunal de Justiça
      243/08.9...
245
      30 000,00
56
      535,71
      107,14
Supremo Tribunal de Justiça
      2787/15.7...
253
      40 000,00
55
      727,27
      242,42
Relação do Porto
      454/19.1...
22
      7 500,00
78
      96,15
      48,08
Os valores unitários constantes da última coluna da tabela - muito díspares, como se vê - resumem-se numa mediana de € 104,17 e numa média de € 117,85 de indemnização arbitrada, no conjunto de processos, por cada ano que os respetivos lesados tiveram de viver com cada grau de incapacidade que lhes foi reconhecido [considerando, por simplificação, uma esperança média de vida de 80 anos].


Chegamos, assim, a um valor unitário a rondar os € 110,00.


Considerando este valor unitário, a idade do Autor à data do acidente, a sua esperança de vida nessa mesma data [consideramos a esperança de vida e não a idade de reforma, dado que a incapacidade não tem impacto apenas na capacidade laboral mas em qualquer atividade manual] e o grau de incapacidade que lhe foi reconhecido, obtemos o valor de € 16.002,80. …


Este é um valor que temos como justa compensação pelo dano e que não carece de correção em função do rendimento deste por causa do impacto das sequelas na sua versatilidade laboral. O Autor pede, contudo, menos que este valor, não podendo o Tribunal condenar para além do peticionado.


Nestes termos, o Tribunal condena o Réu a pagar ao Autor, a título de indemnização pela incapacidade parcial permanente e definitiva de que o Autor passou a sofrer em consequência do acidente, o valor de € 14.868,84 (catorze mil, oitocentos e sessenta e oito euros, oitenta e quatro cêntimos) ][negritos nossos].


O tribunal recorrido apurou o valor do dano biológico traduzido em défice de capacidade funcional permanente a partir da idade do autor na data do acidente (42 anos), o grau de incapacidade que lhe resultou (4%), um valor de compensação por cada ano de vida que o autor terá de viver com incapacidade (36,37) apurado tendo em conta as indemnizações conferidas em casos análogos pela jurisprudência dos tribunais superiores que cita.


A obrigação de indemnização, enquanto sanção do preenchimento dos requisitos da responsabilidade civil extracontratual, prescrita no art 7º, nº 1 da Lei nº 67/2007 e no art 483º, nº 1 do CC, «deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação» (art 562º do CC).


A indemnização tem por escopo reconstituir a situação hipotética que existiria não fora a lesão sofrida, no caso sub judice a lesão resultante do acidente na praia fluvial, causa de consequências irreversíveis para o lesado recorrido. Não sendo isso possível ou quando a reconstituição natural não repare integralmente os danos, ou seja excessivamente onerosa para o devedor, deve a indemnização ser fixada em dinheiro, tal como prescreve o art 566º, nº 1 do CC.


Como salvaguarda da fixação do dano de cálculo (o valor, expresso numa soma de dinheiro, do prejuízo efetivamente sofrido pelo lesado), não sendo possível averiguar esse valor exato, o tribunal julgará segundo a equidade e dentro dos limites considerados provados – art 566º, nº 3 do CC. Esta salvaguarda é premente no caso dos danos patrimoniais futuros, campo por excelência da suscetibilidade de indemnização dos «lucros cessantes» ou «frustrados» previstos no art 564º, nº 1, 2ª parte, do CC, isto é, os benefícios que o lesado deixa de obter por causa do facto ilícito, mas a que não tinha direito à data da lesão.


De acordo com a síntese feita pelo acórdão do STJ de 19.6.2019, proferido no processo nº 22392/16, com recurso ao elenco acórdãos relevantes, a atribuição de indemnização por perda de capacidade de ganho/dano biológico patrimonial, segundo um juízo equitativo, tem-se baseado em função dos seguintes fatores principais: a idade do lesado; o seu grau de incapacidade geral permanente; as suas potencialidades de aumento de ganho, antes da lesão, tanto na profissão habitual, ou previsível profissão habitual, como em profissão ou atividade económica alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações; a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da atividade profissional habitual do lesado, ou da previsível atividade profissional habitual do lesado, assim como de atividades profissionais ou económicas alternativas, tendo em consideração as qualificações e competências do lesado.


