Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:20028/16.8BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:06/26/2025
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO
PRONÚNCIA INDEVIDA
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário:I-O sentido da decisão não se encontra em contradição ou oposição com os fundamentos, visto que os fundamentos expressos pelo Tribunal arbitral não conduziriam a uma solução de sentido antagónico, o mesmo é dizer que a proposição final (conclusão) revela-se compatível com as proposições logicamente antecedentes (fundamentos), inexistindo, assim, vício de raciocínio, donde nulidade.
II-O erro de julgamento está cerceado aos poderes de cognição deste Tribunal. A propositura da impugnação da decisão arbitral não confere a este órgão jurisdicional o poder de se pronunciar sobre o objeto do litígio, e isto porque a ação de anulação tem efeitos puramente cassatórios ou rescisórios, não atribuindo competência substitutiva ao tribunal, dado que o objeto da ação é, tão-só, a decisão arbitral e não a situação material litigada, ela mesma.

III-A consideração de fundamentos não contemporâneos do Relatório de Inspeção Tributária não traduz uma nulidade por pronúncia indevida, contendendo apenas como uma questão de erro de julgamento e coadunada com o mérito.

IV-Se a ratio decidendi não se fundou, total ou parcialmente, no carácter interpretativo, de uma determinada norma, inexiste qualquer omissão de pronúncia por alegada falta de abordagem de uma concreta inconstitucionalidade, porquanto prejudicada, pela solução adotada no litígio.

V-O respeito pelo princípio do contraditório não exige que, em momento prévio à decisão, o julgador ouça as partes sobre o seu futuro julgamento de facto, ou mesmo relativamente à concreta interpretação jurídica, quando, ademais, é preciso ter presente que o julgador não está adstrito à qualificação jurídica que é conferida pelas partes.

Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO


S…………-COMPANHIA …………………, SA (doravante Impugnante) veio apresentar impugnação da decisão arbitral proferida pelo Tribunal Arbitral Coletivo constituído no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no processo a que aí foi atribuído o n.º ……./2016-T, ao abrigo do artigo 27.º do DL n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária – RJAT).


***

A Impugnante termina a sua impugnação formulando as seguintes conclusões:

“A) 0 Tribunal Arbitral conclui que nenhuma outra leitura (!) é possível fazer, que não a apresentada pela Requerente», ou seja, a interpretação da norma da Impugnante não é uma das interpretações possíveis... é a única interpretação possível da letra da lei.

B) Ora, se assim fundamenta o seu aresto e depois decide pela improcedência com base numa alegada "interpretação correctiva" que não tem e não pode ter segundo o próprio Tribunal Arbitral o «mínimo de correspondência verbal» na letra da lei, há manifesta oposição dos fundamentos com a decisão, o que impõe a nulidade dessa decisão arbitral (cf. a alínea b) do nº 1 do artigo 28º do RJAT).

C) E, subsidiariamente, se este Tribunal entender que não há oposição nos termos supra, então arguir-se-á que o Tribunal Arbitral, ao não respeitar na sua decisão as normas de interpretação do Código Civil e antes decidir com base no que entende ser a “resposta juridicamente melhor”, então já não decide «de acordo com o direito constituído», mas sim com «recurso a equidade», o que é vedado pelo Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (cf. artigo 27, nº 2 do RJAT) e, por isso, a decisão arbitral é nula por pronúncia indevida (cf. a alínea c) do nº 1 do artigo 28.º do RJAT).

D) Acresce que o Tribunal Arbitral conclui que a AT manifestamente, em sede arbitral, procedeu a uma fundamentação a posteriori do acto de indeferimento impugnado, mas insiste ilegalmente em valorar e decidir com base em razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação do acto de indeferimento da reclamação graciosa impugnado,

E) Logo, na decisão arbitral impugnada estamos perante um flagrante caso de pronúncia indevida porque o Tribunal Arbitral decidiu fora das suas competências ao, num contencioso de mera anulação como é o processo arbitral, não se ter procedido a «formulação do juízo sobre a legalidade do acto sindicado tal como ele ocorreu» e admitindo-se fundamentação a posteriori do acto, o que impõe que seja reconhecida a nulidade da decisão (cf a alínea c) do n.° 1 do artigo 28.º do RJAT),

F) 0 Tribunal Arbitral decide que a acção arbitral deveria improceder «por via do carácter interpretativo da alteração ao CIRC introduzida pela Lei n,7-A/2016, de 30 de Março», mas omitiu pronunciar-se sobre a inconstitucionalidade subjacente a essa conclusão e admissão da existência de uma lei interpretativa de «normas em matéria fiscal», por violação da proibição de retroatividade da lei fiscal (cf artigo 103.º, nº 3 da CRP), como peticionado expressamente pela Autora, o que impõe que seja reconhecida a nulidade da decisão, por omissão de pronúncia (cf. a alínea c) do nº 1 do artigo 28.º do RJAT).

G) O Tribunal Arbitral profere uma inaudita decisão arbitral que se fundamenta designadamente numa “interpretação correctiva" da lei, se contradiz toda a jurisprudência arbitral anterior sem qualquer esforço de contradita, se admite contra jurisprudência assente a fundamentação a posteriori e se valora e decide com base em razões de facto e de direito que não constam da fundamentação do acto do acto impugnado e tudo isto sem que a Impugnante (e AT) tenha tido a possibilidade de sobre elas se pronunciar, o que é mais grave quando se sabe de antemão que não há em regra recurso de mérito das decisões arbitrals. 

H) Razão pela qual esta inaudita decisão arbitral, ao assim decidir, com base em factos e direito não debatidos pelas lmpugnante (e AT), constitui uma decisão surpresa com violação do princípio do contraditório e que impõe que seja reconhecida a nulidade da decisão (cf. a alínea d) do nº 1 do artigo 28.º do RJAT).

V. DO PEDIDO

TERMOS EM QUE, E NOS MAIS DE DIREITO QUE V. EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVE SER ANULADA A DECISÃO ARBITRAL. POR OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO, PRONÚNCIA INDEVIDA E OMISSÃO DE PRONÚNCIA, E, DECIDINDO ESTE TRIBUNAL EM SUBSTITUIÇÃO, NOS TERMOS DO DISPOSTO NO ARTIGO 149.º, N.º 1, DO CPTA, EX. VI. ARTIGO 27.º, N.º 2, DO RJAT, DEVE SER DECLARADA A ILEGALIDADE DO ACTO DE INDEFERIMENTO DA RECLAMAÇÃO GRACIOSA E, BEM ASSIM, DECLARADA A ILEGALIDADE PARCIAL DA AUTOLIQUIDAÇÀO DE IRC, INCLUINDO TAXAS DE TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA, DO GRUPO FISCAL SECJL, RELATIVA AO EXERCÍCIO DE 2012, NO QUE RESPEITA AOS MONTANTES DE TAXAS DE TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA EM IRC DE €685.761,62, COM A SUA CONSEQUENTE ANULAÇÃO NESTAS PARTES, ATENTA A MANIFESTA ILEGALIDADE DA LIQUIDAÇÃO NESTAS PARTES, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, DESIGNADAMENTE O REEMBOLSO À REQUERENTE DESTA QUANTIA, ACRESCIDO DE JUROS JNDEMNIZATÓRIOS À TAXA LEGAL CONTADOS DESDE 31 DE MAIO DE 2013, ATÉ AO SEU INTEGRAL REEMBOLSO.”


***

A Impugnada (autoridade Tributária e Aduaneira), devidamente notificada, apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma:

Em face de todo o exposto supra, a Impugnada formula as seguintes conclusões:

A. vem a Impugnante interpor recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), imputando à decisão os vícios de:

v. oposição dos fundamentos com a decisão

vi. pronúncia indevida

vii. omissão de pronúncia

viii. violação do princípio do contraditório

em conformidade com as alíneas b), c) e d) do Art.° 28.° do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (doravante RJAT).

B. Em sentido contrário, entende a Impugnada que a decisão arbitral não enferma dos alegados vícios que a Impugnante lhe imputa, pelos motivos que se passam a elencar.

C. A oposição entre os fundamentos e a decisão sanciona um vicio formal que afecta o respectivo silogismo judiciário, concretizado num vício lógico de construção da decisão em que as premissas de facto ou de direito invocadas pelo julgador deviam conduzir não à conclusão decisória tirada, mas antes a uma diferente, quiçá oposta àquela [a respeito, AC STA de 01.02.2001, R 39.011, e AC STA/Pleno de 06.02.2007, R 322/06; e Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, 1982, Tomo V, página 141].

D. Como escreve Amâncio Ferreira «a oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão pouco, a uma errada interpretação dela. Situações destas configuram-se como erro de julgamento» In, A. Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, 9a edição, pg. 56.

E. Todavia, os argumentos improcedem por três (3) razões essenciais.

F. A (1) primeira advém do facto de, não tendo a Impugnante apreendido verdadeiro sentido da decisão arbitral, por esta ser inexacta ou conter lapso manifesto, aquela deveria ter suscitado a rectificação de erros materiais consignado no art.° 614.° do CPC.

G. Na verdade, deveria a Impugnante ter pugnado para que o Tribunal a quo esclarecesse ou suprimisse as hipotéticas inexactidões, com vista à apreensão do seu verdadeiro sentido.

H. Todavia, a Impugnante não logrou suscitar o pedido de rectificação da decisão arbitral no que a esta questão diz respeito.

I. Ora, como é bom de ver, a Impugnação da Decisão Arbitral não constitui, de todo, o meio processual tendente à rectificação de lapsos.

J. A (2) segunda razão advém do facto do entendimento sufragado pela Impugnante se encontrar eivado por deficiente interpretação da totalidade da decisão arbitral.

K. Com efeito, o Tribunal Arbitral relevou o sentido da sua decisão, o seu iter cognoscitivo, sem que se contradissesse ou sem que se vislumbrasse qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão, tal como infra ficará cristalinamente demonstrado.

L. Pelo que, também improcedem os argumentos apresentados pela Impugnante. apenas, quanto muito, o que não se concede, um erro de julgamento.

M. Por fim, e em (3) terceiro lugar, refira-se que os factos narrados nunca consubstanciarão a nulidade da sentença por oposição entre os factos e a decisão, mas apenas, quanto muito, o que não se concede, um erro de julgamento.

N. Como tem sido sufragado por esse colendo Tribunal em vários acórdãos, os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrals para os T. C. Administrativos, consiste na impugnação de tal decisão, consagrada no Art°.27 do RJAT, com os fundamentos que se ancorem nos vícios de forma expressamente tipificados no Art°.28, n°.1. (cfr. ac.T.C.A.Sul-2a.Secção, 19/2/2013, proc.5203/11; ac.T.C.A.Sul-2a.Secção, 21/5/2013, proc.5922/12; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.234 e seg.).

O. Da decisão aqui impugnada retira-se o seguinte parágrafo que serve de escoro às erráticas alegações da Impugnante:

«Sob um ponto de vista semântico-literal, aceite o pressuposto-que ora se aceita- de que a liquidação das tributações autónomas se faz nos termos do n.° 1 do artigo 90.° transcrito, nenhuma outra leitura é possível fazer, que não a apresentada pela Requerente, sendo irrefutável a conclusão condensada no seu pedido arbitral principal.»

P. Ou seja, a Requerida, ora Impugnada, não desconhece aquela afirmação do Colectivo do Tribunal Arbitral na decisão que ora vem impugnada.

Q. Sucede, porém, que a ora Impugnante obnubila estrategicamente - naquilo que são as suas doutas Alegações - o trecho que de seguida dá conclusão àquela afirmação do Colectivo do Tribunal Arbitral e que agora citamos:

«Todavia, a leitura jurídica, por impositivo legal (e também lógico-racional) não se cinge, nem deve cingir, ao texto das normas enquanto realidade semântico-gramatical, devendo antes colocar-se num plano axiológico-racional, ancorado em todos os elementos da interpretação jurídica.»

R. Ora, mais não faz aquele Tribunal que afirmar que, dentro daquilo que são as regras gerais de interpretação do Direito que, não obstante da letra da Lei imediatamente, no seu entender, resultar a interpretação da Requerente, ora Impugnante, a mera interpretação literal não se compadece com as regras de interpretação, havendo necessariamente que ir mais além....

S. em conformidade com aquilo que impõe e permite o art.° 9.° do Código Civil

T. não queira a Impugnante induzir este Colendo Tribunal em erro ao alvitrar uma qualquer decisão surpresa que redundaria numa pronúncia indevida pois que o Tribunal Arbitral expressamente escora-se, e assim bem andou, naquilo que foi alegado pela Impugnada,

U. Ora, resulta daqui que ao contrário do propugnado pela Requerente, ora Impugnante, o tribunal não se limitou à letra da Lei, fazendo antes, dentro daquilo que lhe é exigível enquanto interpretador e aplicador da Lei, um «...percurso hermenêutico...» Negrito e sublinhado nossos (cit. decisão ora Impugnada) sobre as normas em questão e o thema decidendum, fazendo uma correcta subsunção dos factos tributários às normas de incidência em questão, dentro daquilo que no seu livre julgamento e interpretação julgou mais correcto,

V. Mas sempre, e sublinhe-se, sempre, dentro daquilo que foi a delimitação do thema decidendum efectuada quer pela Requerente quer pela Requerida nos autos em apreço.

W. Ou seja, nunca o Tribunal foi além daquilo que lhe foi colocado, nunca o tribunal decidiu com base numa qualquer inexistência de alegação de direito e/ou factual.

X. E isso vem e resulta do longo da decisão exarada por aquele Tribunal, fazendo sempre referência à insuficiência da interpretação meramente literal tal como propugnada pela Requerente, vide:

«...A literalidade da interpretação proposta pela Requerente nas estreitas vistas da letra da lei todas aquelas situações-porquanto todas elas se liquidarão nos termos do artigo 90.°/1 do CIRC aplicável.

Ora, já atrás, e em outras ocasiões, se apontou a vã glória de fechar, num conceito unitário, todas as tributações autónomas, mesma as que apenas ocorrem no âmbito do IRC, atenta a sua disparidade teleológica e funcional. E, aqui, emerge uma das principais fragilidades do edifício argumentativo onde reside a posição da Requerente: a de assentar num postulado de unicidade das tributações autónomas em IRC caracterizado por aquelas “serem ainda tributação sobre o rendimento/lucro, na qualidade de substituto da proibição de dedução de certas despesas ao lucro tributável”.

Y. Concluindo lapidarmente que:

Do quanto vem de se dizer resulta, desde logo, que toda a argumentação tecida pela Requerente, relativamente à natureza das tributações autónomas, enquanto tributadoras ainda de rendimento é inconsequente para a decisão da matéria sub iudice, porquanto, apenas abrange uma parte das tributações autónomas onde se reconhecem tais características.

