Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2568/06.9 BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:12/19/2023
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IRC.
DESPESAS CONFIDENCIAIS.
DESPESAS INDEVIDAMENTE DOCUMENTADAS.
Sumário:Não são despesas indocumentadas ou confidenciais as que correspondem a gastos descritos na contabilidade e em relação às quais existem elementos que provam a sua ocorrência, ainda que se desconheça os seus beneficiários e a sua finalidade. O cheques-viagem, na medida em que titulam possíveis gastos futuros, se e quando foram usados pelos seus portadores, correspondem a despesas confidenciais.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais: Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO
I- Relatório
N………. Banco, S.A. (entidade para a qual foram transferidos os contenciosos de natureza fiscal, cujo imposto e eventuais juros compensatórios e de mora já pagos à data da aplicação da medida de resolução ao Banco ………….., S.A., a instituição que anteriormente incorporou, por fusão, a sociedade B………….. e F………… – Instituição ……………., S.A., impugnante inicial) interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, proferida em 01/05/2020, inserta a fls. 341 e ss. (formato digital-sitaf), que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), materializada mo documento de cobrança nº ……………..350 e na nota de compensação nº …………………342, referente ao exercício de 2003.
Nas alegações de recurso, incorporadas a fls. 365 e ss. (formato digital-sitaf), o Recorrente, formula as seguintes conclusões:
1.ª (…).
2.ª Concretamente, a sentença recorrida julgou improcedente a pretensão do ora Recorrente no que respeita às correções relacionadas com a tributação autónoma das despesas do Recorrente que se encontram relacionadas com cheques-viagem, com viagens ao estrangeiro e com brindes.
3.ª No que respeita ao segmento da sentença que se reporta aos cheques-viagem, entende o Recorrente, com o devido respeito, que a sentença recorrida incorre, desde logo, em nulidade por excesso de pronúncia [cf. artigo 125.º, n.º1, última parte, do CPPT e artigo 615.º, n.º 1, alínea d), última parte, do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º do CPPT].
4.ª Tendo sido a questão suscitada a de saber se havia ou não norma de incidência da qual resulte a tributação autónoma dos aludidos cheques-viagem por consubstanciarem encargos indevidamente documentados, o Tribunal a quo apenas podia conhecer da mesma nesses moldes.
5.ª Porém, o Tribunal a quo ignorou o conhecimento de tal questão.
6.ª Com efeito, não obstante a douta sentença plasmar, na factualidade dada como provada, que as despesas respeitantes a cheques-viagem disponibilizados pelo Recorrente a alguns trabalhadores haviam sido sujeitas a tributação autónoma por serem consideradas como encargos não devidamente documentados, o Tribunal a quo parece olvidar, aquando da aplicação do direito àquela factualidade, a referida qualificação atribuída pelos serviços de inspeção.
7.ª E, assim, ao arrepio da qualificação atribuída pelos serviços de inspeção, o Tribunal recorrido optou por requalificar tais despesas como confidenciais justificando assim, para lá dos poderes que legalmente lhe estão cometidos, a tributação autónoma sub judice.
8.ª Por esta razão, considera o Recorrente, com o devido respeito, que a sentença recorrida padece de nulidade, por excesso de pronúncia por exceder os seus poderes de cognição quanto à causa de pedir, violando a regra de identidade de causa de pedir e causa de julgar, devendo a sentença ser por esse motivo anulada, nesta parte.
9.ª Admitindo-se que a nulidade da sentença não seria procedente, o que apenas por dever de prudente patrocínio se concebe, ainda assim sempre seria de anular a sentença recorrida com fundamento em erro de julgamento de direito, pois que o Tribunal só pode conhecer da legalidade da correção sindicada à luz dos fundamentos invocados pela administração tributária e dos vícios invocados pela parte.
10.ª O que se impunha ao Tribunal a quo nos presentes autos era, pois, a apreciação da legalidade daquele ato tributário à luz da fundamentação que consta do relatório de inspeção tributária e que foi contemporânea da emissão dos atos tributários.
11.ª Como ficou evidenciado nos presentes autos, os fundamentos invocados pelos serviços de inspeção para fundamentar as correções em causa prendem-se, no caso das despesas com cheques-viagem, com a circunstância de estarmos alegadamente em presença de encargos não devidamente documentados.
12.ª Ao abordar fundamentos que não fazem parte da fundamentação do ato, o Tribunal a quo corre o risco de exceder o âmbito dos seus poderes de cognição, porque é como se estivesse a elaborar uma nova fundamentação para o ato, ou a completar essa fundamentação, e a substituir-se à administração tributária nesse papel que só a esta incumbe.
13.ª Veja-se que a correção operada pela administração tributária – no sentido de sujeitar a tributação autónoma as despesas com os cheques-viagem - fundamenta-se na natureza de despesa indevidamente documentada dos gastos, porque, com efeito, não se está perante “despesas confidenciais ou não documentadas” para efeitos do disposto no artigo 81.º do Código do IRC, na redação à data aplicável.
14.ª Pelo menos no que à situação dos cheques-viagem concerne, e admitindo, por mero dever de patrocínio, que a qualificação feita pela administração tributária se afigura correta, não se vislumbra qualquer norma de incidência da qual resulte a tributação autónoma de tais despesas.
15.ª Não existe qualquer outra norma que implícita ou explicitamente preveja a tributação autónoma de despesas qualificadas como encargos não devidamente documentados.
16.ª De facto, é imperioso ter presente a distinção entre os conceitos de despesas e de custos e, por outro, os conceitos de despesas confidenciais, despesas não documentadas e encargos indevidamente documentados.
17.ª No caso em apreço, não há dúvida que as despesas suportadas pelo Recorrente estão devidamente documentadas por documentos que obedecem aos requisitos legais, contendo a identificação do comprador e do vendedor e o montante gasto [cf. ponto 10) da factualidade dada como provada na sentença recorrida].
18.ª Onde poderá existir documentação insuficiente, quanto muito, é quanto à indispensabilidade do custo, reconhecido por força do registo daqueles bens e serviços, o que não se controverte nos presentes autos.
19.ª De forma distinta do preceito referente à desconsideração do custo para efeitos fiscais, o legislador equipara, para efeitos de tributação autónoma, as despesas confidenciais às despesas que não tenham, de todo, um qualquer suporte documental - distinção que se revela fundamental, já que para se desconsiderar um custo fiscal pode ser suficiente o facto de o documento de suporte não ser o devido, mas esta falha não releva nem qualifica para a sua consideração como despesa confidencial.
20.ª Neste mesmo sentido se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo, no seu Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 01320/16 de 19 de abril de 2017.