O que significa que a equidade desempenha um papel corretor e de adequação do montante indemnizatório às circunstâncias específicas e à justiça do caso concreto (e, assim, complementar ou auxiliar), permitindo que esse papel se cruze com a ponderação da gravidade objetiva e subjetiva dos prejuízos sofridos, das circunstâncias específicas do caso concreto.


A indemnização para reparação da perda da capacidade futura de ganho deve apresentar como conteúdo pecuniário, um capital produtor do rendimento que o lesado deixará de perceber em razão da perda da capacidade aquisitiva futura e que se extingue no termo do período de vida, atendendo-se, para o efeito, à esperança média de vida do lesado, sem deixar de considerar a natural evolução dos salários (cfr Acs do STJ de 21.1.2021, processo nº 6705/14 e de 19.9.2019, processo nº 2706/17).


Neste enquadramento, julgamos que a decisão recorrida, através de critérios objetivos, considerando as indemnizações conferidas em casos análogos e ainda os concretos contornos do caso, fixou a justa reparação da privação de futuras oportunidades profissionais e a redução, por força das sequelas do sinistro, do aproveitamento futuro da capacidade de trabalho do autor/ recorrido.


O autor à data do sinistro tinha 42 anos de idade, era motorista profissional de transportes de passageiros na empresa PPPP, com as funções ainda de cobrador de bilhética, devido à incapacidade permanente global que lhe resultou do acidente, de 4%, designadamente, perdeu o tato e o movimento preênsil de objetos pequenos com a mão direita, deixou de conseguir manusear a caixa de cobrança de bilhetes e de realizar trocos, pelo que foi retirado das funções de motorista, tendo-lhe sido atribuídas outras funções pelo empregador. Apesar de o autor não ter visto, à data do encerramento da discussão da causa, reduzida a remuneração base que até ao acidente auferia (cfr factos provados nº 51 a 54), a incapacidade permanente com que ficou, fruto da lesão sofrida com o sinistro, são idóneas a reduzir as suas oportunidades de ser admitido a prestar o mesmo tipo de trabalho que até ao acidente realizava [motorista cobrador de bilhética] e assim da sua versatilidade laboral.


Na verdade, a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediata e totalmente refletida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado, como sucede na situação do autor – constitui uma verdadeira «capitis deminuitio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades [de] exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável – e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição – erigindo-se, deste modo, em fonte atual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais.


E, nesta perspetiva, deverá aditar-se ao lucro cessante, decorrente da previsível perda de remunerações, calculada estritamente em função do grau de incapacidade permanente fixado, uma quantia que constitua justa compensação do referido dano biológico, consubstanciado na privação de futuras oportunidades profissionais, precludidas irremediavelmente pela capitis deminuitio de que passou a padecer (…), bem como pelo esforço acrescido que o já relevante grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional [cfr ac do STJ de 10.11.2016, processo nº 175/05).


Desta forma, considera-se que a equidade, assistida pelos critérios que são de mobilizar neste dano específico, implica que a compensação justa e adequada do dano biológico ascenda ao montante arbitrado pelo tribunal recorrido, no valor de € 14.868,84.


Danos não patrimoniais: dores, angústia, sofrimento e desgosto


Quanto aos «danos não patrimoniais, autonomizados do «dano biológico» pela sentença recorrida, pelas dores, angústia, sofrimento e desgosto sofridos pelo autor em consequência do acidente, fundamentou o tribunal:


Resulta dos factos provados que, além do evento, já de si traumático e aflitivo que viveu - o Autor viu-se com um dedo totalmente descarnado - para tratamento da lesão sofrida o Autor foi submetido a cinco intervenções cirúrgicas, envolvendo as duas primeiras, não só a zona lesionada mas também, por impossibilidade de reimplantação do tecido que lhe foi arrancado, a zona do seu abdómen, donde foi transplantado o tecido necessário para recobrir o seu dedo.


