| Decisão Texto Integral: | I Relatório
S....... devidamente identificada nos autos, no âmbito de Ação Administrativa Especial que intentou contra o Instituto da Segurança Social dos Açores, IPRA, tendente, em síntese, à anulação da decisão de indeferimento do recurso hierárquico por si interposto contra o despacho que determinou à restituição do valor que recebeu a título de montante global das prestações de desemprego para criação do próprio emprego, inconformada com a decisão proferida em 16 de junho de 2015, que julgou improcedente a Ação, veio recorrer jurisdicionalmente da decisão proferida em 2 de setembro de 2015.
Formulou a aqui Recorrente/S....... nas suas alegações de recurso as seguintes conclusões:
“1ª Inexiste matéria de facto suficiente para manter o ato impugnado, por falta de prova, pelo recorrido, dos factos constitutivos do seu direito (art° 342°, n° 1, do CC), nomeadamente da infração assacada à A. que conduziu à emissão do seu ato pelo qual determinou a restituição do apoio concedido, pelo que a ação devia proceder.
2ª Sem conceder, o tribunal a quo deu razão à recorrente, quando concluiu na pg. 5 que o ato recorrido não se encontra - sequer minimamente - fundamentado, mas não tirou as consequências dessa afirmação e não anulou o ato por vício de forma, como dispõem os art°s 125° e 135° do CPA e como exigência da CRP (art° 268°, n° 3).
3ª Subsidiariamente, a decisão recorrida é nula por conter insuficiente matéria de facto, o que vicia a decisão de direito.
4ª A decisão recorrida devia ter considerado provados os seguintes factos, com apoio nos documentos juntos com a p.i. :
a) Por ofício de 21.11.2013 o R. notificou a A. para repor 10.937,42€, por incumprimento injustificado do projeto de criação do próprio emprego antes do decurso de 3 anos a contar da data do início do projeto, nos termos da alínea b) do n° 9 do art° 12° da Portaria 985/2009 - doc. 1 da p.i..
b) A A. opôs-se, alegando que criou o seu emprego próprio enquanto trabalhadora independente e que o manteve, mas que pediu a isenção de descontos (enquanto trabalhadora independente, titular de empresa própria), por ter passado a fazer descontos como trabalhadora dependente, numa empregadora em que acumulou atividade, cujos descontos foram substitutivos dos seus descontos enquanto trabalhadora independente, e a isenção manteve-se nesse pressuposto, tendo essa situação sido do conhecimento da Segurança Social, que autorizou a isenção - doc. 2 da p.i..
c) Por ofício de 28.2.2014 o R. comunicou à A. que a reclamação não foi atendida pelo motivo aí indicado : «É de cessar a prestação e restituir os benefícios obtidos» - doc. 3 da p.i..
d) A A. interpôs recurso hierárquico dessa decisão - doc. 4 da p.i..
e) O R. não deu provimento a esse recurso, por deliberação comunicada à A. por ofício de 28.2.2014 - doc. 5 da p.i..
f) A A. apresenta descontos como trabalhadora dependente desde setembro de 2010 (doc. 6 da p.i.), tendo requerido isenção de descontos como trabalhadora independente, que lhe foi concedida pelo R. a partir de outubro de 2010, porque fazia essas contribuições como trabalhadora dependente (doc. 2 da p.i.).
5ª A A. não tem de restituir o subsídio de desemprego que recebeu de uma vez só para criação do seu próprio emprego, porque não entrou em incumprimento: Esse emprego próprio era a sua atividade independente, que manteve e acumulou com atividade dependente e que o R. isentou de contribuições por esse facto.
6ª Toda esta situação foi conhecida e autorizada pelo R., pelo que não se compreende que passados 3 anos viesse dar o dito pelo não dito, numa altura em que a A. não podia reverter a situação, e exigir afinal o apoio dado para a atividade cujos descontos isentou por acumulação de atividade dependente.
