Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:22/20.5BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:07/03/2025
Relator:RICARDO FERREIRA LEITE
Descritores:ATRASO NA JUSTIÇA
PRAZO
DIES A QUO
Sumário:I - Só com a prolação da decisão no processo no qual se verifica o suposto atraso, e respetivo trânsito em julgado, se pode fazer uma ponderação ajuizada e global sobre a delonga na tramitação do processo e sua licitude/ilicitude.
II - Não faz sentido que para evitar o decurso do prazo de prescrição, o lesado deva intentar a ação indemnizatória ainda na pendência do processo atrasado, uma vez que, embora o conhecimento dos elementos constitutivos ou dos pressupostos do eventual direito à indemnização vá ocorrendo no decurso do processo, apenas com o termo do processo se logra apurá-lo integralmente.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I. Relatório
MINISTÉRIO PÚBLICO, ora Recorrente, em representação do Estado Português, vem interpor recurso jurisdicional do despacho saneador prolatado pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, datado de 24 de Fevereiro de 2025, que julgou inverificada a exceção perentória de prescrição do direito de indemnização com fundamento na responsabilidade civil extracontratual do Estado, por atraso na realização da justiça, na ação interposta pelos autores M…., MA… e A…, ora Recorridos.
O Recorrente formulou as seguintes conclusões:
– O presente recurso incide sobre o Despacho Saneador proferido na audiência prévia, e introduzido no SITAF a 24.02.2025, na parte em que julgou improcedente a invocada excepção peremptória de prescrição do direito indemnizatório dos Autores, por considerar que, em situações de responsabilidade do Estado por atraso na justiça, o início do prazo prescricional do direito indemnizatório previsto no artigo 498º, nº 1 do Código Civil apenas começa a correr quando for proferida decisão no processo alegadamente atrasado.
– O direito à indemnização por responsabilidade civil extracontratual do Estado não está legalmente isento de prescrição, estabelecendo o artigo 5.º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Pública, aprovado e publicado em anexo à Lei n.º 67/2007, de 31.12, que o direito à indemnização por responsabilidade civil extracontratual do Estado prescreve nos termos do artigo 498.º do Código Civil.
– O artigo 6.º da CEDH não afasta os prazos de prescrição estabelecidos na lei.
– No âmbito específico do direito de indemnização por atraso na justiça, o legislador prevê que este direito pode ser exercido a partir do momento em que o lesado tem conhecimento da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, conforme estipula o artigo 498.º, n. 1 do Código Civil.
– Não suscita quaisquer dúvidas ou divergências que o momento em que o lesado tem conhecimento dos pressupostos do seu direito indemnizatório coincide com o momento em que este direito pode ser exercido, iniciando-se, também, nesse momento, o prazo da prescrição; como também não suscita discordância que o que releva para o início do prazo de prescrição é o momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito e não o momento em que cessou a sua eventual violação, independentemente do ilícito que fundamenta o pedido ser de produção instantânea ou continuada.
– O “conhecimento do seu direito” não implica um conhecimento jurídico dos pressupostos que condicionam a responsabilidade civil, bastando que o lesado saiba que foi praticado um acto ou omissão – saiba ou não do seu carácter ilícito - que lhe causou danos, ainda que, nessa data, desconheça a identidade da pessoa responsável e a extensão integral dos danos.
– O prazo de prescrição inicia-se com o conhecimento dos factos da vida que integram os pressupostos legais do direito de indemnização. E, no caso do direito de indemnização por atraso na realização da justiça, o trânsito em julgado da decisão proferida no processo alegadamente atrasado não é um pressuposto do direito indemnizatório.
– A interpretação do artigo 498.º do Código Civil, no que concerne ao início do prazo de prescrição do direito à indemnização por atraso na justiça, não pode deixar de ter em consideração toda a regulamentação consagrada no ordenamento jurídico português – substantiva e processual – adequada à efectivação jurisdicional da tutela desse direito indemnizatório em toda a sua extensão - artigos 318.º a 327º, 565.º e 569.º do Código Civil e artigos 265º, n.º 2, 556.º, n.º 1, al. b), 558.º e 609.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
– Assim, para evitar o decurso do prazo de prescrição, pode, e deve, o lesado intentar, desde logo, a acção indemnizatória ainda na pendência do processo alegadamente atrasado. E é também, desde logo, para prevenir a desproporcionalidade dos efeitos extintivos da prescrição e conferir maior amplitude e protecção ao direito indemnizatório, que a lei permite que a acção seja intentada mesmo que, nessa data, o lesado desconheça a identidade do lesante e a integralidade e extensão dos danos sofridos e que também prevê mecanismos que permitem o ressarcimento da totalidade dos danos sofridos pelo lesado, mesmos daqueles que não foram inicialmente previstos e se vieram apenas a revelar no decurso da acção indemnizatória, possibilitando a formulação de pedidos genéricos, e a posterior concretização através de liquidação, com condenação imediata na parte líquida, bem como a ampliação pedido e alegação de factos supervenientes.
10ª – Da arquitectura do ordenamento jurídico português resulta que as restrições à efectivação do direito indemnizatório decorrentes da prescrição, que são previsíveis, são equilibradas pelos mecanismos legalmente previstos que permitem ao lesado evitar o decurso do prazo de prescrição e os consequentes efeitos extintivos do direito de indemnização, assegurando-se, assim, um sistema proporcionado que impede que seja atingida a substância do direito indemnizatório, e que permite conceder uma efectiva tutela jurisdicional plena do direito indemnizatório.
11ª – Com efeito, face à arquitectura do ordenamento jurídico português, não é possível afirmar que o Estado não implementou “remédios domésticos” proporcionais e adequados a evitar o decurso do prazo de prescrição e os consequentes efeitos extintivos do direito e, desse modo, conceder uma efectiva tutela jurisdicional do direito indemnizatório com fundamento no atraso da justiça em toda a sua extensão.
12ª – A interpretação seguida pelo Despacho Saneador recorrido não tem sustentáculo legal, e não cabe ao julgador fazer interpretações criativas da lei de modo a encontrar outras soluções para além daquelas que o legislador já expressamente consagrou e que não tenham um mínimo de correspondência com a letra da lei.
13ª – A interpretação literal e a unidade do sistema jurídico português, face aos “remédios” previstos no ordenamento jurídico para conferir a máxima extensão à efectivação do direito indemnizatório, apontam claramente no sentido de que, no caso de alegados atrasos na realização da justiça, o prazo de prescrição, previsto no artigo 498.º, n.º 1 do Código Civil, começa a correr logo que o lesado tem consciência de que o processo tem uma duração excessiva e que tal facto lhe está a causar danos.
14ª – Acresce, que se o propósito do legislador fosse o de estabelecer que o lesado só está em condições de exercer o seu direito indemnizatório após o trânsito em julgado da decisão atrasada, tê-lo-ia consagrado expressamente no artigo 12.º da Lei 67/2007, como fez nos artigos 13.º, n.º 2 e 15.º, n.º 5, que fixam o momento em que o lesado está em condições de exercer o seu direito: - a partir da revogação da decisão danosa ou da declaração de inconstitucionalidade por omissão.
15ª – Assim, não pode ter-se por adequada a interpretação no sentido de que o prazo de prescrição apenas se inicia apenas com o trânsito em julgado da decisão proferida no processo atrasado, por só nessa data o lesado estar em condições de exercer o seu direito indemnizatório.
16ª – O ordenamento jurídico português dispõe de soluções substantivas e processuais adequadas e suficientes para salvaguardar as exigências específicas do direito indemnizatório com fundamento na violação do direito a uma decisão em prazo razoável, pelo que não podem fazer-se interpretações que extravasam a interpretação legal das normas aplicáveis, com vista a conferir uma maior tutela desse direito indemnizatório do que aquela que a unidade do sistema jurídico já lhe atribui.
17ª – Aliás, a consequência lógica da interpretação de que o lesado apenas está em condições de exercer o seu direito indemnizatório - que coincide com o início do prazo de prescrição - após o trânsito em julgado da decisão do processo atrasado, é que se mostra restritiva do direito indemnizatório, pois, em conformidade com essa posição, o lesado teria obrigatoriamente de esperar pelo termo do processo já atrasado para poder reclamar a indemnização pela violação do seu direito a uma decisão em prazo razoável.