21.ª Assim, para existir tributação autónoma, ter-se-ia de estar perante despesas que são efetuadas sem identificação da sua natureza, ou de despesas sem suporte documental, o que não sucede no caso sub judice, em que o Recorrente dispõe de documentos comprovativos das despesas suportadas com a aquisição dos aludidos cheques-viagem [cf. ponto 10) da factualidade dada como provada na sentença recorrida], conhecendo-se a natureza, origem e finalidade das despesas em análise.
22.ª Em face da documentação junta nos presentes autos referente à natureza dos cheques-viagem (cf. doc. n.º 3 junto com a p. i.) e, bem assim, dos esclarecimentos prestados pela testemunha inquirida, inexiste qualquer dúvida que, não só aquelas despesas foram efetivamente suportadas, como a que título o foram [cf. pontos 6 e 7 do probatório da sentença recorrida e ponto III – 2.1.3. do Relatório Final de Inspeção Tributária].
23.ª Pelo que, tal classificação das despesas como confidenciais não se pode aplicar aos custos em apreço, porquanto existe, com relação a estes, documentação de suporte, o que não é posto em causa pelos serviços de inspeção tributária, tampouco pelo Tribunal na douta sentença ora recorrida.
24.ª Efetivamente, existem tais documentos, pelo não se tratam de despesas estritamente não documentadas (cf., no mesmo sentido, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 08.05.2019, proferido no processo n.º 1119/16.1BELRA).
25.ª É unânime o entendimento de que as despesas confidenciais são, pela sua própria natureza, não documentadas, pois que, uma vez documentadas, deixam de ser confidenciais: passa a saber-se onde e em quê foi utilizado o montante em questão e in casu, não será de enquadrar o cenário de confidencialidade da despesa que deva, por isso, estar sujeita a tributação autónoma.
26.ª Sem prejuízo do exposto, sempre se dirá que, no limite, as despesas em apreço apenas poderiam ser qualificadas como não devidamente documentadas, as quais, sublinhe-se, não estão sujeitas a tributação autónoma.
27.ª Não é a mera circunstância de não terem sido identificados alguns dos beneficiários finais daquelas despesas que determina que as mesmas sejam qualificadas como despesas confidenciais uma vez que o desconhecimento da identidade de tais pessoas, não implica a confidencialidade das despesas para adquirir viagens (entendimento há muito sufragado pelo Supremo Tribunal Administrativo).
28.ª Conhecido que está o adquirente dos bens e dos serviços – in casu, o Recorrente –, a identificação da pessoa singular concreta a que foi atribuído o cheque-viagem só poderá ser de relevar para eventual determinação da indispensabilidade do custo para obtenção dos proveitos nos termos do artigo 23.º do Código do IRC, e não já para a qualificação da despesa como confidencial, natureza que manifestamente não tem.
29.ª Em face do exposto, o certo é que as despesas em questão não são nem despesas confidenciais, nem despesas não documentadas, razão pela qual improcede também nesta parte o expendido na douta sentença recorrida, devendo, em consequência, ser a mesma revogada.
30.ª Assim, ao pugnar pela aplicação aos encargos com cheques-viagem da taxa de 50%, prevista no aludido artigo 81.º do Código do IRC, na redação à data aplicável, incorre o Tribunal a quo, em manifesto erro de interpretação e aplicação de direito, razão pela qual o recurso ora interposto deve ser julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida.
31.ª Por todo o supra exposto, sendo por demais evidente que não se está perante despesas não documentadas, nem despesas confidenciais, conclui-se que não assiste razão ao juízo do Tribunal a quo, devendo o recurso ora interposto ser julgado procedente e a sentença recorrida consequentemente revogada, com fundamento em nulidade por excesso de pronúncia [cf. artigo 125.º, n.º 1, última parte, do CPPT e artigo 615.º, n.º 1, alínea d), última parte, do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º do CPPT] ou, subsidiariamente, por erro de julgamento de direito que obsta à sua manutenção na ordem jurídica.
32.ª Por outro lado, e salvo o devido respeito, entende o Recorrente que a presente decisão incorre igualmente em nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (cf. artigo 125.º, n.º 1, do CPPT e artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil [CPC], aplicáveis ex vi artigo 2.º do CPPT).
33.ª Com efeito, relativamente a duas das questões colocadas à sua apreciação – despesas com viagens ao estrangeiro e despesas com brindes - o Tribunal a quo limita-se, com o devido respeito, a, depois de enunciar a jurisprudência referente aos tickets refeição, mas não efetuando qualquer ligação ao caso concreto das despesas ora em causa, utilizar a expressão de consequência “assim” (cf. página 14 da sentença recorrida) para depois determinar que as despesas referentes às viagens, bem como as despesas referentes aos brindes, teriam de ser qualificadas como sendo confidenciais, e consequentemente, suscetíveis de tributação autónoma, sem fundamentar de forma devida a sua decisão.
34.ª Compulsada a sentença ora sob recurso, outra conclusão não se extrai que não seja a de que há uma falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito, na medida em que o Tribunal a quo não especifica os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, conforme se impunha pelo artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e pelo artigo 123.º, n.º 2, do CPPT;
35.ª Por seu turno, estipula-se, no artigo 125.º, n.º 1, do CPPT e 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC, que é nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão – e tal é o caso da sentença recorrida.
36.ª É na fundamentação que o Tribunal colhe legitimidade e autoridade para dirimir o conflito entre as partes e lhes impor a sua decisão, sendo a fundamentação imprescindível ao processo equitativo e contraditório.
37.ª Naturalmente que, o juízo sobre a sujeição ou não sujeição a tributação autónoma das despesas com viagens ao estrangeiro e brindes terá de ir muito para além da mera adoção, em abstrato, da jurisprudência referente aos tickets refeição, pelo que não basta que o Tribunal a quo se limite a julgar, imponderadamente, com o devido respeito, a questão sem refletir sobre os contornos do caso concreto da Recorrente.
38.ª Ora, a falta de expressa fundamentação, da matéria de facto e de direito, também inclui a obrigação de análise crítica de toda a prova produzida nos autos e especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do Tribunal, sob pena de a sentença recorrida não poder subsistir na ordem jurídica, por se encontrar ferida de nulidade decorrente da violação do dever de fundamentação das decisões judiciais.
39.ª Concretizando, considerando o segmento decisório em crise, impunha-se ao Tribunal a quo que tivesse exposto de forma clara todos os fundamentos de facto e de direito que, no seu entendimento, lograssem justificar a improcedência da impugnação judicial deduzida pelo ora Recorrente, no que a esta parte diz respeito.
40.ª Efetivamente, não é possível ao Recorrente alcançar, de forma rigorosa, o juízo que o Tribunal a quo faz, conquanto não são apreciados e ponderados os contornos fáctico-jurídicos do caso concreto.