Por outro lado, resulta ainda que o edifício argumentativo apresentado pela Requerente em abono da sua pretensão, abriga em si o potencial de acolher pretensões - que, inclusive, face aos factos dados como provados, é em parte o caso da Requerente-em que se vise proceder a deduções nos termos do n.° 2 do artigo 90.° do CIRC aplicável, a tributações autónomas relativas, por exemplo, a despesas confidenciais ou pagamentos a entidades sujeitas a um regime fiscal claramente mais favorável.

Ora, este tipo de pretensão, não se poderá ter como querido, por um legislador razoável, face a toda a sistemática do IRC em sentido amplo, incluindo as tributações autónomas.

Efetivamente, não será sustentável que, tendo indo onde, juridicamente, o legislador do CIRC foi, tendo em vista, por exemplo, ao combate à economia paralela ou as transaccões com os chamados (incorrectamente) “paraísos fiscais", fosse sua intenção que a respectiva carga de tributação autónoma, pudesse ser aligeirada por meio das deduções previstas no n.° 2 do artiao 90.° do CIRC.»

Z. Ou seja, afirma ainda o Tribunal, afastando definitiva mente o caminho preconizado pela Requerente que da mera interpretação literal por si defendida resulta numa «...entropia sistemática..» (cit. Decisão ora Impugnada)

AA. Finalizando sempre se dirá que , e desde logo, tem-se pacificamente entendido, que: «Em matéria de direito, o tribunal não está sujeito à alegação das partes, nem sequer no que respeita à qualificação jurídica dos factos por elas efectuada, e goza de liberdade na indagação, interpretação e aplicação do Direito (art. 664.° do CPC.» In Acórdão do STA de 05-06-2013, proferido no processo 0433/13, disponível em www.dgsi.pt.

B. Pelo que, colocar aqui também em causa a interpretação correctiva efectuada pelo Tribunal Arbitral obrigatoriamente não superará aquilo que são os fundamentos de facto e de direito inerentes à decisão ora impugnada.

CC. Com efeito, o facto de a letra da lei não conter o teor normativo da interpretação correctiva, é pressuposto desse mesmo tipo de interpretação.

DD. Retomando aqui as palavras do ilustre Mestre Batista Machado, transcritas na decisão arbitral:

«Quando a fórmula normativa é tão mal inspirada que nem sequer alude com clareza mínima às hipóteses que pretende abranger e, tomada à letra, abrange outras que decididamente não estão no espírito da lei, poderá falar-se de interpretação correctiva. O intérprete recorrerá a tal forma de interpretação, é claro, apenas quando só por essa via seja possível alcançar a fim visado pelo legislador.» in “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, Almedina. 20.a reimpressão, 2012. p. 186

EE. Ora, a “surpresa” da Impugnante reporta-se a uma mera constatação feita na decisão arbitral, que decorre directamente da Lei (ou seja, o art.° 135.° da Lei n.° 7-A/2016, de 30 de Março diz que o aditamento do art.° 88.°/21 do CIRC tem natureza interpretava, não obstante nenhuma controvérsia preexistir relativamente ao próprio art.° 88.°), que não integra, minimamente, a ratio decidendi da decisão, vide pontos III e IV das presentes contra-alegações.

FF. Falecem assim, os argumentos apresentados pela Impugnante.

GG. Quanto à alegada (mas inexistente) fundamentação a posteriori, bastar-nos-emos com aquilo que vem na decisão e que de seguida passamos a citar:

«A terminar, vem nas suas alegações a Requerente invocar que a defesa da AT em sede arbitral consubstanciará uma fundamentação a posteriori do acto reclamado.

Como é sabido, tem-se firmado jurisprudência no sentido de que:

"No contencioso de mera legalidade, como é o caso do processo de impugnação judicial, o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do acto sindicado tal como ele ocorreu, apreciando a respectiva legalidade em face da fundamentação contextuai integrante do próprio acto, estando impedido de valorar razões dc facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocados a posteriori na pendência do recurso contencioso”.

Ora é manifesto que a fundamentação da presente decisão, e a base da defesa da AT em sede arbitral divergem notoriamente da fundamentação do acto de decisão da reclamação graciosa apresentada pela Requerente.

Tal não é, salvo o devido respeito, no caso, motivo para anulação de tal acto.

Com efeito, e desde logo, tem-se pacificamente entendido, também, que:

"Em matéria de direito, o tribunal não está sujeito à alegação das partes, nem sequer no que respeita à qualificação jurídica dos factos por elas efectuada, e goza de liberdade na indagação, interpretação e aplicação do Direito (art. 664.° do CPC)."

Por outro lado, e como também tem sido jurisprudência:

"Apesar das implicações que a declaração de fundamentação possa eventualmente ter na substância da decisão, há que distinguir a vertente formal, aquela que interessa no cumprimento do imperativo da fundamentação, da vertente material, que na estrutura do acto respeita sobretudo à existência dos pressupostos reais que suportam a decisão de fundo.

Ou seja, a fundamentação formal, impressa no cumprimento do imperativo de fundamentação, pode estar certa ou errada, contendendo apenas com a validade do acto se, e na medida, em que cristaliza os pressupostos de facto e de direito do acto e estes sejam desconformes à lei, consubstanciando-se num erro de facto e/ou de direito.

Por fim, o artigo 2.° do RJAT, toma como referente da competência dos tribunais arbitrals, os actos primários (“actos de liquidação de tributos, de auto liquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”), sendo os actos secundários unicamente relevantes como referentes da tempestividade da pretensão impugnatória, como resulta do artigo 10..° n°1 /a) daquele Regime, onde se impõe que os pedidos de constituição de tribunal arbitral sejam apresentados no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.° 1 e 2 do artigo 102.0 do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Daí que, em primeira linha, se esteja no presente processo a sindicar a legalidade do acto de autoliquidação de IRC da Requerente (objecto directo da competência dos tribunais arbitrals), sendo a legalidade do acto secundário de reclamação graciosa - cuja função principal é garantir a tempestividade da Requerente para a impugnação arbitral do acto primário-meramente reflexa ou derivada da legalidade daquele.

Assim, a eventual anulação do acto de decisão da reclamação graciosa por fundamentação errada, quando-como é o caso- se conclui pela não verificação das ilegalidades arguidas ao acto primário sempre redundaria num acto inútil e como tal proibido, já que, vinculada pelo caso julgado a Autoridade Tributária não mais faria no novo acto que obrigatoriamente confirmar o decidido em sede arbitral.”

HH. Termos quem que a aqui Impugnada não pode divergir da acertada conclusão do Tribunal Arbitral e que será, por certo o correcto julgamento deste Colendo Tribunal, concluindo que «...haja. também esta alegação de improceder.» Negrito e sublinhado nossos (cit. Decisão ora impugnada)

II. Adicionalmente, não se acompanha o raciocínio da Requerente, ora Impugnante, porquanto a alegada fundamentação a posteriori baseia-se essencialmente no artigo 135° da Lei n.° 7-A/2016 de 30 de março (OE 2016), o qual aditou o número 21.° ao artigo 88.° do CIRC, atribuindo-lhe carácter interpretativo.

JJ. Ora, com o devido respeito, não assiste qualquer razão à Impugnante porquanto o OE 2016 entrou em vigor em 31.03.2016, i.e., já depois da propositura do pedido de pronúncia arbitral aqui impugnado - a qual ocorreu em 21.03.2016.

KK. Estaríamos portanto, perante uma impossibilidade que se o acto de segundo grau sindicado pela Impugnante se referisse a uma norma à data inexistente no ordenamento jurídico.

LL. Por seu turno, se à mesma não tivesse sido atribuído carácter interpretativo, por força do princípio de que a lei só dispõe para o futuro acompanharia a Impugnada a argumentação da Impugnante.

MM. Mas não neste caso!

NN. Aliás, não referir expressamente a mesma seria sim uma grave conduta omissiva da Requerida, violadora quer do princípio da legalidade, quer naquela que é a sua missão de salvaguarda do interesse público.

OO. Sobre a alegada (mas inexistente) omissão de pronúncia, também aqui decaem as pretensões da Impugnante, e por duas (2) ordens de razão,

PP. Em primeiro (1) lugar porque a própria decisão ora impugnada é expressiva e contundente no que a esta questão diz respeito. Efectivamente, jamais o Tribunal Arbitral considerou que o pedido arbitral devia improceder por via do carácter interpretativo da alteração ao CIRC introduzida pela Lei n.° 7-A/2016, de 30 de Março.

QQ. Em segundo (2) lugar, porquanto a Requerente, ora Impugnante, requereu a 2016- 11-28 uma aclaração do Acórdão Arbitral na qual pretendia «...conhecer qual a opinião do Tribunal Arbitral sobre a inconstitucionalidade por si oportunamente para que conhecendo-a...» pudesse «.. presentar também um recurso para o Tribunal Constitucional.»

RR. Ora, a aclaração, desnecessária per si, em face do iter cognoscitivo e do fundamento decisório do Acórdão, foi, ainda assim, prolatada a 2016-12-06 e notificada à Impugnante naquela mesma data.

SS.i.e., conclui o Tribunal Arbitral que, in casu, não estamos sequer perante uma norma interpretativa,

TT. pelo que, o julgamento de qualquer inconstitucionalidade que se levantasse-e que foi efectivamente suscitada pela Requerente, ora Impugnante - em face da propalada, mas muito discutível, impossibilidade constitucional da existência de leis interpretativas em matéria fiscal, fica desde logo prejudicada pela livre conclusão do Tribunal de que a norma incluída pelo OE de 2016 não tem qualquer carácter interpretativo.

UU. Ora, mais não fez o Tribunal Arbitral que concluir na ratio decidendi do acórdão proferido nos autos, que a sua decisão não assenta, total ou parcialmente, quer no n.° 21 do artigo 88.° do CIRC, aditado pela Lei n.° 7-A/2016, de 30 de Março, quer no artigo 135.° da Lei que aprovou o OE de 2016, não tendo sido critério normativo da decisão proferida, o carácter interpretativo, ou não, do referido n.° 21.° do artigo 88.° do CIRC, ou da alteração legislativa que o mesmo aportou.

VV. Pelo que, e como já ante vem referido, a ratio decidendi subjacente à solução dada, prejudicou o conhecimento das questões de constitucionalidade relativas ao “carácter interpretativo da alteração ao CIRC introduzida pela Lei n.° 7-A/2016, de 30 de Março" expressamente mencionado no artigo 135.» da Lei que aprovou o OE de 2016.

WW. isto na medida em que, o Tribunal Arbitral considerando que o ordenamento jurídico vigente à data do facto tributário justifica a solução dada,

XX.termos em que ficou prejudicada a questão de ponderar os reflexos das alterações legislativas posteriores,

YY.Face ao texto decisório, foram estes, e não outros - designadamente o “carácter interpretativo da alteração ao CIRC introduzida pela Lei n.° 7-A/2016, de 30 de Março", que não foi mencionado previamente à conclusão tomada, por não interferir na ponderação que a ela conduziu - os fundamentos normativos em que assentou a conclusão da decisão que ora vem impugnada.

ZZ. i.e., de que se tornou «...forçoso interpretar comectivamente a norma do artigo 90.°/2 do CIRC aplicável, de modo a restringir a remissão que faz para o n.° 1 da mesma norma». Cit. Decisão ora impugnada

AAA. Deste modo, não se tendo chegado à conclusão que se chegou por via do carácter interpretativo da alteração ao CIRC introduzida pela Lei n.° 7-A/2016, de 30 de Março, não existia qualquer obrigação de pronúncia do Tribunal Arbitral, relativamente à constitucionalidade da “admissão da existência de uma lei interpretativa de «normas em matéria fiscal», questão que ficou, como se disse, prejudicada pela solução a que chegou o Tribunal Arbitral.

BBB. Sendo que é reiterado o entendimento deste Colendo Tribunal que se o Tribunal entende que o conhecimento de uma questão está prejudicado e o declara, poderá haver erro de julgamento, se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento, o que aqui não se concede, mas não nulidade por omissão de pronúncia.

CCC. Ora, novamente fenecem aqui os argumentos da Impugnante que aqui, repetidamente, tenta, em vão, aquilo que lhe é vedado pelo RJAT, i.e., um recurso de mérito.

DDD. No que concerne à alegada (mas inexistente) violação do princípio do contraditório, em face de tudo o quanto vem exposto no presente excurso, nomeadamente nos pontos II, III e IV, também aqui decaem in totum as pretensões da Impugnante.

EEE. É que, devidamente lida, a decisão permite compreender que foi devidamente ponderada jurisprudência, tida pela Requerente como “extensa” e “dominante”, já que à mesma se reportam, evidentemente, todas as referências à posição, interpretação e posição daquela, e outras análogas, uma vez que o entendimento sustentado por aquela nos autos assenta, de forma praticamente exclusiva, em tal jurisprudência.

FFF. Reitere-se que a “surpresa” da Impugnante reporta-se a uma mera constatação feita na decisão arbitral, que decorre directamente da Lei (ou seja, o art.° 135.° da Lei n.° 7- A/2016, de 30 de Março diz que o aditamento do art.° 88.°/21 do CIRC tem natureza interpretativa, não obstante nenhuma controvérsia preexistir relativamente ao próprio art.° 88.°), que não integra, minimamente, a ratio decidendi da decisão, vide pontos III e IV das presentes contra-alegações.

GGG. Ora, mais não faz aquele Tribunal que afirmar que, dentro daquilo que são as regras gerais de interpretação do Direito que, não obstante da letra da Lei imediatamente, no seu entender, resultar a interpretação da Requerente, ora Impugnante, a mera interpretação literal não se compadece com as regras de interpretação, havendo necessariamente que ir mais além....

HHH. Termos em que não vislumbra a Requerida o alcance deste trecho das Alegações da Impugnante dedicado a esta temática, nem, tão pouco, qual a pertinência e utilidade que possa trazer enquanto escoro da sua errática tese

III. No que concerne ao pedido efectuado pela Impugnante, apenas referir que, neste meio processual, é sempre um e só um o efeito que a Impugnante pode almejar, i.e., a anulação da sentença ou acórdão arbitral, por o legislador ter reservado a sindicância do mérito da decisão arbitral para o Supremo Tribunal Administrativo e para o Tribunal Constitucional nos exactos termos definidos no artigo 25.° do RJAT.

Termos em que, por tudo o supra exposto e sempre com o douto suprimento de V. Exas, deve a presente impugnação ser julgada improcedente, por não provada, e, consequentemente, ser mantida a decisão arbitral, assim de fazendo a costuma justiça”.