18ª – Por ser manifestamente inconciliável, não se mostra possível defender, por um lado, que o lesado só está em condições de exercer o seu direito apenas quando é proferida decisão final no processo atrasado e, considerar-se, por outro lado, que também o pode fazer quando o processo alegadamente atrasado ainda está pendente, pelo que, podendo o lesado exercer o seu direito indemnizatório quando o processo atrasado está pendente, é forçoso concluir que o prazo de prescrição não se inicia apenas com a decisão final do processo atrasado.
19ª – No caso dos presentes autos, se os Autores nunca pensaram que o processo de inventário identificado pudesse demorar mais do que 3 anos (facto provado J) e, em 15 de Janeiro de 2014, afirmam expressamente que o Cabeça-de-casal naqueles autos tem conseguido, com sucesso, protelar o andamento da marcha de um processo que já perdura há mais de 10 anos (facto provado H), então, pelo mesmo desde essa data, estavam em condições objectivas de exercer o seu direito indemnizatório, pois desde essa altura que têm conhecimento da ocorrência do alegado atraso na justiça e que esse atraso lhes está a causar danos.
20ª. – Com efeito, face aos factos dados como assentes, os Autores tiveram conhecimento dos elementos constitutivos ou dos pressupostos do eventual direito à indemnização, pelo menos, em 15 de Janeiro de 2014, pelo que, à data da citação do Réu, e até mesmo à data da propositura da presente acção, o direito de indemnização já estava prescrito.
21ª – A tutela efectiva do direito indemnizatório e o acesso à justiça não são minimamente atingidos pelo facto dos Autores não terem usado tempestivamente os meios disponíveis a fazer valer o direito indemnizatório com fundamento no atraso do processo em causa, quando o quadro legal existente no ordenamento jurídico português está dotado de mecanismos legais proporcionais e adequados para evitar o decurso do prazo de prescrição e os consequentes efeitos extintivos do direito de indemnização, de modo a proteger o lesado e a efectivar este direito indemnizatório em toda a sua extensão e plenitude.
22ª – Assim, a adequada interpretação do artigo 498.º, n.º 1 do Código Civil não poderá deixar de ser no sentido de que o prazo precricional começa a correr no momento em que o lesado tem conhecimento do direito que lhe assiste e está em condições objectivas de exercer o seu direito, ou seja, nas situações de atraso na justiça, quando o lesado tem consciência de que o processo tem uma duração excessiva e que tal facto lhe está a causar danos, começando, nesse momento a correr o prazo prescricional, e não apenas com o trânsito em julgado da decisão proferida no processo atrasado, pois, não pode entender-se, e ficcionar-se, que deverá ser deferido para um momento posterior o conhecimento do direito que já é detectável em momento anterior.
23ª – Com efeito, a tese de que o lesado só no final do processo é que tem consciência da dimensão exacta do atraso, apenas releva para o dano (para o conhecimento da extensão do dano), não tendo relevância para o conhecimento do atraso, não podendo confundir-se o conhecimento do atraso (relevante para o início da contagem do prazo prescricional) com o conhecimento da dimensão exacta do atraso (relevante para a extensão do dano).
24ª – A interpretação perfilhada no Despacho Saneador recorrido, ao ficcionar para um momento posterior (a decisão final do processo) o conhecimento do direito indemnizatório que já é detectável em momento anterior (pelo menos desde 15 de Janeiro de 2014 – factos provados J) e H), implica um alargamento do prazo de prescrição desprovido de qualquer suporte legal.
25ª – Ao julgar improcedente a excepção peremptória de prescrição do direito indemnizatório dos Autores, o Despacho Saneador recorrido fez uma errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 498.º, n.º 1 do Código Civil, e artigos 5.º e 12.º da Lei 67/2007.
Nestes termos, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente, deve o douto Despacho Saneador, na parte recorrida, ser revogado e substituído por outra decisão que julgue procedente a excepção peremptória de prescrição do direito indemnizatório dos Autores e, em consequência, absolva o Réu Estado Português do pedido.
Vossas Excelências apreciarão e farão a melhor Justiça.”
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Os Recorridos apresentaram contra-alegações formulando, para o efeito, as seguintes conclusões:
“1 - Tendo a questão objecto de recurso sido sujeita à apreciação pelo Tribunal Central Administrativo do Sul, neste mesmo processo, tendo sido proferido o douto Acórdão datado de 02/11/2022, que julgou a excepção peremptória de prescrição do direito dos Recorridos improcedente, o qual transitou em julgado, verifica-se uma excepção de caso julgado que impede o conhecimento do mérito do recurso.
2 - Em situações de responsabilidade do Estado por atraso na justiça como as dos presentes autos, deve entender-se que o prazo prescricional fixado no artigo 498.º do CC apenas começa a correr com a prolação da decisão de mérito irrecorrível
3 - Defender o contrário, é permitir um estado de incerteza e insegurança jurídicas, obrigando o lesado a intentar sucessivas ações de responsabilidade civil, ou ampliações do pedido, tornando a ação e responsabilização insuficiente ou excessivamente morosa e complexa, subvertendo a ratio da mesma…
4 - No caso da responsabilidade civil do Estado por morosidade na justiça, surge uma colisão de princípios, no sentido de que por um lado temos a finalidade do instituto da prescrição, e por outro a proteção da segurança jurídica e a garantia da aplicação de leis constitucionais e internacionais, como é o caso no 20º, nº 4 da CRP e o 6º da CEDH, entendendo-se a tese segundo a qual o prazo de prescrição apenas começa a corres como transito da decisão que colocou termo ao litigio é a que melhor harmoniza as jurisdições, princípios e institutos em causa.
5 - É certo que, enquadrado no regime geral de responsabilidade civil, o prazo de prescrição apenas pode ter início no momento em que o lesado tem conhecimento da morosidade do processo, e que tal lhe provoca danos, mas estando em causa a violação do artigo 0º, nº 4 da CRP e o art. 6º CEDH por atraso na prolação de decisão em prazo razoável, tal regime assume contornos específicos no caso de violação do direito a obter um decisão em prazo razoável, na medida em que tal circunstância não pode ocorrer antes da data do trânsito em julgado da decisão que ponha fim ao litígio, tendo em conta as características específicas que este tipo de responsabilidade civil assume.
6 - No que concerne à violação de direitos consagrados na CEDH, devem seguir-se as diretrizes do TEDH, que no caso do artigo 6º da CEDH, entende ser necessário analisar a duração global do processo, o comportamento das partes, a complexidade do litígio, a sua urgência, os direitos em causa, entre outros elementos.
7 - Pelo que, para a correta interpretação e aplicação do Direito entendemos que o início do prazo de prescrição apenas se iniciará com o trânsito em julgado da decisão que puser fim à ação.
8 - De modo que, o Despacho Saneador que julgou improcedente a excepção de prescrição não sofre de qualquer macula, não tendo sido violado qualquer normativo ou princípio legal, devendo manter-se na integra. JUSTIÇA!!!”
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Notificado nos termos e para efeitos do disposto no artº 146º do CPTA, o Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, não emitiu parecer.
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Com dispensa de vistos, atendendo à sua simplicidade, vem o processo submetido à conferência desta Subsecção Administrativa Comum da Secção do Contencioso Administrativo para decisão.
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II. Delimitação do objeto do recurso (artigos 144.º, n.º 2, e 146.º, n.º 1, do CPTA, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1, 2 e 3, do CPC, aplicável ex vi artigo 140.º do CPTA):
A questão objecto do presente recurso suscitada pelo Recorrente prende-se em saber se a decisão recorrida errou no seu julgamento de direito, ao julgar improcedente a exceção perentória de prescrição do direito de indemnização dos Autores, ora Recorridos.
