Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:139/23.4BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:09/20/2024
Relator:JOANA MATOS LOPES COSTA E NORA
Descritores:JUSTO IMPEDIMENTO
Sumário:A falta de fornecimento pela demandada à demandante, conforme por esta requerido, de cópia dos documentos apresentados pela contrainteressada com a sua candidatura não constitui situação de justo impedimento para instauração de acção de impugnação da decisão de licenciamento da mesma dentro do prazo legal para o efeito, pois que essa falta não obsta à prática atempada do acto de impugnação, respeitando, antes, à prova da factualidade alegada na impugnação.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção COMUM
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

Acordam, em conferência, os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul:


I – RELATÓRIO

M…– FUTEBOL, SAD, veio interpor recurso jurisdicional do acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral de Desporto, em 09.08.2023, no âmbito dos processos n.ºs 53 e 53A/2023 (principal e cautelar), que absolveu da instância a Liga Portuguesa de Futebol Profissional por caducidade do direito de acção.
As suas alegações contêm as seguintes conclusões:
“a) A decisão proferida pelo TAD é uma decisão injusta e contrária à ordem jurídica vigente.
b) Entre os vários requisitos que estão estipulados no Manual de Licenciamento das Competições 2023/24 aprovado pela Liga Portugal ou na lei, encontra-se a necessidade de apresentação de certidões comprovativas da regularidade da situação contributiva perante a Autoridade Tributária e a Segurança Social.
c) De acordo com a informação ao dispor da ora Recorrente, a situação contributiva da B…, Futebol SAD, perante a Autoridade Tributária e a Segurança Social não se encontra regularizada.
d) Por considerar que a candidatura da B…, Futebol SAD, para participar na referida competição foi invalidamente admitida, foi apresentado recurso contra essa mesma decisão junto do Tribunal Arbitral do Desporto, com o objetivo de revogar a mesma.
e) No passado dia 9 de Agosto de 2023, o TAD notificou as partes da sua decisão, através da qual julgou procedente a exceção de caducidade do direito de ação, tanto na providência cautelar, como na ação principal.
f) O prazo para a interposição da referida providência cautelar era de 10 dias pelo que o mesmo terminaria no dia 10 de julho de 2023, conforme indicado na decisão do TAD.
g) Sucede, no entanto, que à aqui Recorrente, por motivos que a mesma desconhece, alheios à sua vontade e pelos quais não tem qualquer responsabilidade, só foi permitido pela Liga Portugal, consultar o processo de licenciamento na sede desta, a partir do dia 5 de julho de 2023, (sublinhado nosso).
h) Ou seja, já com vários dias de prazo decorridos, desde que a ora Recorrente tomou conhecimento do Comunicado Oficial n° 331 da Liga Portugal, de 30 de Junho de 2023
i) A Liga nunca apresentou resposta à solicitação efetuada pela ora Recorrente para entrega em suporte físico-e não digital-das certidões comprovativas da regularidade da situação contributiva da B…, Futebol SAD, perante a Autoridade Tributária e a Segurança Social.
j) De acordo com o ponto 1.5.1 do Manual de Licenciamento da Liga Portugal, o processo de candidatura e quaisquer documentos a apresentar pelas candidatas são entregues em suporte físico (papel) (e, quando assim exigido, em formato editável) na sede da Liga Portugal até às 24:00 horas do dia do termo dos respetivos prazos, ou remetidos pelo correio, sob registo, valendo, neste caso, como data da prática do ato, a da efetivação do respetivo registo postal.
k) À aqui Recorrente nunca foi permitido consultar as certidões por si solicitadas.
l) Ou seja, não só havia um justo impedimento à data dos factos em análise, como esse justo impedimento ainda persiste!
m) O que forçosamente leva a concluir que, caso o recurso não tivesse sido apresentado, o prazo para o fazer ainda estaria a decorrer.
n) Motivo pelo qual se considera que o recurso foi apresentado tempestivamente, junto do TAD.
