Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 954/23.9 BELSB |
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Secção: | CA |
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Data do Acordão: | 11/23/2023 |
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Relator: | MARTA CAVALEIRA |
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Descritores: | INTIMAÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES, CONSULTA DE PROCESSOS E PASSAGEM DE CERTIDÕES PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES PASSAGEM DE CERTIDÃO INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE OBJETO DO PEDIDO |
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Sumário: | I - A inutilidade superveniente da lide, causa de extinção da instância, nos termos do disposto na alínea e) do artigo 277.º do Código de Processo Civil, ocorre quando, por facto ocorrido na pendência da instância, se torna inútil a pronúncia judicial, porque o resultado que se pretendia atingir com a propositura da ação já foi alcançado por outro meio. II – A inutilidade superveniente da lide ocorre se, na pendência da instância, forem prestadas ao Requerente as informações solicitadas e emitida a certidão requerida com todos os elementos a que se refere o requerimento apresentado pelo Requerente, por ter sido, desse modo, alcançado o resultado que se pretendia atingir com a propositura da intimação judicial. III - Está, à partida, afastada a possibilidade de satisfação da pretensão do Requerente através de alegações produzidas em articulado apresentado em juízo e da junção aos autos do processo administrativo, uma vez que não foi esse o resultado que se esperou alcançar com o processo. IV – Atentos os limites do objeto da intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, definidos no n.º 1 do artigo 104.º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos, não pode intimar-se a Entidade Requerida à produção de elementos inexistentes à data da apresentação, pelo Requerente, do pedido de informações e passagem de certidão. |
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Votação: | c/ declaração de voto |
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Indicações Eventuais: | Subsecção COMUM |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | I. RELATÓRIO
A…, melhor identificado nos autos, intentou contra o Instituto da Segurança Social, I.P. intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, pedindo que o requerido seja intimado a prestar informações e a emitir certidão, nos termos por si requeridos, em 7 de março de 2023, relativos «à sua carreira contributiva, concretamente sobre dois períodos de tempo omissos que o ISS desconsidera e faz irrelevar para o cálculo da pensão»: «(i) informar, documentando, todo o processo acima identificado incluindo a razão da não contagem de cada um dos períodos em causa, designadamente razões de direito; (ii) informar, especificadamente, ponto por ponto, e sem remissões, tudo o mais que fosse relevante a este respeito; e, por fim, (…) (iii) passar certidão de tudo o que constasse sobre o mesmo assunto, incluindo comunicações – compreendendo todos os atos administrativos preparatórios, informações, e abrangendo outrossim todos os demais documentos independentemente da sua proveniência e/ou autoria, com certidões de pareceres, informações e/ou propostas que pudessem conter os respetivos fundamentos de factu e de iure, bem como decisões definitivas eventualmente proferidas, tudo conforme art.ºs 152.º e 153.º do Código do Procedimento Administrativo».
Citado para o efeito, o Requerido apresentou resposta alegando, em síntese, que não se compreende a intimação já que toda a informação pretendida foi já prestada ao requerente, primeiro por missiva de 3 de março de 2023 e, depois, reiterada em 5 de abril deste ano, e que o que se constata é que o requerente não sabe interpretar a informação que recebe e incorre em erro, pelo que procede, neste articulado, «à interpretação dos documentos em anexo». Considerando estar «tudo explicado», defende que a informação deve ter-se como prestada e deve o processo findar por inutilidade superveniente da lide. Juntou o processo administrativo.
Notificado da resposta e para se pronunciar, querendo, sobre a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, o Requerente nada disse.
O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, por sentença de 4 de maio de 2023, decidiu julgar a «ação intentada por A…. procedente e, em consequência, intimo[u] o INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P., a, no prazo de 10 (dez) dias, comunicar e certificar àquele primeiro a transcrição integral de todos os elementos de que disponha relativamente ao cálculo do valor da sua pensão de aposentação.»
