Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:3011/99/A
Secção:Contencioso Administrativo- 2.ª subsecção
Data do Acordão:03/14/2002
Relator:Cândido de Pinho
Descritores:RECURSO DE REVISÃO
CITAÇÃO DE CONTRA-INTERESSADOS
ACTO PLURAL
Sumário:I - Tendo um concurso sido aberto pela Direcção Geral de Viação com vista à contratação de um número determinado de juristas para cada distrito do país, no recurso contencioso que um dos interessados na contratação num desses distritos interpuser do acto final, apenas deverão ser citados como contra-interessados, para os efeitos do art. 36º, nº 1, al. b), da LPTA, aqueles candidatos que tenham ficado à sua frente na lista final respeitante a esse distrito e que, com essa graduação, estivessem em posição relativa de serem contratados face ao número de juristas pretendidos para essa mesma circunscrição geográfica.
II- Isso equivale a dizer que não tinham que ser citados no recurso, como recorridos particulares, todos os candidatos distribuídos pela totalidade dos distritos do país.
III- Num acto plural, portanto divisível em tantos quantos os seus destinatários, a eficácia do julgado não é erga omnes e, por essa razão, o interessado que não tenha sido chamado a contestar não fica abrangido pelo caso julgado.
IV - Não se verificando a necessidade de proceder a tal citação, a situação não se enquadra na previsão da disposição da al. f), do art. 771º, do CPC e, logo, a revisão tem que improceder.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 2ª Subsecção da 1ª Secção do TCA

I- M..., residente em Lisboa, e outros treze interessados, devidamente identificados nos autos, vieram interpor Recurso de Revisão do Acórdão proferido nos autos de Recurso Contencioso nº 3011/99 desta Subsecção, interposto por L... de acto do Senhor Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna de 02.03.99.
Como fundamento da revisão, e com base na disposição da al.f), do art. 771º do CPC, invocaram a qualidade de contra-interessados no mencionado recurso contencioso, o que em sua óptica levaria a que devessem ter sido citados para os seus termos, ao abrigo do disposto no art. 36º, nº1, da LPTA, o que não sucedeu.
*
A recorrente contenciosa, o recorrido Secretário Adjunto e o digno Magistrado do MP tomaram posição em sentido inverso e, assim, manifestando-se pelo improvimento do recurso.
*
Cumpre decidir.
***

II- Pressupostos processuais

O Tribunal é absolutamente competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozem de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
***

III- Os Factos

1- Por anúncio publicado no D.R., III série, nº 110, de 11.05.96 foi aberto concurso público para a contratação em regime de avença de 112 juristas para a Direcção Geral de Viação.
2- Da lista dos candidatos para o distrito de Coimbra, a graduação final para os primeiros 17 lugares foi efectuada pela ordem seguinte: C..., e outros.
3- Dos candidatos referidos no ponto 2 supra, apenas L... apresentou recurso contencioso anulatório, a cujos autos coube o nº 3011/99, da 2ª Subsecção, da 1ª Secção deste TCA, o qual mereceu provimento por acórdão de 29/03/99.
4- Nesses mesmos autos, todos os restantes candidatos foram considerados contra-interessados e, nessa qualidade, citados para os termos da causa, não tendo, porém, deduzido qualquer oposição.
5- Eram cinco os juristas a contratar para a Delegação Distrital de Coimbra.
6- Foram também opositores ao concurso todos os recorrentes da presente revisão, a saber M..., e outros.
7- Estes opositores foram graduados na lista de Delegação de Lisboa, tendo o melhor deles, M..., ficado classificado em 7º lugar e a pior posicionada, MA..., em 33º lugar(cfr. fls. 201 do cit. Proc. Nº 3011/99), para um universo de 28 juristas a contratar para o Distrito de Lisboa.
8- Esses mesmos candidatos(cfr. 6 supra) apresentaram no TAC de Lisboa recurso contencioso e pedido de suspensão de eficácia do despacho do Sr. Director Geral de Viação que, na sequência do acórdão anulatório mencionado em 5. supra, procedeu à denúncia dos contratos de avença que com eles haviam sido celebrados.
9- E são ainda eles que agora pedem a revisão do referido acórdão anulatório.
10- Ao todo foram 1029 os concorrentes, graduados em 18 listas correspondentes a 18 Delegações Distritais da Direcção Geral de Viação.
11- Os ora recorrentes receberam um ofício de notificação do seguinte teor:

« Denúncia de contrato de avença

Através do acórdão de 29-03.01, proferido no processo nº 3011/99 – 1ª Secção, 2ª Subsecção – o Tribunal Central Administrativo anulou o despacho do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna de 02-03-99 que homologou o relatório final e proposta de adjudicação da Comissão de Avaliação das Propostas de 26-02-99 referente ao concurso para aquisição de serviços de consultadoria jurídica em regime de avença para esta Direcção Geral de Viação, publicitado através do anúncio publicado no Diário da República, III série, nº 110/96, de 11 de Maio.
Tal como foi determinado por despacho do Secretário de Estado da Administração Interna de 20-04-01, no acatamento daquela decisão judicial está esta Direcção Geral impedida de renovar os contratos de prestação de serviços que celebrou com base no acto anulado, devendo proceder à denúncia dos mesmos nos termos contratualmente definidos.
Assim, fica V. Exª desde já notificado de denúncia do supra citado contrato com respeito pela antecedência mínima de sessenta dias relativa ao seu termo, tal como dispõe a sua cláusula 6ª.
Com os melhores cumprimentos».
***

IV- O Direito

A questão a nosso ver é muito simples e pode equacionar-se do seguinte modo interrogativo: deveriam os ora recorrentes ter sido citados para os termos do Recurso Contencioso nº 3011/99?
Os impetrantes entendem que sim, com o argumento de que nele seriam contra-interessados, uma vez que haviam celebrado um contrato de avença com a DGV na sequência do acto cuja anulação ali se pedia.

Não concordamos.
Em primeiro lugar, o recurso contencioso não forneceu(nem tinha que fornecer) elementos de onde se pudesse concluir que os ora revisionistas tinham efectivamente celebrado com a DGV contratos de avença precisamente na sequência do acto cuja anulação ali foi peticionada e concedida.
Neles apenas estava em apreciação da ilegalidade do acto segundo a perspectiva da recorrente L..., a que os recorridos particulares indicados, e realmente citados, nada contrapuseram.

Em segundo lugar, apesar de todos terem sido opositores ao concurso, a eventual anulação do acto então sindicado não traria necessariamente efeitos negativos para a esfera dos ora suplicantes.
Se o âmbito de incidência do acto tinha limites definidos geograficamente, as consequências nefastas que a anulação pudesse acarretar confinavam-se ao espaço do distrito para o qual as diversas listas foram separadamente elaboradas. Consequentemente, fazia unicamente sentido que ao recurso contencioso apenas fossem chamados aqueles candidatos que pudessem efectivamente ser prejudicados com o provimento do recurso. Ora, os peticionantes da revisão tinham apresentado candidatura pelo distrito de Lisboa e foram graduados na lista final de classificação por esse mesmo distrito.
Por isso, se em cada lista autónoma, algum interessado discordante da posição relativa que nela ocupasse quisesse contenciosamente sindicar o acto administrativo decisório, apenas deveria trazer ao processo aqueles que estivessem à sua frente, isto é, em posição de ocupar os lugares disponíveis para a contratação no respectivo distrito. Isto quer dizer, por exemplo, que se para a área distrital de Coimbra eram cinco os juristas a contratar, e se por razões de pura lógica os lugares correspondentes haveriam de ser ocupados pelos candidatos que figuravam nos cinco primeiros lugares da lista de graduação, torna-se mais do que evidente que apenas esses tinham a qualidade de contra-interessados, ou seja, «interessados a quem o provimento do recurso possa directamente prejudicar», conforme reza o art. 36º, nº1, al.b), da LPTA e, portanto, apenas eles deveriam ser citados. Não obstante, a recorrente Lígia(certamente por razões de cautela) indicou os 16 candidatos que à sua frente figuravam na lista, o que o Tribunal acabou por aceitar, citando-os(quando, como dissemos, até nos parece que apenas seria necessária a citação dos cinco primeiros).