o) Deve, pois, revogar-se, na íntegra o douto Acordão recorrido, por razões não só de mera legalidade mas também da mais elementar justiça.”
Notificada das alegações apresentadas, a contrainteressada, B, Futebol, SAD, contra-alegou, tendo apresentado as seguintes conclusões:
“a) O ato de decisão de licenciamento da contrainteressada pela Liga Portugal ocorreu em 30 de junho de 2023.
b) A Recorrente foi notificada no dia 30 de junho de 2023, através do CO N.° 331, da decisão da Liga Portugal, quanto aos processos de licenciamento dos clubes candidatos ao licenciamento com vista à participação nas competições profissionais da Liga Portugal.
c) Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 54 da Lei do TAD, a Recorrente dispunha de 10 dias a Recorrente para interpor a competente ação arbitral,
d) O prazo para o efeito terminou no dia 10 de julho de 2023.
e) O Direito da Recorrente caducou.
f) A ação arbitral deu entrada em 17 de julho de 2023, pelo que a sua interposição foi extemporânea por ter caducado o direito da Recorrente.
g) Em 09 de agosto de 2023, por via de Decisão Arbitral, o Colégio Arbitral constituído para dirimir o litígio em causa nos presentes autos, decidiu, por unanimidade: «Considerar procedente, tanto na ação cautelar, como na ação principal, a exceção de caducidade do direito de interposição da presente ação arbitral e, consequentemente, absolver a Demandada da instância arbitral, quer no processo principal, quer no processo cautelar».
h) O Tribunal Arbitral decidiu assim pela procedência da exceção perentória de caducidade do direito de ação.
i) o prazo de 10 dias completou-se em 10 de julho 2023.
j) Em 17 de julho de 2023 data da entrada no TAD do presente processo há muito havia precludido tal direito.
k) Os processos tramitados no TAD têm natureza urgente pelo disposto no n.º 1, do artigo 39.°, da lei do TAD, preceito segundo o qual «Todos os prazos fixados nesta lei são contínuos, não se suspendendo aos sábados, domingos e feriados, nem em férias judiciais.».
l) A contagem do prazo indicado no n.º 2, do artigo 54.° da lei do TAD não pode ser suspensa nem interrompida.
m) A deliberação de 30 de junho de 2023 pelo decurso do tempo, consolidou-se já na ordem jurídica, não podendo nesta sede ser impugnada.
n) Em sede de recurso, são evidentes contradições e incoerências.
o) O recurso interposto não tem qualquer fundamento legal, tendo em conta que decisão do TAD não merece qualquer censura como se referiu.
p) A Recorrente e a Contrainteressada participam nos campeonatos profissionais de futebol organizados pela Liga Portugal
q) Em virtude dos resultados desportivos da época desportiva 2022/2023, a Denunciante garantiu a manutenção no escalão principal (1a Liga) e a Demandante foi relegada desportivamente para a divisão profissional secundária (2a Liga).
r) A Contrainteressada procedeu, dentro do prazo concedido para o efeito ao processo de licenciamento da sua equipa de futebol profissional, junto da Liga Portugal.
s) Tal processo teve uma tramitação coincidente às normas vigentes.
t) Todos os pressupostos foram preenchidos.
u) Nomeadamente, a Contrainteressada procedeu à junção das certidões, emitidas pela Autoridade Tributária, e pela Segurança Social.
v) As certidões em apreço foram emitidas pela Autoridade Tributária e pelo Instituto da Segurança Social, respetivamente, estando ambas as entidades sujeitas a prerrogativas de finalidade pública, e, à semelhança de qualquer entidade do aparelho Estadual, vinculadas à veiculação da verdade.
x) A Contrainteressada não teve assim qualquer influência direta na emissão de tais declarações, e não é responsável por tal emissão.
y) A Contrainteressada reuniu todas as condições necessárias para a participação na I Liga de futebol profissional, nomeadamente pela inexistência de dívidas.
z) Todos os pressupostos do processo de licenciamento foram cumpridos pela Contrainteressada, nomeadamente quanto aos prazos.
aa) A matéria factual não foi sujeita a qualquer apreciação porquanto de per si já que se esgotou na exceção da intempestividade.
bb) A decisão recorrida limita-se à procedência da exceção de caducidade do direito de ação.