41.ª Não há, por isso, dúvidas, em face do que antecede e do teor da sentença recorrida, que a fundamentação da mesma é de tal modo insuficiente, que colide frontalmente com o princípio constitucional do dever de fundamentação das decisões (cf. artigo 205.º da CRP), o que desde já se invoca para os devidos efeitos.
42.ª Em razão do exposto, deve ser declarada nula a sentença por falta de fundamentação.
43.ª Ainda que seja declarada a nulidade da sentença recorrida, assiste ao Tribunal de recurso a faculdade de se substituir ao Tribunal recorrido, em harmonia com o artigo 665.º do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, al. e) do CPPT.
44.ª Nesta medida, e tendo em conta os circunstancialismos do caso em apreço, e por imposição da regra da substituição, estando na posse de todos os elementos relevantes, o Tribunal ad quem poderá substituir-se ao Tribunal a quo, não se limitando a detetar a ocorrência de nulidades ou erros de julgamento, mas outrossim, envolvendo-se mais profundamente na lide, designadamente, na resolução do concreto litígio nos termos que considere corretos, sem necessidade de nova intervenção do tribunal a quo.
45.ª O entendimento da administração tributária que está na origem da sujeição a tributação autónoma das despesas com viagens ao estrangeiro e brindes, cuja ilegalidade foi mantida pela sentença recorrida, consubstancia-se na consideração de que sem a identificação dos beneficiários não é possível aferir da relação causal e justificada de tais custos com a atividade produtiva do Recorrente, entendendo aquela que “ (…) A empresa, ao não demonstrar que efectivamente ofereceu esses bens acabou, por não demonstrar a indispensabilidade dos custos, de tornar a despesa confidencial (…)” [cf. ponto 4) da factualidade dada como provada na sentença recorrida].
46.ª Porém, da própria factualidade dada como assente decorre que nunca as viagens ao estrangeiro ou os brindes contabilizados, como custos, pelo Recorrente no ano de 2003, podiam ser consideradas e tratadas como sendo despesas confidenciais, uma vez que a própria administração tributária revela saber de que despesas se tratam [cf. ponto 4) da factualidade dada como provada na sentença recorrida].
47.ª Assim, extrai-se, a partir da análise da factualidade dada como provada na sentença recorrida, que as despesas sub judice não são confidenciais: conhecem-se as suas natureza e finalidade e a própria administração tributária sempre as conheceu.
48.ª Pelo que, considera o Recorrente não se afigurar correto confundir despesas não documentadas com despesas suportadas por documentação insuficiente e ainda as sujeitar a tributação autónoma, além de não as relevar como custos fiscais.
49.ª Saber quem são os beneficiários destas viagens ao estrangeiro ou dos brindes nada releva para a confidencialidade ou não dos gastos contabilizados com o Recorrente - o que releva é que as mesmas são tituladas por documentos dos quais constam as identidades do vendedor e do adquirente, bem como a designação do bem transmitido e respetivo preço.
50.ª Assim, em face de todo o exposto, é inequívoca a conclusão de que no caso vertente não estão reunidos os requisitos essenciais para que estas despesas possam ser sujeitas a tributação autónoma, nos termos do artigo 81.º do Código do IRC pelo que não podendo ser qualificadas como sendo confidenciais, não serão, por conseguinte, suscetíveis de tributação autónoma.
51.ª Atento tudo quanto se expôs, também com este fundamento, deverá o recurso ora interposto ser julgado procedente e a sentença recorrida consequentemente revogada, com fundamento em nulidade, por falta de fundamentação de direito [cf. artigo 125.º, n.º 1, última parte, do CPPT e artigo 615.º, n.º 1, alínea d), última parte, do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º do CPPT] ou, subsidiariamente, por erro de julgamento de direito que obsta à sua manutenção na ordem jurídica.
Pugna pela revogação da sentença recorrida.
X
Em 26/10/2020, o Tribunal a quo proferiu despacho com o seguinte teor: “Atendendo à data da apresentação do requerimento de interposição do recurso da decisão por parte da Impugnante e, a data da apresentação das alegações desse mesmo recurso, notifique a Fazenda Pública para se pronunciar da sua validade.”
X
Por meio de requerimento de 12/11/2020, a Fazenda Publica pugna pelo indeferimento do recurso, por ser extemporânea a apresentação das alegações do recorrente.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento do recurso.
X
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
X
II- Fundamentação
2.1. De Facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:
1) A Impugnante é uma sociedade anónima, que se dedicava à atividade de locação financeira mobiliária até 31/12/2003 - cf. teor de fls.99 e 100 do Processo Administrativo (PA), correspondente a fls.8 e 9 do Relatório de Inspeção Tributária (RIT), apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.
2) A Impugnante tem contabilidade organizada e encontra-se registada, em sede de IRC, no regime normal de tributação - cf. teor de fls.100 do PA, correspondente a fls. 9 do RIT, apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.
3) Em cumprimento das ordens de serviço n.º 01200500472 e 01200500473 da DIRECÇÃO DE SERVIÇOS DE INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA da DIRECÇÃO-GERAL DOS IMPOSTOS, foram efetuadas correções técnicas aos valores declarados como custos do exercício de 2002 e 2003 em sede de IRC, no montante de €283.075,75 e €172.383,08, respetivamente - cf. teor do RIT, ínsito no PA apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
4) Em 12.04.2006, foi elaborado o relatório de fiscalização junto ao PA a fls. 91 a 140 e, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, onde consta a fundamentação para as referidas correções de 2003 e das quais com interesse para a causa se destacam as seguintes:
«(..)
III. Descrição dos FACTOS E Fundamentos das Correcções Meramente Aritméticas à Matéria Tributável.
III – 2. Exercício de2003
(...)
III – 2.1.2. - Custos não aceite fiscalmente –Tributação autónoma das Viagens ao Estrangeiro (n.º1 do art.º81º)
A análise incidiu nas contas “741210 – Transportes” e “741213 - Despesas de alojamento".
Ao validar o quadro 07 da declaração modelo 22 de IRC, constatámos que a empresa acresceu a importância de €88.789,75, este montante corresponde a “viagens” contabilísticas nas contas “741210 – Transportes” e “741213 – Despesas de Alojamento”.
Da análise a alguns documentos constatámos que o montante acrescido pela empresa corresponde a viagens, onde não constava a identificação dos beneficiários, nem os comprovativos de que as mesmas tivessem sido efectuadas em negócios. Da análise dos documentos também não se depreende igualmente a quem as mesmas foram atribuídas, nem existem contas correntes na contabilidade em nome dos possíveis beneficiários, com o objectivo de permitir o seu controlo.
De acordo com o descrito, para o exercício de 2002, no ponto III – 1.1.2. do presente projecto de relatório, efectivamente os referidos custos não poderiam ser dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável, nos termos do artigo 23º do CIRC, por não ter sido possível provar dois elementos essenciais para a aceitação dos custos, que são a natureza do encargo e a identificação do correspondente beneficiário.