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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) teve vista nos termos do artigo 146.º do CPTA.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II. Fundamentação de Facto

A decisão arbitral possui impugnada apresenta o teor que infra se transcreve:

“A. MATÉRIA DE FACTO
A.l. Factos dados como provados
1- A Requerente era em 2012 a sociedade dominante de um grupo de sociedades (o Grupo S.........) sujeito ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETOS) previsto e regulado no artigo 69.° e ss. do Código do IRC.
2- A Requerente entregou no dia 31 de Maio de 2013 a sua declaração agregada de IRC Modelo 22 referente ao exercício de 2012, tendo, nesse momento, procedido à autoliquidação do referido imposto (incluindo a derrama consequente), sendo que em 29 de Maio de 2014 apresentou ainda modificações a essa autoliquidação mediante a submissão de declaração de substituição.
3- O valor do IRC, incluindo tributações autónomas, e da derrama consequente, autoliquidado, encontra-se pago.
4- A Requerente pretendeu inscrever o valor relativo às taxas de tributação autónoma em IRC, deduzido, dentro das forças da colecta resultante da aplicação destas taxas, dos montantes de beneficio fiscal reconhecido às empresas do grupo fiscal ao abrigo do Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE), na modalidade de crédito de imposto dedutível à colecta de IRC, o que não logrou porquanto o sistema informático da AT revelou anomalias consubstanciadas no assinalar de divergências (“erros”) que impediu a inscrição dos valores que a Requerente pretendia.
5- O Grupo Fiscal da Requerente apresentava SIFIDE por utilizar de € 6.373.147,25. no exercício de 2012, disponível para dedução à colecta de IRC, de acordo com o seguinte quadro:

6- Nesse mesmo exercício, a Requerente apurou tributações autónomas no valor de €685.761,62, de acordo com o seguinte quadro:



7- A AT não apurou o lucro tributável do Grupo Fiscal S......... e respectivas sociedades por métodos indirectos, tendo o mesmo sido apurado nos termos normais, via apresentação da declaração modelo 22.
8- As empresas integrantes do grupo na origem do SIFIDE não são e não eram então entidades devedoras ao Estado e à segurança social de quaisquer impostos ou contribuições.
9- Em sede de reclamação graciosa, a AT indeferiu o peticionado pela Requerente, ou seja, que o benefício fiscal SIFIDE de que aquela gozava, fosse deduzido ao montante liquidado a título de tributação autónoma.
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.° 123.°, n.° 2. do CPPT e artigo 607.°, n.° 3 do CPC, aplicáveis vi artigo 29.°, n.° 1. alíneas a) e e). do RJ AT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.°, n.° 1, do CPC. correspondente ao actual artigo 596.°, aplicável ex vi do artigo 29.°, n.° 1, alínea e), do RJAT). 
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
B. DO DIREITO
A questão principal decidenda nos presentes autos, sendo, sem dúvida, complexa na sua resolução, é, todavia, simples na sua formulação, e prende-se com saber se é, ou não, possível a dedução à parte da colecta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma, de incentivos fiscais, em sede de IRC, disponíveis.
A problemática subjacente às tributações autónomas, tem sido objecto de acirrado contencioso entre os contribuintes e a Autoridade Tributária, situação a que não será, de todo, estranha, a natureza própria, anti-sistémica, até, de que aquelas se revestem, no quadro dos impostos sobre o rendimento, onde germinaram.
Efectivamente. a discussão que deflagrou com as novas taxas de tributação autónoma introduzidas pela Lei n° 64/2008, de 5 de Dezembro, e incidiu inicialmente sobre a natureza do facto tributário subjacente àquele tipo de tributação, abriu um percurso exploratório profundo sobre a natureza das tributações autónomas e da sua relação com os impostos sobre o rendimento, em especial o IRC, que passou pelas problemáticas da dedutibilidade do valor das tributações autónomas à colecta de IRC, e pela natureza, presuntiva, ou não, das tributações autónomas sobre despesas dedutíveis, sem que até à data tenha havido uma intervenção legislativa clarificadora, doutrinalmente sustentada e coerente, no sentido de clarificar o devido enquadramento das tributações em causa, no edifício do imposto sobre rendimento de onde emergem.
Neste quadro, decisões jurisprudenciais casuísticas, sucedem-se a intervenções legislativas igualmente casuísticas, gerando um quadro de incerteza e instabilidade onde, contribuintes e Autoridade Tributária não têm outra via de procurar o Direito aplicável, que não a litigiosidade perpetuada, resvalando para o intérprete judicativo a ingrata tarefa de, no emaranhado normativo gerado, servir a Justiça possível.
Vejamos, então.
Quando se fala em tributações autónomas, como é o caso, é conveniente desde logo ter presente que está em causa um conjunto de situações díspares, que abrangerão, pelo menos, três tipos distintos, a saber:
ü Tributação autónoma de determinados rendimentos (ex.: n.°s 3, 5 e 6 do CIRS);
ü Tributação autónoma de determinados encargos dedutíveis (ex.: n.°s 3 e 4 do artigo 88.° do ClRC);
ü Tributação autónoma de outros encargos independentemente da respetiva dedutibilidade (ex.: artigos 1 e 2 do artigo 88.° do CIRC).
Este dado torna-se importante porquanto, porque só por si evidencia a disparidade e heterogeneidade das situações sujeitas a tributações autónomas, e a inutilidade de nesta sede sintetizar e procurar uma natureza jurídica própria e unitária, comum a todas as situações.
Deste modo, dever-se-á centrar a discussão na concreta questão colocada pela Requerente e procurar uma resposta, devidamente fundada, para os termos restritos daquilo que está em causa nos autos, que será então saber se é, ou não, possível a dedução à parte da colecta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma, de incentivos fiscais, em sede de IRC, disponíveis.
Devidamente equacionada, nestes termos, a questão a solucionar nos autos, cumprirá ainda ter presente que o referente fundamental da resposta a dar àquela, será o formulado no artigo 9.° do Código Civil, segundo o qual deverá ser reconstituído, a partir dos textos, o pensamento legislativo, que tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
Neste quadro, o desiderato da presente decisão será, não o de teorizar sobre a natureza jurídica das tributações autónomas em geral, ou de qualquer dos seus vários tipos, mas antes o de apurar se o pensamento legislativo, com um mínimo de correspondência verbal na letra da lei, ainda que imperfeitamente expresso, era ou não, à data do facto tributário em questão nos autos, possível a dedução à parte da colecta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma, de incentivos fiscais, em sede de IRC, disponíveis.
Inútil será, julga-se, procurar uma base conceptualista, assente numa definição dogmática de conceitos monolíticos de IRC e de Tributações Autónomas, retirados de normação estranha à matéria decidenda, professando um "ontologismo escolástico” que procure “deduzir de forma puramente lógica, a partir de conceitos abstractos superiores, outros, cada vez mais concretos e plenos de conteúdo metodologicamente ultrapassado, visando conceito final unitário de Tributações Autónomas, agregador de realidades jurídicas de natureza e teleologia díspares, e que sirva de fonte validante de todas as soluções para as diversas problemáticas que a matéria em causa convoca.
Almejar-se-á, deste modo, apenas averiguar qual a solução que, face ao direito constituído, devidamente interpretado, se afigura caber ao caso concreto, não se tomando a resposta dada à questão decidenda como uma evidência acabada, exata e com um grau extremo de rigor e exatidão, mas, meramente, como aquela que, reflexivamente, se apresentou aos seus subscritores como a, juridicamente, melhor.
Sobre a matéria sub iudice, considera a Requerente que “que a jurisprudência tem entendido, de modo praticamente unânime, que a colecta de IRC prevista no (em vigor até 2013) artigo 45.°, n.° 1, alínea a), do CIRC, compreende, sem necessidade de qualquer especificação adicional, a colecta das tributações autónomas em IRC, pelo que "se há-de também entender que a colecta do IRC prevista no mesmo código “uns metros mais à frente" (artigo 90.°, n.° 1, e n.° 2, alínea b), do CIRC, na redacção em vigor em 2013) abrange também a colecta das tributações autónomas em IRC.”, concluindo que "a negação da dedução dos créditos do SIFIDE à colecta em IRC das tributações autónomas viole a alínea b) do n.° 2 do artigo 90.v do CIRC (anteriormente a 2010, artigo 83. e desde 2014 passou a ser a alínea c) do referido n. ° 2 do artigo 90. ° do CIRC).”.
“E precisamente nas argumentações pedantemente exactas, pensadas com um grau extremo de rigor e exactidão, que temos frequentemente a impressão de que algo, de alguma forma, não faz sentido."; idem, p. 
Convoca a Requerente, em seu abono, as decisões arbitrais proferidas nos processos n.° 769/2014-T e n.° 219/2015-T, bem como o voto de vencido lavrado no processo n.° 697/2014-T. para além de outras decisões em processos fiscais conexos, como sejam as decisões de tribunais arbitrais que consideraram que as tributações autónomas são IRC, daí se retirando como consequência que se lhes aplicam normas dirigidas ao IRC como a referente à não consideração da colecta do IRC para o cômputo do lucro tributável cm IRC, pedindo "que, coerentemente, se conclua que a colecta de IRC constituída por estas tributações autónomas esteja disponível, a par da restante colecta do IRC, na operação das deduções à colecta previstas no artigo 90. ° do CIRC, entre as quais se encontra a dedução do SIFIDE.”.