cc) As condições que existiam até dia 10 de julho de 2023 eram exatamente as mesmas que existiam a 17 de julho não havendo lugar a justo impedimento.
dd) A Recorrente não propôs a ação arbitral tempestivamente como se verificou.
ee) A Recorrente apenas invocou justo impedimento a partir de 10 de julho de 2023.
ff) A Contrainteressada dispunha até 26 de junho, do prazo para suprir as deficiências aí elencadas.
gg) A Contrainteressada cumpriu o prazo para entrega de toda a documentação junto do órgão de licenciamento da Liga Portugal.
hh) Tais declarações se encontram conformes à verdade material, optou por requerer o procedimento cautelar e ação arbitral, que tem como contrainteressada a B… SAD e Demandada a Liga Portugal,
ii) A Recorrente que, em virtude da forma como são emitidas, disponibilizadas, e consultadas, tais certidões nunca se poderão reputar como falsas, tout court.
jj) Assim, na defesa do seu bom nome e reputação, a Contrainteressada acionou criminalmente a Recorrente.”
Notificada das alegações apresentadas, também a entidade demandada, Liga Portuguesa de Futebol Profissional, contra-alegou, tendo apresentado as seguintes conclusões:
“A. Em 09 de agosto de 2023, por via de Decisão Arbitral, o Colégio Arbitral constituído para dirimir o litígio em causa nos presentes autos, decidiu, por unanimidade julgar procedente a exceção de caducidade do direito de interposição da ação arbitral.
B. Em 25 de agosto de 2023, a Liga Portugal foi notificada do recurso apresentado pela M…- FUTEBOL, SAD, que não se conforma com a procedência da referida
C. A Recorrente, na página n.º 2 das suas alegações delimita o objeto do recurso que versa «sobre a decisão do Colégio Arbitral em julgar procedente, a exceção extemporânea de caducidade do direito da ação, tanto na ação cautelar, como na ação principal, quanto aos pedidos nelas formulados em relação à decisão proferida pela Recorrida que determinou o licenciamento para participação em competições desportivas profissionais (Liga Portugal 1) da B…, Futebol SAD».
D. De seguida, sob a epígrafe «Breve enquadramento», a Recorrente vem «relembrar o que está em causa nos autos» trazendo para o recurso matéria que em nada se relaciona com o seu objeto.
E. Pois bem, convém relembrar a Recorrente que o objeto do recurso, por si devidamente delimitado, se cinge à procedência da exceção de caducidade do direito de ação.
F. Dito isto, torna-se pode demais evidente que os artigos 1.º a 8.º do recurso apresentado pela M…- Futebol, SAD extravasam o seu objeto, pelo que deverão ser desconsiderados por este Tribunal por inadmissíveis, sendo dados por não escritos para todos os devidos e legais efeitos, o que se requer.
G. Para justificar a propositura de uma ação arbitral 7 dias após o prazo legal estabelecido para o efeito, a Recorrente alega que «a Liga não apresentou, até à presente data, resposta à solicitação para entrega em suporte físico - e não digital - das certidões comprovativas da regularidade da situação contributiva perante a Autoridade Tributária e a Segurança Social».
H. Por forma a demonstrar o alegado - e inverosímil - justo impedimento a Recorrente deixa claro que consultou «o documentação necessária no dia 5 de julho de 2023» (artigo 13. ° do recurso) e esclarece que a Liga Portugal lhe forneceu os códigos de acesso às certidões que o pretende consultar (artigo 16.° do recurso).
I. Então: se consultou toda a documentação necessária no dia 5 de julho de 2023 como é que se pode arrogar de não ter tido acesso às certidões da Autoridade Tributária e da Segurança Social, cujos códigos de acesso foram fornecidos pela Liga Portugal e se encontram - como se encontravam no dia 5 de julho - devidamente identificados no processo de licenciamento da Contrainteressada?
J. Como é que, tendo tido acesso a toda a documentação no dia 5 de julho de 2023, pode alegar justo impedimento para justificar que, ao invés de impugnar o ato decisório de licenciamento das sociedades desportivas nas competições profissionais na data legalmente definida - isto é, dia 10 de julho de 2023 -, apenas o fez dia 17 de julho de 2023?
K. É notório que, em momento algum, a Recorrente se encontrava de forma alguma impedida de, dentro do prazo legalmente estabelecido para o efeito.