7ª Ou seja, a situação da A. é completamente justificada, não havendo lugar à restituição do benefício recebido, porque manteve a atividade da sua empresa e o seu posto de trabalho e apresentou descontos durante pelo menos 3 anos.
8ª Não existe pois a violação imputada pelo recorrido à recorrente, nem qualquer outra, nomeadamente ao art° 34°, n° 3, do DL 220/2006, como é referido na decisão recorrida, pois essa disposição é posterior (DL 64/2012) ao apoio concedido à recorrente, como prova pelo documento que junta, necessário por causa dessa afirmação errada, com que não contava.
9ª O ato do recorrido, impugnado, padece de falta de fundamentação determinante de vício de forma, de erro nos pressupostos de facto, uma vez que não considerou a manutenção de atividade e do posto de trabalho e os descontos na A. no regime geral de trabalhadora dependente e a isenção que lhe concedeu quanto aos descontos na sua atividade de trabalhadora independente (por esse motivo), e viola a norma em que se fundamenta, a alínea b) do n° 9 do art° 12° da Portaria 985/2009, o que o toma anulável (art° 135° do CPA).
Termos em que, deve o recurso proceder e ser anulado o ato impugnado.”
O Recurso apresentado veio a ser admitido por Despacho de 11 de setembro de 2015.
O Recorrido/ISSA veio a apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 19 de outubro de 2015, nas quais concluiu:
“a) A concessão do beneficio do pagamento de uma só vez das prestações de desemprego implica a criação de um projeto de criação de emprego e manter a atividade da empresa e o posto de trabalho pelo menos durante 3 anos.
b) A recorrente iniciou a sua atividade em 1 de Outubro de 2010 como trabalhadora independente no âmbito do projeto de criação do seu próprio emprego ao qual se candidatou em Agosto de 2010.
c) Estaria, a recorrente, obrigada a manter o seu posto de trabalho durante 3 anos, porém, a recorrente cessou a sua atividade como trabalhadora independente passados alguns meses, em 31 de Dezembro de 2010.(vide procedimento administrativo e documento. junto com a contestação)
d) Cessar a atividade de trabalhador independente não é o mesmo que estar isento do pagamento de prestações contributivas, a recorrida não confunde as duas situações, daí ter deferido a isenção de contribuir por tal ser legalmente possível.
e) O que a recorrente não cumpriu não foi não pagar as contribuições a que estava legalmente obrigada, mas não ter mantido a atividade laboral para a qual recebeu o beneficio por inteiro para criar o seu posto de trabalho.
f) De outra forma, a recorrente, receberia aquele subsidio mensalmente até conseguir ficar empregada ou até ao limite legal da sua concessão se não conseguisse emprego.
g) Nada tem, pois a haver com isenções de contribuir nem da substituição de uns descontos por outros..
h) Criar e manter o seu posto de trabalho é requisito essencial para a concessão daquele beneficio.
i) A recorrente passados poucos meses passou a exercer uma atividade dependente, conseguindo o emprego almejado.
j) Não está em causa contribuir ou não com os descontos obrigatórios para a segurança social, mas essencialmente, cumprir os requisitos do beneficio a que se candidatou - criação do seu próprio emprego, de acordo com a legislação aplicável. (Cfr. DL220/2006 de 3 de Novembro atualizado pelo DL 64/2012 de 15 de Março).
k) a proibição de acumulação sempre existiu, senão não se entendia o sentido da lei face à concessão de um beneficio que não está ao alcance de todos e que implica o cumprimento de requisitos específicos para a sua concessão.
l) Assim, o DL 64/2012 apenas veio intensificar o já entendido no DL 220/2006, não havendo qualquer vicio de forma quanto ao ato recorrido.
Nestes termos e nos mais de direito, deve a presente ação ser julgada procedente, mantendo-se o douto acórdão ora recorrido.”