Por outro lado e atendendo ao facto de as pessoas beneficiárias das “viagens” não estarem identificadas, a empresa acabou por não demonstrar a indispensabilidade dos custos, de tornar a despesa confidencial e em não permitir que os beneficiários pudessem vir a ser tributados na obtenção de rendimentos em espécie, no caso das pessoas singulares, como definido no art.º 2.ºn.º 3 do CIRS.

(…)

Pelo que foi referido anteriormente, e de acordo com o que se encontra estatuído no n.º1 do art.º81.º do CIRC, as despesas confidenciais são tratadas autonomamente, à taxa de 50%, sem prejuízo do disposto na alínea g) do n.º1 do artigo 42.º do CIRC, cifrando-se a correcção em €44.394,88 (50% X 88.789,75).

III – 2.1.3. Custos não aceites fiscalmente - Cheques Viagem.
A análise incidiu na conta “74123 - Despesas de Representação” e teve como objecto a verificação da natureza das operações nela registadas, tendo sido baseada numa amostra de documentos constantes no extracto da referida conta.
Desta análise constatou-se a existência e uma factura emitida por uma Agência de viagens no montante de €116.078,93. Contudo, os serviços prestados em causa, de acordo com a descrição efectuada pela factura, consiste na emissão de "cheques viagem”. Tratam-se, portanto, de serviços prestados ou a prestar, completamente desconhecidos quanto ao respectivos beneficiários e/ou quanto à natureza das viagens ou deslocações, sendo completamente desconhecida a sua relação com a actividade da empresa. Por não se encontrarem reunidos os requisitos enunciados na alínea a) do nº. 3 do art. 115º do CIRC, foi solicitado à empresa para identificar e justificar através de adequados meios de prova os beneficiários das referidas viagens, tendo declarado não possuir tal informação conforme resposta dada por escrito em 2 de Março de 2006 (cfr. Anexo n. ° 9).
Assim, face à impossibilidade de comprovara indispensabilidade destes custos para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto (IRC) ou para a manutenção da fonte produtora, não podem os mesmos ser considerados para efeitos fiscais, conforme determina o art.º 23º do código do IRC, pelo que propomos o seu acréscimo ao lucro tributável no montante de €116.078,93.

Em resultado desta correcção vai ser regularizado a favor do sujeito passivo, o montante de €6.964,74 (116.078,93 x (20% x 3.0%)), dado que a empresa já tinha considerado na declaração Mod. 22, o valor correspondente a tributação autónoma das despesas de representação, determinadas em conformidade com o n.º 3 do art.º 81º do código do IRC.


Por outro lado, e atendendo ao facto de as pessoas beneficiárias dos “cheques viagem” não estarem identificadas, estes consideram-se encargos não devidamente documentados, nos termos da alínea g), do n.º 1 do artigo 42.º do CIRC, pelo que deverá ser efectuada a tributação autónoma, nos termos do n.º 1, do art.º 81.º do CIRC, cifrando-se a correcção em €58.039,47 (50% x 116.078,93).
III – 2.1.4. Custos não aceites fiscalmente-Brindes.
Ao analisar os custos incorridos pela empresa, constatamos a existência da conta "741310 - Brindes", com saldo de € 91.584,87.
Com o objectivo de aferir da indispensabilidade destes custos para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora nos termos do art.º 23° do CIRC, foi selecionada uma amostra de documentos constantes no extracto da referida conta, onde constatamos a existência de alguns documentos referentes a vestuário, livros, artigos variados de perfumaria, cd/dvd, electrodomésticos, quadros, utensílios domésticos, entre outros, não constando qualquer indicação dos seus beneficiários, nem os comprovativos de que as mesmas tivessem sido efectuadas em negócios. Não existem contas correntes na contabilidade em nome dos possíveis beneficiários, com o objectivo de permitir o seu controlo.
Perante este facto foi a empresa notificada em 13 de Fevereiro de 2006 para identificar e justificar através de adequados meios de prova as anomalias detectadas nos documentos (constantes do anexo 6 da notificação), tendo em atenção os seguintes aspectos:

“Listagem das pessoas a quem foram atribuídos bens (Livros, artigos variados de perfumaria, cd/dvd, electrodomésticos, vestuário, utensílios domésticos, etc.) indicando;
Nome do beneficiário, nº identificação fiscal, sua relação com a empresa (cliente, fornecedor, etc.);
Fornecedor do bem e nº da respectiva factura;
Prova da entrega dos bens atribuídos aos respectivos beneficiários.
Outros elementos que julguem necessários para justificar a indispensabilidade dos respectivos custos."