L. É factual e por demais evidente que a Recorrente teve oportunidade de, dentro do prazo, aduzir os fundamentos que, no seu entender viciavam a deliberação recorrida.
M. De resto, sendo lesta a justificar-se, nunca explica em que momento cessou o alegadamente justo confabulado impedimento, conforme lhe competia.
N. Não o tendo feito, perdeu o direito a interpor a ação que pretendia apresentar.
O. Por outras palavras, o seu direito caducou - exceção perentória que se argui para todos os devidos e legais efeitos.
P. A presente ação mais não é do que uma tentativa da Recorrente - que forçosamente se gorará - de apresentar uma nova ação sobre o um ato que havia já impugnado e litigar com novos fundamentos materiais.
Q. De facto, é importante referir perante este Tribunal que em momento anterior, e dentro do prazo legal definido de 10 dias, a própria Recorrente impugnou o ato decisório de licenciamento das sociedades desportivas nas competições profissionais, que deu origem ao processo TAD n.º 48/2023.
R. Pois bem, se após ter dado entrada do referido processo, a Recorrente viesse a achar pertinente alegar outros factos suscetíveis de impugnar aquele ato, - e casso fossem processualmente admissíveis -, deveria carreá-los ao processo já em curso, não dar início a um novo.
S. De resto - diga-se - a Liga Portugal tempestivamente assinalou que a Recorrente no processo 48/2023 não identificou corretamente as Contrainteressadas naquele processo.
Por último
T. A aqui Recorrida não poderia terminar sem antes abordar as contradições em que a Recorrente incorre, as quais serão certamente avaliadas por este Digníssimo Tribunal para efeitos de apreciação da sua conduta.
U. Na página 7 do recurso, a M…- Futebol, SAD alega ainda que «até à presente data não foi possível consultar as certidões solicitadas» (artigo 24. ° do recurso),
V. E, em simultâneo revela que «o recurso foi apresentado tempestivamente, na medida que (...) se encontrava impedida de o fazer anteriormente» (artigo 26. ° do recurso).
W. Com o devido respeito, estas considerações são altamente incongruentes entre si e revelam bem o comportamento contra legem da Recorrente.
X. Primeiramente, se a justificação para o justo impedimento é a alegada (e inexistente) impossibilidade de consulta das certidões, que se mantém (ou pelo menos mantinha até à data de interposição de recurso),
Y. E se as condições que existiam até dia 10 de julho de 2023 eram exatamente as mesmas que existiam a 17 dejulho,
Z. Porque é que a Recorrente não impugnou o ato dentro do prazo legalmente estabelecido para o efeito?
AA. Ou houve alguma circunstância que se alterou?
BB. Existindo, qual foi?
CC. É que, no artigo 26. ° do recurso parece que o alegado (e, mais uma vez se diga, inexistente) impedimento que existia, deixou de existir quando a Recorrente impugnou o ato decisório...
DD. Não obstante, nada se alterou!
EE. Na verdade, desde dia 5 de julho que tudo se mantém igual:
FF. Nessa data a i) Recorrente consultou o processo de licenciamento da Contrainteressada; ii) pôde verificar todos os documentos (que desde então são exatamente os mesmos); iii) teve acesso às certidões, quer da Autoridade Tributária, quer da Segurança Social.
GG. A situação carreada para os autos não configura de modo algum uma situação de justo impedimento, pelo que a propositura da ação é extemporânea.
HH. Por essa razão, o Tribunal o quo ao decidir-se pela procedência da exceção da caducidade do direito de ação, decidiu de acordo com os normativos legais impostos pelo nosso ordenamento jurídico.
II. Dito isto, tal como resulta dos autos e da exposição ora feita, não se poderá deixar de concluir que a decisão do TAD é legal e justa, não merecendo por isso qualquer censura, devendo o recurso interposto pela M… - Futebol, SAD ser julgado totalmente improcedente, o que se requer!”
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, não emitiu pronúncia sobre o recurso interposto.
Sem vistos dos juízes-adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. n.º 2 do artigo 36.º do CPTA), importa apreciar e decidir.