A primeira dessas cirurgias implicou que o Autor estivesse com o dedo ligado ao abdómen durante vinte e quatro dias [cfr. o facto provado n.º 34], com as inerentes limitações de mobilidade, o que o Tribunal considera ter penosidade relevante.


O dedo deixou de ter o aspeto natural que tinha, tendo ficado sem unha, com pelos, diferente volume e pigmentação.


Da lesão sofrida resultou, afinal, também cicatriz no seu abdómen, e o Autor não só experimentou angústia pela sujeição às várias cirurgias e incerteza acerca do estado em que ficaria o seu dedo, como vive, hoje, desgostoso pelo estado (estético e funcional) em que ficou quarto dedo da sua mão direita, assim como pela cicatriz que lhe ficou no abdómen [cfr. os factos provados nº 66 a 69].


Quanto às dores sofridas pelo Autor como consequência do acidente resulta dos factos provados nº 59 a 65, que o Autor sofreu dores lancinantes desde por volta das 17:00 do dia 17/08/2011 até, pelo menos, por volta das 18:00 desse mesmo dia, quando foi internado no Hospital; que continuou a sofrer dor na mão direita, embora já atenuada pela medicação que lhe foi ministrada, até à primeira cirurgia, realizada no dia seguinte; que as duas primeiras cirurgias foram realizadas com anestesia geral e as restantes com anestesia local, não tendo o Autor sentido dor durante a execução de nenhuma delas; que entre a primeira cirurgia e a segunda cirurgia, ocorrida em 12/09/2011, e durante o recobro da segunda cirurgia, o Autor sofreu dor na mão direita e no abdómen, embora atenuada pela medicação que lhe foi ministrada; que após ter alta, no dia 13/09/2011, na sequência da segunda cirurgia e até à retirada dos pontos (em data não concretamente apurada, mas antes do dia 20/01/2012, data da terceira cirurgia), em virtude da medicação tomada, o Autor apenas sentiu dor com a execução de determinados movimentos corporais ou contacto com as partes do corpo doridas (mão e abdómen); que quando foram retirados os pontos colocados na segunda cirurgia, o Autor já não sentia dores na mão nem no abdómen.


Pela intensa dor sofrida pelo Autor no momento da amputação e até à sua medicação em ambiente hospitalar, durante cerca de uma hora, o Tribunal julga equitativa compensação pecuniária no montante de nove mil euros [€ 9.000,00].


Pelas dores sofridas nas duas fases pós-operatórias, menos intensas mas repetidas e mais prolongadas no tempo, o Tribunal julga equitativa compensação pecuniária no montante de cinco mil euros [€ 5.000,00].


Pelos vinte e quatro dias em que o Autor esteve com a mão ligada ao abdómen, o Tribunal julga equitativa compensação pecuniária no montante de seis mil euros [€ 6.000,00].


Pelos danos estéticos no dedo e no abdómen, o Tribunal julga equitativa compensação pecuniária no montante de cinco mil euros [€ 5.000,00].


Pela aflição, angústia e incerteza vividas, pela necessidade de sujeição às várias cirurgias e pelo desgosto pelos danos estético e funcional, o Tribunal julga equitativa compensação pecuniária no montante de nove mil euros [€ 9.000,00].


Nestes termos, condena-se o Réu a pagar ao Autor € 34.000,00 pelas dores, angústia, sofrimentos e desgosto sofridos por este em consequência do acidente [negritos nossos].


A decisão recorrida referiu os factos provados relevantes para fixar a indemnização devida pelas dores, angústia, sofrimentos e desgosto que o autor padeceu em resultado de ter sido vítima do acidente na praia fluvial.