Em terceiro lugar, cremos que o acto impugnado no recurso, na medida em que acolheu o Relatório Final do Concurso e a Proposta de adjudicação da Comissão de análise aos candidatos classificados nos primeiros lugares, dentro dos limites prévios definidos para a contratação, se apresenta como uma única determinação pronunciativa e decisora, a todos porém aplicável por igual. Isto não é senão aquilo a que alguma doutrina designa de acto plural, isto é, decisão aplicável a várias pessoas diferentes, em que sob a aparência de uma acto único, existem tantos actos quantos os seus destinatários(apud, F. AMARAL, in Direito Administrativo, III, pag. 91).
A recorrente, lesada com o acto(porque não classificada em lugar, digamos, contratável), apresentou sozinha o recurso, quando é certo que outros o podiam também ter feito. O certo é que não o fizeram, uns porque afinal acabariam por ser contratados(caso dos ora interessados na revisão), outros porque com ele se terão certamente conformado.
Ora bem. Do que se trata é do problema das consequências do decurso do tempo a que já MARCELO CAETANO atribuía efeitos caducitários( Manual de Direito Administrativo, I, 10ª ed, pag. 420) ou representava a ideia de aceitação(ob. Cit., II, pag. 1359).
O fenómeno é de convalidação. Para uma corrente a convalidação tem efeitos retroactivos, apagando a ilegalidade "ab initio", tudo se passando como se a causa inicial de anulabilidade desaparecesse pura e simplesmente e em que o carácter antijurídico deixasse de estar presente. O acto tornar-se-ia legal desde o princípio( F. AMARAL, Direito Administrativo, III, pag. 344 a 347; SÉRVULO CORREIA, Noções de Direito Administrativo, pag. 367).
Outra corrente defende que a sanação é relativa, limitada aos efeitos invalidantes do acto. O que ficaria sanado não seria o acto em si, porque esse permaneceria ilegal, mas sim e apenas os seus efeitos( M. CAETANO, ob. Cit., I, pag. 421 e 558; M. ESTEVES de OLIVEIRA, Direito Administrativo, pag. 554).
Estamos em crer que esta última é a melhor das soluções, uma vez que dessa maneira fica aberta a porta ao recurso por parte dos interessados que estejam dentro do prazo e ao próprio Ministério Público, o que não sucederia se a sanação fosse absoluta e, desse modo, o acto passasse a ser válido. Por conseguinte, a intangibilidade só funciona para aquele interessado, entre todos os outros, que aceite expressa ou tacitamente o acto ilegal, ou que deixe passar o prazo de recurso sem o sindicar. Intangibilidade, em suma, que deixa intocada a ilegalidade objectiva e intrínseca do acto e que apenas se reflecte no carácter de insindicabilidade ou inimpugnabilidade subjectiva desse mesmo acto, quanto mais não seja por se ter firmado na ordem jurídica como caso decidido(J. C. VIEIRA de ANDRADE, em anotação Ao Ac. do STA de 5/3/96, in CJA, nº 11, pag. 10; Tb. J.M.SANTOS BOTELHO, e outros, Código de Procedimento Administrativo, anotado e comentado, 4ª ed., pag., 248).

Isso não quer dizer que o acto, se era ilegal(tanto era que foi anulado), passou a ser válido pelo fenómeno da convalidação, por não ter sido impugnado por algum dos seus destinatários. Significa apenas que da decisão sobre a sua ilegalidade apenas se extraem efeitos para os que o efectivamente o impugnaram, porque afinal o acto plural, sendo único na sua determinação dispositiva, é divisível em tantos quantas as esferas jurídicas dos destinatários directamente modificadas.
O caso julgado só terá eficácia erga omnes se a anulação disser respeito a acto indivisível e, por conseguinte, o fizer desaparecer totalmente da ordem jurídica aproveitando a todos os que por ele tenham sido atingidos(M. Caetano, in Manual de Direito Administrativo, I, pag. 1396/1397; Ac. do STA de 18/04/85, in AD nº 287/185).

Isto que se diz dos efeitos do caso julgado para as situações em que, sendo várias as pessoas afectadas negativamente pelo acto, apenas algumas o terão sindicado, também se aplica à eficácia subjectiva do caso julgado para os casos em que no acto plural e no acto divisível algum dos interessados na manutenção do acto não tenha intervindo no recurso por não ter sido citado para o contestar. Para essas hipóteses, a decisão não tem eficácia erga omnes e, por isso, o interessado que não foi chamado a contestar não fica abrangido pelo caso julgado(RUI MACHETE, in Caso Julgado – Estudos de Direito Público e Ciência Política, pag. 179 e sgs; M. CAETANO, ob. e loc. cits., F. AMARAL, Direito Administrativo, IV, pag. 227).
Era esse o caso dos autos. Os muitos interessados na manutenção do acto distribuídos por todos os distritos, por à sua sombra terem sido contratados(ao todo 91 dos 112 para que foi aberto concurso), não tinham que ser todos citados por realmente por o acto ser plural e divisível. Apenas teriam que ser citados aqueles que na divisibilidade territorial ou geográfica da lista em que a recorrente(Coimbra) se encontrava inserida ficariam directamente afectados com a anulação do acto(5). E isso foi feito.

Assim, improcede o fundamento da revisão, por a situação não se enquadrar na previsão da disposição da al.f), do art. 771º do C.P.C.
***

V- Decisão

Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso de revisão, mantendo-se e confirmando-se o acórdão proferido nos autos de recurso contencioso nº 3011/99 da 2ª Subsecção da 1ª Secção deste TCA.

Custas pelos recorrentes, com imposto de justiça e procuradoria que se fixam em € 150 e € 75 euros, respectivamente.

Lisboa, 14 de Março de 2002