*
A base da pretensão da Requerente é literalmente simples e linear e resulta da constatação de que, fazendo-se a liquidação das tributações autónomas nos termos do artigo 90.°/1 do CIRC aplicável, a tal liquidação aplicar-se-ão as deduções previstas no seu n.° 2.
Efectivamente é o seguinte, o teor dos normativos em causa:
"1 - A liquidação do IRC processa-se nos seguintes termos:
a) Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.° e 122.°, tem por base a matéria coletável que delas conste:
b) Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 120°, a liquidação é efetuada até 30 de novembro do ano seguinte aquele a que respeita ou. no caso previsto no n.° 2 do referido artigo, até ao fim do 6.° mês seguinte ao do termo do prazo para apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria coletável do exercício mais próximo que se encontre determinada;
c) Na falta de liquidação nos termos das alíneas anteriores, a mesma tem por base os elementos de que a administração fiscal disponha.
2 - Ao montante apurado nos termos do número anterior são efetuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:
a) A correspondente à dupla tributação internacional;
b) A relativa a benefícios fiscais;
c) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.°; 
d) A relativa a retenções na fonte não suscetíveis de compensação ou reembolso nos termos da legislação aplicável.”.
Sob um ponto de vista semântico-literal, aceite o pressuposto-que ora se aceita - de que a liquidação das tributações autónomas se faz nos termos do n.° 1 do artigo 90.° transcrito, nenhuma outra leitura é possível fazer, que não a apresentada pela Requerente, sendo irrefutável a conclusão condensada no seu pedido arbitral principal.
Todavia, a leitura jurídica, por impositivo legal (e também lógico-racional) não se cinge, nem deve cingir, ao texto das normas enquanto realidade semântico-gramatical, devendo antes colocar-se num plano axiológico-racional, ancorado em todos os elementos da interpretação jurídica.
Daí que, em ordem a obter aquilo que seja a leitura correcta do texto, seja necessário realizar determinados testes a nível do edifício sistemático onde a norma interpretanda se enquadra, de modo a validar, face ao mesmo, e à luz dos critérios de racionalidade, congruência e razoabilidade que necessariamente norteiam aquela estrutura normativa, a interpretação literalmente sugerida.
Assim, e desde logo, como muito bem aponta a entidade Requerida, “a liquidação das tributações autónomas é efectuada com base nos artigos 89.º e 90. ° n. ° 1 do Código do IRC mas, aplicando regras diferentes para o cálculo do imposto:
(1) num caso a liquidação opera, mediante a aplicação das taxas do artigo 87." à matéria colectável apurada de acordo com as regras do capítulo III do Código e
(2) no outro caso, são apuradas diversas colectas consoante a diversidade dos factos que originam a tributação autónoma''.
Ou seja, a montante, não se pode descurar um primeiro dado relevante, que é o de que nos artigos 89.° e 90.º do CIRC. converge a liquidação de duas formas de imposição relativas ao mesmo imposto - radicalmente distintas, a saber, o IRC tradicional, ou stricto sensu. e as tributações autónomas.
Com efeito, e como se teve oportunidade de escrever noutra sede , "a complexidade gerada pelas sucessivas alterações na arquitetura do CIRC conduziram (...) a um edifício normativo atípico, no qual se poderá discernir um core correspondente ao que se poderá chamar IRC tout court (ou em sentido estrito), que a Requerente pretende que esgote tudo o que seja designado por IRC. e uma periferia que integra regulamentações "marginais", subtraídas, em grande parte, à lógica da natureza e princípios do IRC tout court. mas que, não obstante, ainda se situam no "campo gravitacional" daquele.
É no processo de concretização desta zona de difícil definição que todas as decisões analisadas (...) operam, não podendo as mesmas ser devidamente compreendidas sem que se compreenda também que. de facto, o que todas as decisões em questão estão a fazer é apurar quais as consequências que a "gravitação" em torno do campo do IRC aportam para as matérias em cada uma delas abordadas.”.
Nesse sentido, “dentro do quadro hermenêutico acima desenhado, (...) por força da evolução histórica do respetivo regime legal, se constituiu um tipo de IRC que integra um núcleo duro (...) e um grupo de normações adjacente, que comunga de parte da lógica e do regime daquele, mas que em muitos aspetos diverge dos mesmos. E, mais adiante, “da consideração do texto legislativo, estaticamente e na sua evolução histórica, resulta que o legislador entendia, e continua a entender, que as tributações autónomas integram o IRC, senão enquanto imposto stricto sensu. pelo menos em termos de fazerem parte do mesmo regime fiscal unitário”.
Isto porque "o regime legal das tributações autónomas em questão nos autos apenas faz sentido no contexto da tributação em sede de IRC. Ou seja, desligado do regime legal deste imposto, carecerão aquelas do seu principal referente de sentido. A sua existência, o seu propósito, a sua explicação, no fundo, a sua juridicidade. apenas é devidamente compreensível e aceitável no quadro do regime legal do IRC.”.
Daí que não, “se entenda que “a definição de IRC” constante dos artigos 1.º e 3.º do CIRC"' esteja "realmente ultrapassada por uma nova definição de aplicação transversal geral', sendo essa uma postura epistemológica própria de um conceptualismo que. liminarmente, se repudiou.
Pelo contrário: trata-se do reconhecimento daquilo que, face ao quadro legal vigente, se impõe como o mais razoável: o abandono definitivo de qualquer definição de aplicação transversal/geral de IRC, e o reconhecimento do regime deste como uma realidade complexa e multifacetada. irredutível a uma definição daquela índole, que apenas um conceptualismo fundamentalisticamente abstracionista poderá pressupor".
Por isso, “Tudo aquilo que se tem vindo a dizer evidencia que a evolução do regime legal do IRC transmutou-o numa realidade complexa e multifacetada. aos mais diversos níveis, que se reflete, na matéria que nos ocupa nestes autos, na tal “natureza dual de que falava o Prof. Saldanha Sanches na passagem citada no Acórdão 617/2012 do TC.
O reconhecimento desta dualidade de natureza não prejudica, contudo, como se entende estar subjacente quer à citação em causa quer à jurisprudência que a cita. que se considere que o sistema, apesar de dual. seja o mesmo . Dito de outro modo. apenas faz sentido falar-se de um sistema dual. se o sistema em questão, globalmente considerado, for, ainda, o mesmo. Caso contrário falar-se-ia não de um sistema de natureza dual. mas de dois sistemas distintos, o que. por tudo o que se vem dizendo, não será o que ocorre. E, in casu. o sistema será o regime do IRC. que operando ora pelo lucro, ora pelos gastos, visa e prossegue as finalidades próprias daquele imposto, incluindo, evidentemente, a arrecadação de receita para o Estado.".
Por fim, “Em jeito de conclusão, face a tudo o que se vem de expor, e em favor de um rigor conceptual, dir-se-á ainda que se pende para o entendimento de que as tributações autónomas, tal como existem atualmente, se poderão configurar como um imposto "híbrido" , incidindo sobre o rendimento das pessoas singulares e das pessoas coletivas, e não sobre o consumo ou a despesa, pois não apresentarão as principais características desta forma de tributação".
Ou seja, já anteriormente se detectou, por um lado, a futilidade de procurar um conceito unitário de IRC que acomode, coerentemente, o regime das tributações autónomas, e que, por outro, a via metodologicamente mais profícua de gerar soluções juridicamente adequadas para a problemática em causa passa por compreender o regime do IRC actual como produto de uma evolução historicamente explicada que conduziu à edificação de uma estrutura de natureza dual ou híbrida, compreendendo um núcleo principal correspondente ao IRC tradicional, e uma parte adjacente, conexionada com aquele e fazendo parte da mesma realidade global, com especificidades próprias das quais resulta um afastamento, em vários e substanciais aspectos, do regime principal, em termos de os princípios e soluções gerais, não obstante, por vezes, se aplicarem, por outras vezes, serem contraditórios, e como tal inaplicáveis, com a natureza própria dessa tal “normação adjacente" que se consubstancia nas designadas tributações autónomas.
Sendo que, como é já consabido, essa natureza própria, ou específica, assente numa lógica estranha ao edifício principal do IRC tradicional, se caracterizará, essencialmente, pelas notas sobejamente reconhecidas como próprias às tributações autónomas, designadamente, quer quanto à sua forma de imposição (o carácter instantâneo do respectivo facto tributário e a circunstância de este consistir num gasto), quer quanto à sua ratio anti-sistemática (o facto de algumas das tributações autónomas terem uma vertente dirigida diretamente para o rendimento de pessoas singulares e/ou uma vertente sancionatória, bem como uma finalidade antiabuso).
Assim, e concluindo aqui, não se poderá, crê-se, na senda da solução a obter para a questão decidenda, obliterar que, não obstante convergirem, efectivamente, na forma de liquidação regulada nos artigos 89.° e 90.71 do CIRC aplicável, as tributações autónomas e  o IRC stricto sensu (ou tradicional), provêm, a montante, de geografias profundamente distintas, facto que não se poderá deixar de ser devidamente ponderado e tido em conta, nas soluções a encontrar a jusante, designadamente, e para o que ao caso interessa, no que diz respeito à leitura a fazer da norma do artigo 90.º/2 do referido Código.
Prosseguindo a senda interpretativa a jusante, cumpre aferir das decorrências da limitação daquele processo à camada literal do objecto interpretativo em análise.
Como, acertadamente aponta a entidade Requerida na sua resposta, o entendimento, proposto pela Requerente, segundo o qual da falta de distinção, ao nível do texto do n.° 1 do artigo 90.° do CIRC aplicável decorre que, a nível de tal norma, não se deverá fazer qualquer distinção tendo em conta as diferenças, a montante, do imposto que naqueles termos, é liquidado, implicaria que na base de cálculo dos pagamentos por conta devidos em IRC, se incluíssem, também, os valores relativos às tributações autónomas, e não apenas os relativos ao IRC stricto sensu.
Com efeito, dispõe o n.° 1 do art.° 105.° do Código do IRC, que "Os pagamentos por conta são calculados com base no imposto liquidado nos termos do n. ° 1 do art.° 90.°
Ora, entendendo-se que o teor normativo da norma do artigo 90.71 do CIRC em questão veda qualquer distinção, para efeitos de outras normas que para o mesmo remetam, entre o imposto liquidado a título de tributação autónoma e o imposto liquidado a título de IRC stricto sensu, ter-se-ia, coerentemente e nos mesmos termos, de concluir que os pagamentos por conta seria devidos em função da soma de ambos os valores.
Ora, tal solução não poderá - crê-se - ter-se por conforme ao espírito de um legislador razoável.
Efectivamente - e não sendo os pagamentos por conta thema decidendum do presente processo - sem que se justifique grande profundidade nesta análise, sempre se dirá que os pagamentos por conta, conforme é doutrinal e jurisprudencialmente reconhecido, tem por base um intenção de adiantamento da tributação que será devida a final, tendo por base o lucro tributável do ano anterior.
Neste sentido, por exemplo, escreveu-se no Ac. do STA de 07-03-2007, proferido no processo 0877/06 , que (sublinhado nosso):
"Da definição legal de “pagamento por conta" retira-se uma imbricação inevitável, necessária e essencial entre “pagamento por conta" do “imposto devido a final".
Por modo tal que o “título" (palavra da lei) do "pagamento por conta" é o "imposto devido a final".
O que significa que o "pagamento por conta" é, nos próprios termos da lei, uma entrega pecuniária antecipada, feita, por conta do imposto devido a final, no período de formação do facto tributário.
O que significa, ainda, que o "pagamento por conta” tem de ser aferido com referência à situação contábilística da empresa no fim do período a que se refere o pagamento por conta.
O que decididamente quer dizer que, se nenhuma quantia pecuniária houver de ser (antecipadamente) entregue por conta do imposto devido a final, no concernente período de formação do facto tributário (a que se refere o “pagamento por conta") - mormente por inexistência de lucro tributável revelado pela contabilidade, a esse tempo aquele “pagamento por conta" não tem fundamento substantivo.)...)
E, assim, se não houver lucro tributável, não há imposto devido.”
Ora, (pelo menos algumas) as tributações autónomas, conforme também noutra sede se indicou já , não incidem directamente sobre o rendimento, fazendo-o de uma forma meramente mediata, sendo essa a justificação para, não obstante as mesmas integrarem o regime do IRC lato sensu, operarem pela via da despesa e, consequentemente, serem devidas ainda que o sujeito passivo apresente prejuízo (como é o caso da ora Requerente).
Assim sendo, como se crê que é, será destituído de sentido que aos contribuintes que não apresentem lucro tributável, se exija pagamento por conta com base em imposto liquidado sobre despesas que realizou e que foram objecto de tributação autónoma.
Isto mesmo é corroborado pela natureza distinta do facto tributário subjacente ao IRC siricto sensu e às tributações autónomas. Com efeito, sendo o primeiro um facto tributário de natureza continuada e o segundo um facto tributário de natureza instantânea, apenas relativamente ao primeiro poderá fazer sentido divisar um adiantamento de imposto (pagamento por conta), e já não quanto ao segundo cuja prática gera, imediatamente, uma obrigação de imposto. 
No percurso hermenêutico em curso, haverá igualmente que considerar a norma do n.° 5 do artigo 90.° em questão, que dispõe que:
‘'As deduções referidas no n.° 2 respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal estabelecido no artigo 6.° são imputadas aos respetivos sócios ou membros nos termos estabelecidos no n.° 3 desse artigo e deduzidas ao montante apurado com base na matéria coletável que tenha tido em consideração a imputação prev ista no mesmo artigo”.
Esta norma remete directamente para o artigo 6.° do mesmo Código, que prescreve, no que para o caso releva, que:
"1 – É imputada aos sócios, integrando-se, nos termos da legislação que for aplicável, no seu rendimento tributável para efeitos de IRS ou IRC, consoante o caso, a matéria coletável, determinada nos termos deste Código, das sociedades a seguir indicadas, com sede ou direção efetiva em território português, ainda que não tenha havido distribuição de lucros:
a) Sociedades civis não constituídas sob forma comercial;
b) Sociedades de profissionais;
c) Sociedades de simples administração de bens, cuja maioria do capital social pertença, direta ou indiretamente, durante mais de 183 dias do exercício social, a um grupo familiar, ou cujo capital social pertença, cm qualquer dia do exercício social, a um número de sócios não superior a cinco e nenhum deles seja pessoa coletiva de direito público.(...)
3 - A imputação a que se referem os números anteriores é feita aos sócios ou membros nos termos que resultarem do alo constitutivo das entidades aí mencionadas ou. na falta de elementos, em partes iguais.”
Fundamental no enquadramento desta questão é o teor do artigo 12.° do mesmo Código, que refere que:
“As sociedades e outras entidades a que. nos termos do artigo 6.°, seja aplicável o regime de transparência fiscal não são tributadas em IRC. salvo quanto às tributações autónomas.”.
Não sendo, uma vez mais, o tema das entidades sujeitas a regime de transparência fiscal, objecto da presente causa, sinteticamente sempre se dirá, desde logo, que da leitura em que assenta a pretensão da Requerente, ou seja, de que as tributações autónomas integram, sem limitações e para todos os efeitos, a matéria colectável de IRC, sempre resultaria uma de duas situações, igualmente inaceitáveis, a saber: que as entidades a que se refere o art.° 6.°/l do CIRC, se vissem obrigadas a suportar duplamente os encargos com tributações autónomas: uma vez na esfera da sociedade, nos termos do artigo 12.° do CIRC, que expressamente o prevê, e outra vez nos termos conjugados dos n.°s 1 e 3 do artigo 6.°, que impõe que a "a matéria coletável, determinada nos termos deste Código” relativamente a tais entidades é imputada aos sócios; ou que, assim, não sendo, ou seja. se por via de algum tipo de interpretação se restringisse a expressão "matéria coletável, determinada nos termos deste Código”, dela expurgando as tributações autónomas, da conjugação das supra-transcritas normas do n.° 5 do artigo 90.°. do artigo 6.° e do artigo 12.°, com a interpretação sustentada pela Requerente para o n.° 1 do artigo 90.°, resultaria que os sujeitos passivos de IRC sujeitos ao regime de transparência fiscal estariam impedidos, por via do referido artigo 90.º, nº 5. de deduzir aos montantes liquidados a título de tributação autónoma, as deduções previstas no n.° 2 do mesmo artigo, uma vez que estes últimos montantes seriam suportados pela sociedade, enquanto as deduções seriam apenas facultadas aos sócios, discriminando-se assim injustificadamente os sujeitos passivos de IRC sujeitos ao regime de transparência fiscal, dos restantes, que, na tese da Requerente, teriam a faculdade de fazer operar as deduções previstas no n.° 2 do artigo 90.°, aos montantes liquidados, nos termos do n.° 1 do mesmo artigo, a título de tributação autónoma.
Aqui chegados, cumpre explorar um pouco mais os limites da literalidade da norma no epicentro do presente litígio - os artigos 90./1 e 2 do CIRC aplicável - e das repercussões da mesma no quadro mais amplo da relação entre o IRC tradicional, e as tributações autónomas nesse imposto.
Conforme acima se expôs já, no conjunto das tributações autónomas, ainda que restrito às que integram o regime do IRC em sentido amplo, convergem várias situações de origem e teleologia díspares.
Assim, a título de exemplo, encontram-se tributações autónomas que visam, isolada ou concomitantemente, desincentivar determinados comportamentos economicamente desvantajosos (ex.: remunerações excessivas a gestores), tributar os chamados fringe benefits.
(ajudas de custo; despesas com viaturas), mitigar a repercussão fiscal de despesas de empresarial idade integral duvidosa (,idem), desincentivar comportamentos com elevado potencial de fraude (pagamentos a entidades sujeitas a regime fiscal claramente mais favorável) ou penalizar comportamentos que fomentam a chamada economia paralela (tributação das despesas confidenciais).
A literal idade da interpretação proposta pela Requerente miscigena, nas estreitas vistas da letra da lei todas aquelas situações - porquanto todas elas se liquidarão nos termos do artigo 90.°/1 do CIRC aplicável.
Ora, já atrás, e em outras ocasiões, se apontou a vã glória de fechar, num conceito unitário, todas as tributações autónomas, mesma as que apenas ocorrem no âmbito do IRC, atenta a sua disparidade teleológica e funcional. E, aqui, emerge uma das principais fragilidades do edifício argumentativo onde reside a posição da Requerente: a de assentar num postulado de unicidade das tributações autónomas em IRC, caracterizado por aquelas “serem ainda tribulação sobre o rendimento/lucro, na qualidade de substituto da proibição de dedução de certas despesas ao lucro tributáver.
Ora, essa, entre outras, é uma característica reconhecida a determinado tipo de tributações autónomas: as tributações autónomas relativas a despesas dedutíveis.
A fenda no edifício fundamentador da posição da Requerente abre-se. face a esta constatação, em duas direcções distintas: por um lado, a leitura proposta pela Requerente para a norma do artigo 90.71 do CIRC aplicável, não distingue, nem permite distinguir, entre tributações autónomas relativas a encargos dedutíveis e outros tipos de tributação autónoma, como sejam as relativas a despesas confidenciais; por outro lado. da matéria de facto provada resulta que as tributações autónomas em causa nos presentes autos respeitam a tipos distintos de tributações autónomas, designadamente, tributações autónomas sobre encargos dedutíveis, tributações autónomas relativos a despesas não documentadas e tributações autónomas relativas a bónus e outras remunerações variáveis.
Do quanto vem de se dizer, resulta, desde logo, que toda a argumentação tecida pela Requerente, relativamente à natureza das tributações autónomas, enquanto tributadoras ainda de rendimento é inconsequente para a decisão da matéria sub iudice, porquanto, apenas abrange uma parte das tributações autónomas onde se reconhecem tais características. 
Por outro lado, resulta ainda que o edifício argumentativo apresentado pela Requerente em abono da sua pretensão, abriga em si o potencial de acoitar pretensões - que, inclusive, face aos factos dados como provados, é em parte o caso da Requerente - em que se vise proceder a deduções nos termos do n.° 2 do artigo 90.° do CIRC aplicável, a tributações autónomas relativas, por exemplo, a despesas confidenciais ou pagamentos a entidades sujeitas a um regime fiscal claramente mais favorável.
Ora, este tipo de pretensão, não se poderá ter como querido, por um legislador razoável, face a toda a sistemática do IRC em sentido amplo, incluindo as tributações autónomas. Efectivamente, não será sustentável que, tendo indo onde, juridicamente, o legislador do CIRC foi, tendo em vista, por exemplo, ao combate à economia paralela ou as transacções com os chamados (incorrectamente ) “paraísos fiscais’', fosse sua intenção que a respectiva carga de tributação autónoma, pudesse ser aligeirada por meio das deduções previstas no n.° 2 do artigo 90.° do CIRC.
Não se quedará por aqui, contudo, a entropia sistemática gerada pela posição que a Requerente pretende fazer valer nos autos.
Efectivamente, e mesmo restringindo, como a Requerente faz, a questão às tributações autónomas sobre encargos dedutíveis em IRC, tal posição redundaria numa directa violação do princípio da igualdade.
Com efeito, como toda a jurisprudência abundantemente citada pelas partes denota, as tributações autónomas relativas a encargos dedutíveis tem subjacente uma presunção de “empresarialidade parcial". Ou seja, tais despesas conterão, presumivelmente, uma finalidade empresarial, que consente a sua dedução, mas com tal finalidade concorrerão outras, que, se fossem exclusivas, arredariam a sua dedutibilidade . 
Tal carácter presuntivo, justificará que quando o contribuinte logre ilidir a referida presunção, as despesas mantenham o seu carácter dedutível, sem sujeição a tributação autónoma.
Ora, neste campo restrito das tributações autónomas sobre despesas dedutíveis, que e onde a Requerente centra, de resto, a discussão, a posição sustentada por aquela redundaria numa desigualdade qualificada (na medida em que mais que tratar como igual o desigual, ou o desigual como igual, trata o desigual como desigual, na medida inversa da desigualdade), já que numa situação em que um contribuinte, em que encargos dedutíveis que. normalmente seriam sujeitos a tributação autónoma, não o sejam por não se verificarem os pressupostos materiais desta (ou seja, por elisão da presunção subjacente), como foi o caso, por exemplo, da situação em causa no processo arbitral 628/2014T, e que apresente prejuízo fiscal, não poderá proceder a qualquer dedução nos termos do artigo 90.2 do CIRC, ao passo que um outro contribuinte, na mesma situação (prejuízo fiscal), mas que assuma (implícita ou explicitamente), o carácter parcialmente empresarial do mesmo tipo de encargos, ficando, por isso, onerado com a correspondente tributação autónoma, poderia, na tese da Requerente, lançar mão das deduções previstas naquele mesmo artigo.
Ou seja, e em suma: entre dois contribuintes em situação distinta perante o sistema fiscal de IRC, um que incorre em gastos de índole integralmente empresarial, e outro que incorre nos mesmos gastos mas para fins (real ou presumidamente) parcialmente estranhos à empresarialidade, o segundo obteria do sistema fiscal, na matéria que nos ocupa, um tratamento mais benévolo, por via de um comportamento menos conforme à teleologia daquele.
