Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1593/18.1BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:11/07/2019
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:PROCEDIMENTOS DE MASSA; MODO DE CONTAGEM DO PRAZO DE INSTAURAÇÃO DA AÇÃO; CADUCIDADE DO DIREITO DE AÇÃO.
Sumário:I. Estabelece o artigo 97.º, n.º 1, b) do CPTA que o contencioso dos atos administrativos praticados no âmbito de procedimentos de massa, nos termos do artigo 99.º do CPTA, se regem pelo disposto no presente capítulo e no que com ele não contenda, pelo disposto nos Capítulos II e III do Título II, ou seja, pelas disposições particulares da impugnação de atos administrativos, previstas nos artigos 50.º a 77.º-B do CPTA e ainda pelas normas relativas à marcha do processo, contidas nos artigos 78.º a 96.º do CPTA.

II. O que inclui a norma do artigo 58.º, n.º 2 do CPTA no que se refere ao modo de contagem do prazo.

III. A norma do artigo 58.º, n.º 2 do CPTA sofreu alterações com a entrada em vigor do D.L. n.º 214-G/2015, de 02/10, repondo o regime que vigorava antes do CPTA e ao tempo da vigência da LPTA, que corresponde à tradição do contencioso administrativo, estabelecendo a natureza substantiva do prazo de impugnação dos atos administrativos.

IV. A natureza substantiva do prazo não se altera em função da natureza urgente ou não do processo.

V. O artigo 58.º, n.º 2 do CPTA contempla expressamente a aplicação do artigo 279.º do Código Civil, o que significa que ao contencioso dos procedimentos de massa se aplica, além da norma do artigo 58.º, n.º 2 do CPTA no que se refere ao modo de contagem do prazo, também a norma do artigo 279.º do CC, quanto ao cômputo do termo.

VI. Terminando o prazo para a instauração da ação em pleno período de férias judiciais esse prazo transfere-se ou é prolongado para o primeiro dia útil seguinte, segundo o artigo 279.º, e) do CC.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

E…………., devidamente identificado nos autos, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 24/07/2019, que no âmbito da ação administrativa urgente de contencioso de procedimentos de massa, instaurada contra o Ministério da Justiça e os Contrainteressados, que julgou a caducidade do direito de ação, absolvendo a Entidade Demandada e os Contrainteressados da instância.


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Formula o aqui Recorrente nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que infra e na íntegra se reproduzem:

“1.ª) Contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, a regra da alínea e) do art. 279.º do CCiv. aplica-se à contagem do prazo de 1 mês previsto no n.º 2 do art. 99.º do CPTA, que tem natureza substantiva, ex vi do art. 58.º, n.º 2, aplicável por força do art. 97.º, n.º 1 – al. b) também do CPTA;

2.ª) Perante a dúvida que teve sobre o sentido das normas a interpretar impunha-se ao Julgador uma decisão favorecedora do processo, no sentido de concluir pela tempestividade da acção intentada;

3.ª) Ao decidir que a acção foi proposta extemporaneamente, absolvendo o Ministério da Justiça e os Contra-Interessados da instância, o Tribunal a quo fez uma incorrecta interpretação dos arts. 58.º, n.ºs 1 e 2, 97.º, n.º 1 e 99.º, n.º 2, do CPTA, o que o levou a não aplicar, como deveria, o disposto na alínea e) do art. 279.º do CCiv., e mais violou o art. 7.º do CPTA;

4.ª) A sentença recorrida tem de ser revogada e, em sua substituição, considerar-se a acção tempestivamente interposta e conhecer-se, de seguida, do pedido de modificação objetiva da instância deduzido pelo Autor, aqui recorrente.”.

Pede a procedência do recurso e a revogação da decisão recorrida.