Em resposta a notificação a empresa refere: “Relativamente à conta 741310 - Brindes e para o total de 84.259,75€ o valor de 46.825,10 € corresponde a ofertas conforme mapa em anexo – II.”
A empresa relativamente ao montante de 46.825,10 €, apresentou prova documental, bem como a sua finalidade e destino.
No que diz respeito ao restante montante de 37.434,65 € (84.259,75 – 46.825,10), efectivamente verificamos que a aquisição de bens, como por exemplo, vestuário, jóias, entre outros, se encontra documentalmente provada.
Agora, o que não se prova é a finalidade destino desses bens. Por um fado por impossibilidade de identificação dos seus beneficiários, em que desconhecemos a quem foi oferecido determinado bem já que a empresa não apresentou uma listagem com a identificação dos beneficiários e, por outro lado, se os bens foram efectivamente entregues, por falta de prova da sua entrega.

A empresa, ao não demonstrar que efectivamente ofereceu esses bens acabou, por não demonstrar a indispensabilidade dos custos, de tornar a despesa confidencial e em não permitir que os beneficiários pudessem vir a ser tributados na obtenção de rendimentos em espécie, no caso das pessoas singulares, como definido no art.º 2.° n.°3 do CIRS (recorde-se que na notificação já referida, foi solicitada a listagem, não entregue pela empresa).

Pelo que foi referido, não fica comprovada a indispensabilidade das despesas efectuadas com a aquisição dos referidos objectos para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, indispensabilidade essa que é condição geral da dedutibilidade de custos ou perdas, nos termos do art.º 23.º do CIRC.

Há, ainda, a acrescentar que, as despesas têm carácter confidencial, por falta de prova da entrega do bem, não tendo sido demonstrado que efectivamente os bens adquiridos foram oferecidos, conforme solicitado no ponto 3 da notificação; nem ficou provada, a sua efectiva entrega aos respectivos beneficiários, retirando-se a possibilidade de conhecer fácil, clara e precisamente, a operação, quanto à sua finalidade.

Deste modo, propomos a correcção do lucro tributável do montante de €37.434,65(cfr. Anexo n.°7).
Pelo que foi referido anteriormente, e de acordo com o que se encontra estatuído no n.º 1 do art.º 81° do CIRC, as despesas confidenciais são tributadas autonomamente, à taxa de 50% sem prejuízo do disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 42.° do CIRC, cifrando-se a correcção em €18.717,33 (50% x 37.434,65).».

5) Em 18.07.2006, a Impugnante pagou o montante em dívida objeto dos presentes autos - cf. doc. de fls.249 a 252 do processo físico, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
6) Os cheques viagem eram adquiridos anualmente a uma agência de viagens, para serem oferecidos aos funcionários do BANCO ……………, a título de prémios de produtividade, em virtude da venda de produtos de locação financeira da impugnante - confirmado por depoimento da testemunha.
7) Os cheques viagem tinham que ser descontados por produtos à venda nas agências de viagem contratada e, não podiam ser trocados por dinheiro - confirmado por depoimento da testemunha.
8) A ora Impugnante não tinha conhecimento quais foram os funcionários do BES que foram beneficiários dos cheques viagem - confirmado por depoimento da testemunha.
9) Os brindes distribuídos pela Impugnante eram bens de consumo e não eram convertíveis em dinheiro - confirmado por depoimento da testemunha.
10) Todas as despesas e todos os custos referentes a brindes, cheques viagem e viagens tinham o respetivo documento comprovativo da mesma e, eram faturadas à Impugnante - confirmado por depoimento da testemunha.
11) A presente PI deu entrada neste tribunal em 09.10.2006 - cf. carimbo aposto a fls.4 dos autos. “

X
FACTOS NÃO PROVADOS //Todos os restantes, nomeadamente os alegados em contrário do que se deu como provado supra.”
X
MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO // A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame do teor dos documentos não impugnados, que dos presentes autos e apenso constam, e do depoimento da testemunha arrolada. //O seu depoimento foi credível e demonstrou ter conhecimento apurado dos factos, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.”
X
Compulsados os autos, verifica-se que o elemento do n.º 10 do probatório não se pode manter, porquanto conclusivo e sem suporte probatório, em face dos elementos coligidos nos autos. Mais se refere que o doc. 3 junto com a petição inicial corresponde a anúncio da agência de viagens sobre a forma de utilização dos cheques-viagem.
X
2.2. De Direito.
2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre os alegados vícios da sentença seguintes:
i) Nulidade, por excesso de pronúncia, no que respeita à correcção relativa as cheques-viagem [conclusões 1) a 8)].
ii) Nulidade, por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito, no que respeita às correcções relativas a despesas com viagens ao estrangeiro e brindes [conclusões 32) a 42)].
iii) Erro de julgamento quanto ao enquadramento jurídico da causa no que respeita à correcção relativa a cheques-viagem [conclusões 9) a 31)]
iv) Erro de julgamento quanto ao enquadramento jurídico da causa no que respeita às demais correcções (despesas com viagens ao estrangeiro e brindes) [demais conclusões].
A sentença julgou improcedente a impugnação, mantendo o acto tributário (liquidação adicional de IRC de 2003), na ordem jurídica.
Estruturou, em síntese, a argumentação seguinte:
«Subjacente às correções contestadas encontra-se a circunstância de, embora constitua evidência que a Impugnante dispõe, com referência a todos os custos, do respetivo suporte documental, a AT não ter, contudo, identificado os beneficiários dos aludidos brindes, cheques viagens e viagens, o que no seu entendimento imporia a qualificação daqueles como despesas confidenciais ou, no caso dos cheques viagens, de encargos não devidamente documentados e logo, sujeitos a uma tributação autónoma à taxa de 50%, nos termos do disposto no art.81.º, n.º1, do CIRC. // (…) // Concluem os serviços de inspeção que a ora Impugnante “(…) ao não identificar a quem os cheques viagem, viagens ao estrangeiro e brindes foram entregues/oferecidos e ao não demonstrar que efectivamente ofereceu esses bens, acabou por não demonstrar a indispensabilidade dos custos de tornar a despesa não documentada quanto ao seu destino, sendo confidencial neste aspecto, e em não permitir que os beneficiários pudessem vir a ser tributados na obtenção de rendimentos em espécie, no caso das pessoas singulares, como definido no art.2.º, n.º 3 do CIRS”. // (…) // A questão decidenda colocada a este tribunal circunscreve--se na de saber se as despesas incorridas pela Impugnante com os denominados "cheques viagem", consubstanciam, ou não, despesas confidenciais, sujeitas a tributação autônoma, questão que a FP considerou dever receber uma resposta afirmativa. // Sucede, que os "cheques viagem" apenas configuram uma operação de mera troca de meios de pagamento que não se traduz num custo efetivo, pois que a despesa só ocorre aquando da compra da viagem ou alojamento. Podia e devia a empresa documentar a despesa correspondente com a aquisição das viagens ou alojamento, pois que se a empresa continuasse a ter na sua disposição os referidos cheques viagem não teria suportado qualquer despesa. // Se os mesmos deixarem de estar na sua posse sem se saber se foram utilizados na aquisição de viagens ou se tiveram qualquer outro destino, então não só se desconhece o caminho que os mesmos seguiram, como onde foram efectivamente parar. // Por este facto são despesas confidenciais. // A questão radica na circunstância da operação em causa se não se consumir entre a ora Impugnante e a agência de viagem a quem foram contratados os "cheques viagem", mas se estender, necessariamente, aos destinatários desses mesmos "cheques viagem”».
Concluiu, referindo que as correções em causa têm por base despesas cujo destinatário ou beneficiário não se mostra identificado, nem a sua ocorrência documentalmente justificada.

2.2.2. Antes de entrarmos na apreciação do objecto do recurso, cumpre apreciar a questão da alegada extemporaneidade do recurso.
Com relevo para a resolução da questão solvenda, mostram-se provadas as vicissitudes processuais seguintes:
i) Em 09.10.2006, foi instaurada a presente impugnação.
ii) Em 01.05.2020, foi proferida a sentença recorrida.
iii) Em 04.05.2020, as partes foram notificadas, via electrónica, da sentença.
iv) Em 08.06.2020, o recorrente apresentou requerimento de interposição de recurso.
v) Em 02.07.2020, o recorrente apresentou as alegações de recurso.
O prazo de interposição do presente recurso é de 30 dias a contar da notificação da sentença (artigo 282.º/1, do CPPT, ex vi artigo 13.º/1/c), i) da Lei n.º 118/19, de 20.09).
Por efeito do artigo 7.º/1, da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03, ocorreu a suspensão de todos os prazos processuais até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19.
A Lei n.º 1-A/2020, de 19.03, produziu efeitos desde o dia 19.03.2020 (artigo 10.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03). O artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03, foi revogado pela Lei n.º 16/2020, de 29.05. Esta lei entrou em vigor em 03.06.2020 (artigo 10.º da Lei n.º 16/2020, de 29.05).
Donde resulta que os prazos processuais estiveram suspensos desde 19.03.2020 até 03.06.2020. Donde resulta que, tendo sido interposto recurso em 02.07.2020, de sentença notificada em 04.05.2020, verifica-se que o prazo de trinta dia para interpor o recurso jurisdicional em apreço foi observado.
Motivo porque se impõe rejeitar a presente questão prévia.
2.2.3. No que respeita ao fundamento do recurso referido em i), a recorrente invoca nulidade por excesso de pronuncia.
Apreciação. É nula a sentença que conheça de questão da qual não podia conhecer (artigo 615.º/1/d), do CPC). Através da presente nulidade, proíbe-se o conhecimento de questões que não integram a causa de pedir da acção.
No caso em exame, a sentença não enferma do alegado vício, porquanto a mesma apreciou a legalidade das correcções impostas à contabilidade do contribuinte, no que se refere as despesas com viagens, às despesas com cheques-viagens e às despesas com brindes. Considerou que se trata de despesas indocumentadas e como tal não dedutíveis, e sujeitas a tributação autónoma.
O tribunal recorrido não está, todavia, vinculado ao enquadramento jurídico oferecido pelas partes na apreciação de tais questões, podendo seguir outro, distinto, sem que, por esta via, incorra na preterição da identidade entre causa de pedir e causa da sentença. Como sucedeu, no caso em exame.
Motivo porque se impõe julgar improcedente a presente imputação.
2.2.4. No que respeita ao fundamento do recurso referido em ii), a recorrente invoca o vício de falta de especificação dos fundamentos de facto e direito, no que respeita às correcções relativas a despesas com viagens ao estrangeiro e brindes.
Apreciação. É nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito (artigo 615.º/1/b), do CPC).
Compulsado o teor da sentença, não se apura a apontada falta.
A sentença encerra as razões de facto e de direito que levam à decisão tomada. Considerou que as despesas em apreço não têm suporte para a sua efectivação, pelo que se desconhece os termos e os beneficiários das mesmas. Nesta medida, a sentença confirmou o acto tributário sob escrutínio. Assentou o seu raciocínio no acervo probatório constante de onze alíneas, incluindo a motivação da decisão da matéria de facto. Pelo que o apontado vício não se apura no caso.
Em face do exposto, impõe-se julgar improcedente a presente imputação.
2.2.5. No que respeita aos fundamentos do recurso referidos em iii), e iv), cumpre referir o seguinte.
Estão em causa as correcções seguintes (1): “2.1.2. Custos não aceites fiscalmente – tributação autónoma das viagens ao estrangeiro”. // “2.1.3. Custos não aceites fiscalmente – cheques viagem”. // “2.1.4. Custos não aceites fiscalmente – Brindes”.
Em relação aos itens primeiro e terceiro, a Administração Fiscal considerou que se tratava de despesas confidenciais, pelo que não aceitou a sua dedução e sujeitou-os à tributação autónoma. Em relação ao item segundo, considerou que se tratava de encargos não devidamente documentados, pelo que não aceitou a sua dedução e sujeitou-os a tributação autónoma.
Seja em relação às correcções referidas em primeiro lugar, seja em relação à correcção referida em segundo lugar, a recorrente põe em causa a verificação dos seus pressupostos.
Antes de entrarmos na apreciação dos invocados fundamentos de erro de julgamento, importa ter presente que, nos termos do artigo 42.º/1/h), do CIRC (2), «[n]ão são dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como custos ou perdas do exercício: // Os encargos não devidamente documentados e as despesas de carácter confidencial». Determina o artigo 81.º(3) /1, que «[a]s despesas não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50 %, sem prejuízo da sua não consideração como custo nos termos do artigo 23».
Constitui jurisprudência fiscal assente a seguinte:
i) «Despesa não documentada é aquela a que falta em absoluto o comprovativo documental. // Falando a lei em despesa não documentada, está a reportar-se à documentação do ato pelo qual o sujeito passivo suporta a despesa que é suscetível de afetar o resultado líquido do exercício, para efeitos de determinação da matéria tributável de IRC, não relevando nesse âmbito a documentação do destino da despesa, ou da identificação do seu beneficiário».(4)
ii) «Despesas não documentadas» são aquelas que não têm por base qualquer documento de suporte que as justifique. // «Despesas indevidamente documentadas» são aquelas que têm suporte documental, mas o mesmo, só por si, não permite identificar, em termos quantitativos e qualitativos quais os bens ou serviços que determinaram certo pagamento a determinada entidade. // As despesas não documentadas ou despesas confidenciais são sujeitas a tributação autónoma, nos termos do artigo 88.º/1, do CIRC. Por seu turno, as despesas não devidamente documentadas apenas são consideradas custos não dedutíveis – artigo 23.º-A/1/c), do CIRC. // O objectivo da tributação autónoma das despesas confidenciais parece ser o de tentar evitar (atenuando ou anulando a “vantagem” delas resultante em IRC) que, através dessas despesas, o sujeito passivo utilize para fins não-empresariais bens que geraram custos fiscalmente dedutíveis; ou que sejam pagas remunerações a terceiros com evasão aos impostos que seriam devidos por estes. A realização de tais despesas implica um encargo fiscal adicional para quem nelas incorre porque a lei supõe que, assim, outra pessoa deixa de pagar imposto. // A distinção entre despesas indevidamente documentadas e despesas não documentadas tem outras consequências, nomeadamente, no que respeita ao ónus da prova da efectividade da despesa. // No que respeita às despesas não devidamente documentadas, o juízo de não suficiência de suporte documental da despesa é meramente negativo, reportando-se a uma constatação do incumprimento de um ónus contabilístico do sujeito passivo. // Já o reconhecimento de uma despesa como não documentada, em ordem a sujeitá-la a tributação autónoma enquanto tal, não poderá prescindir da demonstração da efectiva ocorrência da mesma».(5)
Feito o presente enquadramento, cumpre apreciar os vícios de erro de julgamento.
2.2.6. No que respeita ao fundamento do recurso referido em iii), a recorrente considera que se trata de despesas dedutíveis, pelo que a correcção em exame não se pode manter.
Apreciação. A fundamentação da correcção em exame consta do ponto 2.1.3. do Relatório Inspectivo.
Do probatório resulta o seguinte:
i) Os cheques viagem eram adquiridos anualmente a uma agência de viagens, para serem oferecidos aos funcionários do BANCO …………………., a título de prémios de produtividade, em virtude da venda de produtos de locação financeira da impugnante – (n.º 5).
ii) Os cheques viagem tinham que ser descontados por produtos à venda nas agências de viagem contratada e, não podiam ser trocados por dinheiro – (n.º 6).
iii) A ora Impugnante não tinha conhecimento de quais foram os funcionários do BES que foram beneficiários dos cheques viagem – (n.º 7).
Em face dos elementos coligidos no probatório, impõe-se concluir que se trata de despesas cujos termos da sua ocorrência, efetividade e beneficiários não se mostram comprovados nos autos. O que permite enquadrá-los como situação semelhante à do recurso ao cheques-auto.
«Os cheques auto são títulos ou meios de pagamento de combustível ou de outros produtos disponibilizados pelos mesmos fornecedores. // Só no momento da aquisição do combustível ou desses outros produtos - seja através da entrega dos cheques auto ou da utilização de outro meio de pagamento - é que se concretiza o custo ou encargo, o qual deve ser comprovado com a factura/recibo emitido pela gasolineira/fornecedor. // Deixando esses meios de pagamento de estar na posse da Impugnante, devem os correspondentes encargos ser considerados como despesas não documentadas e/ou confidenciais, sendo, como tal, tributadas autonomamente (…). // (…) // Perante a falta do elemento documental comprovativo da utilização de cheques autos, a prova testemunhal não se oferece idónea à superação das falhas detectadas na contabilidade da impugnante. //A falta de concretização da invocada operação de gasto dos quantitativos titulados pelos cheques-auto através de suporte documental a tal fim ordenado não pode, no caso, ser superada pela prova testemunhal» (6).
No caso em exame, os cheques viagem assumem o mesmo conteúdo e contexto. Como resulta do relatório inspectivo,
A análise incidiu na conta “74123 - Despesas de Representação” e teve como objecto a verificação da natureza das operações nela registadas, tendo sido baseada numa amostra de documentos constantes no extracto da referida conta.
Desta análise constatou-se a existência e uma factura emitida por uma Agência de viagens no montante de €116.078,93. Contudo, os serviços prestados em causa, de acordo com a descrição efectuada pela factura, consiste na emissão de "cheques viagem”. Tratam-se, portanto, de serviços prestados ou a prestar, completamente desconhecidos quanto ao respectivos beneficiários e/ou quanto à natureza das viagens ou deslocações, sendo completamente desconhecida a sua relação com a actividade da empresa. Por não se encontrarem reunidos os requisitos enunciados na alínea a) do nº. 3 do art. 115º do CIRC, foi solicitado à empresa para identificar e justificar através de adequados meios de prova os beneficiários das referidas viagens, tendo declarado não possuir tal informação conforme resposta dada por escrito em 2 de Março de 2006 (cfr. Anexo n. ° 9).

Pelo que o seu tratamento como despesas confidenciais não merece censura. Ao julgar no sentido referido, a sentença sob recurso deve ser confirmada na ordem jurídica.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.

2.2.7. No que respeita ao fundamento do recurso referido em iv), cumpre referir que as correcções em exame têm a fundamentação seguinte:
«III – 2.1.2. - Custos não aceite fiscalmente –Tributação autónoma das Viagens ao Estrangeiro (n.º 1 do art.º 81º) // A análise incidiu nas contas “741210 – Transportes” e “741213 - Despesas de alojamento". // Ao validar o quadro 07 da declaração modelo 22 de IRC, constatámos que a empresa acresceu a importância de €88.789,75, este montante corresponde a “viagens” contabilísticas nas contas “741210 – Transportes” e “741213 – Despesas de Alojamento”. // Da análise a alguns documentos constatámos que o montante acrescido pela empresa corresponde a viagens, onde não constava a identificação dos beneficiários, nem os comprovativos de que as mesmas tivessem sido efectuadas em negócios. Da análise dos documentos também não se depreende igualmente a quem as mesmas foram atribuídas, nem existem contas correntes na contabilidade em nome dos possíveis beneficiários, com o objectivo de permitir o seu controlo. // De acordo com o descrito, para o exercício de 2002, no ponto III – 1.1.2. do presente projecto de relatório, efectivamente os referidos custos não poderiam ser dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável, nos termos do artigo 23º do CIRC, por não ter sido possível provar dois elementos essenciais para a aceitação dos custos, que são a natureza do encargo e a identificação do correspondente beneficiário. // Por outro lado e atendendo ao facto de as pessoas beneficiárias das “viagens” não estarem identificadas, a empresa acabou por não demonstrar a indispensabilidade dos custos, de tornar a despesa confidencial e em não permitir que os beneficiários pudessem vir a ser tributados na obtenção de rendimentos em espécie, no caso das pessoas singulares, como definido no art.º 2.ºn.º3 do CIRS. (…) // III – 2.1.4. Custos não aceites fiscalmente-Brindes. // Ao analisar os custos incorridos pela empresa, constatamos a existência da conta "741310 - Brindes", com saldo de € 91.584,87. // Com o objectivo de aferir da indispensabilidade destes custos para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora nos termos do art.º 23° do CIRC, foi selecionada uma amostra de documentos constantes no extracto da referida conta, onde constatamos a existência de alguns documentos referentes a vestuário, livros, artigos variados de perfumaria, cd/dvd, electrodomésticos, quadros, utensílios domésticos, entre outros, não constando qualquer indicação dos seus beneficiários, nem os comprovativos de que as mesmas tivessem sido efectuadas em negócios. Não existem contas correntes na contabilidade em nome dos possíveis beneficiários, com o objectivo de permitir o seu controlo. // Perante este facto foi a empresa notificada em 13 de Fevereiro de 2006 para identificar e justificar através de adequados meios de prova as anomalias detectadas nos documentos (constantes do anexo 6 da notificação), tendo em atenção os seguintes aspectos: // “Listagem das pessoas a quem foram atribuídos bens (Livros, artigos variados de perfumaria, cd/dvd, electrodomésticos, vestuário, utensílios domésticos, etc.) indicando; // Nome do beneficiário, nº identificação fiscal, sua relação com a empresa (cliente, fornecedor, etc.); // Fornecedor do bem e nº da respectiva factura; // Prova da entrega dos bens atribuídos aos respectivos beneficiários. // Outros elementos que julguem necessários para justificar a indispensabilidade dos respectivos custos." // Em resposta a notificação a empresa refere: “Relativamente à conta 741310 - Brindes e para o total de 84.259,75€ o valor de 46.825,10 € corresponde a ofertas conforme mapa em anexo – II.” // A empresa relativamente ao montante de 46.825,10 €, apresentou prova documental, bem como a sua finalidade e destino. // No que diz respeito ao restante montante de 37.434,65 € (84.259,75 – 46.825,10), efectivamente verificamos que a aquisição de bens, como por exemplo, vestuário, jóias, entre outros, se encontra documentalmente provada. // Agora, o que não se prova é a finalidade destino desses bens. Por um fado por impossibilidade de identificação dos seus beneficiários, em que desconhecemos a quem foi oferecido determinado bem já que a empresa não apresentou uma listagem com a identificação dos beneficiários e, por outro lado, se os bens foram efectivamente entregues, por falta de prova da sua entrega. // A empresa, ao não demonstrar que efectivamente ofereceu esses bens acabou, por não demonstrar a indispensabilidade dos custos, de tornar a despesa confidencial e em não permitir que os beneficiários pudessem vir a ser tributados na obtenção de rendimentos em espécie, no caso das pessoas singulares, como definido no art.º 2.º n.º 3, do CIRS (recorde-se que na notificação já referida, foi solicitada a listagem, não entregue pela empresa)».

No que respeita às despesas em apreço, verifica-se que as mesmas não permitem identificar o seu beneficiário e aquilatar da sua indispensabilidade. No entanto, a recorrida não duvida da sua efectividade e dos termos em que a mesma ocorreu. Trata- -se de custos não devidamente documentados, porquanto os elementos concretos da operação não permitem a sua caracterização, mas não são custos indocumentados, dado que a contabilidade permite discernir a sua ocorrência, bem como os montantes em causa. Nesta medida, a tributação autónoma (artigo 81.º/1, do CIRC) não tem aplicação no caso em exame. Pelo que a correcçâo em exame deve ser anulada, nesta parte.
Ao julgar em sentido discrepante, a sentença recorrida, deve ser substituída por decisão que julgue procedente a impugnação, nesta parte.
Termos em que se provê, de forma parcial, ao recurso.


Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da subsecção do juízo comum da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em julgar parcialmente procedente o recurso, revogar a sentença, na parte referida em 2.2.7., mantendo a sentença quanto ao mais.
Custas pela recorrente e pela recorrida, fixando-se decaimento em 3/4 para a primeira e 1/4, para a segunda, sem prejuízo da dispensa de taxa de justiça, dado não ter contra-alegado.
Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)


(1ª. Adjunta- Luísa Soares)


(2ª. Adjunta- Maria Cardoso)
(1) Ponto 4 do probatório.
(2) Versão vigente.
(3) Versão vigente.
(4) Acórdão do STA, 02-02-2022, P: 02421/15.5BEPRT
(5) Acórdão do TCAS, de 08-05-2019, P. 1119/16.1BELRA.
(6) Acórdão do TCAS, de 17/03/2016, P. 08478/15.