Inconformado com esta decisão, o Requerido Instituto da Segurança Social, IP interpôs recurso de apelação, apresentando alegações nas quais formulou as seguintes conclusões: «1 - A informação solicitada nestes autos já foi prestada por articulado de 6 de abril de 2023, sendo certo que a informação adicional em que o R. foi condenado a prestar, sobre a concreta fórmula de calculo é absolutamente ilegítima e em desrespeito pelo art. 104.º da LPTA. 2 – Não pode o tribunal concluir, sem qualquer motivo legitimo, que poderão existir outros documentos ou pareceres ou informações que não foram juntas aos autos, e, com base nessa ilação, considerar não cumprida a obrigação, e exigir documento a comprovar que nada mais existe, (sem que nada o possa intuir) como que estigmatizando o requerido como entidade vigarista e fraudulenta. 4-Por outro lado, constando a fórmula e o método de calculo de diploma legal imperativo, não pode o tribunal impor uma explicação detalhada e pormenorizada de todos os passos das operações aritméticas efetuadas para chegar ao valor final, sobretudo num caso como este em que se explica quais foram as parcelas que contaram, como se pode intuir pelo Art.º 153 do C.P.A. 3- Neste sentido, vejam-se acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo (STA) de 17/01/2008, in processo n.º 0896/07, acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) de 30/06/2011, in processo n.ºs 07733/11 e acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN) de 2/4/2009, in processo n.º 01993/08.5BEPRT, disponíveis em www.dgsi.pt e dos quais resulta que “O meio de ação do art.º 104º CPTA tem por escopo providenciar o acesso a informação documentada existente antes da formulação do pedido pelo interessado, com legitimidade para o efeito, e não o acesso a informação documentada ou a documentos que ainda tenham de ser produzidos” (sumário do citado acórdão do TCAS). 4- E, por maioria de razão, não serve este procedimento para obrigar o requerido a tomar decisões futuras, ou a praticar atos que ainda tenham de ser produzidos no normal decurso de um procedimento. 5-Sendo assim, deverá a informação prestada ter-se como bastante e deverá ser declarada a inutilidade superveniente da lide. Termos em que: -Julgando-se procedente o recurso e revogando-se o acórdão recorrido proferido pelo Tribunal, e decretando a inutilidade superveniente da lide, este Tribunal fará a costumada JUSTIÇA».
Notificado para o efeito, o Recorrido não apresentou contra-alegações.
O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 146.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, emitiu parecer pronunciando-se pela improcedência do recurso.
Sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente, mas com prévia divulgação do projeto de acórdão, o processo vem à conferência da Subsecção Administrativa Comum para julgamento. * * * II. OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A DECIDIR Atentas as conclusões das alegações do recurso, que delimitam o seu objeto, nos termos do n.º 4 do artigo 635.º e dos n.ºs 1 e 2 do artigo 639.º, do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do disposto no n.º 3 do artigo 140.º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, cumpre decidir se o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento: - Erro de julgamento por não ter sido extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide; – Erro de interpretação do n.º 1 do artigo 104.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (objeto da intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões).
* * * III. FUNDAMENTAÇÃO III.1. Fundamentação de facto A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos, que, por não impugnados, se mantêm: «1. Em 07.03.2023, o Requerente apresentou um requerimento junto do Requerido, cujo teor se reproduz parcialmente infra: (cf. cópias do requerimento, anexos e aviso de receção postal juntas a fls. 11-22 dos autos no SITAF, documentos que se dão por integralmente reproduzidos). 2. Em 24.03.2023, o Requerente apresentou a juízo o r.i dos presentes autos de intimação (cf. comprovativo de entrega junto a fls. 1-3 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido). 3. Através de ofício datado de 05.04.2023, o Requerido notificou o Requerente de que: (cf. cópia do ofício junta a fls. 53 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido). 4. Em 06.04.2023, o Requerido apresentou a sua resposta no âmbito da presente intimação (cf. resposta e respetivo comprovativo de entrega juntos a fls. 43- 52 dos autos no SITAF, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).» * Mais se julga provado que: 5. Através de ofício datado de 3 de março de 2023, o Requerido informou o Requerente de que: (cf. cópia do ofício junta ao Processo Administrativo a fls. 54 dos autos no SITAF).