Ora, como é consabido, o princípio da igualdade é um dos princípios constituintes basilares do direito tributário, e nada, pelo menos à luz do critério do legislador razoável, permite concluir que, no regime em análise, o legislador tenha querido afrontar de forma directa aquele princípio, dispensando um benefício em função de um factor contraditório com a teleologia do sistema.
Com efeito, no plano fiscal, o princípio da igualdade não é mais do que uma expressão específica do princípio da igualdade geral dos cidadãos perante a lei. previsto no artigo 13° da CRP que comporta uma dupla vertente de igualdade formal (igualdade perante a lei. geral e abstrata), e uma vertente material (proibindo discriminações arbitrárias), sendo que o princípio em questão pode ser visto em dois planos distintos, a saber:
* O da igualdade horizontal - segundo o qual a um rendimento, capital ou consumo igual deve corresponder igual medida de imposto;
* O da igualdade vertical segundo o qual a um rendimento, capital ou consumo diferentes deve corresponder imposto diferente.
Decorre, pois, do princípio geral de igualdade a proibição de discriminações arbitrárias, extensível ao direito fiscal sob pena de violação da própria ideia de Estado de Direito, a proibição de todas as formas de tributação (ou de isenção) discriminatórias ou arbitrárias, inaceitáveis à luz dos valores da igualdade jurídica e substantiva.
A ideia de generalidade da tributação, é certo, não impede a consagração de regimes de tributação diferenciados, nem o estabelecimento de isenções, desagravamentos ou agravamentos fiscais, desde que eles se encontrem fundados em valores e fins de ordem pública que sejam superiores aos que determinaram a criação do próprio imposto. Ou seja, não se impede a diferenciação baseada em valores percepcionados. mas impede-se a discriminação assente em realidades não consentidas pela própria ordem fundamental.
Sendo verdade que o princípio da igualdade jurídica e fiscal não é um princípio absoluto, pois admite situações de discrímen, também é verdade que estas situações devem corresponder a discriminações fundadas em valores institucionalizados, genericamente aceites e acolhidos na ordem de valores instituída.
Ora, no caso, em que duas empresas na situação supra descrita se encontram objetivamente em situação diferenciada e que deviam, por isso, merecer um tratamento fiscal diferenciado, no sentido da diferença, ocorre, face à tese da Requerente, justamente o contrário.
Deste modo, sempre no caso deverá intervir um factor de interpretação conforme à Constituição das normas em causa, maxime do artigo 90.º 2 do CIRC. 
Dentro dos tópicos decisórios a considerar, caberá, por fim, fazer uma menção à entrada em vigor da nova redacção do n.° 21 do artigo 88.° do CIRC, introduzido pela Lei que aprovou o Orçamento de Estado para 2016 (Lei n.° 7-A/2016, de 30 de Março), que veio dizer que:
"A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos do artigo 89.° e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado''
Esta norma, é objecto do artigo 135.° da mesma referida Lei que aprovou o OE de 2016, que refere que:
"A redação dada pela presente lei ao n.° 6 do artigo 51. ° ao n. ° 15 do artigo 83. ° ao n. ° I do artigo 84.°, aos n.°s 20 e 21 do artigo 88.°e ao n.°8 do artigo 117.°do Código do IRC tem natureza interpretativa. ”.
Coloca-se, assim, a questão sobre se o n.°21 do artigo 88° do CIRC, introduzido pelo OE 2016, tem (como a própria lei o diz), ou não, natureza interpretativa.
Concedendo estar-se, sem dúvida, numa situação de fronteira, tender-se-á a conceder à norma em questão o carácter que a própria lei que cria expressamente lhe confere.
Com efeito, e como a própria Requerente o reconhece, seguindo a doutrina do insigne Mestre Prof. Dr. Baptista Machado, para que uma lei seja interpretativa é necessário:
a. haver uma questão controvertida ou incerta na lei em vigor;
b. que o legislador consagre uma solução interpretativa que resolve a incerteza a que chegariam o intérprete ou o julgador com base no normativo vigente anteriormente à alteração legislativa.
Ora, diferentemente, da Requerente, a aplicação que se faz destes princípios vai, justamente, no sentido de que a Lei em causa seja, de facto, de natureza interpretativa.
Com efeito, ao contrário do que alega a Requerente, anteriormente à entrada em vigor da lei em questão (n.° 21 do artigo 88.° do CIRC). a questão de saber se eram. ou não possíveis as deduções previstas no artigo 90.°/2 do CIRC aos montantes liquidados, nos termos do n.° 1, referentes a tributações autónomas, era uma questão controvertida, tanto que houve vários litígios entre a Autoridade Tributária e os contribuintes a esse respeito, facto público, notório e até do conhecimento da Requerente (e, naturalmente, da Requerida).
Efectivamente, para que uma questão seja controvertida, não é necessário, como parece pressupor a Requerente, e até não será o caso, que haja uma divergência entre decisões judiciais, bastando que haja distinta aplicação do direito controverso por parte de qualquer operador jurídico, e podendo a controvérsia ser, mesmo, de índole essencialmente doutrinal.
Por outro lado, e no que diz respeito ao segundo dos requisitos elencados, distintamente do que a Requerente pretende pressupor, não se considera que a solução dada pelo legislador haja, necessariamente, de ser uma das propostas pelos envolvidos na controvérsia nem, muito menos, que tenha de se ater aos fundamentos daquelas. Com efeito, a intervenção interpretativa do legislador não é a intervenção num processo de partes, em que aquele arbitre a favor de um ou outro dos envolvidos na controvérsia. Antes, tal intervenção interpretativa é objectiva- ou seja, coloca-se face à Lei como ela era e como ficou - e é o esclarecimento de uma vontade própria do legislador.
Daí que, para que uma lei seja considerada interpretativa, para além da existência de uma controvérsia nos termos atrás expostos, seja necessário apenas que a solução seja uma das objectivamente possíveis, no quadro da Lei existente anteriormente à intervenção interpretativa, independentemente de, num ou noutro caso, ou até em todos, ser uma das sustentadas pelos envolvidos na controvérsia.
Ou seja: para que a lei seja interpretativa, basta que a solução dada corresponda a uma possível de ser dada, já face ao texto legal anterior a tal Lei.
Ora, como se verá de seguida, é isso que no caso acontece.
Sumariando o quanto atrás se veio dizendo, verifica-se, desde logo, que a interpretação sustentada pela Requerente assenta, essencialmente, no teor literal das normas dos n.°s I e 2 do artigo 90.° do CIRC aplicável, não se descortinando nenhum fundamento substancial que justifique a solução em causa, tanto mais que os argumentos que a Requerente adianta nesse sentido são estritamente relativos às tributações autónomas de encargos dedutíveis, sendo que, por um lado, nada se prova a respeito de, no caso concreto, apenas estarem em causa tributações autónomas desse tipo (e não de outros), e, por outro, da interpretação proposta sempre decorreria que as deduções previstas no artigo 90.72 do CIRC em causa se fariam a todos os tipos de tributação autónomas, incluindo, por exemplo, as relativas a pagamentos a entidades sujeitas a regimes de tributação claramente mais favoráveis e as relativas a despesas confidenciais, e nenhum dos argumentos substanciais apresentados pela Requerente permite justificar que tal aconteça.
Por outro lado, como se viu, se é certo que o artigo 90.º1 do CIRC em questão não distingue entre a liquidação de tributações autónomas e a liquidação de IRC stricto sensu (sobre o lucro tributável), a verdade é que, a montante, o procedimento e a natureza dos dois tipos de imposição tributária é substancialmente distinto.
Acresce que, como também se viu, a ratificação da interpretação que sustenta o petitório da Requerente, seria geradora de assinalável turbulência no edifício normativo do IRC, designadamente no que diz respeito ao regime do pagamento especial por conta e das sociedades sujeitas ao regime de transparência fiscal.
Por fim, como se analisou também, a atinência à literalidade do preceitos do artigo 90.1 e 2, propugnada pela Requerente, redundaria - crê-se - num atropelo ao princípio da igualdade tributária, para além do mais. constitucionalmente imposto.
Por tudo isto, julga-se que na conjugação do texto das duas normas, o legislador disse mais do que aquilo que queria, situação que, de resto, resultou não de descuido coeva da redacção de tais normas, mas, antes, da evolução do regime normativo do IRC e, concretamente, da paulatina introdução naquele do regime relativo às tributações autónomas.
Estamos, assim, perante uma situação descrita pelo Ilustre Mestre Prof. Doutor Baptista Machado, em que "Por vezes, embora raramente, será preciso ir mais além e sacrificar, em obediência ainda ao pensamento legislativo, parte de uma fórmula normativa, ou até a totalidade da norma. Trata-se de fórmulas legislativas abortadas ou de verdadeiros lapsos. Quando a fórmula normativa é tão mal inspirada que nem sequer alude com clareza mínima às hipóteses que pretende abranger e, tomada à letra, abrange outras que decididamente não estão no espírito da lei, poderá falar-se de interpretação correctiva. O intérprete recorrerá a tal forma de interpretação, é claro, apenas quando só por essa via seja possível alcançar o fim visado pelo legislador. A interpretação revogatória ou ab-rogante terá lugar apenas quando entre duas disposições legais existe uma contradição insanável"1 ].
Com efeito, a fórmula normativa do artigo 90.72 do CIRC aplicável, tomada à letra, como o faz a Requerente, abrange hipóteses, como se viu. que decididamente não estão no espírito da lei. No caso, como se referiu já, não por má inspiração da própria norma, mas das próprias reformas que foram introduzindo as tributações autónomas em IRC.
Deste modo, torna-se forçoso interpretar correctivamente a norma do artigo 90.º/2 do CIRC aplicável, de modo a restringir a remissão que faz para o n.° 1 da mesma norma, na referência que faz "Ao montante apurado nos termos do número anterior”, limitando-a ao montante da colecta de IRC calculada mediante a aplicação das taxas do artigo 87° à matéria colectável apurada de acordo com as regras do capítulo III do Código, e já não assim aos montantes apurados a título de tributação autónoma, assim se devolvendo à norma o seu sentido original, que era o que correspondia à sua redacção textual antes da introdução das tributações autónomas no CIRC.
Não obstante tratar-se de um tipo de interpretação francamente excepcional, conforme a boa doutrina, sempre se notará que, no caso, o intérprete se vê perante a alternativa de optar por ela, ou por um outro tipo de interpretação ainda mais excepcional, ou seja, a interpretação revogatória ou ab-rogante da norma do artigo 135.° da Lei que aprovou o OE de 2016, e que conferiu carácter interpretativo ao aditamento do n.° 21 ao artigo 88.° do CIRC.
Ou seja: entre uma interpretação correctiva e uma interpretação ab-rogante, opta-se, para além de tudo mais que se disse, pela primeira.
Aqui chegados, cumpre voltar, justamente, à temática do carácter interpretativo - ou não - do aditamento do n.° 21 do artigo 88.° do CIRC, proclamado pelo artigo 135." da Lei que aprovou o OE de 2016.
Antes de mais, note-se que mais uma vez se evidencia aqui a falta de destreza legislativa, sintoma de uma actividade legiferante meramente reactiva que, casuisticamente, procura acorrer aos problemas que ela própria gera.  
Com efeito, é evidente que o aditamento do n.° 21.° ao artigo 88.° do CIRC não tem - em si - natureza interpretativa, na medida em que relativamente ao artigo 88° não se levantava, na matéria aditada, qualquer celeuma a que fosse necessário acorrer. A controvérsia, como vem de se ver, residia no n.° 2 do artigo 90.°, e é relativamente à interpretação deste tal como resulta da introdução do n.° 21 do artigo 88.° que a alteração ao CIRC introduzida pela Lei n.° 7-A/2016, de 30 de Março é interpretativa. Dito de outro modo, é relativamente ao conteúdo normativo do artigo 90.°/2 que a Lei que aprovou o OE de 2016 é interpretativa, na medida em que impõe que o mesmo seja lido antes da sua entrada em vigor, do mesmo modo que passou - sem dúvidas - a ser lido após essa mesma entrada em vigor.
Deste modo, e se não se chegasse à conclusão supra-referida, segundo a qual uma interpretação correctiva do artigo 90.°/2 do CIRC aplicável é a solução juridicamente mais adequada para o caso, sempre se chegaria à mesma conclusão por via do carácter iníerpretativo da alteração ao CIRC introduzida pela Lei n.° 7-A/2016, de 30 de Março, na medida em que existindo uma controvérsia prévia e sendo aquela solução uma das possíveis, e a que resulta da Lei que expressamente se assume como interpretativa, sempre seria tal solução a que cumpriria assumir.
Conclui-se, face a todo o exposto, que deverá o pedido arbitral principal improceder.
Como primeiro pedido subsidiário, a Requerente solicita que seja anulada a autoliquidação do Grupo Fiscal do período de tributação de 2012, na parcela correspondente às tributações autónomas, pelo facto de as mesmas terem sido liquidadas e cobradas sem base legal para o efeito, caso se entenda que a sua liquidação não tem enquadramento na norma de liquidação do IRC consagrada no artigo 90° do Código do IRC, uma vez que nesse caso estas foram liquidadas e cobradas sem base legal para o efeito (cfr. quer o artigo 8.°, n.° 2, alínea a), da Lei Geral Tributária, quer o artigo 103.°, n.° 3. da Constituição).
Ora, conforme decorre do quanto acima foi dito, entende-se e considera-se que a liquidação das tributações autónomas ocorreu com base no n.° 1 do artigo 90.° do CIRC aplicável, pelo que manifestamente se deram com base legal para o efeito, improcedendo, portanto, também este pedido arbitral, não se verificando assim qualquer violação ao disposto no artigo 103.º 3 da CRP.
Também subsidiariamente, para o caso das tributações autónomas aqui em causa não serem anuladas em razão da procedência do pedido principal ou do primeiro pedido subsidiário vem a Requerente, no exercício de opção que entende que lhe é legalmente atribuída, pedir que seja acrescido ao lucro tributável de 2012/subtraídos aos prejuízos fiscais de 2012, o montante correspondente das despesas, gastos e encargos sujeitos a tributação autónoma nesse exercício de 2012, com a excepção das despesas não documentadas (que já se encontram acrescidas ao lucro tributável de 2012/subtraídas aos prejuízos fiscais de 2012), montante esse que ascende a € 2.739.998,35, com a consequente redução nesse montante dos prejuízos fiscais apurados na autoliquidação desse exercício.
Ressalvado o devido respeito, afigura-se que quer a Requerente, quer a Requerida (esta. inclusive, em termos urbanamente pouco felizes) denotam uma incompreensão de base em relação àquilo quanto tem sido dito nesta matéria.
Efectivamente, devidamente compreendidos os textos na sua globalidade, não se tem notícia de ter sido reconhecido às tributações autónomas nem às relativas a despesas dedutíveis nem, muito menos, em geral, um carácter optativo intrínseco.
Porquanto já foi muito claramente explanada esta matéria, cita-se aqui a decisão do processo arbitral 94/2014T, já referido, onde se pode ler:
'"Assim, e desde logo, dever-se-á ter presente que a contabilidade não é um sistema normativo fechado e de aplicação mecânica/automática, antes pelo contrário, contendo sempre uma margem discricionária do respetivo sujeito, assente em inelimináveis juízos valorativos de diversa índole (técnica, jurídica, económica, de gestão), explicando-se, para além do mais, desse modo a vocação normalizadora da sua regulamentação. De facto, as normas contabilísticas poderão estabelecer "(...) uma verdadeira discricionariedade no sentido kelseniano, i.e., uma indeterminação intencional, como acontece por exemplo, quando a norma contabilística estabelece vários métodos alternativos para a valoração das existências.
Deste modo, não se afigura correto o entendimento de que estará vedada I de que será proibida, ou ilícita) a não dedução ao lucro tributável de uma despesa que. sendo-o. estaria sujeita a tributação autónoma.
(...)
Por outro lado, tem sido recorrentemente reconhecido, a nível jurisprudencial, um espaço de "autonomia" e ''liberdade de gestão do contribuinte, no qual será inadmissível a intromissão da AT. e onde se incluirá o "juízo sobre a oportunidade e conveniência dos gastos", que "é exclusivo do empresário". se é certo que esta consideração se tem reportado à classificação dos gastos como necessários, por identidade, senão maioria, de razão, se haverá que entender como abrangendo, justamente, o juízo de desnecessidade daqueles.
Ou seja, se o empresário, no exercício do "juízo sobre a oportunidade e conveniência dos gastos". os reputar como não necessários à manutenção da fonte produtora, tal não poderá, salvo melhor opinião, ser disputado pela AT, quanto mais não seja por falta do pressuposto geral (do processo mas aplicável ao procedimento) de falta de interesse em agir .
Não se está aqui a sustentar, evidentemente, (...). que as tributações autónomas são optativas. Antes, o que o será (num certo sentido, pelo menos) é a classificação ou não de determinado encargo como dedutível, na medida em que o mesmo pressupõe a sua necessidade para a manutenção da fonte produtora, e tal juízo compete ao sujeito passivo. Recorde-se uma vez. mais que aqui, como na decisão criticada pela Requerente, se aprecia unicamente a tributação autónoma de despesas dedutíveis, (...).
Não se trata aqui, de igual modo, de sugerir que se possam "omitir despesas"(...). Efetivamente, a contabilização de determinado encargo como não dedutível implica, justamente, a sua relevância na contabilidade, que é. precisamente, o oposto da sua omissão! Aliás, nem podia ser doutra maneira, atendendo a que as normas fiscais devem aplicar-se dentro do princípio de conexão formal.
O reconhecimento desta natureza presuntiva das tributações autónomas em causa nos autos, nos termos acima sugeridos, será, para além de tudo o mais, uma salvaguarda da sua constitucionalidade, na medida em que estará garantida quer a possibilidade da respetiva dedução integral pelo contribuinte, quer a sua não dedução, consoante o lado para o qual a presunção que lhes está subjacente seja, concretamente e em cada caso. infirmada.”.
Ou seja, e para que fique mais uma vez bem claro. Não se considera que a não dedutibilidade, ou dedutibilidade com sujeição a tributação autónoma dos gastos dedutíveis sujeitos a tributação autónoma seja, ela própria, optativa ou discricionária. Antes, tal dedutibilidade ou indedutibilidade decorrerá da Lei, conforme os respectivos pressupostos se verifiquem ou não.
Assim, os gastos em matérias que, se dedutíveis, são susceptíveis de tributação autónoma serão sujeitos a esta, se preencherem os requisitos gerais do artigo 23.° do CIRC, e o contribuinte não ilidir a presunção de empresarialidade que lhes está subjacente e garante a sua constitucionalidade.
Por outro lado, os gastos nessas mesmas matérias que não cumpram os requisitos do artigo 23.° do CIRC, não serão dedutíveis e, consequentemente, não serão sujeitos a tributação autónoma, já que esta incide, expressamente, na matéria em causa, sobre despesas dedutíveis.
O que se passa, e aqui parece situar-se a génese da confusão gerada é que, segundo o que a doutrina e a jurisprudência têm genericamente entendido, o juízo contabilístico de não empresarialidade. e consequente dedutibilidade, de determinados gastos contabilizados, é um juízo próprio e discricionário do contribuinte, que muito dificilmente a Autoridade Tributária poderá questionar, se o puder.
Deste modo, se o contribuinte, declarar como não dedutíveis determinadas despesas que, se dedutíveis, seriam sujeitas a tributação autónoma, e possuir o devido suporte contabilístico de tal declaração, as despesas em questão, não deduzidas, não serão sujeitas a tributação autónoma.
Ora, no caso, não é isso que se passa: a Requerente, contabilizou e declarou as despesas em questão como dedutíveis. Daí que a sua tributação autónoma esteja, inquestionavelmente, conforme à lei.
Caso a Requerente entendesse, como parece ser o caso. que os gastos que declarou e inscreveu na sua contabilidade como dedutíveis eram, efectivamente, gastos não necessários para obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC, deveria tê-los inscrito, e declarado, como tal. abstendo-se de os tributar autonomamente.
Não o tendo feito, e face à matéria de facto dada como provada, mais não haverá a fazer que declarar a legalidade das tributações autónomas liquidadas pela própria Requerente, improcedendo assim, também, esta parte do pedido arbitral.
A terminar, vem nas suas alegações a Requerente invocar que a defesa da AT em sede arbitral consubstanciará uma fundamentação a posteriori do acto reclamado.
Como é sabido, tem-se firmado jurisprudência no sentido de que:
“No contencioso de mera legalidade, como é o caso do processo de impugnação judicial, o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do acto sindicado tal como ele ocorreu, apreciando a respectiva legalidade em face da fundamentação contextuai integrante do próprio acto, estando impedido de v alorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocados a posteriori na pendência do recurso contencioso.”’6.
Ora, é manifesto que a fundamentação da presente decisão, e a base da defesa da AT em sede arbitral, divergem notoriamente da fundamentação do acto de decisão da reclamação graciosa apresentada pela Requerente.
Tal não é, salvo o devido respeito, no caso, motivo para anulação de tal acto.
Com efeito, e desde logo, tem-se pacificamente entendido, também, que:
“Em matéria de direito, o tribunal não está sujeito à alegação das partes, nem sequer no que respeita à qualificação jurídica dos factos por elas efectuada, e goza de liberdade na indagação, interpretação e aplicação do Direito (art. 664.° do CPC).” .
Por outro lado, e como também tem sido jurisprudência:
“Apesar das implicações que a declaração de fundamentação possa eventualmente ter na substância da decisão, há que distinguir a vertente formal, aquela que interessa no cumprimento do imperativo da fundamentação, da vertente material, que na estrutura do acto respeita sobretudo à existência dos pressupostos reais que suportam a decisão de fundo.”
Ou seja, a fundamentação formal, impressa no cumprimento do imperativo de fundamentação, pode estar certa ou errada, contendendo apenas com a validade do acto se. e na medida, em que cristaliza os pressupostos de facto e de direito do acto e estes sejam desconformes à lei, consubstanciando-se num erro de facto e/ou de direito.
Por fim, o artigo 2.° do RJAT, toma como referente da competência dos tribunais arbitrais, os actos primários ("actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”), sendo os actos secundários unicamente relevantes como referentes da tempestividade da pretensão impugnatória, como resulta do artigo 10.º/a) daquele Regime, onde se impõe que os pedidos de constituição de tribunal arbitral sejam apresentados no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.° 1 e 2 do artigo 102.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Daí que, em primeira linha, se esteja no presente processo a sindicar a legalidade do acto de autoliquidação de IRC da Requerente (objecto directo da competência dos tribunais arbitrais), sendo a legalidade do acto secundário de reclamação graciosa - cuja função principal é garantir a tempestividade da Requerente para a impugnação arbitral do acto primário - meramente reflexa ou derivada da legalidade daquele.
Assim, a eventual anulação do acto de decisão da reclamação graciosa, por fundamentação errada, quando - como é o caso - se conclui pela não verificação das ilegalidades arguidas ao acto primário, sempre redundaria num acto inútil, e como tai proibido, já que, vinculada pelo caso julgado, a Autoridade Tributária não mais faria no novo acto que obrigatoriamente, confirmar o decidido em sede arbitral.
Daí que haja, também esta alegação de improceder.
C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar improcedentes os pedidos arbitrais formulados e, em consequência, manter os actos tributários objecto da presente acção arbitral e condenar a Requerente nas custas do processo, abaixo fixadas, tendo-se em conta o já pago.”