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III. Factos (dados como provados na decisão recorrida):
“A) Em 11 de Março de 2003, foi instaurado o processo de inventário, ao qual veio a ser atribuído o n.º 2933/03.3TBCSC – admitido por acordo das partes (cfr. artigos 1.º e 2.º da petição inicial e artigo 47.º da contestação);
B) O processo identificado no parágrafo anterior foi tramitado no Juízo Local Cível de Cascais – Juiz 2 da Comarca de Lisboa Oeste – admitido por acordo das partes (cfr. artigo 3.º da petição inicial e artigo 47.º da contestação);
C) Em 5 de Maio de 2003, os Autores interpuseram processo cautelar requerendo o arrolamento dos bens, móveis e imóveis, constantes da relação de bens, invocando que o cabeça de casal se encontrava na posse dos bens e a geri-los em atenção apenas aos seus interesses – admitido por acordo das partes (cfr. artigo 216.º da petição inicial e artigo 47.º da contestação);
D) O processo cautelar referido no parágrafo anterior foi julgado procedente apenas em relação aos bens móveis e direitos elencados na relação de bens da herança, não tendo sido autorizado o arrolamento dos bens imóveis – admitido por acordo das partes (cfr. artigos 216.º e 219.º da petição inicial, e artigo 47.º da contestação);
E) Em 31 de Outubro de 2003, foi lavrado o auto de arrolamento de bens – admitido por acordo das partes (cfr. artigo 219.º da petição inicial e artigo 47.º da contestação);
F) Em 25 de Novembro de 2010, os Autores apresentaram requerimento no processo identificado no parágrafo A) acima, com o seguinte teor:
«A…, MA… e M…, Interessados no processo de Inventário Facultativo à margem identificado em que é Requerente e Cabeça de Casal António Simões Raposo, notificados de novo requerimento de concessão de novo prazo, não inferior a 30 dias, para a apresentação de documentos pelo Cabeça de Casal, vêm dizer o seguinte:
1 - Os presentes autos, aos quais se encontra apenso um incidente de remoção do cabeçalato, tiveram início na data de 13.03.2003.
2 - A questão em ora apreço foi suscitada pelo Requerente em Julho de 2010;
3 - Na data de 24.09.2010, o Requerente foi notificado do douto despacho que ordenou a junção aos autos do documento a comprovar a autorização da celebração do casamento com dispensa de processo preliminar de publicações, pelo Requerente, em 10 dias;
4 - Por requerimento junto aos autos, na data de 07.10.2010, o requerente veio alegar o seguinte:
„(...) tendo já encetado as diligências necessárias com vista à obtenção do documento cuja junção foi doutamente ordenada, mas necessitando de mais tempo para concluir essas diligências, atendendo ao facto de o documento ter de ser emitido pelas autoridades eclesiásticas angolanas e legalizado junto da representação consular portuguesa na República de Angola, vem requerer a V. Exa. se digne conceder-lhe novo prazo não inferior a trinta dias para proceder a essa junção‟.
5 - Por douto despacho notificado na data de 18.10.2010, o requerimento atrás enunciado obteve deferimento, tendo sido concedido novo prazo adicional de 30 dias para que o Requerente juntasse o citado documento.
6 - Ora, na data de 22.11.2010, decorridos quase dois meses depois do prazo originalmente concedido, o Requerente vem alegar que estão ainda a prosseguir as diligências tendentes à obtenção e legalização do documento em causa.
7 - Ou seja, decorridos quase dois meses, nada foi localizado, nada foi obtido, nada foi feito e nada foi junto, pelo Requerente, no âmbito de um incidente que o mesmo suscitou sem fundamentar integralmente, e que a única consequência que logrou obter foi protelar, ainda mais, a marcha de um processo que já perdura há mais de 7 anos.
8 - A titulo meramente complementar, sempre se dirá que o casamento ocorreu há 58 anos, que o Requerente declarou em todas as escrituras públicas em que foi interveniente, e que estão comprovadas nos autos, nos respectivos registos, que era casado em regime de comunhão geral de bens, mas pretende agora mais 30 dias, decorridos os tais 58 anos, para juntar um documento relativo ao mesmo casamento...
Termos em que os Requeridos se opõem à concessão de um novo prazo adicional ao Requerente para a junção do documento objecto do presente incidente, sendo certo que, desde já, adiantam, no seguimento do articulado junto a fls..., que ainda que tal documento venha a ser junto aos autos, não tem idoneidade para o mesmo poder prejudicar, seja de que forma for, a posição dos Requeridos no presente inventário à herança deixada pela inventariada, incluindo todos os bens imóveis que constam da respectiva relação de bens.
P.D. O ADVOGADO» − cfr. documento n.º 1 junto aos autos com a contestação, que se dá por reproduzido;
G) Em 7 de Novembro de 2013, os Autores apresentaram um requerimento com o seguinte teor no âmbito do processo identificado no parágrafo A) acima:
«M…, AN… E M…, interessados nos termos do processo à margem referenciado e aí melhor identificados, tendo sido notificados de novo requerimento para concessão de novo prazo, não inferior a 30 dias, para a apresentação de documentos pelo cabeça-de-casal, vêm muito respeitosamente opôr-se à concessão do mesmo, nos termos e com os seguintes
FUNDAMENTOS:
1.°
Os presentes autos tiveram início em 13 de Março de 2003.
2.°
A questão ora em apreço foi suscitada pelo ora requerente em Julho de 2010.
3.º
Por requerimento, junto aos autos em 2 de Novembro de 2011, veio o requerente alegar o seguinte: ‘Segundo o requerente foi hoje mesmo informado, a certidão iá se encontra pedida e o Dr. A… acompanha diariamente a tramitação necessária à respectiva emissão e entrega ao requerente, contando trazer a certidão consigo quando regressar a Lisboa no próximo dia 20’ (sublinhado nosso).
4.º
Por novo requerimento, junto aos autos em 21 de Maio de 2012, veio o requerente dizer que: "... resulta a existência da autorização para celebração do casamento com dispensa do processo preliminar de publicações e a disponibilidade por parte do Senhor Arcebispo para passar uma certidão da mesma. Contudo,
3. O Senhor Cónego Antero pediu que o requerente apresentasse uma exposição detalhada ao Senhor Arcebispo sobre a necessidade de obtenção da certidão e os motivos que levam o requerente a pretender provar a existência da autorização.
4. O requerente elaborou e remeteu prontamente a Luanda a referida exposição, tendo acabado de obter a informação de que a certidão terá sido iá emitida, podendo ser levantada na Diocese de Luanda.
5. Face a esta informação o requerente vai pedir a uma outra pessoa das suas relações, o Sr. Ara. Antero de Sousa, que se deslocará dentro de dias a Luanda, para levantar a certidão, e obter a respectiva legalização junto dos serviços consulares portugueses, trazendo-a em mão quando regressar ao nosso país’ (sublinhado nosso)
5.°
Por novo requerimento, junto aos autos em 18 de Junho de 2012, veio o requerente informar: „... estando ainda à espera do regresso de Luanda da pessoa que incumbiu de levantar a certidão em causa na Diocese de Luanda‟ (sublinhado nosso).
6.º
Por novo requerimento, junto aos autos em 7 de Fevereiro de 2013, veio o requerente alegar: ‘que a chancelaria da Diocese mantém em curso trabalhos de localização do documento em causa’ (sublinhado nosso)
7.°
Por novo requerimento, junto aos autos em 12 de Abril de 2013, veio o requerente dizer que: “...resulta a possibilidade de a referida autorização ter sido verbalmente concedida’.
8.º
Ora, decorridos mais de 3 (três) anos desde o início deste incidente – Julho de 2010 − e decorridos mais de 2 (dois) anos – 2 de Novembro de 2011 – desde a data em que o requerente afirmou que ‘a certidão já se encontra pedida’, nada foi localizado nem nada foi obtido.
9.º
Sendo que e conforme teor do requerimento de 4 de Novembro de 2013, subscrito pelo ora requerente, comunicando que: “… já mereceu um despacho proferido pelo Senhor Arcebispo de Luanda.
2. O despacho foi proferido no sentido de ordenar aos serviços que fosse documentalmente comprovada a pretensão do requerente – ou seja, que a certidão fosse emitida…
… outorgar a favor do Dr. António Matos uma procuração com poderes especiais para proceder ao levantamento da certidão’.
10.º
No entanto, o ora requerente não junta cópia do supra mencionado despacho.