* * III.2. Fundamentação de direito Erro de julgamento - inutilidade superveniente da lide A impossibilidade e a inutilidade superveniente da lide são, nos termos do disposto na alínea e) do artigo 277.º do Código de Processo Civil, causas de extinção da instância. A extinção da instância, em ambas as situações, decorre de factos ocorridos na pendência da instância: no caso da impossibilidade superveniente da lide, o facto ocorrido na pendência da instância torna impossível atingir o resultado que se pretendia atingir com a propositura da ação; no caso da inutilidade superveniente da lide, esse facto torna inútil a pronúncia judicial, porque o resultado que se pretendia atingir com a propositura da ação já foi alcançado por outro meio. O presente processo foi intentado com vista a obter a intimação do Requerido a satisfazer o pedido formulado pelo Requerente, no exercício do direito à informação procedimental, no âmbito do procedimento relativo à contagem de tempo da «sua carreira contributiva» relevante para «cálculo da pensão». O Requerente pede que se determine a intimação do Requerido a prestar informações e a emitir certidão, nos termos por si requeridos, em 7 de março de 2023, relativas «à sua carreira contributiva, concretamente sobre dois períodos de tempo omissos que o ISS desconsidera e faz irrelevar para o cálculo da pensão»: «(i) informar, documentando, todo o processo acima identificado incluindo a razão da não contagem de cada um dos períodos em causa, designadamente razões de direito; (ii) informar, especificadamente, ponto por ponto, e sem remissões, tudo o mais que fosse relevante a este respeito; e, por fim, (…) (iii) passar certidão de tudo o que constasse sobre o mesmo assunto, incluindo comunicações – compreendendo todos os atos administrativos preparatórios, informações, e abrangendo outrossim todos os demais documentos independentemente da sua proveniência e/ou autoria, com certidões de pareceres, informações e/ou propostas que pudessem conter os respetivos fundamentos de factu e de iure, bem como decisões definitivas eventualmente proferidas, tudo conforme art.ºs 152.º e 153.º do Código do Procedimento Administrativo» (cfr. número 1 da matéria de facto provada). Assim sendo, no caso, a inutilidade superveniente da lide só ocorre se, na pendência da instância, foram prestadas ao Requerente as informações e emitida a certidão requerida com todos os elementos a que se refere o requerimento por si apresentado, em 7 de março de 2023, por ter sido, desse modo, alcançado o resultado que se pretendia atingir com a propositura da intimação judicial. Está, à partida, afastada a possibilidade de satisfação da pretensão do Requerente através de alegações produzidas em articulado apresentado em juízo e da junção aos autos do processo administrativo, uma vez que não foi esse o resultado que se esperou alcançar com o presente processo. O pedido do Requerente é de prestação de informações e de passagem de certidão, com os elementos que discrimina no pedido. A sua pretensão só estará satisfeita se lhe forem prestadas as informações e emitida a certidão com todos esses elementos e não através da leitura de articulado apresentado em juízo e da consulta do processo administrativo, junto aos autos. Para apurar se a sentença recorrida errou ao julgar que não se verifica a invocada inutilidade superveniente da lide não são relevantes as «explicações» do Requerido oferecidas no articulado apresentado em juízo, no âmbito do presente processo, nem os documentos constantes do processo administrativo, junto aos autos, mas sim, apenas, o conteúdo da resposta enviada pelo Requerido ao Requerente na pendência do processo. Ora, na resposta enviada ao Requerente, o Requerido limitou-se a informar quais os períodos em relação aos quais «foram localizados registo de contribuições», que esses períodos perfazem um total de «34 anos civis» e que procedeu «à revisão do cálculo da sua pensão, conforme o teor do (…) ofício datado de 2023/03/03» (cfr. número 3 da matéria de facto provada), o que não dá resposta ao solicitado pelo Requerente. Não merece, pois, censura a sentença na parte em que julgou não verificada a inutilidade superveniente da lide.