II – QUESTÕES A DECIDIR

A questão que ao Tribunal cumpre solucionar é a de saber se a decisão recorrida padece de erro de julgamento de direito por se verificar situação de justo impedimento.


III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A decisão recorrida não fixou factos.


IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A decisão recorrida considerou procedente, tanto na acção cautelar como na acção principal, a excepção dilatória de caducidade do direito de acção, e, consequentemente, absolveu da instância a entidade demandada (Liga Portuguesa de Futebol Profissional). Considerou o Tribunal Arbitral do Desporto que o acto impugnado – a decisão de licenciamento da contrainteressada pela demandada – foi notificado à demandante em 30.06.2023 e a mesma só o impugnou em 17.07.2023, após decorrido o prazo de 10 dias para o efeito, previsto no n.º 2 do artigo 54.º da Lei n.º 74/2013, de 06 de Setembro, que cria o Tribunal Arbitral do Desporto e aprova a respectiva lei. Mais consta da decisão recorrida que não ocorreu o justo impedimento invocado pela demandante dado que, tendo a impugnação como fundamento o incumprimento pela contrainteressada do prazo que lhe foi concedido para suprir as deficiências encontradas, e não obstante a demandante tenha solicitado os documentos da Autoridade Tributária e da Segurança Social em 03.07.2023, a mesma consultou o processo a 05.07.2023, não tendo a demandante alegado que tais documentos não constavam do processo, nem que não teve acesso aos códigos de verificação para acesso aos mesmos.
A recorrente insurge-se contra a decisão recorrida por entender que, embora o prazo de instauração da acção tenha terminado em 10.07.2023, só lhe foi permitido pela entidade demandada consultar o processo de licenciamento da contrainteressada a partir de 05.07.2023, nunca lhe tendo sido permitido consultar as certidões que solicitou em suporte físico, após essa consulta, apresentadas pela contrainteressada com a sua candidatura, comprovativas da regularidade da situação contributiva da B, Futebol SAD, perante a Autoridade Tributária e a Segurança Social, tendo-se limitado a entidade demandada a fornecer à recorrente os códigos de acesso a tais certidões, sendo certo que, nos termos do ponto 1.5.1 do manual de licenciamento, os documentos são apresentados pelos candidatos em suporte físico (papel), pretendendo a recorrente comparar o teor dos documentos apresentados pela contrainteressada no processo de candidatura com o das certidões acessíveis mediante aqueles códigos. Considera a recorrente que tal situação constitui justo impedimento, que ainda persiste, pelo que o prazo de impugnação não se mostra ultrapassado.
Vejamos.
Não estando em causa que a impugnação do acto a que se reportam os presentes autos foi apresentada fora de prazo – ou seja, após o termo do mesmo, em 10.07.2023 -, atento o teor das alegações de recurso, importa apenas aferir da existência de uma situação de justo impedimento, que a recorrente invocou e que a decisão recorrida entendeu não se verificar, sendo certo que, nos termos da alínea a) do n.º 3 do artigo 58.º do CPTA, aplicável ex vi artigo 61.º da Lei n.º 74/2013, de 06 de Setembro, que cria o Tribunal Arbitral do Desporto e aprova a respectiva lei, a impugnação de actos é admitida, para além do prazo previsto na lei, nas situações em que ocorra justo impedimento, nos termos previstos na lei processual civil.
Nos termos do n.º 1 do artigo 140.º do CPC, “Considera-se «justo impedimento» o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato.” Assim, analisemos se a demandante recorrente, tendo deduzido impugnação do acto após o decurso do prazo legal para o efeito, o fez ao abrigo de uma situação de justo impedimento.
O que a demandante, ora recorrente, pretende é a suspensão da decisão da entidade demandada que determinou o licenciamento da contrainteressada B, Futebol SAD, para participação em competições desportivas profissionais da Liga Portugal 1, bem como a sua expulsão da referida competição. Assenta a sua pretensão na falta de preenchimento dos requisitos de licenciamento por parte da contrainteressada por a mesma, às datas do acto de licenciamento (30.06.2023) e do termo do prazo de apresentação das candidaturas (26.06.2023), ter dívidas junto da Segurança Social e da Autoridade Tributária.
Neste contexto, alega a recorrente demandante que não instaurou a acção para impugnação da decisão de licenciamento da contrainteressada dentro do prazo legal para o efeito – o que, repete-se, não é controvertido – porquanto não lhe foi fornecida – conforme por si requerido - cópia dos documentos apresentados pela contrainteressada com a sua candidatura dentro daquele prazo, aduzindo ainda que, não obstante ter instaurado a acção a 17.07.2023, tais documentos ainda não lhe foram fornecidos, concluindo, assim, que a situação de justo impedimento persiste.
Sucede que a alegação da recorrente não consubstancia uma situação de justo impedimento, ainda que assim se entenda por razões diferentes das constantes da decisão recorrida. Nesta, afastou-se a situação de justo impedimento por a demandante não ter alegado que aqueles documentos não constavam do processo, nem que não teve acesso aos códigos de verificação para acesso aos mesmos. Mas não é essa falta de alegação que nos leva a concluir pela inexistência de uma situação de justo impedimento.
Em primeiro lugar, não estamos perante qualquer evento que obste à prática atempada do acto de impugnação, o que é evidenciado pela impugnação que a recorrente deduziu em 17.07.2023, sem que lhe tenham sido fornecidos os documentos em suporte físico, sendo este o evento invocado pela recorrente para sustentar a impugnação após o decurso do prazo. Ora, se a falta de fornecimento dos documentos impedisse a recorrente de impugnar o acto dentro do prazo, também a impediria de o fazer quando o fez (a 17.07.2023), alegando a própria que tais documentos ainda não lhe foram apresentados, donde resulta que essa falta não obsta à impugnação do acto de licenciamento da contrainteressada.
Em segundo lugar, tais documentos visavam a prova da factualidade alegada pela demandante – no sentido em que a contrainteressada teria dívidas à Autoridade Tributária e à Segurança Social à data da sua candidatura -, podendo a demandante instaurar a acção e na mesma requerer a produção dessa prova, alegando a falta de fornecimento dos documentos solicitados em suporte físico e justificando a necessidade dos mesmos para demonstrar o fundamento da sua pretensão, ou seja, que a contrainteressada tinha dívidas à Autoridade Tributária e à Segurança Social à data da sua candidatura e que, por isso, não poderia ter sido licenciada. Quer dizer, a disponibilidade dos documentos cujo não fornecimento pela entidade demandada a recorrente invoca como justo impedimento para não ter intentado a acção impugnatória dentro do prazo legal não se mostra necessária à instauração de tal acção, pelo que a sua falta não obsta à impugnação.
Pelas razões enunciadas, concluímos que a falta de fornecimento de documentos em suporte físico solicitados pela demandante à demandada não constitui evento que obste à impugnação atempada da decisão de licenciamento da contrainteressada à Liga Portugal 1, pelo que não se verifica qualquer situação de justo impedimento que habilite a demandante a impugnar o acto que pretende fora do prazo legalmente previsto para o efeito.
Termos em que se impõe julgar o presente recurso improcedente.
*
Vencida, é a recorrente responsável pelo pagamento das custas, nos termos do artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA e artigo 80.º, alínea a), da Lei n.º 74/2013, de 06 de Setembro, que cria o Tribunal Arbitral do Desporto e aprova a respectiva lei.


V – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes da Subsecção comum da Secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso interposto.


Custas pela recorrente.

Lisboa, 20 de Setembro de 2024

Joana Costa e Nora (Relatora)
Pedro Nuno Figueiredo
Lina Costa