11.º
Por outro lado, também nos parece no mínimo estranho que o ora requerente ainda não tivesse emitido nenhuma procuração com poderes especiais para proceder ao levantamento da certidão, tendo em conta o decurso do prazo de 3 (três) anos desde que iniciou o desenvolvimento de esforços para obter o dito documento.
12.º
Tendo em conta a manifesta contradição existente nos diversos requerimentos subscritos pelo ora requerente, ao longo destes 3 (três) anos e 4 (quatro) meses,
13.º
E sendo nos parece mais do que evidente que a única intenção do ora requerente é tentar (o que tem conseguido com sucesso) protelar o andamento da marcha de um processo que já perdura há mais de 10 (dez) anos.
14.º
Em suma e pelo supra exposto, não podem os ora requeridos concordar com o pedido de concessão de novo prazo apresentado pelo ora requerente, devendo os presentes autos prosseguir os seus normais termos.
Termos em que se opõem à concessão de um novo praz adicional ao cabeçade-casal para a apresentação do documento objecto do presente incidente, devendo os autos prosseguir os seus normais termos.
Pedem e de V. Exa. esperam deferimento. A Advogada» – cfr. documento n.º 2 junto com a contestação, que se dá por reproduzido
H) Em 15 de Janeiro de 2014, os Autores apresentaram um novo requerimento com o seguinte teor no âmbito do processo identificado no parágrafo A) acima:
«M…, NA… E MA…, interessados nos termos do processo à margem referenciado e aí melhor identificados, tendo sido notificados de novo requerimento para concessão de novo prazo, não inferior a 15 dias, para a apresentação de documentos pelo cabeça-de-casal, vêm muito respeitosamente opor-se à concessão do mesmo, nos termos e com os seguintes
FUNDAMENTOS:
Vem agora o ora requerente comunicar ao Tribunal que a pessoa encarregada de proceder ao levantamento da alegada certidão na Chancelaria da Arquidiocese de Luanda não pode deslocar-se aos referidos serviços durante a sua última estadia em Angola, por motivos imperiosos da sua vida pessoal,
Requerimento que envia - como aliás sempre tem sempre vindo a fazer ~ no último dia do prazo para junção do documento em causa.
Protestando ainda o ora requerente juntar cópia de uma mensagem em correio electrónico alegadamente enviada pela supra referida pessoa encarregada do levantamento da eventual certidão que já se encontra actualmente em sua posse,
O que de todo não se entende nem se aceita, visto que o ora signatário não justifica o motivo pelo qual não junta, de imediato a cópia da referida mensagem de correio electrónico.
Por outro lado, o ora requerente continua a não juntar cópia do despacho que alegadamente ordenou aos serviços que fosse documentalmente comprovada a pretensão do requerente, ou seja, que a certidão fosse emitida,
Bem como não junta cópia da Procuração com poderes especiais que terá sido emitida na sequência do anterior pedido de prorrogação de prazo para apresentação da certidão,
Por outro lado, também nos parece no mínimo estranho que, de acordo com o teor do ponto 2 do requerimento de 10 de Janeiro de 2014, ainda não se encontre - hoje dia 15 de Janeiro de 2014 - junto aos autos o documento em causa,
Raciocínio que se retira da conjugação da informação da data da viagem de dia 12 e a expressão que terá sido utilizada na hipotética mensagem de correio electrónica, concretamente, "imediatamente".
Tendo em conta o conteúdo das várias argumentações apresentadas nos diversos requerimentos subscritos pelo ora requerente, ao longo destes 3 (três) anos e 6 (seis) meses - relembrando que a questão foi suscitada pelo ora requerente em Julho de 2010 - quando o processo teve início em 13 de Março de 2003, ou seja, 7 (sete) anos e 4 (quatro) meses antes,
10º
E sendo nos parece mais do que evidente que a única intenção do ora requerente é tentar (o que tem conseguido com sucesso) protelar o andamento da marcha de um processo que já perdura há mais de 10 (dez) anos.
11°
Em suma, e pelo supra exposto, não podem os ora requeridos concordar com o pedido de concessão de novo prazo apresentado pelo ora requerente, devendo os presentes autos prosseguir os seus normais termos. Termos em que se opõem à concessão de um novo prazo adicional ao cabeça-de-casal para a apresentação do documento objecto do presente incidente, devendo os autos prosseguir os seus normais termos.
Pedem e de V.ª Ex.ª esperam deferimento. A Advogada» – cfr. documento n.º 3 junto com a contestação, que se dá por reproduzido;
I) Em 17 de Fevereiro de 2019, foi junta transacção ao processo de inventário identificado no parágrafo A) acima, tendo sido proferido despacho de homologação em 20 de Fevereiro de 2019 – admitido por acordo das partes (cfr. artigo 162.º da petição inicial e artigo 47.º da contestação);
J) Os Autores nunca pensaram que o processo de inventário identificado no parágrafo A) acima pudesse demorar mais do que 3 (três) anos – confissão (artigo 174.º da petição inicial);
K) A presente acção de responsabilidade civil extracontratual com fundamento em morosidade da justiça foi proposta em 7 de Janeiro de 2020 – cfr. «comprovativo de entrega de documento» no SITAF, que se dá por reproduzido; L) O ofício de citação do Réu foi remetido em 10 de Janeiro de 2020 – cfr. ofício de citação (registo SITAF n.º 006141992), que se dá por reproduzido;
M) O Réu recebeu o ofício de citação para estes autos em 14 de Janeiro de 2020 – cfr. aviso de recepção (registo SITAF n.º 006153268), que se dá por reproduzido.”

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IV. Direito
Antes do mais, convém frisar, porque tal exceção se mostra de conhecimento oficioso, que não se verifica a apontada violação de caso julgado, nos termos alegados pelos Recorridos, nas suas contra-alegações.
Se bem que a questão da prescrição foi já, in illo tempore, objeto de decisão (datada de 21.06.2022, a fls. 342 do SITAF) e, subsequentemente, de recurso para este Tribunal Central Administrativo do Sul (tendo sido proferido Acórdão, datado de 02/11/2022, a fls. 441 do SITAF, que anulou a sentença e julgou improcedente a exceção de prescrição), o certo é que, entretanto, foi proferido despacho datado de 20 de Setembro de 2023, que declarou a nulidade da citação e ordenou a citação do MP em representação do Estado Português, invalidando todo o processado desde então.
Daí o conhecimento desta questão, ex novo, pela decisão de que ora se recorre.
Feita esta “precisão”, vejamos se, como pretende o Recorrente, a decisão recorrida padece de erro de julgamento de direito, ao julgar improcedente a exceção perentória de prescrição do direito de indemnização dos Autores, ora Recorridos.
Vejamos, pois.
Foi esta a argumentação vertida na decisão recorrida para julgar improcedente a exceção de prescrição do direito indemnizatório reclamado pelos Recorridos:
“(…) [a] propósito desta questão, decidiu o seguinte o Venerando Tribunal Central Administrativo Sul em Acórdão de 2 de Novembro de 2022, proferido nestes autos:
«É incontornável que não obstante a Ação ter terminado por transação, ainda em 1ª instância, teve uma duração superior a 16 anos, sendo que os Autores apenas no final do Processo têm plena consciência da dimensão exata do atraso verificado.
Independentemente da argumentação esgrimida pelas partes, tem sido a mais recente jurisprudência, pacífica ao afirmar que nos processos em que se coloca em crise a violação do direito a uma decisão em prazo razoável, apenas após o trânsito em julgado da decisão final na ação a que respeite corresponde ao momento em que o lesado tem conhecimento do seu direito, tendo início nessa data o prazo de prescrição vertido no artigo 498.º, n.º 1 do Código Civil (neste sentido, cfr. acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 10 de dezembro de 2020, proferido no processo n.º 995/19.0BESNT-S1 e do Supremo Tribunal Administrativo, de 6 de fevereiro de 2020, proferido no processo n.º 03/16.3BEALM e de 19 de novembro de 2020, proferido no processo n.º 0506/16.0BELSB-A), pela razão já apontada que só no final do Processo pode o Autor ter noção do atraso reclamado.
(…)
A divergência situa-se, pois, quanto ao momento a partir do qual deve, no caso, ser contado o prazo prescricional de 3 anos previsto no artigo 498.º n.º 1 do Código Civil, para o exercício do direito indemnizatório fundado na violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável.