O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado em 20 de novembro de 2015, veio a emitir Parecer no próprio dia no qual se afirma, a final, que “o recurso não merece provimento, devendo ser mantido o Acórdão recorrido que não merece censura.”
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir, designadamente, se como alegado, “inexiste matéria facto suficiente para assacar à Autora a infração que conduziu à emissão do ato e não se verificou a violação imputada à recorrente”, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.
III – Fundamentação de Facto
Foi em 1ª Instância fixada a seguinte matéria de facto:
“1. Por ofício de 21/11/2013, a Ré notificou a Autora para repor € 10.937,42 por incumprimento injustificado do projeto de criação do próprio emprego antes do decurso de 3 anos a contar da data do início do projeto, nos termos da alínea b) do n°9 do artigo 12° da Portaria 985/2009.
2. A Autora interpôs recurso hierárquico de tal decisão.
3. Por despacho de 28/02/2014, foi indeferido o recurso hierárquico, com o seguinte teor: “Vimos pelo presente informar Va Ex.", que em resposta, ao seu recurso hierárquico e na sequência da sua análise, é de manter a decisão de restituição das prestações, de acordo com a seguinte redação “O Conselho Diretivo delibera por unanimidade concordar com a manutenção da decisão de mandar cessar a prestação em causa e de exigir a devolução dos benefícios obtidos. Determina-se assim o não provimento do recurso hierárquico interposto.”
4- A Autora cessou a atividade independente em 31 de dezembro de 2010 (Facto introduzido neste TCAS) (Doc. 1 Contestação)
IV – Do Direito
Importa agora analisar e decidir o suscitado.
No que aqui releva, discorreu-se no discurso fundamentador da decisão recorrida:
“(…) Da falta de fundamentação
Alega a Autora que o ato padece de falta de fundamentação.
O despacho que decidiu o recurso hierárquico é constituído por uma página e é do seguinte teor: “Vimos pelo presente informar V. Ex.ª, que em resposta, ao seu recurso hierárquico e na sequência da sua análise, é de manter a decisão de restituição das prestações, de acordo com a seguinte redação “O Conselho Diretivo delibera por unanimidade concordar com a manutenção da decisão de mandar cessar a prestação em causa e de exigir a devolução dos benefícios obtidos. Determina-se assim o não provimento do recurso hierárquico interposto ”.
O dever de fundamentação dos atos administrativos encontra-se previsto no artigo 124° do Código do Procedimento Administrativo, o qual, no seu n° 1, dispõe que para além dos casos em que a lei especialmente o exija, devem ser fundamentados os atos administrativos que, total ou parcialmente:
a) Neguem, extingam, restrinjam ou afetem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;
b) Decidam reclamação ou recurso;
c) Decidam em contrário de pretensão ou oposição formulada por interessado, ou de parecer, informação ou proposta oficial;
d) Decidam de modo diferente da prática habitualmente seguida na resolução de casos semelhantes, ou na interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou preceitos legais;
e) Impliquem revogação, modificação ou suspensão de ato administrativo anterior.
Por seu turno, o artigo 125° do Código do Procedimento Administrativo, referente aos requisitos da fundamentação, que,
1 - A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respetivo ato.
2 - Equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato.
Em relação às menções obrigatórias do ato administrativo dispõe o artigo 123°, n° 1 do Código do Procedimento Administrativo que devem constar sempre do ato a enunciação dos factos ou atos que lhe deram origem, quando relevantes [alínea c], a fundamentação quando exigível [alínea d] e o conteúdo ou o sentido da decisão e o respetivo objeto [alínea e].
Atente-se que a enunciação dos factos ou atos que deram origem ao ato, tratando-se dos pressupostos (de facto) do ato, acaba por se confundir com a fundamentação do mesmo e que, no essencial, consiste na exposição sucinta das razões de facto e de direito da decisão. Ademais do ato deve constar, ainda, não só o conteúdo do ato - o feixe de direitos e obrigações que dele resulta - e o seu sentido, mas também o seu objeito, ou seja, a situação concreta ou as coisas, relações e atos jurídicos sobre que o ato versa.
Quando à fundamentação propriamente dita, estabelece o artigo 124°, n° 1 a sua obrigatoriedade quanto a atos administrativos que, total ou parcialmente neguem, extingam, restrinjam ou afetem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções [al. a)] e decidam em sentido contrário de pretensão ou oposição formulada por interessado, ou de parecer, informação ou proposta oficial [al. b)].
Os normativos citados correspondem ao cumprimento de diretiva constitucional decorrente do atual artigo 268°, n° 3 da Constituição da República Portuguesa no qual se consagra o dever de fundamentação e correspondente direito subjetivo do administrado à fundamentação.
A fundamentação da decisão administrativa consiste na enunciação de forma expressa das premissas fácticas e jurídicas em que a mesma assenta, visando, desta feita, impor à Administração que pondere antes de decidir e, assim, contribuir para uma rnais esclarecida formação de vontade por parte de quem tem essa responsabilidade para além de permitir ao administrado seguir o processo intelectual que a ela conduziu. Para tanto basta uma fundamentação sucinta, mas a mesma importa que seja ciara, concreta, congruente e de se mostrar contextuai.
Conforme é jurisprudência uniforme e constante a fundamentação assume-se como um conceito relativo que varia em função do tipo concreto de cada ato e das circunstâncias concretas em que é praticado, cabendo ao tribunal, em face de cada caso, ajuizar da sua suficiência mediante a adoção de um critério prático que consiste na indagação sobre se um destinatário normal, face ao itinerário cognoscitivo e valorativo constante do ato em causa, fica em condições de saber o motivo porque se decidiu num sentido e não noutro.
Nestes termos, um ato estará devidamente fundamentado sempre que um destinatário normal possa ficar ciente do sentido dessa mesma decisão e das razões que a sustentam, permitindo-lhe apreender o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela entidade administrativa, e optar conscientemente entre a aceitação do ato ou o acionamento dos meios legais de impugnação.
Aplicando estes conceitos ao ato em crise, temos, necessariamente, de concordar com a Autora, pois o ato impugnado não se encontra, nem sequer minimamente fundamentado. Lê-se na decisão que foi o Conselho Diretivo deliberou manter a decisão anterior, mas tão só.
Repare-se que a fundamentação nem sequer consiste em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, pelo contrário, limita-se, só, a concordar.
Aliás, não se pode deixar de referir que o recurso hierárquico nem sequer foi apreciado pelo Presidente do Conselho Diretivo da entidade demandada, tendo o Conselho Diretivo se limitado a deliberar a manutenção, ou não, da decisão anterior (sem discutir os fundamentos do recurso).
Contudo, como já foi mencionado, no contencioso administrativo há que ter em atenção a pretensão do interessado, não se condenando a entidade demandada a apreciar o que não apreciou.
Cumpre assim verificar se a nota de reposição deve ser, ou não, anulada.
Aqui chegados, analisemos se há um erro nos pressupostos de direito, conforme alegado pela Autora.
A Portaria n° 985/2009, de 4 de setembro, aprovou a criação do Programa de Apoio ao Empreendimento e à Criação do Próprio Emprego (PAECPE), a promover e executar pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional, I. P., e regulamentou os apoios a conceder no seu âmbito.
Nesse âmbito, a recorrente beneficiou da medida prevista no artigo 12° da mencionada portaria, a saber, o recebimento antecipado das prestações de desemprego.
Diz-nos o n° 1 de tal artigo que há lugar ao pagamento, por uma só vez, do montante global das prestações de desemprego, deduzido das importâncias eventualmente já recebidas, ao abrigo do previsto no artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro, sempre que o beneficiário das prestações de desemprego apresente um projeto ao abrigo da alínea b) do n.º 2 do artigo 1.° e que origine, pelo menos, a criação de emprego, a tempo inteiro, do promotor destinatário.
Tal benefício vem com uma obrigação, a de manutenção da atividade da empresa e dos postos de trabalho preenchidos por beneficiários das prestações de desemprego durante, pelo menos, três anos [artigo 12°, n°9, alínea b].
Foi por entender que a Autora não cumpriu tal obrigação, que o Instituto da Segurança Social a notificou para restituição do valor pago a título de montante global das prestações de desemprego.
Insurge-se a Autora, alegando que criou o seu próprio trabalho enquanto trabalhadora independente, tendo apenas pedido a isenção de descontos por ter passado a fazer descontos como trabalhadora dependente numa empregadora em que acumulou atividade.
Refira-se, em primeiro lugar, que a Autora limitou-se a afirmar que pretendia provar os factos não contraditados, não tendo cumprido o que é exigido pelo artigo 78°, n°1 , alínea 1) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (junção de documentos que provam, desde logo, os factos). De tal forma assim é que nem se percebe qual foi o emprego criado por si.
Contudo, tal questão tem ainda de ser apreciada à luz do Decreto-Lei 220/2006, de 3 de Novembro, com as alterações do Decreto-Lei 64/2012, de 15 de Março.
Tal diploma veio estabelecer o quadro legal da reparação da eventualidade de desemprego dos trabalhadores por conta de outrem (artigo 1º).
Um dos objetivos das prestações de desemprego é, como aconteceu no caso em análise, a promoção da criação de emprego, através, designadamente, do pagamento por uma só vez do montante global das prestações de desemprego com vista à criação do próprio emprego [artigo 6o, alínea b].
Por seu turno, diz-nos o artigo 34°, n° 1 de tal diploma que o subsídio de desemprego ou o subsídio social de desemprego inicial a que os beneficiários tenham direito pode ser pago globalmente, por uma só vez, nos casos em que os interessados apresentem projeto de criação do próprio emprego, sendo que o montante global das prestações corresponde à soma dos valores mensais que seriam pagos aos beneficiários durante o período de concessão, deduzido das importâncias eventualmente já recebidas.
Contudo, nas situações de criação do próprio emprego com recurso ao montante global das prestações de desemprego, os beneficiários não podem acumular o exercício dessa atividade com outra atividade normalmente remunerada durante o período em que são obrigados a manter aquela atividade (artigo 34°, n°3).
Ora, o incumprimento injustificado das obrigações decorrentes da aprovação do projeto de criação do próprio implicam a revogação do apoio concedido (artigo 34°, n°4).
Assim, e tendo a Autora cumulado atividade, conforme a própria admite, o que se mostrava expressamente vedado pelo artigo 34°, n°3 do Decreto-Lei 220/2006, de 3 de Novembro, com as alterações do Decreto-Lei 64/2012, de 15 de Março, tal implica, necessariamente, a revogação do apoio concedido (o que se compreende, pois o apoio destinava-se a tirar a Autora de uma situação de desemprego, o que a própria conseguiu por sua iniciativa, não necessitando do apoio).
Pelo exposto, e não tendo a Autora provado a criação de emprego, e tendo cumulado atividade durante o período em que foi concedido o apoio, julga-se a presente ação improcedente.”
Apreciemos o suscitado:
Refira-se, desde logo, que é para confirmar a Sentença Recorrida.
Refere-se recursivamente que “a decisão recorrida é nula por conter insuficiente matéria de facto, o que vicia a decisão de direito”. Se é certo que não se reconhece a referida circunstância, acresce que, ainda assim, tal não se consubstanciaria numa qualquer nulidade.
A matéria de facto fixada mostra-se sintética, mas suficiente e adequada para o sentido da decisão que veio a ser adotada, sendo que os factos que a Recorrente pretenderia acrescentar nada de substancial trariam à circunstância que determinou a devolução do subsidio atribuído.
Com efeito, resulta da matéria dada como provada que a aqui Recorrente beneficiou de um subsídio concedido ao abrigo da Portaria n.º 985/2009, de 4/09, destinado a Apoio à criação do Próprio Emprego, tendo recebido antecipadamente as prestações de desemprego, tendo sido notificada para devolver tal subsídio, por ter cessado a sua atividade como trabalhadora independente, e ter cessado a atividade da empresa e o posto de trabalho antes do decurso do prazo de 3 anos.
Resulta provado que atividade profissional da Recorrente se iniciou em 1 de Outubro de 2010, e que em 31-12-2010 o ISSA considerou ter a Autora cessado aquela sua atividade independente, por ter passado a exercer funções e a efetuar descontos como trabalhadora dependente.
É certo que que Autora, aqui Recorrente afirma ter mantido a atividade empresarial cumulativamente com a relação de emprego por conta de outrem, o que, no entanto, se mostra irrelevante, para contrariar o legalmente estatuído, pois que basta a circunstância de ter passado a estar empregada por conta de outrem para se considerar que deixou de poder beneficiar do subsídio concedido na totalidade.
Efetiva e incontornavelmente refere-se no art.º 12.º, da Portaria n.º 985/2009, de 4/09, na redação da Portaria n.º 58/2011 de 28/01/2011, na parte aplicável:
1 — Há lugar ao pagamento, por uma só vez, do montante global das prestações de desemprego, deduzido das importâncias eventualmente já recebidas, ao abrigo do previsto no artigo 34.- do Decreto -Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro, sempre que o beneficiário das prestações de desemprego apresente um projeto ao abrigo da alínea c) do n.º 2 do artigo 1º e que origine, pelo menos, a criação de emprego, a tempo inteiro, do promotor destinatário (...).
9 — Os projetos referidos no presente capítulo que não beneficiem da modalidade de apoio prevista na alínea a) do artigo 2.º:
(...)
b) Devem manter a atividade da empresa e os postos de trabalho preenchidos por beneficiários das prestações de desemprego durante, pelo menos, três anos.
Mais se refere no art.º 11º do mesmo diploma legal:
1 - São destinatários do Programa Nacional de Microcrédito todos aqueles que tenham especiais dificuldades de acesso ao mercado de trabalho e estejam em risco de exclusão social, possuam uma ideia de negócio viável, perfil de empreendedores e formulem e apresentem projetos viáveis para criar postos de trabalho (...).
É assim insofismável que o montante concedido à aqui Recorrente tinha a natureza de subsídio de desemprego, o qual pode ser concedido de uma só vez, desde que se reporte à criação do seu próprio posto de trabalho por parte do beneficiário, mas cuja concessão está condicionada à manutenção exclusiva deste posto de trabalho durante, pelo menos 3 anos a tempo inteiro, o que manifestamente não sucedeu, como admite a Autora, mostrando-se, assim, contrariados os art.ºs 12.º, n.ºs 1 e 9º., al. b) da Portaria n.º 985/2009, e 34.º, n.º 1, do DL n.º 220/2006, de 3/11, na redação do DL n.º 64/2012, de 15/03, com referência ao art.º 1.º, do mesmo diploma legal.
Efetivamente a Recorrente ao aceitar um posto de trabalho dependente não manteve a sua atividade independente nem o posto de trabalho que teria de manter.
Em bom rigor o que aqui está em causa não é o facto da recorrente ter pedido a isenção do pagamento das contribuições como trabalhadora independente e de estar a pagar contribuições como trabalhadora dependente, mas sim o facto de não ter cumprido um requisito essencial para a manutenção do apoio concedido.
A recorrente podia beneficiar da isenção do pagamento de contribuições enquanto trabalhadora independente pelo tempo legalmente possível e de acordo com os rendimentos da sua atividade.
A isenção que foi concedida em nada tem a ver com a sua acumulação com os descontos como trabalhadora por conta de outrem, como alega, pois que, em abstrato, poderia manter os dois tipos de contribuições.
Em qualquer caso, o deferimento da isenção do pagamento de contribuição como trabalhadora independente, é concedido com base no pedido da recorrente e de acordo com os preceitos legais aplicáveis e analisado o caso concreto, pois o volume de negócios como trabalhadora independente permitia essa isenção, não branqueando a situação irregular em que se encontra, em função da cessação da sua atividade independente.
Efetivamente, o que aqui está em causa e que se mostra incontornável é que a concessão do beneficio do pagamento de uma só vez das prestações de desemprego implica a criação de um projeto de criação de emprego e a manutenção da atividade da empresa e do correspondente posto de trabalho, pelo menos durante 3 anos, sendo que a Autora iniciou a sua atividade em 1 de Outubro de 2010 como trabalhadora independente no âmbito do projeto de criação do seu próprio emprego ao qual se candidatou em Agosto de 2010.
Deste modo, e como reiteradamente se afirmou já, estaria obrigada a manter o seu posto de trabalho durante 3 anos, sendo que, em concreto, cessou a sua atividade como trabalhadora independente em 31 de Dezembro de 2010.
O que a Autora, aqui Recorrente, não cumpriu não foi não pagar as contribuições a que estava legalmente obrigada, mas não ter mantido a atividade laboral para a qual recebeu o beneficio por inteiro para criar o seu posto de trabalho.
É indubitável que criar e manter o seu posto de trabalho era requisito essencial para a concessão daquele beneficio, não estando em causa contribuir ou não com os descontos obrigatórios para a segurança social, mas essencialmente, cumprir os requisitos do beneficio a que se candidatou – criação do seu próprio emprego, de acordo com a legislação aplicável.(Cfr. DL 220/2006 de 3 de Novembro atualizado pelo DL 64/2012 de 15 de Março) .
Diga-se ainda e finalmente, no que respeita à invocada Falta de Fundamentação, que ainda que se tendo admitido em 1ª instância que a fundamentação adotada se mostraria insuficiente, tal, em qualquer caso, não se mostra suficiente para determinar a anulação do controvertido ato.
Como se sumariou, nomeadamente, nos Acórdãos do TCAS nº 1002/20.6BELSB, de 20-01-2022 do TCAN nº 02171/09.1BEPRT de 05.12.2014 “O princípio geral de direito que se exprime pela fórmula latina “utile per inutile non vitiatur”, princípio que também tem merecido outras formulações e designações (como a de princípio da inoperância dos vícios, a de princípio anti formalista, a de princípio da economia dos atos públicos e a de princípio do aproveitamento do ato administrativo), vem sendo reconhecido quanto à sua existência e valia/relevância pela doutrina e pela jurisprudência nacionais, admitindo-se o seu operar em certas e determinadas circunstâncias.
Tal princípio habilita o julgador, mormente, o juiz administrativo a poder negar relevância anulatória ao erro da Administração [seja por ilegalidades formais ou materiais], mesmo no domínio dos atos proferidos no exercício de um poder discricionário, quando, pelo conteúdo do ato e pela incidência da sindicação que foi chamado a fazer, possa afirmar, com inteira segurança, que a representação errónea dos factos ou do direito aplicável não interferiu com o conteúdo da decisão administrativa, nomeadamente, ou porque não afetou as ponderações ou as opções compreendidas (efetuadas ou potenciais) nesse espaço discricionário, ou porque subsistem fundamentos exatos bastantes para suportar a validade do ato [v.g., derivados da natureza vinculada dos atos praticados conforme à lei], ou seja ainda porque inexiste em concreto utilidade prática e efetiva para o impugnante do operar daquela anulação visto os vícios existentes não inquinarem a substância do conteúdo da decisão administrativa em questão não possuindo a anulação qualquer sentido ou alcance.
A própria jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a seguir a orientação de que os vícios de forma não impõem, necessariamente, a anulação do ato a que respeitam, uma vez que as formalidades procedimentais essenciais se podem degradar em não essenciais, se o vício detetado não tiver a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada, impondo-se, então, o aproveitamento do ato – “utile per inutile non viciatur.”
Como se sumariou também no acórdão deste TCAN nº 216/11.4BECBR, de 03/06/2016, aqui aplicável mutatis mutandis “O princípio do aproveitamento do ato administrativo, é reconhecido quanto à sua existência e relevância, admitindo-se operar em determinadas circunstâncias.
Tal princípio permite negar relevância anulatória ao erro da Administração, mesmo no domínio dos atos proferidos no exercício de um poder discricionário, quando, pelo conteúdo do ato e pela incidência da sindicação que foi chamado a fazer, possa afirmar-se, com segurança, que a representação errónea dos factos ou do direito aplicável não interferiu com o conteúdo da decisão administrativa.
Se não obstante a verificação de vício anulatório do ato recorrido, se concluir que tal anulação não traria qualquer vantagem para o seu destinatário, deixando-o na mesma posição, a existência de tal vício não deve conduzir à anulação, por aplicação do princípio da inoperância dos vícios ou utile per inutile non vitiatur.”
Não está em causa sanar os vícios detetados, mas tão-só tornar inoperante a força invalidante dos mesmos, em resultado da verificada inutilidade da anulação resultante do juízo de evidência quanto à conformidade material do ato com a ordem jurídica, uma vez que a anulação do ato não traduz vantagem real ou alcance prático para o impugnante (cfr. Acórdão do TCAN, de 22/06/2011, proferido no processo n.º 00462/2000-Coimbra)
Trata-se, pois, da assunção de princípio segundo o qual utile per inutile non vitiatur, o que ocorrerá, fundamentalmente, quando se possa concluir que o erro ou ilicitude praticada não teria relevância no resultado final do procedimento.
Como se sumariou ainda no Acórdão do TCAN nº 2671/14.1BEBRG, de 05.02.2021 a propósito do referido principio “utile per inutile non vitiatur”, “Tal princípio habilita o julgador, mormente, o juiz administrativo a poder negar relevância anulatória ao erro da Administração [seja por ilegalidades formais ou materiais], mesmo no domínio dos atos proferidos no exercício de um poder discricionário, quando, pelo conteúdo do ato e pela incidência da sindicação que foi chamado a fazer, possa afirmar, com inteira segurança, que a representação errónea dos factos ou do direito aplicável não interferiu com o conteúdo da decisão administrativa, nomeadamente, ou porque não afetou as ponderações ou as opções compreendidas (efetuadas ou potenciais) nesse espaço discricionário, ou porque subsistem fundamentos exatos bastantes para suportar a validade do ato. Ou seja, ainda porque inexiste em concreto utilidade prática e efetiva para o impugnante do operar daquela anulação visto os vícios existentes não inquinarem a substância do conteúdo da decisão administrativa em questão não possuindo a anulação qualquer sentido ou alcance.”
Assim, mesmo que se admitisse alguma insuficiência na fundamentação do ato objeto de impugnação, tal não desvirtuaria o sentido da decisão proferida, pois que a Recorrente, tendo incumprido o regime legal relativo ao recebimento antecipado e integral das prestações de Desemprego, sempre estaria obrigada à devoluções dos montantes recebidos a esse titulo, independentemente da fundamentação adotada.
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Deste modo, nos termos e para os efeitos do Artº 656º CPC, em conformidade com o precedentemente expendido, decide-se em negar provimento ao Recurso interposto, confirmando-se a decisão proferida em 1ª instância.
Custas pela Recorrente.
Lisboa, 13 de setembro de 2023
Frederico de Frias Macedo Branco |