A saber:


– a imediata amputação da falange distal do quarto dedo da mão direita (anelar), avulsão do tendão flexor profundo, avulsão parcial do aparelho extensor, dedo totalmente descarnado (desluvamento),


– transporte de urgência para o Hospital de Castelo Branco e transferência para o Centro Hospitalar de Coimbra,


– operação de urgência no dia 18.8.2011, seguida de mais 4 operações (em 12.9.2011, 20.1.2012, 15.10.2012, 30.9.2013,


– internamentos a 17.8.2011 e a 8.9.2011, num total de 12 dias,


– retalho abdominal tipo Colson para cobertura cutânea do dedo,


– teve o dedo ligado ao abdómen durante 24 dias,


– o dedo recuperado ficou sem unha, com pelos, diferente volume e pigmentação,


– ficou sem sensibilidade e perdeu o tato no 4 dedo da mão direita,


– corta-se e queima-se frequentemente,


– deixou de conseguir fechar a mão direita completamente, o que lhe dificulta o movimento preênsil de objetos pequenos,


– sofreu dores lancinantes desde o momento do acidente até, pelo menos, à sua admissão no Hospital de Castelo Branco,


- durante o internamento Hospitalar e até à primeira cirurgia, o autor continuou a sofrer dor na mão direita, embora atenuada pela medicação que lhe foi ministrada,


- entre as duas primeiras cirurgias e durante o recobro da segunda cirurgia, o autor sofreu dor na mão direita e no abdómen, embora atenuada pela medicação que lhe foi ministrada,


– após ter alta na sequência da segunda cirurgia e até à retirada dos pontos, o autor esteve medicado para as dores, com medicação de toma regular e com prescrição de medicamentos para toma em S.O.S., nos momentos em que a dor fosse mais intensa,


– após ter alta na sequência da segunda cirurgia e até à retirada dos pontos, em virtude da medicação tomada, o autor apenas sentiu dor com a execução de determinados movimentos corporais ou contacto com as partes do corpo doridas,


- até serem retirados os pontos colocados na segunda cirurgia, o autor esteve angustiado pela incerteza acerca do estado em que ficaria o seu dedo,


– vive com desgosto pelo estado em que ficou o quarto dedo da sua mão direita,


- ficou com cicatriz no abdómen, na zona que foi retalhada para transplantar a respetiva pele para o dedo acidentado,


– vive com desgosto pela cicatriz que lhe ficou no abdómen.


Tendo em conta os parâmetros de cognição exigíveis, nomeadamente em casos de consequências resultantes de acidentes de viação, devemos averiguar da bitola usada pela sentença recorrida e aferir da bondade do cumprimento dos limites para a fixação em concreto, particularmente verificando a idade do lesado à data do sinistro, a natureza e extensão das lesões sofridas, as sequelas físicas e psíquicas das mesmas decorrentes, os períodos de internamento e de recuperação, a repercussão das lesões na qualidade de vida do lesado e o défice de integridade físico-psíquica fixado.


Cumpre, neste sentido, num breve apontamento, destacar os seguintes Acs. do STJ de:


(i) 28/11/2017, processo nº 127/14: indemnização de € 10.000; lesado com 54 anos, já aposentado; apresenta um quantum doloris de grau 3 numa escala de 1 a 7; persistência e agravamento das dores na cervical com mudanças de tempo e com esforços, com afetação da qualidade de sono e humor;


(ii) 8/3/2018, processo nº 428/09: indemnização de € 9.500; lesada (entre outras) com lesões graves na coluna; internada em hospital e sujeita à realização de exame e análises; sofreu dores e ansiedade, temendo pela sua vida; sofre de sequelas permanentes, ficando a padecer ao nível do ráquis de mobilização dolorosa da coluna lombar;


(iii) 14/3/2023, processo nº 11575/18: indemnização de € 8.000,00; lesado com 32 anos; passou a sofrer de dorso-lombalgia residual com impotência funcional; experienciou um quantum doloris de grau 3 numa escala de 7; realizou vários e dolorosos tratamentos de fisioterapia; teve que ser submetido a várias consultas médicas, exames e de tomar medicação; teve de recorrer a apoio psicológico;