***

III) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Impugnante não se conforma com a decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.° 174/2016-T, que julgou totalmente improcedente o pedido de anulação do ato de indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada contra o ato de autoliquidação de IRC, respeitante ao exercício de 2012.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto, no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações da impugnação definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões da impugnação cumpre apreciar se a decisão arbitral padece de nulidade por:

i. Oposição dos seus fundamentos com a decisão;

ii. Pronúncia indevida;

iii. Omissão de pronúncia;

iv. Violação do princípio de contraditório.

Apreciando.

Em termos de regime da arbitragem voluntária em direito tributário, introduzido pelo Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT) o expediente processual de reação à decisão dos Tribunais Arbitrais para os Tribunais Centrais Administrativos, consiste na dedução de impugnação, consagrada no artigo 27.º, com os fundamentos enunciados, taxativamente, no artigo 28.º, nº 1 e que infra se enumeram:

a-Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

b-Oposição dos fundamentos com a decisão;

c-Pronúncia indevida ou omissão de pronúncia;

d-Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artigo 16.º, nº 2 .

Ora, subsumindo-se as arguidas nulidades, no citado normativo, concretamente, em todas as alíneas supra invocadas, vejamos, então, se as mesmas procedem.

Comecemos pela oposição dos fundamentos com a decisão.

Alega a Impugnante que o Tribunal Arbitral incorreu em nulidade atenta a oposição entre os fundamentos e a decisão porquanto, não obstante refira que nenhuma outra leitura da norma visada é possível fazer, que não a apresentada pela Requerente, a verdade é que, injustificada e ilegalmente, conclui pela improcedência face a uma interpretação corretiva, a qual, ademais, não tem a mínima correspondência verbal com a letra da lei.

Dissente a Impugnada, advogando que inexiste a aduzida nulidade na medida em que a leitura que é feita pela Impugnante é bastante redutora, não tendo em consideração todo o expendido nesse âmbito.

Vejamos.

De harmonia com o consignado no artigo 615.º nº 1, alínea c), do CPC, é nula a sentença quando os seus fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. Concatena-se, assim, com a necessidade de um corolário lógico da exigência legal de fundamentação das decisões judiciais em geral consagrado no artigo 154.º, nº.1, do CPC.

No processo judicial tributário o vício de oposição entre os fundamentos e a decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125, nº.1, do CPPT(1) e no RJAT, está expressamente regulado no artigo 28.º, nº1, alínea b).

Com efeito, o vício em análise, o qual tem como premissa a eventual violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial, terá lugar somente quando os fundamentos da sentença devam conduzir, num processo lógico, a uma decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adotada(2).

No caso sub judice, não vislumbra este Tribunal que a decisão recorrida padeça da nulidade em análise, uma vez que atentando no seu teor conclui-se que a mesma não comporta nenhuma contradição entre os fundamentos e a decisão, na medida em que, tendo decidido pela improcedência da pronúncia arbitral deduzida, a fundamentação jurídica de tal peça processual vai no mesmo sentido.

Note-se que são realidades díspares e não confundíveis a nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão e a mera discordância com a fundamentação jurídica.

A nulidade em análise concatena-se, como visto, com a necessidade de um corolário lógico da exigência legal de fundamentação das decisões judiciais em geral consagrado no artigo 154.º, nº.1, do CPC.

In casu, cotejando a fundamentação da decisão supra expendida, resulta que o decisor enuncia a factualidade que reputa de relevante, estabelecendo uma concreta delimitação da lide, estruturando, desde logo, qual o regime jurídico aplicável, dilucida sobre a concreta natureza jurídica das tributações autónomas, e sua relação com os impostos sobre o rendimento, em particular, com o IRC, aborda a problemática da dedutibilidade do valor das tributações autónomas, a sua heterogeneidade, passando, depois, para a interpretação que deve ser concretizada nos normativos em contenda, apelando a todos os seus elementos de interpretação, com a inerente densificação de normas interpretativas, estabelecendo, in fine, a devida concretização ao acervo fático dos autos e concluindo pela improcedência.

Ora, inversamente ao aduzido pela Impugnante inexiste qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão, sendo que a própria arguição da nulidade da decisão surge descontextualizada da leitura integral da decisão impugnada, descurando toda a fundamentação jurídica que a legitimou.

Senão vejamos.