O direito a uma decisão judicial em prazo razoável, acolhido no artigo 20.º n.º 4 da CRP, sob a epígrafe “acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva”, através da consagração de que “…todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo”, assegura o direito à justiça em prazo razoável, garantindo-se às partes envolvidas numa ação judicial o direito de obter do órgão jurisdicional competente uma decisão dentro dos prazos legais préestabelecidos, ou, no caso de esses prazos não decorrerem da lei, de um lapso temporal proporcional e adequado à natureza e complexidade do processo judicial (vide J. Gomes Canotilho e Vital Moreira in, “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 4.ª edição revista, vol. I, p. 417 e Isabel Fonseca in, “Estudos em Comemoração do 10.º Aniversário da Licenciatura em Direito da Universidade do Minho”, pág. 360).
O que também subjaz ao disposto no artigo 6º § 1º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), ratificada pela Lei nº 65/78, de 13 de Outubro, nos termos do qual “…qualquer pessoa tem direito a que a causa seja examinada num prazo razoável por um Tribunal, o qual decidirá sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil”. Como é enfatizado no acórdão do STA de 13/07/2016, Proc. N.º 0783/14, “…em ambos os preceitos a exigência de celeridade vem associada àquela outra exigência de equidade, indo o texto do segundo preceito mais longe, associando ainda a exigência da celeridade a um processo justo ou, em termos amplos, à qualidade da justiça, referindo, v.g., os valores da independência e da imparcialidade, e a necessária proteção das garantias individuais. A doutrina e a jurisprudência têm extraído desta associação a ilação de que a celeridade da justiça não é uma questão puramente quantitativa, no sentido de que basta, para atestar de um atraso da justiça, balizar os marcos temporais de início (ou a data da prática dos factos) e fim de um processo. Efetivamente, desde logo se reconhece que a necessidade de uma justiça justa, designadamente, de uma justiça que respeite a igualdade de armas, em especial o contraditório, significa que a questão do atraso tem que ser vista como uma questão igualmente qualitativa”.
Como referiam Gomes Canotilho e Vital Moreira in, „Constituição da República Portuguesa Anotada‟, vol. I, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, pág. 417 ss., a propósito do artigo 20º nº 4 da CRP, o sentido do direito ao prazo razoável como momento material da tutela judicial efetiva “…aponta para a sua aplicação em qualquer processo e perante qualquer jurisdição” e “a «razoabilidade» ou a «desrazoabilidade» do prazo não pode fixar-se a priori, podendo e devendo recorrer-se a tópoi interpretativos (complexidade do processo, comportamento do recorrente e das autoridades do processo, modo de tratamento do assunto pelas autoridades judiciais e administrativas, consequências para as partes)”, explicitando que o sentido da razoabilidade do prazo “…aponta para a necessidade de a tutela jurisdicional dever assegurar-se em prazo côngruo” em termos que “a não observância do princípio da razoabilidade temporal na duração do processo só poderá ser justificada nos processos de particular dificuldade ou extensão, mas dificilmente poderão considerar-se causas justificativas do «atraso» as insuficiências materiais e humanas (tribunais, pessoas, organizações) ou as deficiências regulativas do processo”.
Citam-se ainda, entre muitos outros, os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo:
- Acórdão de 01/02/2001, Proc. N.º 046805, onde se sumariou:
«I - O Estado Português incorre em responsabilidade civil extracontratual por danos patrimoniais resultantes do defeituoso funcionamento dos seus Serviços de Justiça, se violar ilícita e culposamente o direito à execução de sentença proferida pelo tribunal (art.º 205°, n.º 3 da CRP), designadamente o direito de efetuar a penhora de bens no património do executado em "prazo razoável", consagrado no art.º 6°, n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) e art.º 20°, n.º 1 da CRP. II - Para a determinação de um "prazo razoável", há que ter em consideração o caso concreto, designadamente o período gasto na diligência, as circunstâncias desta, a sua complexidade e a conduta dos serviços do Tribunal»;
- Acórdão de 06/02/2007, Proc. N.º 01037/06, onde se sumariou:
«I - A responsabilidade civil extracontratual do Estado por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos ou agentes assenta nos pressupostos da idêntica responsabilidade prevista na lei civil, que são o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o prejuízo ou dano e o nexo de causalidade entre este e o facto. II - O atraso na decisão de processos judiciais, quando puser em causa o direito a uma decisão em prazo razoável, garantido pelo art. 20.º, n.º 4, da CRP, e pelo art. 6.º, § 1.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, pode gerar uma obrigação de indemnizar. III - A conduta dos serviços do Estado - atraso na prolação de sentença cível - não foi condição do dano quando este proveio do acionamento de uma garantia bancária autónoma, à primeira interpelação, se a decisão judicial, por mais célere que fosse, não podia ter evitado o respetivo levantamento e se não está provado que a demora tenha inviabilizado a possibilidade de ressarcimento do lesado através do património do beneficiário que acionou a garantia em seu proveito».
É consensual, seja na doutrina, seja na jurisprudência do TEDH e dos tribunais nacionais, que a apreciação do cumprimento ou não do prazo razoável na resolução de um litígio judicial deverá ser uma apreciação global, recaindo sobre todos os motivos que determinaram o atraso na decisão, sem embargo de se dedicar mais atenção a determinados aspetos.
A este propósito Luís Fábrica, in, “Comentário ao Regime da responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas”, Universidade Católica Portuguesa, 2013, pág. 332 ss. refere que “o juízo sobre a duração do processo deve ser feito em termos globais, olhando à duração efetiva, e não segundo um método analítico, centrado no cômputo dos prazos legalmente fixados e da sua eventual ultrapassagem” e que “…se a duração do processo se manteve dentro da duração média dos processos daquela espécie, em função, designadamente, da complexidade do caso, pouco importa se relativamente a cada um dos trâmites os prazos respetivos foram ou não observados. A análise dos prazos e da sua ultrapassagem pode justificar-se apenas numa zona intermédia, cinzenta, em que foi ultrapassada aquela duração média, “mas não existe uma demora que se afaste profundamente daquela média nem do tempo que seria expectável por um destinatário médio bem colocado para esta apreciação…”.
E Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in, “Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado, e Demais Entidades Públicas – anotado”, Coimbra Editora, pág. 199 ss. diz, a tal respeito, que: “…a não prolação de decisão judicial em prazo razoável corresponde a uma situação e morosidade processual, que terá, em todo o caso, de ser analisada, enquanto requisito material do direito à indemnização, em função da complexidade do processo e do comportamento que nele adotaram as partes ou que possa ser imputado a outras entidades, ainda que não diretamente de pendentes da justiça (…). Por outro lado, o protelamento do processo tanto poderá ser imputável individualmente a um magistrado por não terem praticado os atos que lhe competem dentro dos prazos legais ou com a celeridade exigível, como poderá ser resultante de diversas falhas atribuíveis aos serviços globalmente considerados ou a factos ocorridos em diferentes ordens de tribunais. Em qualquer caso, não esta em causa a prática de um ato jurisdicional em si, mas a circunstância de a decisão (favorável ou desfavorável) ter sido proferida para além de um prazo razoável tendo em atenção a duração média da resolução dos litígios em juízo”.
Vindo a jurisprudência nacional a seguir aquela que tem também sido a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), no sentido de que a apreciação da razoabilidade de duração dum processo terá de ser feita em concreto, apreciação essa em que importa atender, nomeadamente, à complexidade do processo, ao comportamento das partes, à atuação das autoridades competentes no processo e à natureza do litígio, designadamente tendo em atenção o assunto objeto de apreciação, o tipo de consequências que dele resultam para a vida pessoal ou profissional das pessoas ou sujeitos envolvidos, mormente, a importância que a decisão tem para as partes (l‟ enjeu du litige).
Veja-se, por todos, o acórdão do STA de 21/05/2015, onde se discorreu o seguinte:
«(…) no que tange à apreciação e integração do conceito de justiça em “prazo razoável” ou de obtenção de decisão judicial em “prazo razoável” temos que se trata dum processo de avaliação a ter de ser feito in concreto e nunca em abstrato, pelo que, nessa tarefa, nunca nos poderemos socorrer única e exclusivamente do que deriva das regras legais que definem o prazo ou os sucessivos prazos para a prática e prolação dos atos processuais pelos vários intervenientes.