(iv) 16/11/2023, processo nº 1019/21: indemnização de € 10.000; lesado com 49 anos; o quantum doloris ascendeu ao grau 4, numa escala de 1 a 7, e os tratamentos a que foi sujeito, bem como as sequelas de que ficou a padecer, ficando com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 4 pontos e uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 2 (numa escala de 0 a 5);


(v) 16/1/2024, processo nº 158989/16: indemnização de € 10.000; lesada com 35 anos; apresenta um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 2 pontos em 100, apresenta um dano estético permanente de grau 5, numa escala de 7, e uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 3, numa escala de 7, além de outras limitações;


(vi) 1/10/2024, processo nº 758/22: indemnização de € 10.000; lesada com 55 anos à data do sinistro, que apresentou, em sua decorrência, um quantum doloris de grau 3 numa escala de 1 a 7; persistência de dores na coluna cervical e no ombro direito, que lhe dificultam o dormir e o descanso, necessitando de fazer medicação regularmente.


Perante estas situações, julgamos que a quantia de € 34.000,00 arbitrada pelo tribunal a quo a título de danos não patrimoniais se mostra desajustada levando em linha de conta os critérios jurisprudenciais que vêm sendo adotados e considerando a descrição feita nos factos provados quanto ao objeto da compensação, isto é, a dor, a angústia, o sofrimento, o desgosto.


Dito de outro modo, à luz da prescrição contida na norma do artigo 8º, nº 3 do CC, é de entender que o juízo equitativo adotado pelo tribunal recorrido, relativamente aos danos não patrimoniais, peca por excesso e fere, por isso, o princípio da igualdade e o princípio da proporcionalidade dos critérios jurisprudenciais que mais recentemente têm sido adotados quanto à ressarcibilidade dos danos não patrimoniais de natureza análoga aos que estão presentes na situação sob apreciação.


Mas bem sabendo dos critérios jurisprudenciais citados, e repetindo-nos é certo, não podemos olvidar que o autor viu-se com a falange distal do quarto dedo da mão direita (anelar) imediatamente amputada, o dedo totalmente descarnado, sofreu dores lancinantes durante 1 hora, foi submetido a cinco intervenções cirúrgicas, envolvendo as duas primeiras, não só a zona lesionada mas também a zona do seu abdómen, donde foi transplantado o tecido necessário para recobrir o seu dedo, a primeira das cirurgias implicou que o autor estivesse com o dedo ligado ao abdómen durante vinte e quatro dias, sofreu dor na mão direita e no abdómen, tendo o dedo ficado sem unha, com pelos, com diferente volume e pigmentação, ficou ainda com cicatriz no abdómen.


Razão pela qual se decide reduzir o montante atribuído, de € 34.000,00, para o valor de € 17.000,00, nos termos conjugados do art 496º, nº 1 e 4 e art 3º, nº 3 da Lei nº 67/2007.


Decisão.


Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo – Subsecção Comum deste Tribunal em:

a. conceder parcial provimento ao recurso,

b. revogar a sentença recorrida apenas na parte em que condena o réu no pagamento ao autor a título de indemnização pelas dores, angústia, sofrimentos e desgosto sofridos por este em consequência do acidente, o valor de € 34.000,00 (trinta e quatro mil euros),

c. condenar o Município réu e recorrente a pagar ao autor a título de indemnização pelas dores, angústia, sofrimentos e desgosto sofridos por este em consequência do acidente, o valor de €: 17.000,00 (dezassete mil euros).

d. Com manutenção do restante decidido na sentença recorrida.


Custas nesta instância pelo recorrente, na proporção de 95%, e pelo recorrido, na proporção de 5%.


Notifique.


Dê conhecimento do presente acórdão ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco - processo nº 78/18.0...


*


Lisboa, 2025-10-09,