Erro de interpretação do n.º 1 do artigo 104.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (objeto da intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões) O Recorrente alega que a condenação a prestar informação sobre a concreta fórmula de calculo é absolutamente ilegítima e desrespeita o artigo 104.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Entende que, constando a fórmula e o método de cálculo de diploma legal imperativo, não pode o tribunal impor uma explicação detalhada e pormenorizada de todos os passos das operações aritméticas efetuadas para chegar ao valor final, sobretudo num caso como este em que se explica quais foram as parcelas que contaram. Defende que este meio processual «tem por escopo providenciar o acesso a informação documentada existente antes da formulação do pedido pelo interessado, com legitimidade para o efeito, e não o acesso a informação documentada ou a documentos que ainda tenham de ser produzidos» e que, «por maioria de razão, não serve (…) para obrigar o requerido a tomar decisões futuras, ou a praticar atos que ainda tenham de ser produzidos no normal decurso de um procedimento». O tribunal a quo, não obstante refira julgar «a presente ação (…) procedente», não condenou o Requerido a prestar todas as informações e a fornecer todos os elementos requeridos. Considerando que o que o Requerente procura alcançar com o seu pedido corresponde, «em sentido lato, à fundamentação do cálculo do valor da sua pensão de aposentação», decidiu intimar o Requerido a «comunicar e certificar» ao Requerente «a transcrição integral de todos os elementos de que disponha relativamente ao cálculo do valor da sua pensão de aposentação» (sublinhado nosso). O teor da condenação não deixa margem para dúvidas. Ao contrário do que entende o Recorrente, o tribunal a quo não intimou o requerido à produção de elementos relativos ao cálculo do valor da sua pensão de aposentação, inexistentes à data da apresentação, pelo Requerente, do pedido de informações e passagem de certidão. Apenas intimou a comunicar e certificar a transcrição integral de todos os elementos de que o Requerido já disponha relativamente ao referido cálculo. Que a condenação respeita os limites do objeto da intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, definidos no n.º 1 do artigo 104.º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos, é reforçado pela fundamentação da sentença. O tribunal a quo realça, fazendo apelo ao entendimento consensual da «doutrina e jurisprudência», que «“o processo de intimação pressupõe a existência de documentos pré-constituídos ou materializados em poder da Administração e não pode servir para impor à entidade administrativa o dever de produzir novos documentos ou praticar atos administrativos ou regulamentares que se considerem em falta, ou organizar dossiers estruturados ou sínteses de documentação administrativa sobre determinada matéria, ou ainda esclarecer quaisquer questões atinentes a anterior atuação administrativa” (cf. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, 2017, 4.ª edição, página 864)» concluindo, por isso, que «caso o Requerido não disponha de tais elementos deverá, então, certificar a sua inexistência, por forma a assegurar o dever de informação que sobre si recai.» Face ao exposto, também nesta parte o recurso tem de ser julgado improcedente.
As custas são a cargo do Recorrente (n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil). * * * IV. DECISÃO Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Subsecção Administrativa Comum, da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso. Custas pelo Recorrente. Registe e notifique. Lisboa, 23 de novembro de 2023 Marta Cavaleira (Relatora) Ricardo Ferreira Leite Ana Paula Martins (com declaração de voto) Declaração de voto Não acompanho a fundamentação na parte em que dela se retira o princípio/regra de que, independentemente das concretas circunstâncias de cada caso, o conteúdo da resposta apresentada em juízo é irrelevante para aferir da inutilidade superveniente da lide. Ana Paula Martins |