XXXI. Nessa medida, a apreciação da razoabilidade de duração dum processo terá de ser feita analisando cada caso em concreto e numa perspetiva global, tendo como ponto de partida a data de entrada da ação no tribunal competente e como ponto final a data em que é tomada a prolação definitiva, contabilizando as instâncias de recurso [incluindo a junto do Tribunal Constitucional] e ainda a fase executiva.
XXXII. Para tal tarefa de avaliação e de ponderação afigura-se-nos adequado e útil fazer apelo à jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem [TEDH] quanto à metodologia para avaliar a razoabilidade da duração dum processo.
XXXIII. Tal jurisprudência, inicialmente, serviu-se apenas de três critérios [1.º - o da complexidade do processo; 2.º - o do comportamento das partes; e 3.º - o da atuação das autoridades competentes no processo], sendo que mais recentemente aquela jurisprudência acrescentou um outro critério [o 4.º] que se prende com o assunto do processo e ao significado que ele pode ter para o requerente [“l‟ enjeu du litige”], sendo que todos estes critérios são valorados e aferidos em concreto atendendo “às circunstâncias da causa” [cfr., entre outros, decisões do TEDH no caso Frydlender c. França (P. n.º 30979/96) in: CEDH 2000-VII; no caso Cavelli e Ciglio c. Itália - acórdão de 17.01.2002, CEDH 2002, p. 23 in: «www.gddc.pt/direitos-humanos/sist-europeu-dh/sumariosTEDH.pdf»; no caso Martins Castro e Alves Correia de Castro c. Portugal (P. n.º 33729/06 - acórdão 10.06.2008, no seu § 38); no caso Ferreira Alves c. Portugal N.º 6 (P. n.ºs 46436/06 e 55676/08 - acórdão de 13.04.2010, no seu § 35) in: «www.gddc.pt/direitos-humanos/portugal-dh/acordaos»; no caso Domingues Loureiro e outros c. Portugal (P. n.º 57290/08 - acórdão de 12.04.2011, no seu § 56) e no caso Chy¿yñski c. Polónia (P. n.º 32287/09 - acórdão 24.07.2012, no seu § 47) ambos in: «www.hudoc.echr.coe.int/»].
XXXIV. Chamando aqui à colação aquela jurisprudência do Tribunal de Estrasburgo para a definição ou integração de cada um destes critérios, tal como este STA já tem feito apelo, mormente, nos acórdãos de 28.11.2007, de 09.10.2008, de 26.03.2009, e de 10.09.2014 [respetivamente, Procs. n.ºs 308/07, 0319/08, 0227/08, e 090/12], temos que quanto ao primeiro critério se analisam tanto as circunstâncias de facto como o enquadramento jurídico do processo [mormente, número de pessoas/partes envolvidas na ação; tipo de peças processuais, nomeadamente, articulados; produção de prova e que tipos de prova foram produzidos, incluindo a pericial ou a realização de prova com recurso a cartas precatórias/rogatórias, ou que envolvam investigações de âmbito ou dimensão internacional; sentença (as dificuldades da aplicação do direito ao caso concreto, dúvidas sobre as questões jurídicas em discussão ou própria natureza complexa do litígio); número de jurisdições envolvidas por via de recursos; elaboração da conta].
XXXV. É, assim, que o número e a complexidade das questões de facto, a dificuldade das questões de direito, o volume do processo, a quantidade de provas a produzir, devem ser tomadas em conta no cômputo do prazo, sendo que não haverá que levar em conta quanto à complexidade da causa quando o atraso respeite a um ato ou uma fase processual em que ela não tenha incidência.
XXXVI. Já quanto ao segundo critério a avaliação do comportamento das partes atende não só ao uso do processo para o exercício ou efetivação de direitos como à utilização de mecanismos processuais [afere-se, nomeadamente, o uso de expedientes ou certas faculdades que obstam ao regular andamento do processo, v.g., a constante substituição do advogado, a demora na entrega de peças processuais, a recusa em aceitar as vias de instrução oral, o abuso de vias de impugnação e recurso sempre que a atitude das partes se revele abusiva e dilatória]. Daí que o TEDH exige que a parte queixosa tenha tido uma “diligência normal” no decurso do processo, não lhe sendo imputável a demora decorrente do exercício de direitos ou poderes processuais, como o de recorrer ou de suscitar incidentes inúteis.
XXXVII. Relativamente ao terceiro critério atende-se não apenas aos comportamentos das autoridades judiciárias no processo mas também ao comportamento dos órgãos do poder executivo e legislativo, exigindo-se, assim, que o direito ao processo equitativo se concretize com reformas legislativas ao nível das leis de processo e com reformas estruturais, mormente, com reforço dos meios humanos e materiais.
XXXVIII. A este propósito o TEDH tem considerado que a invocação de excesso de zelo para a realização de prova, a “lacuna na sua ordem jurídica”, a “complexidade da sua estrutura judiciária”, a doença temporária do pessoal do tribunal, a falta de meios e de recursos, uma recessão económica, uma crise política temporária ou a insuficiência provisória de meios e recursos no tribunal, não podem servir como razão suficiente para desculpar o Estado pelos períodos de tempo em que os processos estão parados traduzindo-se em situação de demora excessiva do processo o que constituiria infração ao art. 06.º da CEDH porquanto face à ratificação desta Convenção pelos Estados estes comprometem-se a organizar os respetivos sistemas judiciários de molde a darem cumprimento aos ditames decorrentes daquele preceito. XXXIX. Também a justificação do atraso na prolação de decisão judicial com base no volume de trabalho não tem merecido aceitação, pois, se pode eventualmente afastar a responsabilidade pessoal dos juízes não afasta a responsabilidade dos Estados.
XL. Assim, para efeitos de avaliar se houve violação do direito à justiça em “prazo razoável” a conduta negligente ou omissiva do juiz é equivalente à inércia do tribunal ou de qualquer autoridade dependente do tribunal em que corre o processo.
XLI. Nessa medida, quer estejamos perante atuação ou omissão de juiz, quer estejamos face a ausência de juiz, de falta de juízes por não haverem sido formados ou por má gestão dos respetivos quadros face ao volume de serviço do tribunal [deficiente definição dos quadros], quer, ainda, quando haja grande volume de serviço e não haja um adequado quadro de funcionários judiciais, como também pela insuficiência de condições físicas e meios colocados à disposição do tribunal [faltas de salas de audiência ou mesmo da falta equipamento ou do seu deficiente funcionamento quanto aquilo que são os meios legalmente previstos e impostos], o Estado responderá civilmente pela desorganização do aparelho judicial.
XLII. Por fim, quanto ao quarto critério analisa-se ou afere-se a natureza do litígio, assunto objeto de apreciação e tipo de consequências que dele resultam para a vida pessoal ou profissional das pessoas ou sujeitos envolvidos, mormente, a importância que a decisão tem para as partes.
XLIII. Este último critério tem desempenhado ou assumido um papel cada vez mais relevante a ponto de ser utilizado na apreciação da razoabilidade da duração dos processos em que se discutem certos direitos, mormente, em áreas como as da assistência social, as do emprego, as dos sinistros rodoviários ou ainda as relativas ao estado civil das pessoas [sua regularização].
XLIV. O critério da finalidade do processo assume importância primordial quando está em causa um processo urgente que vise tutelar situação de alegada ofensa irreparável. Com efeito, o tardar numa decisão judicial para além daquilo que foi o prazo alegado ou reclamado como necessário para evitar tal ofensa poderá tornar inútil o processo decorrido esse prazo, desvirtuando-se por completo o direito à tutela jurisdicional efetiva.
XLV. Atente-se igualmente ao que foi considerado por este Supremo Tribunal no seu acórdão de 09.10.2008 [Proc. n.º 0319/08 cuja jurisprudência veio a ser reafirmada, nomeadamente, nos acórdãos deste mesmo Tribunal de 05.05.2010 (Proc. n.º 0122/10) e de 01.03.2011 (Proc. n.º 0336/10) ambos in: «www.dgsi.pt/jsta»] a este propósito “o direito à decisão em prazo razoável mediante processo equitativo consagrado no art. 6.º da CEDH e n.º 4 do art. 20.º da Const. remete o aplicador para operar a determinação, apreciando as circunstâncias de cada caso, do que é o prazo razoável. (…) Esta determinação tem de adotar como primeiro critério o que resulta do elemento textual, isto é, a razoabilidade, o que nos remete para uma análise global, de conjunto da situação processual dos autos em que o demandante se queixa do atraso e não para os seus pormenores e para os prazos de cada fase e momento processual. (…) São de excluir desde logo da possibilidade de servir de esteio à apreciação os atrasos que tenham sido provocados pela própria parte que se queixa da demora. (…) Deve em seguida passar a analisar-se na globalidade o tempo de duração da ação e o seu estado e, se a conclusão que se recolher deste conspecto for clara e seguramente no sentido de que foi ultrapassado o prazo razoável não deveremos perder-nos na floresta dos meandros processuais à procura de saber se foi ou não cumprido religiosamente cada um dos prazos dos atos daquele percurso. Uma situação deste tipo pressupõe evidentemente uma opinião praticamente unânime de um universo de apreciadores que o julgador pode prefigurar e portanto ocorre apenas quando a demora processual seja chocante, inaceitável, para os critérios do homem comum e das suas expetativas ponderadas sobre o andamento da máquina da administração da justiça. (…) É de sublinhar neste ponto que em alguns casos de claro excesso do prazo razoável poderia porventura o método analítico de cada ato processual e respetivo prazo conduzir à conclusão de que não houve atrasos, mas nem assim se pode infirmar a conclusão do excesso injustificado porque a ser assim teria o Estado que prover a criação de outros ou diferentes meios, mecanismos, prazos, organização, para atingir o objetivo de administrar a justiça em prazo razoável”.
XLVI. E continua-se no referido acórdão que numa “segunda hipótese vemos aqueles casos em que no conjunto do meio processual e do tempo que tardou, atendendo a aspetos como a complexidade do caso e o enxerto de incidentes indispensáveis, haja de concluir-se que se tratou ainda de um prazo razoável. (…) Também neste caso, como no antecedente se deve evitar conceder relevância, sequer analítica ao que se passou concretamente com os atos atomísticos que preenchem o processo e irreleva se houve um atraso na secretaria ou de um magistrado se ele não determinou a ultrapassagem do tempo razoável para a decisão da causa. (…) Uma terceira hipótese contempla aqueles casos em que é ultrapassada a duração média daquele tipo de processos, mas não existe uma demora que se afaste profundamente daquela média nem do tempo que seria expectável por um destinatário médio bem colocado para esta apreciação e o processo teve relativa complexidade e incidentes de modo que se podem colocar dúvidas quanto a determinar o que seria o prazo razoável naquela situação. (…) Neste grupo de casos parece que, ao lado de outros o critério analítico do cumprimento ou não dos prazos processuais pode desempenhar um papel relevante”.
XLVII. Sustentou-se ainda no acórdão deste Supremo de 10.09.2009 [Proc. n.º 083/09 consultável no mesmo sítio] que “a definição do que seja um prazo razoável não só não é meramente objetiva como também essa qualificação não pode ser atribuída em abstrato antes havendo de ter em consideração as circunstâncias concretas de cada caso, designadamente as relacionadas com natureza e complexidade do processo, a conduta do requerente e o comportamento das autoridades competentes (magistrados, órgãos de polícia e agentes dos serviços de justiça). O que quer dizer que o facto da conclusão do processo ter excedido o prazo legal, pode não ser qualificado como ilícito e culposo - Vd., entre outros, Acórdãos deste STA de 15/10/98 (rec. 36.811) e de 17/03/2005 (rec. 230/03). Ou seja, a violação do direito a uma decisão num prazo razoável só pode gerar a obrigação de indemnizar se as circunstâncias concretas do caso ditarem que ela podia ter sido alcançada num prazo inferior ao que efetivamente foi e que tal só aconteceu por incúria ou negligência dos operadores judiciários”».
(…)
Com efeito, os Autores centraram na sua petição inicial a violação do direito na obtenção de decisão judicial em prazo razoável e na demora de decisão, sendo que o tribunal a quo, e no que aqui releva, se limitou a concluir que o direito se encontrava prescrito.
Na esteira da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e da dos nossos Tribunais Superiores, considerando a generalidade das matérias tem-se como padrão referencial de razoabilidade de duração média global do processo o período de 4 a 6 anos, pelo que, tendo os autos em análise tido uma duração de mais de 16 anos, só em 1ª instância, está bem de ver, ter sido ultrapassado o prazo razoável de tramitação.
Aliás, lida a Petição Inicial na sua integralidade facilmente se apreende que o autor fundou o pedido indemnizatório por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, em resultado, nomeadamente, da delonga na prática dos atos processuais.
É seguro que por força do disposto no artigo 5.º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas (aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro), o direito à indemnização por responsabilidade civil extracontratual do Estado, das demais pessoas coletivas de direito público e dos titulares dos respetivos órgãos, funcionários e agentes bem como o direito de regresso prescrevem nos termos do artigo 498.º do Código Civil, sendo-lhes aplicável o disposto no mesmo Código em matéria de suspensão e interrupção da prescrição.
Dispõe o n.º 1 do artigo 498.º do CC que “o direito à indemnização prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso”.
Por seu turno, o artigo 306.º do Código Civil estabelece que “o prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido”.
A prescrição é uma forma de extinção de um direito pelo seu não exercício por um dado lapso de tempo fixado na lei e variável de caso para caso, só estando excluídos da prescrição os direitos indisponíveis e aqueles que a lei expressamente dela isenta (cfr. artigo 298.º do Código Civil), consubstanciado, assim, uma exceção perentória que, a verificar-se, conduz à absolvição do pedido (cfr. artigo 89.º n.º 3 do CPTA).
É pacífico, hoje, o entendimento de que resulta do inciso “a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete” constante do n.º 1 do artigo 498.º do Código Civil, que o momento relevante para efeitos do termo a quo do prazo prescricional ali previsto é o do conhecimento, pelo lesado, dos pressupostos que condicionam a responsabilidade que pretende efetivar. Isto porque o conhecimento desses pressupostos implica o conhecimento do direito à indemnização pelos danos que decorrem do facto danoso. Ainda que com desconhecimento da extensão integral dos danos. Ora, se na ação se pretende efetivar o direito a indemnização fundada em responsabilidade civil extracontratual do ESTADO PORTUGUÊS por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, erigindo-se como causa de pedir a demora excessiva na duração global do processo, relevante para a determinação do início do cômputo do respetivo prazo de prescrição, nos termos do artigo 498.º nº 1 do Código Civil, é o momento em que foi prolatada a decisão que lhe põe fim.
Nesse sentido se pronunciou, aliás, o acórdão do STA de 06/02/2020, Proc. nº 03/16.3BEALM, onde se sumariou que «Em situações de responsabilidade do Estado por atraso na justiça como as dos presentes autos, deve entender-se que o prazo prescricional fixado no artigo 498.º do CC apenas começa a correr com a prolação da decisão de mérito irrecorrível.».
Mais ali se referiu que «(…) estas situações de indemnização por atraso na justiça são situações sui generis, estando-se em face de um non facere, além do mais não reportado a nenhum prazo específico. Acresce a isto que estamos no âmbito do exercício de um direito que tem uma fonte simultaneamente interna (art. 20.º CRP) e internacional (art. 6.º CEDH), sendo que a adequação do ordenamento interno às exigências que derivam da adesão à CEDH pode implicar algumas soluções mais específicas ou individualizadas do legislador ou mesmo do julgador, no sentido de não vulnerar de forma desproporcional o direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas. O princípio da subsidiariedade da tutela europeia pressupõe a exaustão dos remédios domésticos e o dever do Estado de implementar ou prover à existência desses mesmos remédios domésticos. Ora, a solução preconizada pelas instâncias nos presentes autos teria como consequência uma restrição excessiva do mencionado direito. A verdade é que nestas situações de indemnização por atraso na justiça, um eventual atraso terá de ser apreciado de forma unitária, desde a proposição da ação até à prolação da decisão de mérito final. Até porque pode haver atrasos em certas fases do processo e não em todas, sendo isso, no entanto, suficiente para condenar o Estado por atraso na justiça. Só uma visão global do processo permite, pois, ao julgador, avaliar se a decisão judicial foi dada sem dilações indevidas».