Se é certo que resulta da decisão arbitral sindicada que:

“Sob um ponto de vista semântico-literal, aceite o pressuposto — que ora se aceita - de que a liquidação das tributações autónomas se faz nos termos do n.° 1 do artigo 90.° transcrito, nenhuma outra leitura é possível fazer, que não a apresentada pela Requerente, sendo irrefutável a conclusão condensada no seu pedido arbitral principal.”

É, igualmente, certo que tal interpretação é, manifestamente, redutora e descura, desde logo, o parágrafo subsequente que se inicia com a conjunção adversativa, “todavia”, que, como é consabido, indica oposição ou contraste da ideia anterior.

Com efeito, dela promana, igualmente, o seguinte:

“Todavia, a leitura jurídica, por impositivo legal (e também lógico-racional) não se cinge, nem deve cingir, ao texto das normas enquanto realidade semântico-gramatical, devendo antes colocar-se num plano axiológico-racional, ancorado em todos os elementos da interpretação jurídica.
Daí que, em ordem a obter aquilo que seja a leitura correcta do texto, seja necessário realizar determinados testes a nível do edifício sistemático onde a norma interpretanda se enquadra, de modo a validar, face ao mesmo, e à luz dos critérios de racionalidade, congruência e razoabilidade que necessariamente norteiam aquela estrutura normativa, a interpretação literalmente sugerida.”

E, após estabelecer a devida interpretação legal e referir que a mesma não se deve cingir ao texto das normas enquanto realidade semântico-gramatical, afasta, expressamente, o entendimento da Impugnante evidenciando, inclusive, que a manutenção do mesmo acarretaria uma desigualdade tributária.

Conclui, in fine, que o legislador terá dito menos do que pretendia e nessa medida propugna uma interpretação corretiva, sufragando, designadamente, que:

“Com efeito, a fórmula normativa do artigo 90.º, nº2 do CIRC aplicável, tomada à letra, como o faz a Requerente, abrange hipóteses, como se viu, que decididamente não estão no espírito da lei. No caso, como se referiu já, não por má inspiração da própria norma, mas das próprias reformas que foram introduzindo as tributações autónomas em IRC.
Deste modo, torna-se forçoso interpretar correctivamente a norma do artigo 90.º/2 do CIRC aplicável, de modo a restringir a remissão que faz para o n.° 1 da mesma norma, na referencia que faz "Ao montante apurado nos termos do número anterior”, limitando-a ao montante da colecta de IRC calculada mediante a aplicação das taxas do artigo 87° à matéria colectável apurada de acordo com as regras do capítulo III do Código, e já não assim aos montantes apurados a título de tributação autónoma, assim se devolvendo à norma o seu sentido original, que era o que correspondia à sua redacção textual antes da introdução das tributações autónomas no CIRC.”

Ora, como é bom de ver e decorre com clareza do teor da decisão impugnada, não obstante anua com a interpretação literal advogada pela Impugnante entende que a mesma é insuficiente optando por adotar o que apelida de interpretação corretiva, apartando expressamente o seu iter, justificando as razões atinentes ao efeito.

Resulta, assim, que decide, de forma totalmente coerente e lógica-ainda que a Impugnante discorde da aludida fundamentação jurídica-que há lugar à manutenção dos atos impugnados.

Conclui-se, assim, que o sentido da decisão não se encontra em contradição ou oposição com os fundamentos, visto que os fundamentos expressos pelo Tribunal arbitral não conduziriam a uma solução de sentido antagónico, o mesmo é dizer que a proposição final (conclusão) revela-se compatível com as proposições logicamente antecedentes (fundamentos), inexistindo, assim, vício de raciocínio, donde nulidade.

Ademais, e conforme já evidenciado anteriormente a nulidade de oposição entre os fundamentos e a decisão não se confunde com o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, ou com a inidoneidade dos fundamentos para conduzir à decisão.

E por assim ser, improcede a aludida nulidade.

Prosseguindo, ora, com a nulidade por pronúncia indevida.

Alega a Impugnante que a decisão impugnada padece de nulidade por pronúncia indevida, por duas ordens de razão, a primeira porque decidiu segundo juízos de equidade, e a segunda porque adotou uma fundamentação a posteriori, em clara preterição legal.

Densifica, neste âmbito, que ao não ter respeitado na sua decisão as normas de interpretação do CC e antes decidir com base no que entende ser a “resposta juridicamente melhor”, se encontra a decidir com “recurso a equidade”, sendo, portanto, nula a decisão arbitral por pronúncia indevida.

Adensando, adicionalmente, que existe um flagrante caso de pronúncia indevida porquanto o Tribunal Arbitral decidiu fora das suas competências, porquanto num contencioso de mera anulação como é o processo arbitral, tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do ato sindicado tal como ele ocorreu, não podendo adotar uma fundamentação a posteriori.

Dissente a Entidade Impugnada, alegando, desde logo, que tais alegações para além de não corresponderem à realidade dos autos, no limite apenas degenerariam em erro de julgamento, e não em pronúncia indevida.

Vejamos.

Como visto, a aludida nulidade integra o elenco taxativo constante no artigo 28.º, nº1, alínea c), do RJAT, sendo que a mesma se encontra, igualmente, contemplada no artigo 125.º do CPPT, sob a epígrafe de “nulidades da sentença” do qual resulta que: “ 1 Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.”

Sendo, outrossim, de convocar o plasmado no artigo 615.º alínea d) do CPC, em obediência ao preceituado no n.º 2 do artigo 608.º do CPC, o qual dispõe que é nula a sentença quando: “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento” e bem assim quando “o juiz condene em quantidade superior ou objeto diverso do pedido”.

Ab initio, importa relevar que a nulidade por excesso de pronúncia ocorre sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido, ou seja, ela ocorre sempre que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes, quando o tribunal condene ou absolva num pedido não formulado, bem como quando conheça de pedido em excesso parcial ou qualitativo, mormente, quando, utilizando fundamentos admissíveis, aprecie de um pedido que é quantitativa ou qualitativamente distinto daquele que foi formulado pela parte, condenando em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido(3).

Nessa medida, se o juiz conhece de questão, que o Autor e Réu não lhe submeteram, ou condena em objeto diverso do pedido, a decisão enferma de vício, por excesso, pois o juiz exorbitou a sua atividade indo para além do seu pedido de parte (extra petitum).

Note-se que, não obstante o Tribunal não estar sujeito às alegações das partes, no que diz respeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (cfr. artigo 5.º, nº 3, do CPC), a verdade é que em ordem ao consignado no artigo 609.º, nº1 do CPC, a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.

Neste particular, importa, ainda, relevar que o conceito de pronúncia indevida previsto na primeira parte da alínea c), do nº1, do artigo 28.º do RJAT como fundamento de impugnação da decisão arbitral é mais abrangente que o excesso de pronúncia previsto no citado artigo 615.º, e bem assim do normativo 125.º do CPPT. Com efeito, no aludido regime jurídico o legislador pretendeu abranger duas situações, uma primeira que compreende as situações em que o tribunal arbitral conhece de questões de que não podia conhecer, ou seja, ultrapassando os limites do princípio do dispositivo a nível decisório, condenando além do pedido-excesso de pronúncia e outra sempre que o Tribunal Arbitral conhece sem o poder ter feito, por existir um vício que inquinou a sua constituição ou porque decidiu fora das suas competências(4) .

Feitos estes considerandos, importa apreciar da bondade da pretensão da Impugnante, adiantando, desde já, que a decisão impugnada não incorreu na arguida nulidade, visto que em nada ultrapassou os seus poderes de cognição.

Com efeito, mediante uma leitura atenta da decisão arbitral visada, conjugada com a petição inicial, verifica-se que em ordem às causas de pedir elencadas na petição inicial, e ao concreto pedido, o Tribunal Arbitral em nada exorbitou o pedido e o seu âmbito de atuação.

Sendo que, inexiste, de todo, uma decisão tomada sem aplicação das regras de direito positivadas, donde com recurso à equidade.

No caso, conforme já demos nota anteriormente, existe expressa convocação do regime jurídico aplicável, mormente, do artigo 90.º do CIRC, o qual é objeto de interpretação, seja atendendo aos seus elementos literal, teleológico e sistemático, adotando-se depois uma interpretação corretiva na qual se conclui pela legalidade dos atos de liquidação.

Por outro lado, a questão atinente à atendibilidade de fundamentação não contemporânea do ato, em nada consubstancia pronúncia indevida.

Note-se que, não é passível de confusão conceptual o erro de julgamento com o excesso de pronúncia, na medida em que o primeiro resulta de uma distorção da realidade factual (erro de facto) ou na aplicação do direito (erro de direito), de forma que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, enquanto o excesso de pronúncia verifica-se quando o Tribunal conhece e emite pronúncia sobre questões de que não deveria conhecer, e que não eram de conhecimento oficioso.

Daí resulta, portanto, que a alegação da Recorrente concatenada com a consideração de fundamentos de facto e de direito não contemporâneos do ato, em nada traduz uma pronúncia indevida podendo, quando muito, redundar em erro de julgamento (neste sentido, vide, designadamente, Acórdãos prolatados por este TCAS, no âmbito dos processos 40/22, de 08.05.2025, 114/21, de 24.10.2024 e 14/18, de 13.10.2022).

Noutra formulação, dir-se-á que se a fundamentação jurídica é ou não acertada, mormente, por desconforme com a factualidade de facto e de direito contida na fundamentação que legitimou a emissão dos atos em contenda, mormente, a adotada nas informações instrutoras de reclamação graciosa, e se o Tribunal Arbitral analisou com a devida propriedade e com acerto o litígio, já não integra nulidade da decisão, mas, tão-só, erro de julgamento o qual, como é consabido, não pode ser analisado por este Tribunal.

Com efeito, a propositura da impugnação da decisão arbitral não confere a este órgão jurisdicional o poder de se pronunciar sobre o objeto do litígio, e isto porque a ação de anulação tem efeitos puramente cassatórios ou rescisórios, não atribuindo competência substitutiva ao tribunal, dado que o objeto da ação é, tão-só, a decisão arbitral e não a situação material litigada, ela mesma. (5).

Aliás, a Impugnante sufraga, justamente, nesse sentido e analisa com a devida propriedade a questão atinente ao âmbito da pronúncia arbitral e das competências do tribunal arbitral para o efeito, conclui, no entanto, em sentido que extravasa o vício em contenda. E isto porque, como visto e ora se reitera, a consideração de fundamentos não contemporâneos do ato não traduz, de todo, a arguida pronúncia indevida, contendendo apenas como uma questão de erro de julgamento e coadunada com o mérito.

Note-se, neste âmbito, que não podemos, de todo, confundir uma fundamentação, alegadamente, desconforme com uma pronúncia indevida, sendo que o peso que, na solução adotada, o tribunal arbitral confere a determinada factualidade ou fundamento jurídico é questão que excede a impugnação da decisão arbitral, na qual apenas se cuida das nulidades taxativamente elencadas no RJAT.

Acresce que, in casu, e independentemente da bondade do nela decidido é, expressamente, analisada a questão da fundamentação a posteriori, afastando-a- justamente, face ao teor das alegações da Impugnante- nela se propugnando, designadamente, o seguinte:
“A terminar, vem nas suas alegações a Requerente invocar que a defesa da AT em sede arbitral consubstanciará uma fundamentação a posteriori do acto reclamado.
Como é sabido, tem-se firmado jurisprudência no sentido de que:
“No contencioso de mera legalidade, como é o caso do processo de impugnação judicial, o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do acto sindicado tal como ele ocorreu, apreciando a respectiva legalidade em face da fundamentação contextuai integrante do próprio acto, estando impedido de v alorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocados a posteriori na pendência do recurso contencioso.”’
Ora, é manifesto que a fundamentação da presente decisão, e a base da defesa da AT em sede arbitral, divergem notoriamente da fundamentação do acto de decisão da reclamação graciosa apresentada pela Requerente.
Tal não é, salvo o devido respeito, no caso, motivo para anulação de tal acto.
Com efeito, e desde logo, tem-se pacificamente entendido, também, que:
“Em matéria de direito, o tribunal não está sujeito à alegação das partes, nem sequer no que respeita à qualificação jurídica dos factos por elas efectuada, e goza de liberdade na indagação, interpretação e aplicação do Direito (art. 664.° do CPC).” .
Por outro lado, e como também tem sido jurisprudência:
“Apesar das implicações que a declaração de fundamentação possa eventualmente ter na substância da decisão, há que distinguir a vertente formal, aquela que interessa no cumprimento do imperativo da fundamentação, da vertente material, que na estrutura do acto respeita sobretudo à existência dos pressupostos reais que suportam a decisão de fundo.”
Ou seja, a fundamentação formal, impressa no cumprimento do imperativo de fundamentação, pode estar certa ou errada, contendendo apenas com a validade do acto se. e na medida, em que cristaliza os pressupostos de facto e de direito do acto e estes sejam desconformes à lei, consubstanciando-se num erro de facto e/ou de direito.
Por fim, o artigo 2.° do RJAT, toma como referente da competência dos tribunais arbitrals, os actos primários ("actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”), sendo os actos secundários unicamente relevantes como referentes da tempestividade da pretensão impugnatória, como resulta do artigo 10.º/a) daquele Regime, onde se impõe que os pedidos de constituição de tribunal arbitral sejam apresentados no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.° 1 e 2 do artigo 102.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Daí que, em primeira linha, se esteja no presente processo a sindicar a legalidade do acto de autoliquidação de IRC da Requerente (objecto directo da competência dos tribunais arbitrais), sendo a legalidade do acto secundário de reclamação graciosa - cuja função principal é garantir a tempestividade da Requerente para a impugnação arbitral do acto primário - meramente reflexa ou derivada da legalidade daquele.
Assim, a eventual anulação do acto de decisão da reclamação graciosa, por fundamentação errada, quando - como é o caso - se conclui pela não verificação das ilegalidades arguidas ao acto primário, sempre redundaria num acto inútil, e como tai proibido, já que, vinculada pelo caso julgado, a Autoridade Tributária não mais faria no novo acto que obrigatoriamente, confirmar o decidido em sede arbitral.
Daí que haja, também esta alegação de improceder.”

Destarte, dir-se-á que a Impugnante pode, naturalmente, discordar da improcedência ajuizada pelo Tribunal Arbitral, ou até considerar que é desacertada a extrapolação atinente à fundamentação das liquidações, mas não pode é propugnar, de forma procedente, que a decisão em crise é nula por pronúncia indevida.

Ora, face ao supra expendido é por demais evidente que a decisão arbitral não incorreu em pronúncia indevida.

Importa, ora, analisar a arguida omissão de pronúncia.

Neste âmbito advoga a Impugnante que, o Tribunal Arbitral decide que a ação arbitral teria de improceder por via do carácter interpretativo da alteração ao CIRC introduzida pela Lei nº 7-A/2016, de 30 de março, mas omitiu pronunciar-se sobre a inconstitucionalidade subjacente a essa conclusão e admissão da existência de uma lei interpretativa de “normas em matéria fiscal”, por violação da proibição de retroatividade da lei fiscal (cfr. artigo 103.º n.º 3 da CRP), como peticionado expressamente pela Autora, impondo-se, por isso, que seja reconhecida a nulidade da decisão, por omissão de pronúncia.