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O ora Recorrido, notificado da admissão do recursão, apresentou contra-alegações, tendo assim concluído:

“A. Nos artigos 97.º e 99.º do CPTA foi introduzida a previsão de uma nova forma de processo urgente, dirigida a dar resposta célere e integrada aos litígios respeitantes a procedimentos de massa, cujos trâmites correm em férias, com dispensa de vistos prévios, sendo os atos da secretaria praticados no próprio dia, com precedência sobre quaisquer outros (n.º 2 do artigo 36.º do CPTA), circunstância esta, que não se compadece com a tese defendida pelo aqui recorrente, no sentido da aplicação da regra constante da parte final da alínea e) do artigo 279.º do CC ao prazo específico de um mês, estabelecido para a propositura da ação de procedimento de massa, por tal implicar o deferimento do termo desse prazo para o primeiro dia útil subsequente às férias judiciais, o que contende seguramente com a própria lógica subjacente às ações urgentes, como é a ação de procedimento em massa;

B. A previsão do prazo de um mês para a instauração da ação administrativa urgente de procedimento de massa afasta expressamente quer os prazos de um ano e de três meses, previstos para a impugnação de atos anuláveis (referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 58.º do CPTA), quer a previsão de que as impugnações de atos nulos não estão sujeitas a prazo, bem como os prazos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 3 do mesmo artigo 58.º;

C. Isto porque, a possibilidade de o ato ser impugnado para além do prazo de impugnação é, em si, incompatível com a própria lógica que está subjacente à autonomização do meio processual previsto no artigo 99.º, dirigida a obter a redução dos prazos e a concentração dos litígios num único processo, de modo a gerar uma situação de estabilidade jurídica quanto ao resultado do procedimento;

D. A apensação dos diversos processos (de procedimentos de massa) que tenham sido intentados, constituindo um mecanismo essencial para assegurar a uniformidade de julgamento, pressupõe que esses processos sejam instaurados contemporaneamente;

E. E a obrigatoriedade da apensação justifica que devam ser rejeitadas por extemporaneidade as causas que, tendo dado entrada em juízo muito para além do prazo curto definido na lei, já não possam ser instruídas, discutidas e julgadas conjuntamente com o processo entrado em primeiro lugar;

F. Quer porque, conforme determina o artigo 97.º do CPTA, só se aplicam aos procedimentos de massa as normas referentes à ação administrativa (não urgente) que não contendam com o disposto no Capítulo 1, referente à ação administrativa urgente, do Título Jll ( Dos processos urgentes), quer porque não existem dúvidas de que os procedimentos de massa, por serem processos de natureza urgente, são instaurados e tramitados em férias, não é aplicável a norma contida na alínea e) do artigo 279.º do CC, na parte em que equipara as férias judiciais a sábados, domingos e feriados, determinando o deferimento do último dia do prazo para o primeiro dia útil subsequente às férias judiciais, a estes processos urgentes;

G. Também os prazos de propositura das ações urgentes interpostas no âmbito do Código de Processo Civil não se suspendem durante as férias judiciais, conforme decorre dos n.ºs 1 e 4 do artigo 138.º desse mesmo Código, não havendo qualquer razão para que nas ações urgentes interpostas no âmbito do CPTA se entenda diferentemente;

H. A sentença recorrida fez uma interpretação corretíssima da lei e está bem fundamentada, não merecendo qualquer reparo.”.

Pede que o recurso seja julgado improcedente e seja mantida a sentença do Tribunal a quo.


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Notificado o Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, foi emitido parecer no sentido da procedência do recurso, defendendo que a ação é tempestiva.

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O processo vai, sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento, considerando tratar-se de um processo urgente.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir a questão colocada pelo Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

Segundo as conclusões do recurso, a questão suscitada pelo Recorrente, resume-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento de direito, quanto à interpretação e aplicação dos artigos 58.º, n.ºs 1 e 2, 97.º, n.º 1 e 99.º, n.º 2, do CPTA, do artigo 279.º, e) do CC e do artigo 7.º do CPTA, ao julgar procedente a caducidade do direito de ação.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu não procedeu ao julgamento de facto, não tendo dado como provados quaisquer factos.

Dão-se como provados os seguintes factos neste Tribunal ad quem:

A) O prazo para a instauração da presente ação de contencioso de procedimentos de massa terminou em 01/08/2018 – Acordo;

B) A ação foi instaurada em 03/09/2019 – Acordo.

DE DIREITO

Erro de julgamento de direito, quanto à interpretação e aplicação dos artigos 58.º, n.ºs 1 e 2, 97.º, n.º 1 e 99.º, n.º 2, do CPTA, do artigo 279.º, e) do CC e do artigo 7.º do CPTA, ao julgar procedente a caducidade do direito de ação

No presente recurso coloca-se para decisão o fundamento único de saber se incorre a sentença recorrida em erro de julgamento ao julgar procedente a exceção de caducidade do direito de ação, absolvendo a Entidade Demandada e Contrainteressados da instância.

De forma a configurar o litígio em presença, estamos perante uma ação de procedimentos em massa, instaurada sob o disposto no artigo 99.º do CPTA, o qual constitui um processo urgente, segundo o artigo 36.º, n.º 1, b) do CPTA.

Estabelece o artigo 99.º, n.º 2 que, salvo disposição legal em contrário, o prazo de propositura das ações a que se refere o presente artigo é de um mês.

Resulta da sentença recorrida que as partes estão de acordo que o prazo de um mês para a instauração da ação terminou em 01/08/2018, tendo a ação sido instaurada em 03/09/2018.

Por isso, a questão material controvertida que se coloca para decisão e que integra o objeto do presente recurso é apenas a da correção da interpretação a expender em relação ao disposto no artigo 279.º, e) do CC, quanto a saber se a ação foi instaurada ou não de forma intempestiva.

Entendeu a sentença recorrida no sentido da caducidade, invocando como fundamentos nesse sentido, entre outros, de que os procedimentos em massa são processos de natureza urgente, instaurados e tramitados em férias, a que não é aplicável a norma do artigo 279.º, e) do CC na parte em que equipara as férias judiciais a sábados, domingos e feriados, determinando o deferimento do último dia do prazo para o primeiro dia útil subsequente.

Porém, este julgamento não se pode manter, assistindo, por isso, razão ao Recorrente.

Estabelece o artigo 97.º, n.º 1, b) do CPTA que o contencioso dos atos administrativos praticados no âmbito de procedimentos de massa, nos termos do artigo 99.º do CPTA, se regem pelo disposto no presente capítulo e no que com ele não contenda, pelo disposto nos Capítulos II e III do Título II, ou seja, pelas disposições particulares da impugnação de atos administrativos, previstas nos artigos 50.º a 77.º-B do CPTA e ainda pelas normas relativas à marcha do processo, contidas nos artigos 78.º a 96.º do CPTA.

O que inclui, entre muitas outras, a norma do artigo 58.º, n.º 2 do CPTA no que se refere ao modo de contagem do prazo.

A norma do artigo 58.º, n.º 2 do CPTA sofreu alterações com a entrada em vigor do D.L. n.º 214-G/2015, de 02/10, repondo o regime que vigorava antes do CPTA e ao tempo da vigência da LPTA, que corresponde à tradição do contencioso administrativo, estabelecendo a natureza substantiva do prazo de impugnação dos atos administrativos.

A natureza substantiva do prazo não se altera em função da natureza urgente ou não do processo.

Assim, considerando a norma remissiva do artigo 97.º, n.º 1, b), do CPTA, a disposição do artigo 58.º, n.º 2 do CPTA tem aplicação ao presente processo, que segue a forma do contencioso dos procedimentos de massa.

Extrai-se do teor do artigo 58.º, n.º 2 do CPTA, o seguinte:

2 – Sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 59.º, os prazos estabelecidos no número anterior contam-se nos termos do artigo 279.º do Código Civil.”.

O que significa que a esta forma de processo se aplica, além da norma do artigo 58.º, n.º 2 do CPTA no que se refere ao modo de contagem do prazo, também a norma do artigo 279.º do CC, quanto ao cômputo do termo.

Estabelecendo-se expressamente a aplicação do disposto nos artigos 58.º, n.º 2 do CPTA e do 279.º do CC ao contencioso dos procedimentos de massa, previsto no artigo 99.º do CPTA, tem aplicação quer a natureza substantiva do prazo, quer as regras legais de contagem e cômputo do termo do prazo, o que não é alterado pela natureza urgente do processo.

A qualificação de uma certa forma de processo como urgente releva quanto à tramitação e marcha do processo, nos termos do artigo 36.º, n.ºs 2, 3 e 4 do CPTA, não interferindo com o modo de contagem do prazo para a instauração do processo, nem com a regra do cômputo do seu termo.

Nesta matéria regulam exclusivamente as normas dos artigos 58.º, n.º 2 do CPTA e do 279.º do CC.

O ponto da discórdia reside na questão de saber se a norma do artigo 279.º, e) do CC tem aplicação ao processo a que respeitam os autos, nos termos da qual:

À fixação do termo são aplicáveis, em caso de dúvida, as seguintes regras:

(…)

e) O prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e dias feriados são equiparadas as férias judiciais, se o ato sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo.”.

As regras legais de interpretação, ao prescrevem a aplicação do artigo 279.º do CC, não permitem afastar o disposto na sua alínea e), porquanto não existe qualquer incompatibilidade normativa que assim o determine.

Neste sentido, embora em relação a outra forma de processo urgente, vide o Acórdão do STA, de 17/01/2019, Proc. n.º 09/18.8BEAVR 0775/18.

O que acarreta que o prazo legal de 30 dias para a instauração da ação de contencioso dos procedimentos de massa sendo um prazo de natureza substantiva, se conte de modo contínuo, sem suspensão durante as férias judiciais, mas se o prazo terminar em período de férias judiciais, esse prazo transfere-se ou é prolongado para o primeiro dia útil seguinte, por segundo o artigo 279.º, e) do CC, “aos domingos e feriados são equiparados as férias judiciais se o ato sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo”.

Nestes termos, não existindo discordância entre as partes que o prazo para a instauração da ação terminava em 01/08/2018, em pleno período de férias judiciais iniciadas em 16/07/2018, é manifestamente tempestiva a instauração da ação em 03/09/2018, por corresponder ao primeiro dia útil findo o período das férias judiciais.

Ao decidir de ouro modo, a sentença recorrida incorre em erro de julgamento de direito quanto à interpretação e aplicação do disposto no artigo 279.º, e) do CC, o que implica a sua revogação.


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Em consequência, será de conceder provimento ao recurso, por provados os seus fundamentos, revogando-se a sentença recorrida, que julgou a ação improcedente, mantendo o ato impugnado na ordem jurídica.

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Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. Estabelece o artigo 97.º, n.º 1, b) do CPTA que o contencioso dos atos administrativos praticados no âmbito de procedimentos de massa, nos termos do artigo 99.º do CPTA, se regem pelo disposto no presente capítulo e no que com ele não contenda, pelo disposto nos Capítulos II e III do Título II, ou seja, pelas disposições particulares da impugnação de atos administrativos, previstas nos artigos 50.º a 77.º-B do CPTA e ainda pelas normas relativas à marcha do processo, contidas nos artigos 78.º a 96.º do CPTA.

II. O que inclui a norma do artigo 58.º, n.º 2 do CPTA no que se refere ao modo de contagem do prazo.

III. A norma do artigo 58.º, n.º 2 do CPTA sofreu alterações com a entrada em vigor do D.L. n.º 214-G/2015, de 02/10, repondo o regime que vigorava antes do CPTA e ao tempo da vigência da LPTA, que corresponde à tradição do contencioso administrativo, estabelecendo a natureza substantiva do prazo de impugnação dos atos administrativos.

IV. A natureza substantiva do prazo não se altera em função da natureza urgente ou não do processo.

V. O artigo 58.º, n.º 2 do CPTA contempla expressamente a aplicação do artigo 279.º do Código Civil, o que significa que ao contencioso dos procedimentos de massa se aplica, além da norma do artigo 58.º, n.º 2 do CPTA no que se refere ao modo de contagem do prazo, também a norma do artigo 279.º do CC, quanto ao cômputo do termo.

VI. Terminando o prazo para a instauração da ação em pleno período de férias judiciais esse prazo transfere-se ou é prolongado para o primeiro dia útil seguinte, segundo o artigo 279.º, e) do CC.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, por provados os seus fundamentos, revogando-se a sentença recorrida, julgando-se a presente ação de contencioso de procedimentos de massa tempestiva e, em consequência, ordena-se a baixa dos autos para o seu normal prosseguimento, se nada mais obstar.

Custas pelo Recorrido.

Registe e Notifique.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)

(Pedro Marques)



(Paula de Ferreirinha Loureiro)