Na situação dos autos temos que, em face da factualidade dada como provada, o processo apenas veio a ser definitivamente decidido pela homologação da transação em fevereiro de 2019, quando o processo havia sido instaurado em fevereiro de 2003.
Ora, se a ação presente, pela qual os autores pretendem obter a condenação do ESTADO PORTUGUÊS a pagar-lhes uma indemnização por danos não patrimoniais, se funda na demora excessiva de processo que foi instaurada em 7 de janeiro de 2020, sendo que a citação ocorreu em 14 de janeiro de 2020, ato que, assim, interrompeu a prescrição (cfr. artigo 323.º nº 1 do Código Civil), tem que concluir-se que em tal data não havia ainda decorrido o prazo prescricional de 3 anos previsto no artigo 498.º n.º 1 do Código Civil.
O direito indemnizatório reivindicado pelos autores não se mostra, pois, prescrito».
Ora, louvando-nos neste entendimento − aqui acolhido ao abrigo do disposto no artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil −, cabe julgar improcedente a excepção peremptória de prescrição do direito dos Autores, cujo conhecimento foi suscitado pelo Estado Português.”
*
O presente recurso incide sobre o Despacho Saneador proferido em sede de audiência prévia, introduzido no SITAF a 24.02.2025, na parte em que julgou improcedente a invocada exceção perentória de prescrição do direito indemnizatório dos Autores/Recorridos, por considerar que, em situações de responsabilidade do Estado por atraso na justiça, o início do prazo prescricional do direito indemnizatório previsto no artigo 498º, nº 1 do Código Civil apenas começa a correr quando for proferida decisão no processo alegadamente atrasado.
O Recorrente entende que no âmbito do direito de indemnização por atraso na justiça, o legislador prevê que este direito pode ser exercido a partir do momento em que o lesado tem conhecimento da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, conforme estipula o artigo 498.º, n. 1 do Código Civil.
O prazo de prescrição inicia-se com o conhecimento dos factos da vida que integram os pressupostos legais do direito de indemnização e, no caso do direito de indemnização por atraso na realização da justiça, o trânsito em julgado da decisão proferida no processo alegadamente atrasado não é um pressuposto do direito indemnizatório.
O Recorrente acrescenta que, face aos factos dados como assentes, os Recorridos tiveram conhecimento dos elementos constitutivos ou dos pressupostos do eventual direito à indemnização, pelo menos, em 15 de janeiro de 2014, pelo que, à data da citação do Réu, e até mesmo à data da propositura da presente ação, o direito de indemnização já estava prescrito.
Segundo o Recorrente, para evitar o decurso do prazo de prescrição, o lesado deveria intentar a ação indemnizatória ainda na pendência do processo atrasado.
Se o propósito do legislador fosse o de estabelecer que o lesado só está em condições de exercer o seu direito indemnizatório após o trânsito em julgado da decisão atrasada, tê-lo-ia consagrado expressamente.
Ora bem:
A decisão recorrida balizou o seu enquadramento fáctico jurídico de forma concertada com aquele que é o entendimento jurisprudencial dominante: os lesados apenas no final do processo têm plena consciência da dimensão exata do atraso verificado, pelo que, nos processos em que se coloca em crise a violação do direito a uma decisão em prazo razoável, apenas após o trânsito em julgado da decisão final na ação a que respeite corresponde ao momento em que o lesado tem conhecimento do seu direito, tendo início nessa data o prazo de prescrição vertido no artigo 498.º, n.º 1 do Código Civil (cfr. neste sentido, entre outros, o acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 10 de dezembro de 2020, proferido no processo n.º 995/19.0BESNT-S1 e os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, datados de 6 de fevereiro de 2020, proferido no processo n.º 03/16.3BEALM e de 19 de novembro de 2020, proferido no processo n.º 0506/16.0BELSB-A).
Desde logo:
Por força do disposto no artigo 5.º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas (aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro), o direito à indemnização por responsabilidade civil extracontratual do Estado, das demais pessoas coletivas de direito público e dos titulares dos respetivos órgãos, funcionários e agentes bem como o direito de regresso prescrevem nos termos do artigo 498.º do Código Civil, sendo-lhes aplicável o disposto no mesmo Código em matéria de suspensão e interrupção da prescrição.
Por sua vez, dispõe o n.º 1 do artigo 498.º do CC que “o direito à indemnização prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso”.
Por seu turno, o artigo 306.º do Código Civil estabelece que “o prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido”.
Este TCA Sul teve ocasião de se pronunciar sobre esta questão em algumas situações, mas chama-se aqui à colação, pela assertividade do próprio sumário, o acórdão datado de 10.12.0202, proferido no processo nº 995/19.0BESNT-S1, disponível para consulta em www.dgsi.pt:
“I. Apenas na sequência da prolação da decisão final na ação em questão e do respetivo trânsito em julgado se pode ter por firmado o conhecimento do direito indemnizatório, derivado da extensão do atraso no funcionamento do aparelho de justiça.
II. Pelo que aí tem início o prazo de prescrição de três anos, previsto no artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil.”

(negrito, itálico e sublinhados são sempre de nossa autoria)

Da mesma forma, no acórdão do STA, datado de 06/02/2020, proferido no proc. nº 03/16.3BEALM, também se enunciou, no sumario, de forma bastante clara, que: «[e]m situações de responsabilidade do Estado por atraso na justiça como as dos presentes autos, deve entender-se que o prazo prescricional fixado no artigo 498.º do CC apenas começa a correr com a prolação da decisão de mérito irrecorrível
Nesse aresto refere-se, ainda, que «(…) [a] verdade é que nestas situações de indemnização por atraso na justiça, um eventual atraso terá de ser apreciado de forma unitária, desde a proposição da ação até à prolação da decisão de mérito final. Até porque pode haver atrasos em certas fases do processo e não em todas, sendo isso, no entanto, suficiente para condenar o Estado por atraso na justiça. Só uma visão global do processo permite, pois, ao julgador, avaliar se a decisão judicial foi dada sem dilações indevidas».
Efetivamente, só esta compreensão faz para nós sentido. Só com a prolação da respetiva decisão e respetivo trânsito em julgado se pode fazer uma ponderação ajuizada e global sobre a delonga na tramitação do processo.
Não merece, pois, acolhimento, o entendimento propugnado pelo Recorrente, no sentido que para evitar o decurso do prazo de prescrição, o lesado deveria intentar a ação indemnizatória ainda na pendência do processo atrasado, uma vez que os Recorridos tiveram conhecimento dos elementos constitutivos ou dos pressupostos do eventual direito à indemnização no decurso do processo (pelo menos, em 15 de Janeiro de 2014) e que, por isso, à data da citação, o direito de indemnização já estava prescrito.
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Concluindo (sumário elaborado nos termos e para os efeitos previstos no artº 663º, nº 7 do CPC):
I. Só com a prolação da decisão no processo no qual se verifica o suposto atraso, e respetivo trânsito em julgado, se pode fazer uma ponderação ajuizada e global sobre a delonga na tramitação do processo e sua licitude/ilicitude.
II. Não faz sentido que para evitar o decurso do prazo de prescrição, o lesado deva intentar a ação indemnizatória ainda na pendência do processo atrasado, uma vez que, embora o conhecimento dos elementos constitutivos ou dos pressupostos do eventual direito à indemnização vá ocorrendo no decurso do processo, apenas com o termo do processo se logra apurá-lo integralmente.
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V – Decisão:
Assim, face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da subsecção administrativa comum da secção de contencioso administrativo do TCA Sul, em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a decisão recorrida.
Custas a cargo do Recorrente.
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Lisboa, 03 de julho de 2025

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Ricardo Ferreira Leite


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Mara Silveira


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Marta Cavaleira