Contesta a Entidade Impugnada, evidenciando, desde logo, que inexiste qualquer omissão de pronúncia na medida em que inversamente ao sustentado pela Impugnante essa não foi a ratio decidendi e a fundamentação jurídica que esteou a improcedência, logo não carecia de qualquer análise na medida em que resultava prejudicada.

Apreciando.

A propósito da omissão de pronúncia dispõe o artigo 125.º do CPPT, nº1, do CPPT que constitui nulidade a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar.

Preceituando, por seu turno, a primeira parte da alínea d), do nº 1, do artigo 615.º do CPC, que a decisão é nula, quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Na verdade, a nulidade da decisão por omissão de pronúncia sucede apenas quando a mesma deixe de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra questão submetida à apreciação do Tribunal.

Dir-se-á, neste particular e em abono da verdade que, as questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. De notar para o efeito que, as questões não são passíveis de qualquer confusão conceptual com as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa do seu juízo de valoração, porquanto as mesmas correspondem a simples argumentos e não constituem questões na dimensão valorativa preceituada no citado normativo 615.º, nº 1, alínea d), do CPC.

Conforme doutrinado por ALBERTO DOS REIS(6) “[s]ão, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”.

Ora, tendo presente o alegado pela Impugnante e compulsado o pedido de pronúncia arbitral, verifica-se, mais uma vez, que não lhe assiste razão.

E isto porque, se é certo que em sede de alegações escritas, particularmente, nos artigos 134.º a 172.º no item epigrafado “das alterações introduzidas pela lei n.º 7-A/2016, de 30 de março (OE 2016) ao artigo 88.º do código e da sua alegada natureza interpretativa” é, expressamente, afastada a natureza interpretativa da norma visada, e suas cominações, mormente, no plano da sua admissibilidade no direito tributário em ordem à irretroatividade das leis fiscais.

É, igualmente, certo que a improcedência da impugnação arbitral não assentou, total ou parcialmente, quer no nº21 do artigo 88.º do CIRC, aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, quer no artigo 135.º da Lei que aprovou o OE de 2016, razão pela qual inexistia qualquer obrigação de pronúncia por parte do Tribunal Arbitral, relativamente à constitucionalidade da “admissão da existência de uma lei interpretativa de «normas em matéria fiscal»”, porquanto, como é bom de ver, resultava prejudicada pela solução legal conferida ao litígio.

Explicitemos, então, as razões pelas quais assim o entendemos.

A decisão arbitral faz, de facto, uma menção à entrada em vigor da nova redação do nº21 do artigo 88.º do CIRC, introduzida pela Lei que aprovou o Orçamento do Estado para 2016, e aborda a sua natureza interpretativa e assumindo que tal foi o intuito do legislador. No entanto e pese embora estabeleça essa abordagem a verdade é que, a fundamentação jurídica em que assentou a improcedência não se funda na mesma e na sua aplicação.

Dir-se-á, portanto, a ratio decidendi não se fundou, total ou parcialmente, no carácter interpretativo, ou não, do referido n.º 21.º do artigo 88.º do CIRC, ou da alteração legislativa que o mesmo introduziu.

Para o efeito, basta atentar, designadamente, nos seguintes trechos da decisão impugnada:

“Deste modo, torna-se forçoso interpretar correctivamente a norma do artigo 90.º/2 do CIRC aplicável, de modo a restringir a remissão que faz para o n.° 1 da mesma norma, na referência que faz "Ao montante apurado nos termos do número anterior”, limitando-a ao montante da colecta de IRC calculada mediante a aplicação das taxas do artigo 87° à matéria colectável apurada de acordo com as regras do capítulo III do Código, e já não assim aos montantes apurados a título de tributação autónoma, assim se devolvendo à norma o seu sentido original, que era o que correspondia à sua redacção textual antes da introdução das tributações autónomas no CIRC.

Não obstante tratar-se de um tipo de interpretação francamente excepcional, conforme a boa doutrina, sempre se notará que, no caso, o intérprete se vê perante a alternativa de optar por ela, ou por um outro tipo de interpretação ainda mais excepcional, ou seja, a interpretação revogatória ou ab-rogante da norma do artigo 135.° da Lei que aprovou o OE de 2016, e que conferiu carácter interpretativo ao aditamento do n.° 21 ao artigo 88.° do CIRC.

Ou seja: entre uma interpretação correctiva e uma interpretação ab-rogante, opta-se, para além de tudo mais que se disse, pela primeira.

Aqui chegados, cumpre voltar, justamente, à temática do carácter interpretativo - ou não - do aditamento do n.° 21 do artigo 88.° do CIRC, proclamado pelo artigo 135." da Lei que aprovou o OE de 2016.

Antes de mais, note-se que mais uma vez se evidencia aqui a falta de destreza legislativa, sintoma de uma actividade legiferante meramente reactiva que, casuisticamente, procura acorrer aos problemas que ela própria gera.  

Com efeito, é evidente que o aditamento do n.° 21 ao artigo 88.° do CIRC não tem - em si - natureza interpretativa, na medida em que relativamente ao artigo 88° não se levantava, na matéria aditada, qualquer celeuma a que fosse necessário acorrer. A controvérsia, como vem de se ver, residia no n.° 2 do artigo 90.°, e é relativamente à interpretação deste tal como resulta da introdução do n.° 21 do artigo 88.° que a alteração ao CIRC introduzida pela Lei n.° 7-A/2016, de 30 de Março é interpretativa. Dito de outro modo, é relativamente ao conteúdo normativo do artigo 90.°/2 que a Lei que aprovou o OE de 2016 é interpretativa, na medida em que impõe que o mesmo seja lido antes da sua entrada em vigor, do mesmo modo que passou - sem dúvidas - a ser lido após essa mesma entrada em vigor.

Deste modo, e se não se chegasse à conclusão supra-referida, segundo a qual uma interpretação correctiva do artigo 90.°/2 do CIRC aplicável é a solução juridicamente mais adequada para o caso, sempre se chegaria à mesma conclusão por via do carácter iníerpretativo da alteração ao CIRC introduzida pela Lei n.° 7-A/2016, de 30 de Março, na medida em que existindo uma controvérsia prévia e sendo aquela solução uma das possíveis, e a que resulta da Lei que expressamente se assume como interpretativa, sempre seria tal solução a que cumpriria assumir.”

Ora, do supra expendido dimana inequívoco que a improcedência não radica no carácter interpretativo da alteração ao CIRC introduzida pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, impondo-se, por isso, concluir que inexistia qualquer obrigação de pronúncia por parte do Tribunal Arbitral relativamente à constitucionalidade da “admissão da existência de uma lei interpretativa de «normas em matéria fiscal”, questão que face a todo o exposto, resultou, como já evidenciado anteriormente, prejudicada pela solução adotada no litígio. Não sendo, igualmente, exigível que esteja expressamente indicado que a questão se encontra prejudicada, pois tal é uma decorrência lógica da solução dada aos autos.

Destarte, ajuizando a decisão arbitral que a solução mais adequada era “uma interpretação correctiva do artigo 90.º/2”, inexiste qualquer vinculatividade de pronúncia no sentido propugnado pela Impugnante.

Face ao exposto, não se verifica a invocada omissão de pronúncia.

Subsiste por analisar a violação do princípio do contraditório.

A Impugnante advoga a violação do princípio de contraditório, na medida em que o Tribunal Arbitral profere uma inaudita decisão arbitral que se fundamenta designadamente numa “interpretação corretiva" da lei, que contradiz toda a jurisprudência arbitral anterior assenta em fundamentação a posteriori porquanto valora e decide com base em razões de facto e de direito que não constam da fundamentação do ato impugnado, sem que a Impugnante tenha tido a possibilidade de sobre elas se pronunciar.

Dissente a Impugnada, defendendo que não houve qualquer violação do princípio do contraditório, tendo as partes tido oportunidade de pronúncia ao longo de todo o processo, em nada se justificando qualquer pronúncia complementar.

Vejamos, então.

O princípio do contraditório, é um princípio estrutural do processo(7), com consagração no n.º 4 do artigo 20.º da CRP e genericamente reconhecido no artigo 3.º,nº3, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º RJAT, segundo o qual “[o] juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.

O aludido princípio visa assegurar não só a igualdade das partes, como evitar as decisões-surpresa traduzindo-se “[f]undamentalmente, no direito de a parte, em qualquer fase do processo, «influenciar a decisão» [artigo 3º do CPC], e, no plano da prova, «exige que às partes seja, em igualdade, facultada a proposição de todos os meios probatórios potencialmente relevantes para o apuramento da realidade dos factos [principais e instrumentais] da causa […]» [José Lebre de Freitas, in Introdução ao Processo Civil, 1996, páginas 98 e 99].

O direito à prova surge, assim, como uma «dimensão ineliminável do direito ao processo equitativo», que, por seu turno, constitui parte integrante do princípio material da igualdade. E densifica-se no «direito de oferecer e produzir provas, controlar as provas do adversário, e discretear sobre o valor de umas e outras, nos termos previstos na lei” (8).

Neste particular, e enquanto reflexo da consagração deste princípio basilar importa convocar o artigo 415.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º do RJAT, o qual sob a epígrafe de “princípio da audiência contraditória” dispõe que “[s]alvo disposição em contrário, não são admitidas nem produzidas provas sem audiência contraditória da parte a quem hajam de ser opostas”. Assim, e centrando-nos apenas nas provas já constituídas, a apreciação dos elementos de prova constantes do processo deve ser precedida do contraditório(9).

Em sede de regime da arbitragem voluntária em direito tributário a concretização deste princípio está, desde logo, patente no artigo 16.º, alínea a), do RJAT, no sentido de que deve ser assegurado através da faculdade conferida às partes de se poderem pronunciar sobre quaisquer questões de facto ou de direito suscitadas no processo. Estando, outrossim, materializada no artigo 17.º, n.º 1, do RJAT, no qual se concede à Autoridade Tributária o exercício do direito de resposta ao requerimento apresentado pelo sujeito passivo, e bem assim no artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, norma em que se impõe a audição das partes quanto a eventuais exceções que seja necessário apreciar e decidir antes de conhecer do pedido.

Resulta, assim, que tal princípio visa, desde logo, evitar a ocorrência de decisões surpresa, com as quais as partes não podiam legitimamente contar, mesmo quando se está perante questões de conhecimento oficioso.

Ora, tendo presente as alegações da Impugnante e a concreta densificação e extensão do aludido princípio, entendemos que não assiste razão à mesma. Senão vejamos.

Ab initio, importa evidenciar que todas as alegações da Impugnante se prendem, exclusivamente, com o mérito do pedido de pronúncia arbitral, logo com erro de julgamento, matéria que está arredada da apreciação deste TCA, conforme já expendido e ora se reitera.

Não obstante a Impugnante configurar a situação como violação do direito ao contraditório, a verdade é que as razões em que estriba o seu entendimento coadunam-se com erro na subsunção e concreta interpretação jurídica, errada valoração e ponderação das razões de facto de direito porquanto não contemporâneas do ato, interpretação dissonante com outras decisões arbitrais, e consequente erro de julgamento atinente à legalidade dos atos impugnados e sua concreta manutenção.

Sendo que, como é bom de ver, de modo algum o respeito pelo princípio do contraditório exige que, em momento prévio à decisão, o julgador ouça as partes sobre o seu futuro julgamento de facto, ou mesmo concreta interpretação jurídica, quando, ademais, é preciso ter presente que o julgador não está adstrito à qualificação jurídica que é conferida pelas partes.

De resto, in casu, sobre os pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição das partes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, pedido e exceções, foi integralmente assegurado o contraditório. Aliás, a Impugnante nesse concreto particular nada substancia, ou materializa que permita inferir no sentido da sua preterição.

É certo que se perceciona que a Impugnante entende que os argumentos avançados pelo julgador são erróneos e incorretos, mas é, igualmente, certo que tal como já evidenciámos e, ora reiteramos, tal configura-se como eventual erro de julgamento, o que, como já referimos, não pode ser apreciado por este Tribunal.

Como tal, o princípio do contraditório não tem o alcance de exigir que o julgador previamente à decisão se pronuncie sobre o concreto enquadramento e qualificação jurídica, sobre a suficiência da prova produzida, e bem assim qual o seu entendimento sobre a fundamentação a valorar e sua contemporaneidade, e as ouça a esse propósito.

Face a todo o exposto, conclui-se que não se verifica qualquer violação do princípio do contraditório.

Duas últimas notas finais.

Uma primeira nota para evidenciar que não cumpre emitir qualquer pronúncia sobre o aduzido no pedido final no sentido do julgamento, “[e]m substituição, nos termos do disposto no artigo 149.º, n.º 1, do CPTA, ex. vi. artigo 27.º, n.º 2, do RJAT deve ser declarada a ilegalidade do acto de indeferimento da reclamação graciosa”, na medida em que face a todo o expendido anteriormente tal extravasa os poderes e o âmbito de cognição deste Tribunal.

Uma segunda e última nota, para sublinhar, na mesma linha e com o mesmo fundamento, que carece de qualquer materialidade, donde vinculatividade de pronúncia na presente impugnação, relativamente aos Acórdãos do Tribunal Constitucional que foram ulteriormente objeto de junção aos presentes autos, porquanto contendem com o mérito da pretensão, donde com eventual erro de julgamento. Reitera-se, ademais, que nesse âmbito este Tribunal julgou improcedente qualquer omissão de pronúncia.

Destarte, improcede in totum a sua pretensão.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste Tribunal Central Administrativo Sul em JULGAR IMPROCEDENTE A PRESENTE IMPUGNAÇÃO, com a consequente manutenção e com todas as legais consequências.

Custas pela Impugnante.

Registe. Notifique.


Lisboa, 26 de junho de 2025

(Patrícia Manuel Pires)

(Teresa Costa Alemão)

(Ana Cristina carvalho)


(1) cfr.Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.361 e seg.; Ac.S.T.A-2ª.Secção, 18/2/2010, processo nº 1158/09; Ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/4/2014, processo nº 7435/14.
(2) vide Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985.
(3) Vide José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora: 2008, pág.61 e 62; vide, designadamente, Ac. TCA Sul, 02.07.2013, processo 6505/13.
(4) Vide, designadamente, Ac. TCAS, processo nº 09286/16, de , 28.04.2016.
(5) cfr. artigo 25.º, do RJAT; Acórdão T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/4/2015, processo nº 8224/14; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.237 e seguintes.
(6) Código de Processo Civil anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1981 (reimpressão), pág. 143
(7) cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 24/5/2011, proc.3514/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/8/2013, proc.6900/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/5/2015, proc.8167/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/3/2016, proc.8981/15; Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, IV volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.368
(8) Acórdão do STA, proferido no processo nº 1249/16, datado de 20-06-2017.
(9) Cfr., a este respeito, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado